a partir de maio 2011

terça-feira, 10 de abril de 2012

LIVRO:O PRIMADO DE KARDEC: Sergio Aleixo 10


Capítulo 15: DOCUMENTO NORMATIVO FEBIANO

O texto “Esclarecimento da Federação Espírita Brasileira ao Movimento Espírita”, publicado na Revista Reformador de maio de 1995, pp. 131 a 133, assinado pelo presidente da F.E.B. à época, Juvanir Borges de Souza, chegou à condição de Documento Normativo no sítio eletrônico daquela Federação. É dito ali que a F.E.B. “tem sido alvo de tentativa de envolvimento em polêmicas que nenhum benefício trazem ao movimento espírita e só atendem ao interesse dos que procuram retardar a difusão do Espiritismo”, e que, “guardando o natural respeito aos que pensam e agem de forma diferente, ela não pretende ceder às tentações da polêmica”; “sente-se, todavia, no dever de prestar os esclarecimentos que entende necessários a todos os que se empenham, com sinceridade e dedicação, na nobre tarefa de difundir, estudar e praticar a Doutrina Espírita em toda a sua amplitude”. Como parte integrante dos pretendidos esclarecimentos, lê-se:

[...] a F.E.B. procura pautar as suas atividades dentro dos princípios que a Doutrina Espírita oferece, reconhecendo o Evangelho como a expressão mais pura da lei de Deus, roteiro moral para a Humanidade, e Jesus como o modelo e guia para todos os homens, independentemente das características do corpo por ele utilizado para conviver com os homens. Isto porque, não se constituindo em ponto básico da Doutrina Espírita a aceitação ou não das teorias que tratam deste assunto, dependente ainda de comprovação que deverá ocorrer com a evolução da Humanidade, representam uma questão de foro íntimo de cada adepto, sem nenhum prejuízo para o estudo ou a prática da doutrina.

Lamentável já é considerar a doutrina rustenista do Jesus agênere como algo inserido numa possibilidade de “comprovação que deverá ocorrer com a evolução da Humanidade”, tanto mais que este vislumbre seja apresentado aos espíritas com força de “documento normativo”; constituindo, pois, “norma” para o nosso movimento. Além disto, por que tanto escrúpulo em “ceder às tentações da polêmica”? E quanto à posição do Codificador? Este considerava útil a polêmica se constituísse discussão séria dos princípios doutrinários.[1]
A dificuldade para a Federação Espírita Brasileira, contudo, é que a discussão séria dos princípios professados por Kardec só pode deixar o rustenismo por ela divulgado como pivô de constrangimentos inomináveis. Esta questão não pode ser dirimida no “foro íntimo” de cada adepto, pois exige, na verdade, o esclarecimento de problemas conceituais e históricos graves demais, e que envolvem, sim, os “pontos básicos da doutrina”, com sérios prejuízos para seu estudo e sua prática. Ou será que a reencarnação, necessidade evolutiva, e não castigo a falidos, não constitui mais ponto básico do Espiritismo?
Diz-se que a F.E.B. se aplicou na edição dos livros kardecianos, mais de 7.500.000 de exemplares editados até 1995. Sem dúvida. Mas, como visto no cap. 9, este trabalho de tradução reclama que se ponham a descoberto as infidelidades deliberadamente cometidas em relação aos originais franceses. E em nome de que ocorreram algumas dessas deturpações? Do rustenismo e do ubaldismo professados pelo tradutor, que os julgava superiores à codificação kardeciana. As novas traduções, é certo, têm corrigido tais erros, mas são postas à venda com as que ainda os propagam. Trata-se de uma ambivalência sem desculpas.
Esclarecer abertamente estas e outras questões — quem sabe com um pedido de desculpas ao movimento espírita (afinal até o Papa João Paulo II o fez, por motivos mais sérios e a toda a Humanidade) — é bem mais próprio a que a F.E.B. cative o respeito e a possível adesão de “todos aqueles que se empenham, com sinceridade e dedicação, na nobre tarefa de difundir, estudar e praticar a Doutrina Espírita em toda a sua amplitude”, os quais, certamente, não querem “retardar a difusão do Espiritismo” e sim, melhor qualificá-la, vinculando-a ao máximo grau possível de responsabilidade conceitual e histórica.



[1] Cf. Revista Espírita. Nov/1858. Polêmica Espírita.

