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domingo, 28 de janeiro de 2018

A Gênese – 150 anos

A Gênese – 150 anosAs bases estavam consolidadas. Completava-se o Espiritismo.

Em setembro de 1867, Allan Kardec encontrava-se em sua propriedade na Ville Ségur, onde costumava ficar para realizar trabalhos que exigissem recolhimento, quando teve oportunidade de perguntar a um amigo espiritual, o Dr. Demeure[1], se surgiriam obstáculos à publicação de sua mais recente obra, que já se encontrava no prelo. Obteve a seguinte resposta:
“Não prevejo dificuldades intransponíveis. A tua saúde seria a principal; por isso é que te aconselhamos incessantemente que não te descuides dela. Quanto a obstáculos exteriores, nenhum pressinto de natureza séria.”
Tratava-se da obra A Gênese – os milagres e as predições segundo o Espiritismo, publicada em 6 de janeiro de 1868. Segundo ele, esta obra seria um complemento do Espiritismo e, embora o material já estivesse pronto há tempos, era necessário que as bases da Doutrina estivessem consolidadas para que o topo se concretizasse. Note-se que, em 1867, O Livro dos Espíritos havia completado dez anos de publicação.
Essa obra[2], contendo dezoito capítulos, é dividida em três partes: a primeira analisa a origem do planeta Terra, de forma coerente, fugindo às interpretações misteriosas e mágicas sobre a criação do mundo; a segunda aborda a questão dos milagres, explicando a natureza dos fluidos e os fatos extraordinários contidos no Evangelho; e a terceira enfoca as predições do Evangelho, os sinais dos tempos e a geração nova, que marcará um novo tempo no mundo com a prática da justiça, da paz e da fraternidade.
Kardec considerou necessário apresentar uma retrospectiva sobre o papel dos Espíritos em relação aos homens. Assim, ao primeiro capítulo, contendo 62 tópicos doutrinários, deu o título de Caracteres da revelação espírita. E como para ele a Revista Espírita representava “um terreno de ensaio destinado a sondar a opinião dos homens e dos Espíritos a respeito de certos princípios antes de admiti-los como partes constitutivas da Doutrina”, decidiu publicar na Revista, edição de setembro de 1867, um artigo contendo 55 tópicos extraídos do primeiro capítulo.
Em alguns tópicos, tanto na Revista quanto em A Gênese, ele inseriu notas explicativas, mas em A Gênese nem todos os comentários foram inseridos na íntegra e outros foram totalmente suprimidos. É o que acontece ao tópico de número 44, no qual ele trata dos que combatem o Espiritismo:
“Vós que combateis o Espiritismo, se quiserdes que o deixem para vos seguir, dai mais e melhor que ele; curai mais seguramente as feridas da alma; fazei como o negociante que, para lutar contra um concorrente, dá mercadoria de melhor qualidade e a menor preço. Dai, pois, mais consolações, mais satisfações do coração, esperanças mais legítimas, certezas maiores; fazei do futuro um quadro mais racional, mais sedutor; mas não penseis em o vencer, vós, com a perspectiva do nada, vós, com a alternativa das chamas do inferno ou da beata e inútil contemplação perpétua.”
Nos comentários sobre este tópico, inseridos apenas na Revista Espírita, Kardec orienta os espíritas a não perderem tempo com questões dogmáticas:
“O objetivo que todo espírita deve ter em mira, se quiser merecer esse título, é seu próprio melhoramento moral. Sou melhor do que o era? Corrigi-me de algum defeito? Fiz o bem ou o mal ao próximo? Eis o que todo espírita sincero e convicto deve perguntar. Que importa saber se o Cristo era Deus ou não, se se é sempre egoísta, orgulhoso, ciumento, invejoso, colérico, maldizente, caluniador? A melhor maneira de honrar o Cristo é imitá-lo em sua conduta.”
Em tais comentários, ele aproveita para se dirigir aos seguidores de outras crenças que se preocupam exageradamente com o Espiritismo:
