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domingo, 3 de março de 2024

Explicações dos dez mandamentos dadas pelos Espíritos

 

Explicações dos dez mandamentos dadas pelos Espíritos

 

   Essas explicações dos Dez Mandamentos1, atribuídas ao Espírito de Allan Kardec e outros Espíritos, foram obtidas num grupo espírita que se instruía com os Espíritos no século XIX. Algumas comunicações recebidas pelo grupo foram reunidas em um livro cujo título é Vérités et lumières.2 Lemos várias delas que nos pareceram apócrifas. No entanto, uma nos chamou a atenção por trazer bons esclarecimentos sobre o Decálogo, mas continha pontos obscuros em algumas passagens. Evocamos então nosso mestre Allan Kardec e lhe perguntamos se teria sido ele o autor de tais explicações. Eis a resposta:

   "Meus amigos, fui eu um dos autores das citadas explicações, que foram ditadas em conjunto com outros Espíritos. No entanto, o que se obtém dos Espíritos nem sempre surge pronto para ser publicado sem correções ou ajustes, e foi o que se deu então; alguns trechos não foram bem captados pelo médium e passaram despercebidos, o que fez com que as respostas dadas não fossem submetidas novamente aos Espíritos." (Allan Kardec)

   Submetemos então ao mestre Allan Kardec os pontos que não estavam claros para nós, e substituímos as respostas confusas pelas que obtivemos. Compartilhamos essas explicações com os nossos leitores para análise.

 

I

 

    Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei do Egito, da casa da servidão.

   Que, em vos submetendo, pelas várias encarnações, a provas que vos levassem a aprender a amar, vos dei recursos para abandonar a servidão voluntária ao império do homem velho. Se aproveitares as provas para avançar, reencarnas num mundo melhor; se não as aproveitares, a reencarnação na Terra será o esquecimento dos remorsos que sofres como Espírito; é o perdão do passado, se te arrependeste. É a libertação do mau caminho. Mostrei-vos a via reta, sois livre, recomeçareis e fareis melhor.

 

II

 

   Não terás outro Deus senão eu.

   Deves dedicar-me tua alma, teus pensamentos; fazer todos os esforços para subir até mim. Afastarei por longo tempo dos lugares de pureza aquele que tiver rendido a outro o culto que me é devido.

   Não farás nenhuma imagem do que está no alto, nos céus, ou embaixo, na Terra, ou nas águas sob o mar.

    Deus, essência sem mácula, não pode ser representado. Toda imagem que se pretenda fazer dele, em tudo ou em parte, constitui uma blasfêmia. Toda imagem diante da qual vos inclinais é um ídolo, do qual se faz, por essa ação, um rival da onipotência divina.

   Não te prosternarás diante delas, e não as adorarás.

   Não se trata somente de ídolos de pedra ou de metal.

   Existe o eu ao qual se rende homenagem, que se adora muito frequentemente. Para o próprio bem-estar, para as satisfações pessoais, chega-se a cometer todos os atos proibidos pela lei de Deus. O amor do ouro, do luxo, dos prazeres dos sentidos, a satisfação da carne, aos quais se sacrificam virtude, honra, dever, a felicidade eterna: todas essas paixões são ídolos.

   Porque eu, o Eterno, teu Deus, sou um deus ciumento.

   Quão criminosos foram os homens que ousaram acrescentar e transformar o texto da lei, onde só havia sido dito: Eu sou o Deus uno! O Deus que é! Os homens ousaram atribuir a Deus suas paixões e suas fraquezas. Disseram: o braço de Deus, o olho de Deus, o que os levou a dizer: a cólera de Deus, o ciúme de Deus.

   Deus é perfeito! Toda virtude está nele, o mal não pode vir dele. Ele é essência sem mácula! Nenhuma forma lhe pode ser atribuída. É uma luz sem igual, sem comparação possível. Nenhum Espírito em estado de encarnado pode compreender perfeitamente essa espiritualidade. Ninguém pode, no que quer que seja, partilhar ou igualar seu poder. Não, Deus não é ciumento!3

   Que pune a iniquidade dos pais nos filhos que me odeiam até a terceira geração.

   Isso seria a negação da soberana justiça e da suprema bondade de Deus.

   Em verdade, eis o que foi dito: Cada um será punido pelo seu pecado. Não está aí um desmentido dessas tristes palavras? O culpado expia as faltas, das quais não se arrepende, em uma sucessão de penosas encarnações.4

   E que faz graça em mil gerações aos que me amam e guardam meus mandamentos.

   Seria a negação da justiça divina. Como a descendência de um homem de bem, se ela transgride os mandamentos do Criador, mereceria a felicidade prometida aos bons servidores? Por graça? Mas Deus não concede privilégios! Ele recompensa, ele abençoa os esforços feitos com vistas ao bem. Aquele que obedece, que se submete com resignação às suas provas e progride conforme suas forças, será feliz nas encarnações sucessivas, na Terra e nos mundos superiores; ou seja: sempre. A cada um segundo suas obras.

 

III

 

   Não tomarás em vão o nome do Eterno, teu Deus!

   De qualquer nome que se tome para designar o Criador, há ofensa ao se pronunciar esse nome levianamente; não somente ao blasfemar, isto é, com cólera, mas também gracejando, ou como uma exclamação sem valor; bem mais ainda ao se prometer o que quer que seja em nome da Divindade e não cumprir o que foi prometido.

 

IV

 

   Pois em seis dias o Eterno fez os céus, a terra, o mar e tudo o que eles encerram, e repousou no sétimo.

    Os seis dias são uma alegoria para designar períodos geológicos.5 Jesus disse: Meu pai trabalha até esta hora e eu faço como ele. Deus não precisa de repouso. Ele sempre criou e criará sempre! Jesus disse ainda: O Filho do homem trabalha até mesmo no sábado, no dia dedicado pela tradição ao repouso; ou seja, trabalha sempre. O homem é livre para fazer, durante a sua peregrinação terrena, sua felicidade futura, ou preparar sua decadência; subir na hierarquia espírita6, ou retomar o envoltório material e enfrentar os sofrimentos inerentes a esse mundo imperfeito.7

   Não farás nenhuma obra nesse dia, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu boi, nem teu asno, nem teu servidor, nem tua servente, nem o estrangeiro dentro de tuas portas.

   Todo esse detalhamento não fora escrito nas tábuas da lei; Moisés julgou-o necessário para um povo ainda infantil. O repouso do corpo é necessário, mas não poderia ser prescrito como lei geral estabelecida em um dia fixo a toda gente.

 

V

 

   Honra teu pai e tua mãe para que teus dias sejam prolongados na terra que o Eterno te dá.

