Metodologia espírita e cisma rustenista
Capítulo 14: ESTRANHEZAS DO ENSINO RUSTENISTA
1.º — Moisés, Elias e João Batista “são uma mesma e única entidade, o mesmo Espírito encarnado três vezes em missão”. Então, quando falaram com Jesus no monte em que se transfigurou, um deles, na verdade, não era quem parecia ser, pois “um Espírito superior, da mesma elevação que Elias e João, tomou a figura, a aparência de Moisés”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. II, n. 195, p. 497-498.)
2.º — “O mineral morre quando é arrancado do meio em que o colocara o autor da natureza; a pedra tirada da pedreira, o minério extraído da mina, deixando de existir [...]; a essência espiritual, que residia nas paredes do mineral, retira-se daí por uma ação magnética, dirigida e fiscalizada pelos espíritos prepostos, e é transportada para outro ponto”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 56, p. 291.)
3.º — Jesus “não nasceu do homem; a matéria perecível não entrou por coisa alguma no conjunto das suas perfeições”; “não esperou, sepultado no seio de uma mulher, a hora do nascimento; tudo foi aparência, imagem, no ‘nascimento’ do mestre, na ‘gravidez’ e no ‘parto’ de Maria”; “o aparecimento de Jesus na terra foi uma aparição espírita tangível”; portanto, não nasceu, não viveu e não morreu, senão aparentemente, “de maneira a produzir ilusão”; começou enganando a própria mãe, que “teve completa ilusão do parto e da maternidade”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 47, p. 166/67 e 243/44.)
4.º — Jesus revestia, “aos olhos dos homens, as aparências da infância, da adolescência e da idade viril na humanidade terrestre”; lactente ainda, ele era, apenas “na aparência, pequenino”, e, portanto, não era mentalmente infantil, permanecendo neste absoluto despudor, segundo a tese rustenista, “até contar a criança dois ou três anos”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 47, p. 166/67 e 243/44.)
5.º — Jesus, na sua estada em Jerusalém, “ao abrir-se o templo, entrava com a multidão e com a multidão saía, quando o templo se fechava; uma vez fora e longe dos olhares humanos, desaparecia, despojando-se do seu invólucro fluídico tangível e das vestes que o cobriam, as quais, confiadas à guarda dos espíritos prepostos a esse efeito, eram transportadas para longe das vistas e do alcance dos homens; ao reabrir-se o templo, reaparecia entre os homens, retomando o perispírito tangível e as vestes, que o faziam passar por um homem aos olhos humanos”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 47, p. 251/52.)
6.º — A evolução espiritual se dá em duas linhas: a dos espíritos que se desviaram para o mal no início de suas jornadas e, portanto, ficaram sujeitos às reencarnações humanas, e a dos espíritos que nunca se afastaram do bem e, por isto, evoluem pelos mundos etéreos, em linha reta, após superarem os reinos inferiores, como se o homem não fosse acontecimento natural, mas desastre espirítico. Estes mesmos espíritos bons, contudo, são passíveis de cometer um destes três “pecados”: o ciúme, a inveja e o ateísmo; quando, então, cometem um deles, são obrigados a encarnar em “substâncias humanas”, descritas — pasmem — como “larvas informes” e chamadas “criptógamos carnudos”, “uma massa quase inerte, de matérias moles e pouco agregadas, que rasteja ou antes desliza, tendo os membros, por assim dizer, em estado latente”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 57 a n. 59, p. 307-313.)
Não importa ao rustenismo, pois, que O Livro dos Espíritos haja ensinado, categoricamente, que seguir o caminho do bem, mesmo desde o princípio da consciência de si, não isenta os espíritos da necessidade de encarnação e, portanto, da sua união com o corpo; que todos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações desta vida, para que adquiram experiência e, assim, necessariamente, conheçam o bem e o mal, só mediante o que podem atingir por mérito a primeira ordem, a perfeição, ainda que se hajam desviado pelo caminho do mal. (Cf. Ob. cit. ns. 115, 115-a, 119, 122, 124, 125, 126, 133, 133-a, 634.)
7.º — “A encarnação humana não é uma necessidade, é um castigo; [...] em princípio, é apenas consequente à primeira falta, àquela que deu causa à queda”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 59, p. 317 e 324.) Por isto, Roustaing submete um texto de Kardec, da Revista Espírita de junho de 1863 (Do Princípio da Não Retrogradação dos Espíritos), ao exame dos seus “evangelistas”, que concluem dizendo que os que pensam ser a encarnação uma necessidade geral (Kardec à frente) “ainda não foram esclarecidos, ou não refletiram bastante”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 59, p. 321.)
8.º — Espíritos que já “trabalham na constituição de planetas” podem ser “dominados pelo orgulho, que os leva a desconhecer a mão diretora do Senhor, ou a duvidar do seu poder, duvidando de suas próprias forças”. Então “soa a hora da encarnação humana correspondente ao delito” e, “em tal caso, o planeta, que não pode ficar sujeito a perecer por lhe faltar o primitivo obreiro, continua sua marcha progressiva sob os cuidados e a ação de um Espírito superior que vem substituir aquele que faliu”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 59, p. 325-326.)