“Se temeis que o Espiritismo perturbe a vossa consciência, não vos ocupeis dele. Ele não se dirige senão aos que a ele vêm livremente e dele necessitam. Não se dirige aos que têm uma fé qualquer e que esta fé basta, mas aos que não a têm ou que duvidam, e lhes dá a crença que lhes falta, não particularmente a do catolicismo, do protestantismo, do judaísmo ou do islamismo, mas a crença fundamental, base indispensável de toda religião. Aí termina o seu papel. Estabelecida esta base, cada um fica livre de seguir a rota que melhor satisfaça à sua razão.”
Pela disponibilidade de espaço, citaremos apenas mais um tópico. No de número 45, tanto na Revista quanto em A Gênese, Kardec trata das três revelações:
“A primeira revelação era personificada em Moisés, a segunda ao Cristo, a terceira não é em nenhum indivíduo. As duas primeiras são individuais, a terceira é coletiva; eis um caráter essencial de grande importância. É coletiva neste sentido que não foi feita por privilégio a ninguém; consequentemente, ninguém pode dizer-se seu profeta exclusivo. Foi feita simultaneamente em toda a Terra, a milhões de pessoas de todas as idades, de todos os tempos e de todas as condições sociais.”
Seus comentários sobre este tópico foram inseridos parcialmente em A Gênese, expondo seu papel individual na terceira revelação:
“O nosso papel pessoal, no grande movimento de ideias que se prepara pelo Espiritismo e que começa a operar-se, é o de um observador atento, que estuda os fatos para lhes descobrir a causa e tirar-lhes as consequências. Confrontamos todos os que nos têm sido possível reunir, comparamos e comentamos as instruções dadas pelos Espíritos em todos os pontos do globo e depois coordenamos metodicamente o conjunto; em suma, demos ao público o fruto das nossas indagações, sem atribuirmos aos nossos trabalhos valor maior do que o de uma obra filosófica deduzida da observação e da experiência, sem nunca nos considerarmos chefe da doutrina, nem procurarmos impor nossas ideias a quem quer que seja. (...) O nosso maior mérito é a perseverança e a dedicação à causa que abraçamos. Em tudo isso, fizemos o que outro qualquer poderia ter feito como nós, razão pela qual nunca tivemos a pretensão de nos julgarmos profeta ou messias, nem, ainda menos, de nos apresentarmos como tal.”[3]
O que ele suprimiu em A Gênese, desses comentários, foi publicado somente na Revista Espírita, onde comenta que, embora não tivesse uma mediunidade efetiva, não contestava ter sido assistido pelos Espíritos em seu trabalho de elaboração do Espiritismo:
“Além das ideias que reconhecemos nos serem sugeridas, é notável que assuntos de estudo e observação, numa palavra, feito quanto pode ser útil à realização da obra, sempre nos chega de propósito. De sorte que os materiais e documentos do trabalho jamais nos faltam. Se tivermos que tratar de um assunto, estamos certos que, sem o pedir, os elementos necessários à sua elaboração nos são fornecidos por meios que são absolutamente naturais, mas que, sem dúvida, são provocados por nossos colaboradores invisíveis.”
Logo após a publicação da obra, alguns leitores, vendo que ela já se esgotava, solicitaram a Kardec que publicasse apenas o primeiro capítulo. Ele atendeu ao pedido e publicou uma brochura, que logo se esgotou.
Um mês após o lançamento de A Gênese, a edição já se encontrava quase esgotada. Ele sentia-se satisfeito, pensando naqueles a quem ela viesse a transformar, pelos ensinamentos. Com a assistência do Dr. Demeure, já trabalhava numa reedição. O médico amigo, no entanto, lhe aconselha:
“Põe-te desde já a trabalhar, porém não consagres excessivo tempo nisso. Faze-o com o devido vagar; as ideias se te apresentarão mais claras e o teu corpo lucrará, fatigando-se menos.”
O que ele não poderia imaginar era o motivo da preocupação do benfeitor em relação a sua saúde. Um ano depois, ele concluiria sua trajetória terrena. A Gênese foi sua última obra. Sua missão havia terminado. O Espiritismo estava completo.

1. KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 18.ed. Rio de Janeiro: FEB.
2. Disponível em http://www.febnet.org.br/blog/geral/divulgacao/downloads-divulgacao/obras-basicas/.
3. KARDEC, ALLAN.  A Gênese. 32.ed. Rio de Janeiro: FEB

https://www.oclarim.org/oclarim/materias/5564/revista/2018/Janeiro/a-genese-150-anos.html

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