a partir de maio 2011

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

KARDEC VOLTOU! (?)

Trabalho apresentado no X SBPE – Santos, 2007

Marcelo Henrique Pereira (*)
INTRODUÇÃO. 
"Não verás, nesta existência, senão a aurora do sucesso de tua obra; será necessário que retornes, reencarnado num outro corpo, para completar o que tiveres começado, e, então, terás a satisfação de ver, em plena frutificação, a semente que tiveres difundido sobre a Terra."
Zéfiro.
A Doutrina Espírita tem como um de seus principais alicerces a liberdade. Liberdade de convicção íntima, de pensamento e de expressão. A todos é lícito proceder a digressões intelectuais acerca dos principais temas da realidade da vida material, entre os quais o princípio espiritual da reencarnação.

É comum, no movimento espírita, a existência de estudos acerca de personalidades (do próprio Espiritismo ou da História), na forma de ensaios e relatos biográficos (pesquisas) ou incursões mediúnicas (psicografia ou psicofonia), as quais, muitas vezes, materializam a tentativa de vincular ou demonstrar a relação direta entre dados personagens, em existências físicas distintas, atribuindo-lhes a mesma identidade espiritual.

Tal circunstância ocorre, tanto pelo desejo investigativo quanto pela vontade – muitas vezes exacerbada – de obter provas (científicas ou não) da Reencarnação, um dos princípios básicos da doutrina espírita e uma das Leis Universais. Dentre as situações registradas pelo movimento espírita, temos as "revelações" espirituais acerca das reencarnações anteriores do Codificador da doutrina, Allan Kardec (ou, em sua última identidade humana conhecida, Hippolyté León Denizard Rivail), as de certos vultos religiosos (como Paulo de Tarso, que teria sido Lutero, em existência sucessiva, graças ao exaustivo e competente trabalho de Hermínio C. Miranda, denominadoAs Marcas do Cristo, em dois volumes) e, até, espíritas (como Luciano dos Anjos, que em obra intitulada Eu Sou Camille Desmollins, em parceria com Hermínio C. Miranda, localiza uma anterior encarnação sua, entre outros).

No que concerne ao emérito professor francês, âncora e referência do Espiritismo, consta que algumas de suas vidas pregressas teriam sido sob a identidade dos seguintes vultos:
  • Amenophis, um sacerdote do Antigo Egito, conforme consta do livro de J. W. Rochester (médium Wera Krijannowsky), Faraó Mernephtah, durante o reinado de Seti I (1291 a.C. – 1278 a.C.);
  • Allan Kardec, um sacerdote druida que viveu em torno de 58 a.C. (na época em que Júlio César, imperador romano invadiu as Gálias), nome que Rivail adotou por pseudônimo após a revelação do Espírito Zéfiro, em 1856;
  • Quirílius Cornélius, centurião romano, que viveu na Palestina, à época de Jesus, sendo imperador Tibérius César, e Pôncio Pilatos, o Procurador da Judéia. Há referências a ele no Novo Testamento – cura de um servo seu, por Jesus (Mt; 8:5-13) e no livro de J. W. Rochester, Herculanum;
  • Jan (João) Huss, sacerdote, mártir e reformador tcheco (1369-1415), atuante no período da pré-reforma da Igreja Católica. Junto a Jerônimo, Huss atacou veementemente os dogmas romanos. Levado ao Concílio de Constança, reafirmou ser Jesus e não Pedro o "chefe" da Igreja e, condenado, foi queimado vivo, amarrado a um poste em praça pública, no dia 6 de julho; e,
  • Hippolyté León Denizard Rivail, pedagogo e cientista francês (1804-1869), codificador do Espiritismo, na última existência comprovada até então.
Estas as existências, digamos, "conhecidas" de Kardec, pelas fontes literárias existentes. Seguramente, no processo evolutivo daquele Espírito, outras existências se processaram na Terra e em outros mundos (em obediência a outro postulado espírita-espiritual, o da Pluralidade dos Mundos Habitados).

As especulações sobre um posterior retorno do Codificador ao plano terrestre têm como elemento inaugural a existência de uma mensagem de seu mentor pessoal, Zéfiro, a ele dirigida e publicada em Obras póstumas (cujo excerto abre este Trabalho), a qual criou uma celeuma considerável no movimento espírita brasileiro – sem dúvida alguma, o maior país espírita do mundo – motivando alguns adeptos da doutrina a escreverem textos ou, até, livros sobre o tema, ou pronunciarem-se em conferências, palestras ou pela imprensa, tentando vincular dada personalidade reencarnada à identidade espiritual de Kardec. A consequência desta tentativa de vinculação espiritual de uma a outra pessoa gerou, como se sabe, dois posicionamentos bastante claros no movimento: os que advogam a tese e os que a ela são frontal e incisivamente contrários, isto é, aqueles que afirmam que "B" é "A" reencarnado e os que negam, peremptoriamente. Tanto uns quanto outros tentam alinhavar argumentos para a sustentação de suas afirmações.

Não basta, contudo, alegar ou defender certos pontos de vista – em alguns casos, até, de modo apaixonado. Em todo trabalho de natureza científica – e, aqui, vale a chamativa para a necessidade da continuidade da prática científica espírita – seu autor desenvolve uma tese, à qual podem ser apostas críticas e contrariedades (antítese), pelo próprio ou por terceiros, resultando, ao final e conclusivamente, numa síntese, em que se demonstra (ou não) a validade da argumentação inicial.