   Deus é o pai de todos. Honrai-o antes de tudo e amai-o mais que tudo. Que o amor por ele seja maior que o temor. Não se ofende a quem se ama verdadeiramente. Honrai e amai aqueles que ele vos deu por pai e mãe, pois é amando-os que aprendereis o amor; que compreendereis o que é devido ao Pai que tudo criou, a fim de que residas longo tempo em liberdade no espaço, e que não tenhas que repetir tuas provas.

 

VI

 

   Não matarás.

   Não se trata apenas de não cometer homicídio. Há uma coisa mais preciosa que o corpo: a alma! Pais, que educais vossas crianças longe de Deus e de seus mandamentos, vós matais! Pais, professores, governantes de toda ordem, que dais maus exemplos por impiedade, imoralidade, zombaria ou vicio, vós matais!

   Todos vós, crentes, que não professais vossa fé diante do incrédulo ou do ignorante, vós matais! É preciso dar testemunho da vossa fé onde puderdes, sobretudo pelo bom exemplo. Não sejais servos inúteis! Jesus disse: Àquele que tem, mais será dado; àquele que não tem, será tirado o pouco que tem. Cada um vem com uma qualidade, um talento, por mínimos que sejam. Fazei valer o pouco que possuís, aumentai vosso haver, e, ao que houverdes adquirido, serão acrescentadas novas virtudes, o conhecimento de mais verdades, mais ciência espiritual, ou seja, mais felicidade. No entanto, se não fizerdes nenhum esforço para aumentar o que tendes em vós de bom, perdereis esse pouco por vossa negligência e sofrereis por mais tempo.8

 

VII

 

   Não cometerás adultério.

   Dar a alguém o que não lhe pertence, em detrimento daquele a quem o bem pertence, é cometer adultério. Deus vos disse, por meio de seus profetas: Eu sou um! Render a qualquer outro que não a ele a adoração, o amor, o respeito e a veneração que lhe são devidos é ser culpado de adultério. Essa palavra, tomada no sentido de moralidade humana, diz: É culpado de infração à lei do terceiro mandamento aquele que, tendo feito uma promessa diante de Deus, não a cumpre. É por isso que todo compromisso que não seja com o bem, e que se diga eterno, é uma falta. Somente o que esteja de acordo com o bem que procede de Deus é verdadeiro e imutável no Universo inteiro; tudo o mais passará.

 

VIII

 

   Não roubarás.

   Essa proibição não se limita apenas às coisas materiais. Rouba-se um benefício ao negar-se reconhecimento ao benfeitor. Ao vos permitir encarnar num corpo físico, Deus vos perdoou parcialmente, dando-vos o esquecimento do passado; com isso, vos dá a oportunidade de voltardes ao espaço depurados, ou pelo menos melhores. Ele vos oferece a felicidade eterna, um perdão absoluto, por um pouco de esforço e um verdadeiro arrependimento. Vós o agradeceis? Ele vos nutre ao permitir que a terra produza; ele vos dá a fortuna ou o trabalho que vos fornece os meios de prover o necessário. Ele vos dá a vida, a saúde, a família, Anjos para vos proteger. Vós o agradeceis? Vossos sofrimentos, vossas enfermidades não vêm de Deus. Algumas vezes são advertências que vossos Espíritos protetores vos enviam; dores que vós mesmos havíeis pedido sofrer como expiação; também são provas que podem tornar-se fonte da vossa felicidade, pois se as suportardes sem murmurar estais na via do progresso. Olhai para vós mesmos, perguntai-vos de onde vêm vossas penas, e não acuseis a bondade suprema. Agradeceis o celeste Pai quando ele vos livra de vossos males? Por toda alegria, por todo bem, vós o bendizeis? Por todas as maravilhas que vos é dado contemplar, por toda nova descoberta que vos é favorável, por toda verdade que vos é revelada, vós o glorificais? Pelo Soberano Senhor tudo é, tudo acontece, tudo será. Se recebeis esses dons e não lhe sois reconhecidos, se não sois gratos, vós roubais!!

 

IX

 

   Não dirás falso testemunho contra teu próximo.

   Não basta não fazer acusações de um delito imaginário, é necessário não julgar sem imparcialidade e sem caridade e não acusar sem provas incontestáveis. Quem julga será julgado. Portanto, pesai a veracidade e as consequências de vossos julgamentos: podeis, em qualquer ocasião, prestar um falso testemunho. As escrituras santas, as palavras inspiradas dos profetas, os ensinos sublimes de Jesus, o messias de Deus, foram transformados, modificados, alterados. Quantos falsos testemunhos! E isso feito por homens que se diziam ministros do Todo-Poderoso! Sede cautelosos ao repetir o que ouvis, seja uma frase, seja uma palavra, a fim de não lhe alterar o sentido; também são falsos testemunhos que podem levar a terríveis resultados: a guerra entre as nações, a animosidade e a discórdia entre vós. Bem-aventurados sejam os que promovem a paz!

 

X

 

   Não cobiçarás o bem de teu próximo. Nem sua mulher, nem sua filha, nem sua casa, nem seu boi, nem seu asno, nem seu servo, nem sua serva, nem nada que pertença ao teu próximo.

   O orgulhoso não quer ver nada que seja superior a ele, e com frequência nem mesmo igual. É o orgulho que engendra a inveja. O invejoso deseja tudo o que ele próprio  não é; sofre por ver em posse de outrem um bem ou uma coisa que lhe agrada. Riqueza, juventude, talento, beleza nos outros, tudo é causa de sofrimento para ele. O amor-próprio impulsiona a essa cobiça, cuja primeira punição se faz sentir no tormento do pensamento e do coração: estado doloroso do moral e de todo o sistema nervoso.

   Destruir a felicidade doméstica, lançando-lhe perturbação ou desonra, buscar prejudicar a fortuna, a reputação, o bem do vizinho, o seu comércio, desacreditando ou deteriorando; buscar fazer alguém perder um bom empregado ou um bom servidor, fazer manobras para obter um lugar destituindo aquele que o ocupa; todas essas infrações encontram sua proibição no décimo mandamento. Sua inobservância acarreta para o Espírito longas e penosas encarnações de reparações, pois toda falta cometida deve ser reparada.

   As censuras da parte dos Espíritos magoados, que se encontram no espaço, sem poder escapar-lhes, suas acusações, suas queixas, são terríveis tormentos. O culpado quer fugir, por uma nova encarnação, a esse incessante suplício, mas é preciso testemunhar um verdadeiro arrependimento antes de obter tal favor. Sua encarnação não ocorrerá senão após um início de expiação no além-túmulo!