Capítulo 16: UMA GRAVE CONSTATAÇÃO

Bem se vê quanto estamos distantes, encarnados e desencarnados, da estrada segura percorrida pelo Codificador e pelos espíritos superiores que sempre o assistiram e orientaram. Encontramo-nos enveredados nos atalhos escuros em que nosso orgulho e egoísmo nos embrenharam, fantasiados de humildade e temperança.
O rustenismo não é uma simples divergência. Não se restringe ao problema da natureza do corpo de Jesus. Trata-se de uma dissidência, porque se considerou uma superação da obra kardeciana. Corretas foram, portanto, a constatação e a exortação do nosso Herculano Pires, atualíssimas:

O silêncio estabelecido pelo “Pacto Áureo” deu resultados negativos, pois toda uma geração de espíritas se formou nesse período e agora está sendo colhida de surpresa pela “novidade” do roustainguismo [...]; é necessário que os espíritas sinceros não se calem; é preciso dizer, alto e bom som, nas palestras e conferências, nos artigos e nos livros, a verdade sobre a obra de Roustaing. [...] É dever dos espíritas sinceros combater a mistificação roustainguista neste alvorecer da Era Espírita no Brasil. Ou arrancamos o joio da seara ou seremos coniventes na deturpação doutrinária que continua maliciosamente a ser feita.[1]

Sobre o que, pelos jornais da época, Artur Lins de Vasconcelos Lopes batizou de “Pacto Áureo” (05/10/1949) e J. Herculano Pires, mais acertadamente, definiu como “bula papalina”, “primeira eclosão dos instintos vaticânicos”, leia-se o capítulo 9 da biografia J. Herculano Pires, o Apóstolo de Kardec, escrita por Jorge Rizzini, desencarnado aos 17/10/2008. Trata-se da história real de uma manobra política que mudou os rumos da expansão do Espiritismo no Brasil, atrelando-o de vez ao “jugo da carne”, como disse Herculano. Prevendo o surgimento de seitas e cismas, Kardec, já no final de sua carreira, quis criar uma Constituição para o Espiritismo, o que o levou a declarar:

Para assegurar-se, no futuro, a unidade, uma condição se faz indispensável: que todas as partes do conjunto da doutrina sejam determinadas com precisão e clareza, sem que coisa alguma fique imprecisa. Para isso, procedemos de maneira que os nossos escritos não se prestem a interpretações contraditórias e cuidaremos de que assim aconteça sempre. [...] seitas poderão formar-se ao lado da doutrina, seitas que não lhe adotem os princípios ou todos os princípios, porém não dentro da doutrina, por efeito de interpretação dos textos. [...] Tomando a iniciativa da constituição do Espiritismo, usamos de um direito comum, o que todo homem tem de completar, como o entender, a obra que haja começado e de ser juiz da oportunidade. Desde o instante em que cada um é livre de aderir ou não a essa obra, ninguém se pode queixar de sofrer uma pressão arbitrária. Criamos a palavra Espiritismo, para atender às necessidades da causa; temos, pois, o direito de lhe determinar as aplicações e de definir as qualidades e as crenças do verdadeiro espírita. [...] Se a constituição tem por efeito diminuir momentaneamente o número aparente dos espíritas, terá, por outro lado, como consequência, dar mais força aos que caminharem de comum acordo para a realização do grande objetivo humanitário que o Espiritismo há de alcançar. Eles se conhecerão e se estenderão mutuamente as mãos, de um extremo a outro do mundo.[2]

Segundo o Codificador do Espiritismo, o que deve importar ao movimento espírita é a qualidade, não a quantidade dos adeptos. Logo, só a obra de Allan Kardec, estudada, respeitada, sincera e fielmente divulgada, pode dar-nos uma legítima Unificação Espírita. Rustenismo, ubaldismo, ramatisismo, andreluizismo, emmanuelismo e quejandos representam, conforme previu Kardec, seitas que se formaram “ao lado da doutrina, porém não dentro da doutrina”. Trata-se de espiritualismos, não de Espiritismo.
Como pode ser, então, que instituições não espíritas integrem hoje os Conselhos de Unificação? Será que alguns dirigentes resolveram pôr em prática o ecletismo rustenista, ensaiando a fusão forçada dos diversos cultos num novo elebevismo? Se o rustenismo e o chiquismo continuarem estatutários na F.E.B. (cf. arts. 1.º, § único, e 63) tais condutas serão sempre legítimas, porque estarão abrigadas por esse verdadeiro Cavalo de Troia jurídico.



[1] O Verbo e a Carne. XII.
[2] Obras Póstumas. Segunda parte. Constituição do Espiritismo. II e X.

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