9.º — Contrariando o princípio anterior, os reveladores de Roustaing dizem que “cada mundo, qualquer que ele seja, tem por protetor e governador um Espírito, um Cristo de Deus, cuja perfeição se perde na noite das eternidades, infalível, que nunca faliu”, o qual lhe “presidiu à formação, encarregado do seu desenvolvimento e do seu progresso, assim como dos de todos os espíritos que o habitam, a fim de os conduzir à perfeição”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 60, p. 329.)
Anote-se a ambiguidade da linguagem: “infalível, que nunca faliu”. Se é infalível, nunca falirá. Se nunca faliu, há ainda a possibilidade de falir. Este Espírito condutor foi chamado no tópico 8.º de “primitivo obreiro”; portanto, a meio do caminho de sua tarefa, pode falir.
Quanto a este tópico 9.º, já em 1862, na própria Bordéus de Roustaing, um guia espiritual dissera que os espíritos encarregados, em cada mundo, da execução das leis de Deus, são agentes de sua vontade sob a direção de um delegado superior.
Segundo o guia espiritual, este delegado pertence, necessariamente, à ordem dos espíritos mais elevados (os puros, portanto), porque seria injúria à sabedoria divina crer que ela abandonasse à fantasia de uma criatura imperfeita o cuidado de velar pela realização do destino de milhões de suas próprias criaturas.
Explicou também que encarnados e desencarnados são as abelhas que trabalham na edificação da colmeia que é o mundo, sob a direção do “Espírito-chefe”, do “delegado superior” diante de Deus. E afirmou o guia bordelês que, sem dúvida, o Espírito-chefe pode encarnar-se, sim, quando recebe esta missão, por ser a sua presença necessária ao progresso. (Cf. Revista Espírita. Set/1868. A Alma da Terra. Sociedade Espírita de Bordéus. Abril de 1862.)
Tal ensino aparece incorporado à codificação espírita, quando Kardec assegura que “os espíritos da ordem mais elevada [des Esprits de l'ordre le plus élevé] podem manifestar-se aos habitantes da Terra ou encarnar em missão entre estes”, que é, afinal, o caso de Jesus. (Cf. A Gênese, XIV, 9; XV, 2.)
10.º — As missões dos cristos de Deus, os messias, os puros espíritos da definição de Kardec são “relativas, conforme o grau e o desenvolvimento dos planetas”. Até aqui, plágio de O Céu e o Inferno, 1.ª Parte, cap. III, ns. 12 e 13. Avançaram, porém, os guias docetas e fixaram esta doutrina duvidosa: “às terras ingratas, quais a vossa, eles pregam o amor, e aos mundos mais elevados levam as grandes descobertas, as ciências e as artes”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 60, p. 329.)
11.º — “Para o Espírito, qualquer que ele seja, o progresso intelectual é indefinido, restando-lhe sempre aquisições a fazer em ciência universal, sem que haja limite algum para esse constante progredir.” (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 60, p. 327.)
12.º — “[...] o Espírito que, desde a sua origem, progrediu sem se afastar nunca do caminho que lhe é traçado, está sempre mais adiantado em ciência universal do que outro que se purificou depois de haver falido. Ora, naturalmente aos mais adiantados devem tocar as missões mais importantes no universo.” (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 60, p. 330.)
13.º — Desmentindo os princípios anteriores, afirmam os reveladores de Roustaing que todos os espíritos, “iguais na origem, no ponto de partida, iguais vêm a ser no ponto de chegada”: a “perfeição sideral”. Nesta, segundo eles, o Espírito é infalível moralmente, mas não intelectualmente. E mesmo esta infalibilidade moral, ele só a teria por força de estar “assistido e sustentado pelos que lhe estão superiores em ciência”, o que mal justificam numa confusa hierarquia entre puros espíritos sob o ponto de vista do que chamam “ciência universal”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. I, n. 56, p. 326 e 328; n. 194, p. 477.)
14.º — Os reveladores de Roustaing decretam aqui o seu maior delírio conceitual: “[...] vossos médiuns só entrarão no gozo completo de suas faculdades quando estiver entre os homens o Regenerador, Espírito que desempenhará a missão superior de conduzir a humanidade ao estado de inocência, isto é: ao grau de perfeição a que ela tem de chegar. Até lá, obterão somente fatos isolados, estranhos à ordem comum dos fatos. [...] Não nos cabe fixar de antemão a época em que tal se verificará. [...] O chefe da Igreja católica, nessa época em que esse qualificativo terá a sua verdadeira significação, pois que ela estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo, o chefe da Igreja católica, dizemos, será um dos principais pilares do edifício. Quando o virdes, cheio de humildade, cingido de uma corda e trazendo na mão o cajado do viajante, podereis dizer: Começam a despontar os rebentos da figueira; vem próximo o estio. [...] Debaixo da influência e da direção do Regenerador, caminhará o chefe da Igreja católica, a qual, repetimos, será então católica na legítima acepção deste termo, pois que estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo”. (Os Quatro Evangelhos, Vol. III, n. 196, pp. 65-66.)
Os fenômenos mediúnicos, perfeitamente integrados à ordem natural das coisas pelo Espiritismo, são apresentados, então, como “fatos isolados, estranhos à ordem comum”... No que respeita ao chefe da Igreja católica — que alguns rustenistas, em verdadeiras ginásticas de retórica, afirmam não se tratar do Papa —; quanto ao Regenerador, melhor eu não dizer nada... E é esta obra que a F.E.B. considera, em seu estatuto, uma complementar e subsidiária da codificação de Kardec...
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