 

Allan Kardec

Alexandre Bellemare

William Channing

 

   Na sequência das explicações dadas no século XIX consta a seguinte comunicação:

   "O maior dos mandamentos é este: Amai a Deus de toda vossa alma, hoje, amanhã e por toda a eternidade!9 De todo vosso pensamento! Que vosso Espírito se eleve incessantemente para o Criador; planai acima do mundo terrestre, pensai no Pai sabendo que ele sempre vos vê e vos ouve. Servi-o com todas as vossas faculdades e em todas as fases de vossas vidas. Trabalhai para o avanço do Seu reino nesse mundo. Amai o vosso próximo como a vós mesmos. Fazei todos os esforços para aliviar os sofrimentos e fazer progredir todos os Espíritos, bons ou maus, encarnados ou desencarnados. 

   Que a paz seja com todos vós que tendes fé e esperais."

 

O Espírito de Verdade

 

O que é amar seu próximo?

   "Amar seu próximo é, pois, abjurar todo sentimento de ódio, de animosidade, de rancor, de inveja, de ciúme, de vingança, numa palavra, todo desejo e todo pensamento de prejudicar; é perdoar a seus inimigos e retribuir o mal com o bem; é ser indulgente para com as imperfeições de seus semelhantes e não procurar o cisco no olho do vizinho, quando não se vê a trave que se tem no seu; é cobrir ou desculpar as faltas de outrem, em vez de comprazer-se em pô-las em relevo por espírito de depreciação; é, ainda, não se fazer valorizar à custa dos outros; não buscar esmagar quem quer que seja sob o peso da própria superioridade; não desprezar ninguém por orgulho. Eis a verdadeira caridade benevolente, a caridade prática, sem a qual a caridade é uma palavra vã; é a caridade do verdadeiro espírita como do verdadeiro cristão; aquela sem a qual quem diz: Fora da caridade não há salvação, pronuncia sua própria condenação, neste mundo tanto quanto em outro." Allan Kardec 10

 

__________

1 Veja-se: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. I - Não vim destruir a lei - Moisés.

2 Vérités et lumières (Verdades e luzes)Paris, 1898. (Traduzido do francês pela equipe do Ipeak.)

3 Veja-se: A Gênese - A Gênese segundo o Espiritismo, cap. II - Deus - Da natureza Divina.

4 Veja-se: A Gênese - A Gênese segundo o Espiritismo, cap. I - Caráter da revelação espírita, item 23.

5 A Gênese - A Gênese segundo o Espiritismo, cap. VII - Esboço geológico da Terra - Períodos geológicos

6 O Livro dos Espíritos - Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos, cap. I - Dos Espíritos - Progressão dos Espíritos, item 116

7 O Livro dos Espíritos - Das leis morais, cap. III - Lei do trabalho - Limite do trabalho. Repouso; Veja-se também: Revista Espírita, marcos de 1861 - Ensinos e dissertações espíritas - Lei de Moisés e a lei do Cristo.

8 Veja-se: Revista Espírita, julho de 1865 - Estudos morais » A comuna de Koenigsfeld, mundo futuro em miniatura.

9 Veja-se: O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XI - Amar o próximo como a si mesmo - O mandamento maior; e O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XV - Fora da caridade não há salvação - O mandamento maior.

10 Revista Espírita, dezembro de 1868 - Sessão anual comemorativa dos mortos


https://www.revistaespirita.net/pt-br/artigo/184/explicacoes-dos-dez-mandamentos-dadas-pelos-espiritos

Período religioso do Espiritismo

 

   Caro leitor: por tratar-se de um tema bastante importante, optamos por não parcelar o presente artigo, como temos feito com alguns outros, e publicá-lo de uma só vez para que se apreenda o conjunto mais facilmente.

 

Período religioso do Espiritismo

 

"O Espiritismo, aliás, não tem sua fonte entre os homens; ele é obra dos Espíritos que não se pode queimar, nem meter em prisão. Ele consiste na crença individual e não nas sociedades que absolutamente não são necessárias." Allan Kardec1

 

Objetivo essencial do Espiritismo

 

   "Não esqueçais que o fim essencial, exclusivo, do Espiritismo é a vossa melhora e que, para o alcançardes, é que os Espíritos têm a permissão de vos iniciar na vida futura, oferecendo-vos dela exemplos de que podeis aproveitar. Quanto mais vos identificardes com o mundo que vos espera, tanto menos saudosos vos sentireis desse onde agora estais. Eis, em suma, o fim atual da revelação."2

   "O Espiritismo tem como objetivo a regeneração da Humanidade: esse é um fato constatado. Ora, não podendo essa regeneração operar-se senão pelo progresso moral, daí resulta que seu obje­tivo essencial, providencial, é o melhoramento de cada um."3

   Lemos na Revista Espírita de dezembro de 1863, os seguintes trechos que vamos aqui reproduzir:

   "O primeiro período do Espiritismo, caracterizado pelas mesas girantes, foi o da curiosidade. O segundo foi o período filosófico, marcado pelo aparecimento do Livro dos Espíritos. Desde esse momento o Espiritismo toma um caráter completamente outro; foram entrevistos seu objetivo e sua abrangência, obtendo-se nele a fé e a consolação, e a rapidez de seu progresso foi tal que nenhuma outra doutrina filosófica ou religiosa oferece outro exemplo. Mas, como todas as ideias novas, ele teve adversários tanto mais encarniçados quanto maior era a ideia, porque nenhuma ideia grande pode estabelecer-se sem ferir interesses. É preciso que ela se estabeleça, e as pessoas deslocadas não podem vê-la com bons olhos. Depois, ao lado das pessoas interesseiras estão as que, por sistema, sem motivos precisos, são adversárias natas de tudo quanto é novo." (...)

   "A luta determinará uma nova fase do Espiritismo e levará ao quarto período, que será o período religioso. Depois virá o quinto, o período intermediário, consequência natural do precedente e que, mais tarde, receberá sua denominação característica. O sexto e último período será o da renovação social, que abrirá a era do século vinte. Nessa época, todos os obstáculos à nova ordem de coisas desejadas por Deus para a transformação da Terra terão desaparecido. A geração que surge, imbuída das ideias novas, estará com toda a sua força e preparará o caminho da que deve inaugurar a vitória definitiva da união, da paz e da fraternidade entre os homens, confundidos numa mesma crença, pela prática da lei evangélica. (...)

   É notável que as comunicações dos Espíritos tenham tido em cada período um caráter especial: no primeiro eram frívolas e levianas; no segundo eram graves e instrutivas; a partir do terceiro elas pressentiram a luta e suas várias peripécias. A maior parte das que se obtêm hoje nos diversos centros têm por objeto premunir os adeptos contra as manobras de seus adversários. Assim, por toda parte são dadas instruções a esse respeito, como por toda parte é anunciado um resultado idêntico."4

 

Característica dos três primeiros períodos do Espiritismo

 

   Primeiro período: Período da curiosidade - caracterizado pelas mesas girantes.

   Segundo período: Período filosófico - marcado pelo aparecimento do Livro dos Espíritos.

   Terceiro período: Período de luta - caracterizado pela luta contra os adversários da nova ciência.

   Quarto período: Período religioso - caracterizado pelo quê?

 

   Algumas dúvidas nos surgiram, então recorremos a Allan Kardec, propondo a ele algumas perguntas.

 

Questões propostas ao mestre Allan Kardec

 

   Caro professor, desejamos entender melhor algumas questões sobre o período em que se encontra hoje o Espiritismo. Pedimos que tenha a bondade de nos trazer esclarecimentos a esse respeito.

   1. O senhor explicou o caráter dos dois primeiros períodos do Espiritismo. Qual é o caráter do período que denominou religioso?

   - "O da elevação dos ensinos espíritas à categoria de dogmas religiosos, que são aceitos sem o controle da razão; ele se seguiu ao período de lutas como sua consequência natural, pois nem sempre os homens conseguem ter sangue frio quando querem defender as suas crenças. Dessa maneira, ao cerrarem-se as fileiras para lutar contra os adversários, muitos espíritas acabaram por apegar-se mais aos ensinos comuns que os uniam como grupo, à semelhança de uma bandeira hasteada por todos, do que aos efeitos que esses ensinos deveriam provocar na própria intimidade. Dessa maneira, a luta externa provocou nos adeptos que não conseguiam colher diretamente da doutrina a força que lhes faltava, a necessidade de se unirem entre si por meio de um rito comum. Assim, os princípios do Espiritismo foram gradualmente sendo elevados à categoria de dogmas; e seus adeptos, visando fortalecerem-se contra os inimigos externos acabaram, de certo modo, abafando o espírito científico racional do Espiritismo, o que inevitavelmente o transformou em uma espécie de religião. É esse o período que se vive ainda hoje, com seus reflexos e ainda que a luta externa não seja grave como o era naquele tempo, seu caráter em geral permanece o mesmo. Uma de suas consequências é que muitos adeptos acreditam bastar dizerem-se espíritas e cumprirem certas atividades coletivas, que os ligam de modo comum ao Espiritismo, para se dizerem verdadeiros espíritas.

   "Um aspecto importante desse período é que o Espiritismo passou a ser uma espécie de 'consciência social' e não uma doutrina que convence o adepto individualmente pelo entendimento. Atualmente, boa parte de seus adeptos se dizem espíritas mais pelo fato de participarem de um grupo, que de algum modo os atrai, do que por uma convicção íntima. Acabassem todos os centros espíritas do mundo e ele deixaria de ser espírita, justamente por não tratar-se de uma convicção pessoal, mas de uma qualificação social, institucional.

   "É recomendável que os adeptos se convençam intimamente a respeito do que ensina o Espiritismo, antes de desejarem participar desta ou daquela sociedade composta por seus adeptos. É fundamental que a intenção esteja, acima de tudo, na sua convicção pessoal, caso contrário o Espiritismo representará apenas uma designação social que quase nada altera em sua conduta e em seus sentimentos.

   "Por estar consolidada entre grande parte dos espíritas de hoje a ideia preconcebida de que o Espiritismo é uma religião; e, pelo fato de que em vossa sociedade acredita-se que os filhos devem ter a liberdade para escolher a religião que quiserem, se quiserem, quando se tornarem adultos, os pais espíritas negligenciam a tarefa de iniciá-los na doutrina espírita. Dessa maneira, a consequência é que muitos pais não percebem a utilidade que existe em se compenetrarem, eles próprios, do que ensina o Espiritismo, sobretudo no que diz respeito às suas consequências morais; assim, deixam de ensinar aos seus filhos, pelo exemplo que lhes poderiam dar, incutindo-lhes virtudes, refreando seus vícios e suas más inclinações."5

 

   Eis o que escreveu o Sr. Allan Kardec em suas obras:

   "(...) Tivemos a felicidade de assistir a inúmeras reuniões da primeira categoria, e registramos com alegria essas sessões como uma das mais agradáveis lembranças que nos tenham restado de nossa viagem. As reuniões dessa natureza se multiplicarão, sem dúvida alguma, à medida que o verdadeiro objetivo do Espiritismo for mais bem compreendido; são também elas que fazem a mais sólida e mais frutuosa propaganda, porque se dirigem às pessoas sérias, e preparam a reforma moral da humanidade pregando pelo exemplo.

   É notório que as crianças educadas nessas ideias tenham uma razão precoce que as torna infinitamente mais fáceis de governar; vimos muitas, de todas as idades e dos dois sexos, nas diversas famílias espíritas em que fomos recebido, e pudemos constatá-lo por nós mesmo. Isso não lhes tira nem a alegria natural, nem a jovialidade; mas não há nelas a turbulência, a teimosia, os caprichos que tornam tantas outras insuportáveis; elas têm, ao contrário, um fundo de docilidade, de doçura e de respeito filial que as leva a obedecer sem esforço, e as torna mais estudiosas; é o que notamos, e essa observação nos foi geralmente confirmada. Se pudéssemos aqui analisar os sentimentos que essas crenças tendem a desenvolver nelas, facilmente se conceberia o resultado que devem produzir; diremos somente que a convicção que elas têm da presença de seus avós que estão ali, ao lado delas, e podem incessantemente vê-las, impressiona-as bem mais vivamente do que o medo do diabo, no qual elas acabam logo por não acreditar mais, ao passo que não podem duvidar do que são testemunhas todos os dias no seio da família. É, portanto, uma geração espírita que se educa, e que vai incessantemente aumentando. Essas crianças, por sua vez, educando seus filhos nesses princípios, enquanto os velhos preconceitos se vão com as velhas gerações, é evidente que a ideia espírita será um dia a crença universal."6

"Uma vez reconhecendo-se que o egoísmo e o orgulho são a fonte da maioria das misérias humanas; que enquanto eles reinarem na Terra não se pode esperar nem paz, nem caridade, nem fraternidade, é preciso atacá-los no estado de embrião, sem esperar que fiquem vivazes.

Pode o Espiritismo remediar esse mal? Sem dúvida nenhuma, e não hesitamos em dizer que ele é o único bastante poderoso para fazê-lo cessar, pelo novo ponto de vista sob o qual faz encarar a missão e a responsabilidade dos pais; dando a conhecer a fonte das qualidades inatas, boas ou más; mostrando a ação que se pode exercer sobre os Espíritos encarnados e desencarnados; dando a fé inabalável que sanciona os deveres; enfim, moralizando os próprios pais. Ele já prova sua eficácia pela maneira mais racional com que as crianças são educadas nas famílias verdadeiramente espíritas. Os novos horizontes que o Espiritismo abre fazem ver as coisas de maneira muito diferente. Sendo o seu objetivo o progresso moral da Humanidade, ele forçosamente deverá lançar luz sobre a grave questão da educação moral, fonte primeira da moralização das massas. Um dia compreender-se-á que este ramo da educação tem seus princípios, suas regras, como a educação intelectual, numa palavra, que é uma verdadeira ciência. Um dia, talvez, também será imposta a toda mãe de família a obrigação de possuir esses conhecimentos, como se impõe ao advogado a de conhecer o direito."7

   2. Mestre, embora a sua resposta anterior tenha esclarecido o que talvez seja a causa principal da lentidão na marcha do Espiritismo, gostaríamos que nos falasse sobre a seguinte previsão que consta no texto 'Período de luta': "o sexto e último período será o da renovação social que abrirá a era do século vinte". Nós estamos no século vinte e um, e parece que a renovação social está longe de se realizar pelo Espiritismo. A que se deve isso?

   - "Digo-vos que a respeito das previsões é necessário levar-se em conta que os períodos antevistos no passado nem sempre se cumprem, porque muitas são as variáveis envolvidas. No entanto, aos olhos de Deus não existem atrasos, somente aos olhos dos homens que nem sempre conseguem fazer previsões muito acertadas; mesmo os Espíritos mais adiantados podem enganar-se a esse respeito. Afinal, o que são um, dois, ou três séculos de demora, se a ordem das coisas será a mesma que foi predita? Mais importante do que as épocas previstas são os meios para se atingir o objetivo; e, quanto a esses, nós vos dizemos com toda segurança que continuam exatamente os mesmos, ainda que alguns obstáculos tenham surgido no caminho. A agitação dos Espíritos que não querem o progresso desse mundo acaba por atrasar, ao menos aos olhos daqueles que vivenciam esse processo, a regeneração da humanidade, mas ela se dará. Todavia, se isso ocorre é porque Deus permite que todas as possibilidades sejam empregadas para o arrependimento e o progresso dos seus filhos. O que posso vos afirmar, meus amigos, é que o momento em que viveis atualmente já mostra que enfrentais realmente o ápice da luta empreendida por aqueles que, revoltados contra Deus, desejam criar o seu próprio universo e nele viver; orai por eles para que se arrependam e se unam aos que não mais desejam ser indóceis ao Senhor, já que o sofrimento por que passarão, se permanecerem duros de coração, será grande. Não vos aflijais, porém. Pensai no que dissemos há pouco e tratai de garantir, acima de tudo, que o Espiritismo seja para vós uma convicção toda pessoal, íntima, e auxiliai vossos irmãos que têm esse mesmo objetivo."

   3. Considerando que em cada período do Espiritismo as comunicações tiveram um caráter especial, qual é o caráter das comunicações no período em que vivemos?

   - "O de reconduzir o Espiritismo à condição de crença íntima, ajudando-vos a vencer os preconceitos que esse período estimulou em vós. Se observardes as comunicações que recebeis, desde que passastes a vos ocupar do Espiritismo prático, vereis nelas um apelo incessante dos vossos Guias para que a fé inabalável tome o lugar da fé vacilante, de maneira que o Espiritismo frutifique em vosso íntimo: eis o caráter das comunicações atuais. Refiro-me às comunicações sérias, aquelas ditadas pelos verdadeiros guias da Humanidade, e não por Espíritos pseudossábios.

   "Mais uma observação vos faço, amigos, a de que também nos movimentos religiosos é possível esquecer-se de Deus e buscar construir um paraíso à sua própria maneira. Esse é um mal que tem atingido muitos dos grupos religiosos que deveriam contribuir para o desenvolvimento da verdadeira fé em Deus. Assim, quando nos referimos à incredulidade que assola vosso mundo, não penseis que ela só atinja os meios laicos; ao contrário, ela tem raízes por vezes bem firmes mesmo em muitos meios religiosos. Quanto a vós, temos trabalhado para que, com a ajuda de nossas instruções, identifiqueis as raízes da incredulidade que ainda encontram vitalidade em vosso caráter e as extirpeis, a fim de que vos livreis em definitivo desse mal. O que carateriza o quinto período é a luta contra a incredulidade, que já começais a adentrar e que será verdadeiramente um período intermediário até que o Espiritismo cumpra o seu verdadeiro papel moralizador nesse mundo."

   "O dever dos verdadeiros espíritas, dos que compreendem o objetivo providencial da doutrina, é, pois, antes de tudo, aplicar-se em combater a incredulidade e o egoísmo, que são as verdadeiras chagas da Humanidade, e a fazer prevalecer, tanto pelo exemplo quanto pela teoria, o sentimento de caridade, que deve ser a base de toda religião racional e servir de guia nas reformas sociais."8

 

A mudança no plano de campanha contra a ciência espírita

 

   Vale notar que as táticas utilizadas pelos adversários do Espiritismo, na luta a que Kardec faz referência em dezembro de 1863, mudaram significativamente nos anos seguintes, conforme se lê numa dissertação publicada Revista Espírita de agosto de 1867:

   "Os inimigos do Espiritismo viram, pela experiência, a inutilidade das armas carcomidas do passado contra a ideia regeneradora; longe de prejudicá-lo, seus esforços só serviam para dar-lhe autoridade.

   Para lutar com vantagem contra as ideias do século, seria preciso estar à altura do século; às doutrinas progressistas seria necessário opor doutrinas ainda mais progressistas, pois o menos não pode vencer o mais.

   Então, não podendo triunfar pela violência, recorreram à astúcia, a arma dos que têm consciência de sua fraqueza... De lobos, fizeram-se cordeiros, para se introduzirem no aprisco e aí semear a desordem, a divisão, a confusão. Porque chegaram a lançar a perturbação nalgumas fileiras, cedo demais se julgaram senhores da praça. Nem por isto os adeptos isolados deixaram de continuar sua obra, e diariamente a ideia abre o seu caminho sem muito ruído... Eles é que fizeram o alarido... Não a vedes perpassar tudo, nos jornais, nos livros, no teatro e mesmo na cátedra? Ela trabalha todas as consciências; ela arrasta os espíritos para novos horizontes; ela encontra-se no estado de intuição mesmo naqueles que dela não ouviram falar. Eis um fato que ninguém pode negar e que a cada dia se torna mais evidente. Não é a prova de que a ideia é irresistível e que ela é um sinal dos tempos?

   Aniquilá-la é, pois, uma coisa impossível, porque seria preciso aniquilá-la não num ponto, mas no mundo inteiro; e depois, as ideias não são levadas nas asas do vento? Como atingi-las? Pode-se pegar pacotes de mercadorias na alfândega, mas as ideias são intangíveis.

   Que fazer, então? Tentar apoderar-se delas, para acomodá-las à sua vontade... Pois bem! É o partido pelo qual se decidiram. Disseram de si para si: O Espiritismo é o precursor de uma revolução moral inevitável; antes que ela se realize completamente, tratemos de desviá-la em nosso proveito; façamos de maneira que aconteça com ela como com certas revoluções políticas; desnaturando o seu espírito poder-se-ia imprimir-lhe outro curso.

   Assim, o plano de campanha está mudado... Vereis formarem-se reuniões espíritas cujo objetivo confessado será a defesa da Doutrina, e cujo objetivo secreto será a sua destruição; supostos médiuns, que terão comunicações encomendadas, ade­quadas ao fim a que se propõem; publicações que, sob o manto do Espiritismo, se esforçarão para demoli-lo; doutrinas que lhe tomarão algumas ideias, mas com o pensamento de suplantá-lo. Eis a luta, a verdadeira luta que ele terá de suportar, e que será perseguida com obstinação, mas da qual ele sairá vitorioso e mais forte." (...)9

 

O que é o Espiritismo?

 

"O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas mesmas relações.

Podemos defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal."10

"O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência, não cogita de questões dogmáticas. Esta ciência tem consequências morais como todas as ciências filosóficas; essas consequências são boas ou más? Pode-se julgá-las pelos princípios gerais que acabo de lembrar.

Algumas pessoas se iludem sobre o verdadeiro caráter do Espiritismo. A questão é de grande importância e merece al­guns desenvolvimentos. Façamos primeiro um termo de com­paração: a eletricidade, estando na Natureza, existiu em todos tempos e produziu sempre os efeitos que hoje observamos e muitos outros que ainda não conhecemos. Na ignorância da sua verdadeira causa, os homens explicavam esses efeitos de um modo mais ou menos bizarro. A descoberta da eletri­cidade e de suas propriedades veio derrubar inúmeras teorias absurdas, lançando luz sobre mais de um mistério da Natureza. O que fizeram a eletricidade e as ciências físicas em geral para certos fenômenos, o Espiritismo o fez para fenômenos de uma outra ordem.

O Espiritismo funda-se na existência de um mundo invi­sível, formado pelos seres incorpóreos que povoam o espaço e que não são mais que as almas daqueles que viveram na Ter­ra, ou em outros globos, nos quais deixaram seus envoltórios materiais. É a esses seres que damos o nome de Espíritos. Eles nos cercam incessantemente, e exercem sobre os homens, sem que estes o percebam, uma grande influência; desempenham um papel muito ativo no mundo moral, e, até certo ponto, no mundo físico.

O Espiritismo está, pois, na Natureza, e podemos dizer que, numa certa ordem de ideias, é uma potência, como a eletricidade o é sob outro ponto de vista, e como a gravitação também o é de uma outra. Os fenômenos, de que o mundo invi­sível é a fonte, produziram-se em todos os tempos; eis aí por que a história de todos os povos faz deles menção. Somente, em sua ignorância, como se deu com a eletricidade, os ho­mens atribuíam esses fenômenos a causas mais ou menos racionais, e de­ram, sobre eles, livre curso à sua imaginação.

O Espiritismo, melhor observado depois que se vulgarizou, vem lançar luz sobre grande número de questões até hoje insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência e não de uma religião; e a prova disso é que ele conta entre os seus aderentes homens de todas as crenças, que não tiveram por isso que renunciar às suas convicções: católicos fervorosos que não deixam de praticar todos os deveres do seu culto, quando não são repelidos pela Igreja; protes­tantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos, e até budistas e bramanistas.

Ele repousa, por conseguinte, em princípios independen­tes de toda questão dogmática. Suas consequências morais são no sentido do Cristianismo, porque o Cristianismo é, de todas as doutri­nas, a mais esclarecida e a mais pura, e é por essa razão que, de todas as seitas religiosas do mundo, os cristãos são os mais aptos a compreendê-lo em sua verdadeira essência.

Podemos censurá-lo por isso?

Certamente cada um pode fazer uma religião de suas opiniões, e interpretar à vontade as religiões conhecidas; mas daí à constituição de uma nova Igreja, a distância é grande."11

 

Os deveres que o Espiritismo impõe

 

   "Há duas partes no Espiritismo: a dos fatos materiais e a de suas consequências morais. A primeira é necessária como prova da existência dos Espíritos, e foi por ela que os Espíritos começaram; a segunda, que dela decorre, é a única que pode levar à transformação da Humanidade pelo melhoramento individual. O melhoramento é, pois, o objetivo essencial do Espiritismo. É para ele que deve tender todo espírita sério. Tendo deduzido essas consequências das instruções dos Espíritos, definimos os deveres que essa crença impõe. O primeiro inscrevemos na bandeira do Espiritismo: Fora da caridade não há salvação, máxima aclamada, em seu aparecimento, como o sol do futuro, que em breve fez a volta ao mundo, tornando-se a palavra de ligação de todos quantos veem no Espiritismo algo mais que um fato material. Por toda parte ela foi acolhida como o símbolo da fraternidade universal, como uma garantia de segurança nas relações sociais, como a aurora de uma nova era, em que devem extinguir-se os ódios e as dissensões. Compreendemos tão bem a sua importância, que já lhe colhemos os frutos; entre os que a tornaram uma regra de conduta, reinam a simpatia e a confiança que fazem o encanto da vida social; em todo espírita de coração, vemos um irmão em cuja companhia nos sentimos felizes, porque sabemos que aquele que pratica a caridade não pode fazer nem querer o mal.

   Foi, então, por nossa autoridade privada que promulgamos esta máxima? E se o tivéssemos feito, quem poderia considerá-la má? Mas não; ela decorre do ensino dos Espíritos, os quais a colheram nos do Cristo, onde ela está escrita com todas as letras, como pedra angular do edifício cristão, mas onde ficou enterrada durante dezoito séculos. O egoísmo dos homens cuidava em não fazê-la sair do esquecimento para expô-la à luz plena, porque teria sido pronunciar sua própria condenação; eles preferiram buscar sua própria salvação em práticas mais cômodas e menos aborrecidas. Entretanto, todo mundo havia lido e relido o Evangelho e, com pouquíssimas exceções, ninguém tinha visto esta grande verdade relegada a segundo plano. Ora, eis que, pelo ensino dos Espíritos, ela ficou subitamente conhecida e compreendida por todos. Quantas outras verdades o Evangelho encerra, e que surgirão a seu devido tempo! (O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XV)"12

 

"A crença no Espiritismo só é proveitosa para aquele de quem se pode dizer: hoje vale mais do que ontem."13

 

   "Podem dividir-se em cinco partes as matérias contidas nos Evangelhos: os atos comuns da vida do Cristo; os milagres; as predições; as palavras que foram tomadas pela Igreja para fundamento de seus dogmas; o ensino moral. As quatro primeiras foram objeto de controvérsias; a última, porém, conservou-se constantemente inatacável. Diante desse código divino, a própria incredulidade se curva. É terreno onde todos os cultos podem reunir-se, estandarte sob o qual podem todos colocar-se, quaisquer que sejam suas crenças, porquanto jamais ele constituiu matéria das disputas religiosas, que sempre e por toda a parte se originaram das questões dogmáticas. Aliás, se o discutissem, nele teriam as seitas encontrado sua própria condenação, visto que, na maioria, elas se agarram mais à parte mística do que à parte moral, que exige de cada um a reforma de si mesmo. Para os homens, em particular, constitui aquele código uma regra de proceder que abrange todas as circunstâncias da vida privada e da vida pública, o princípio básico de todas as relações sociais que se fundam na mais rigorosa justiça. É, finalmente e acima de tudo, o roteiro infalível para a felicidade vindoura, o levantamento de uma ponta do véu que nos oculta a vida futura. Essa parte é a que será objeto exclusivo desta obra."14

 

Voltemos ao objetivo essencial do Espiritismo

 

   "O Espiritismo tem como objetivo a regeneração da Humanidade: isto é um fato constatado. Ora, não podendo essa regeneração operar-se senão pelo progresso moral, daí resulta que seu obje­tivo essencial, providencial, é o melhoramento de cada um. Os mistérios que ele nos pode revelar são o acessório. Porque ele nos abriu o santuário de todos os conhecimentos, não estaríamos mais adiantados para o nosso estado futuro, se não fôssemos melhores. Para admitir-nos ao banquete da suprema felicidade, Deus não pergunta o que sabemos nem o que possuímos, mas o que valemos e o bem que fizemos. É, pois, no seu melhoramento individual que todo espírita sincero deve trabalhar, antes de tudo. Só aquele que dominou suas más inclinações realmente tirou proveito do Espiritismo e receberá a sua recompensa. É por isto que os bons Espíritos, por ordem de Deus, multiplicam suas instruções e as repetem à saciedade; só um orgulho insensato pode dizer: Não preciso de mais nada. Só Deus sabe quando elas serão inúteis e só a ele cabe dirigir o ensino de seus mensageiros e de adequá-lo ao nosso adiantamento."15

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   (...) "O objetivo essencial do Espiritismo é a destruição das ideias materialistas e a melhoria moral do homem; que ele não se ocupa, absolutamente, de discutir os dogmas particulares de cada culto, deixando sua apreciação à consciência de cada um; que seria desconhecer esse objetivo o transformá-lo em instrumento de controvérsia religiosa cujo efeito seria perpetuar um antagonismo que ele tende a eliminar, chamando todos os homens para a bandeira da caridade, e levando-os a não verem em seus semelhantes senão irmãos, sejam quais forem as suas crenças. Se, em certas religiões, há dogmas controversos, é preciso deixar ao tempo e ao progresso das luzes o cuidado de sua depuração. O perigo dos erros que poderiam encerrar desaparecerá à medida que os homens fizerem do princípio da caridade a base de sua conduta. (...)

   As questões de fundo devem passar à frente das questões de formas. Ora, as questões de fundo são as que têm por objeto tornar os homens melhores, visto que todo progresso social ou outro não pode ser senão consequência do melhoramento das massas. É a isto que tende o Espiritismo, e assim prepara os caminhos a todos os gêneros de progressos morais. Querer agir de outra forma é começar um edifício pelo telhado, antes de assentar os fundamentos; é semear num terreno antes de prepará-lo."16

 
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   "O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: o fato das manifestações, os  princípios de filosofia e de moral que delas decorrem e a aplicação desses princípios. Daí, três classes, ou, antes, três graus de adeptos: 1º, os que creem nas manifestações e se limitam a constatá-las: para esses, o Espiritismo é uma ciência de experimentação; 2º, os que lhe compreendem as consequências morais; 3º, os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral. Qualquer que seja o ponto de vista, científico ou moral, sob que considerem esses estranhos fenômenos, cada um compreende que é toda uma nova ordem de ideias que surge, e cujas consequências não podem deixar de ser uma profunda modificação no estado da Humanidade, e cada um compreende também que essa modificação se dá exclusivamente no sentido do bem."17

 
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   (...) "O Espiritismo bem compreendido é a salvaguarda das ideias verdadeiramente religiosas que se extinguem; que contribuindo para o melhoramento dos indivíduos, ele trará, pela força das coisas, o melhoramento das massas, e que não está longe o tempo de os homens compreenderem que nesta doutrina encontrarão o mais fecundo elemento da ordem, do bem-estar e da prosperidade dos povos. E isto por uma razão muito simples: é que ela mata o materialismo, que desenvolve e alimenta o egoísmo, fonte perpétua de lutas sociais, e lhe dá uma razão de ser. Uma sociedade cujos membros fossem todos guiados pelo amor ao próximo; que inscrevesse a caridade no alto de todos os seus códigos, seria feliz, e em breve veria apagarem-se os ódios e as discórdias. O Espiritismo pode realizar este prodígio e o fará, a despeito dos que ainda o agridem, porque os agressores passarão, mas o Espiritismo permanecerá."18

 

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   (...) "se as manifestações espíritas fossem privilégio de um único homem, sem dúvida que, segregado esse homem, as manifestações cessariam. Infelizmente para os seus adversários, elas estão ao alcance de toda gente e todos a elas recorrem, desde o mais pequenino até o mais graduado, desde o palácio até a mansarda. Poderão proibir que sejam obtidas em público. Sabe-se, porém, precisamente que em público não é onde melhor se dão e sim na intimidade. Ora, podendo todos ser médiuns, quem poderá impedir que uma família, no seu lar; um indivíduo, no silêncio de seu gabinete; o prisioneiro, sob as grades, entrem em comunicação com os Espíritos, a despeito dos esbirros e mesmo na presença deles?"19

 
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   "O Espiritismo tem por fim combater a incredulidade e suas funestas consequências, fornecendo provas patentes da existência da alma e da vida futura; ele se dirige, pois, àqueles que em nada crêem ou que de tudo duvidam, e o número desses não é pequeno, como muito bem sabeis; os que têm fé religiosa e a quem esta fé satisfaz, dele não têm necessidade. 

   Àquele que diz: 'Eu creio na autoridade da Igreja e não me afasto dos seus ensinos, sem nada buscar além dos seus limites', o Espiritismo responde que não se impõe a pessoa alguma e que não vem forçar nenhuma convicção.

   A liberdade de consciência é consequência da liberdade de pensar, que é um dos atributos do homem; e o Espiritismo, se não a respeitasse, estaria em contradição com os seus prin­cípios de liberdade e tolerância.

   A seus olhos, toda crença, quando sincera e que não leve o homem a fazer mal ao próximo, é respeitável, mesmo que seja errônea."20

 

RESUMINDO

 

    • O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica.
    • Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos.
    • Como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas mesmas relações.
    • O Espiritismo tem por fim combater a incredulidade e suas funestas consequências.
    • Não tem em sua prática quaisquer cultos exteriores nem rituais.
    • Sua força está na sua filosofia e no apelo que dirige à razão e ao bom senso.
    • Respeita toda crença, quando sincera e que não leve o homem a fazer mal ao próximo.
    • Conta entre os seus aderentes homens de todas as crenças, que por esse fato não renunciaram às suas convicções.
    • Seu objetivo essencial é a melhora íntima de cada um de seus adeptos.
    • Os bons Espíritos são excelentes professores e, se evocados, podem nos educar moralmente porque conhecem perfeitamente a moral cristã.
    • Os filhos dos verdadeiros espíritas são educados moralmente pelo exemplo dos pais e assim desenvolvem a razão desde cedo.
    • Os pais espíritas podem obter a assistência dos Anjos guardiães de seus filhos, para melhor conduzi-los pelo bom caminho e aproximá-los de Deus.
    • O Espiritismo consiste na crença individual e não nas sociedades que absolutamente não são necessárias.
    • Cada um podendo ser médium, quem pode impedir uma família, no interior do seu lar, um indivíduo, no silêncio do gabinete, o prisioneiro, sob as grades, de ter comunicações com os Espíritos?

 

Nova fase do Espiritismo com a publicação de A Gênese

 

      "Esta obra chega no momento certo, no sentido em que a doutrina está hoje bem posta sob a relação moral e religiosa. Seja qual for a direção que tome doravante, ela tem precedentes muito arraigados no coração de seus adeptos, para que ninguém possa temer que ela se desvie de sua rota. (...)"

   "O que importava satisfazer, antes de tudo, eram as aspirações da alma; era encher o vazio deixado pela dúvida nas almas vacilantes em sua fé. Essa primeira missão hoje está cumprida. O Espiritismo entra atualmente numa nova fase; ao atributo de consolador, ele acrescenta o de instrutor e diretor do espírito, em ciência e em filosofia como em moralidade. A caridade, sua base inabalável, dele fez o laço das almas ternas; a ciência, a solidariedade, a progressão, o espírito liberal dele farão o traço de união das almas fortes. Ele conquistou os corações amigos com as armas da doçura; hoje viril, é às inteligências viris que se dirige."

   "A questão de origem que se liga à Gênese é uma questão causticante para todos. Um livro escrito sobre esta matéria deve, em consequência, interessar a todos os Espíritos sérios. Por esse livro, como eu vos disse, o Espiritismo entra numa nova fase e essa preparará o caminho para a fase que se abrirá mais tarde, porque cada coisa deve vir a seu tempo. Antecipar o momento propício é tão nocivo quanto deixá-lo escapar." São Luís.21

 

   No texto citado logo acima, São Luís escreveu: "para que ninguém possa temer que ela se desvie de sua rota." No Entanto, parece que o movimento espírita foi desviado da rota que lhe fora traçada por Allan Kardec e os bons Espíritos.

   4. Qual é o seu pensamento sobre essa questão, caro mestre?

   - "Há dois pontos que precisam ser considerados: um, é o estado atual da doutrina propriamente dita, isto é, do corpo dos conhecimentos trazidos à humanidade pelos Espíritos; o outro, é a compreensão desses conhecimentos por parte de seus adeptos. Sabeis que assim como há diferentes categorias de espíritas, no que diz respeito ao proveito moral que tiram das comunicações dos Espíritos, também poder-se-iam criar novas categorias, de acordo com o gênero de ideias a que são mais afeitos, o que naturalmente modifica o proveito que cada qual obtém do Espiritismo. O que ocorre individualmente também se dá no coletivo, em virtude da semelhança dos indivíduos de que é composto. Assim, aquilo que chamais o movimento espírita refere-se às opiniões gerais atuais que seus adeptos mantêm a respeito da doutrina espírita a que me referi no primeiro ponto. São as incoerências entre um e outro que vos dão a impressão de desvio de rota; no entanto, os progressos feitos no âmbito doutrinário não foram perdidos e seguem a partir do mesmo ponto em que foram estabelecidos, o que mostra que a opinião de São Luis é correta, já que na doutrina não houve desvios. 

   "Por outro lado, os corações dos adeptos atuais não se acham compenetrados, em sua maioria, dos mesmos princípios que os daqueles dos primeiros tempos; viveis, como já pudestes perceber, o período religioso do Espiritismo. Ora, o progresso das ideias segue o seu curso aguardando que seus adeptos mais esclarecidos e compenetrados do verdadeiro espírito do Espiritismo se tornem um solo fértil sobre o qual a doutrina poderá frutificar e expandir-se. É o que temos procurado fazer com o resgate do Espiritismo prático, que constitui a essência do Espiritismo, no que diz respeito ao seu estudo e ao seu meio de elaboração, e que também traz consequências morais sobre o caráter dos indivíduos. Assim sendo, a doutrina não está sujeita a desvios. Quanto à compreensão dessa doutrina por parte de seus adeptos, ela segue o seu curso natural conforme haja, da parte deles, mais ou menos interesse de progresso. Chamo a vossa atenção para o seguinte fato: os adeptos, aos quais São Luis se referia, hoje se encontram em mundos superiores à Terra e se dedicam ao Espiritismo como instrutores e como Espíritos protetores, inspirando aos homens as ideias que permitiram a eles a emancipação de que gozam hoje. Os adeptos atuais, em sua maioria, são novos; o terreno sobre o qual a semente espírita é plantada é outro. Todavia, não imagineis que o período entre colheitas represente uma regressão da lavoura; trata-se de um processo natural e que já era conhecido pelos Espíritos. As ideias espíritas hoje espalham sobre um campo ainda maior do que naquela época, mas os frutos delas decorrentes ainda necessitam de tempo para se desenvolverem. Vós, que já podeis compreender esse processo, deveis esforçar-vos para que muitos outros colham os benefícios do Espiritismo, assim como os Espíritos que hoje já não se encontram na Terra colheram. Vosso trabalho, bem o sabeis, consiste na aplicação a vós mesmos da moral que ele ensina, antes de tudo, e na partilha com vossos irmãos dos benefícios que tendes obtido."

 

Allan Kardec

(Respostas dadas por psicofonia, dia 8 de maio de 2021.


https://www.revistaespirita.net/pt-br/artigo/197/periodo-religioso-do-espiritismo