Este procedimento, entendemos, cabe perfeitamente para a visualização da hipótese do retorno reencarnatório de Allan Kardec à Terra, tal qual está expresso em Obras Póstumas. Em verdade, estudiosos e seguidores do Espiritismo podem apresentar suas suposições, visando vincular, com base em elementos probatórios ou inquiritórios, que Rivail tenha retornado como "fulano" ou "beltrano", mas, daí, a afirmar categoricamente e sem espaço para discussão de ideias é, no mínimo, perigoso, para não dizer desaconselhável, sob pena de ridicularização da teoria espiritista.

Neste trabalho – considerado por nós como uma tese ou, de outra forma, uma antítese aos trabalhos que têm sido apresentados no movimento – estaremos analisando as principais manifestações sobre a temática, por parte de diversos expoentes do pensamento espírita, desde o instante inaugural da predição de Zéfiro, passando pela primeira associação feita pelos espíritas de que Kardec estaria reencarnado no Brasil (especificamente na "pele" do médium de Uberaba, Francisco Cândido Xavier), passando pelas ilações feitas no sentido de identificação do retorno de Rivail em outros personagens, até as últimas "confirmações" ou refutações à referida construção filosófica, para, ao final, apresentarmos nossa posição acerca do assunto, isto é, confirmando ou não a reencarnação de Rivail e, caso positivo, situando-o no tempo-espaço e identificando-o como dado vulto do pensamento espírita.

É sobre isto que convidamos o leitor a analisar nosso trabalho – ao mesmo tempo retrospectivo e perspectivo – e, se for o caso, nos encaminhar suas críticas, sugestões e contribuições, para uma versão futura deste trabalho. Disponibilizamos, para tanto, nosso endereço eletrônico (harmonia@floripa.com.br), para tal desiderato.

Boa leitura! 
 
Capítulo 1.

AS MENSAGENS SOBRE O RETORNO DE KARDEC.
 
"Não ficarás muito tempo entre nós; é necessário que retornes para terminar a tua missão."
Espírito Verdade.
Allan Kardec, o Codificador da Doutrina dos Espíritos, professor, cientista e intelectual francês (Hippolyté León Denizard Rivail), publicou diversas obras acerca deste novo conhecimento, principiando por O Livro dos Espíritos(1857) até o último volume – XII – da Revista Espírita (1869). Como não foi possível, a ele, publicar suas derradeiras pesquisas, seus seguidores editaram o livro Obras Póstumas (em 1890), o qual reúne comunicações mediúnicas e observações de Kardec sobre distintas questões, muitas das quais extremamente importantes para a constituição de instituições espíritas e o seu funcionamento.

De maneira especial, estão contidas na precitada obra, informações de caráter pessoal, acerca da missão e de circunstâncias do trabalho daquele homem singular, as quais devem ser objeto de estudo de todo espírita consciente e dedicado, sobretudo com os olhos abertos para a percepção de orientações valiosas para os tempos atuais e futuros, na ambiência espírita.

De maneira singular, alguns Espíritos se manifestaram sobre a missão de Kardec – na presença ou não do Codificador – revelando detalhes curiosos e, ao mesmo tempo, peculiares para o trabalho que ele realizou, naquela existência, e a programação para o porvir, ainda na esteira da consolidação da mensagem espiritista em nosso planeta. Na Introdução deste ensaio, fizemos a transcrição da primeira referência ao "retorno" físico de Kardec, quando o guia espiritual faz uma interessante ilação entre a tarefa do pensador francês com as fases de desenvolvimento de uma planta – semente e fruto. Não há, pois, nenhuma dúvida que, no planejamento espiritual da difusão da mensagem espírita, um dos componentes fundamentais seria a presença encarnada do seu principal expoente, em uma das fases mais "agudas" da História do Espiritismo (e do próprio mundo). Vale lembrar, por oportuno, que o próprio Codificador, em um interessante artigo da Revista Espírita (1863), apresenta os seis períodos de desenvolvimento da Doutrina Espírita, assim elencados: 1º) Curiosidade; 2º) Filosófico; 3º) De Luta; 4º) Religioso; 5º) Intermediário; e, 6º) Da Renovação Social.

Deste modo, ainda que de forma bastante preliminar, poderíamos perguntar: - Em qual das fases destacadas seria mais oportuno a concretização do possível (e anunciado) retorno físico de Kardec, para "continuar a obra"?

Como não foram prescritas datas específicas para cada uma destas fases e, no exercício interpretativo, livre e crítico, podemos com bastante clareza constatar que nos encontramos, hoje, no período religioso, em face da postura majoritária do movimento espírita, havendo, naturalmente, pessoas e instituições que, apresentando propostas e vivências, tem se caracterizado por uma postura não-religiosa (laica), como a sugerir uma "outra via" para a atuação espiritista, direcionando o próprio movimento à fase consequente (Intermediária), para, paulatinamente, investir na transformação do meio alcançando, ulteriormente, a Renovação Social.

Retomando a questão da reencarnação (posterior) de Rivail, achamos oportuno transcrever, na íntegra, a mensagem ditada pelo Espírito Verdade, alinhada em Obras Póstumas:
MEU RETORNO
10 de junho de 1860
(Em minha casa, médium, sra. Schmidt.)

Perg. (À Verdade). Acabo de receber uma carta de Marselha, na qual se me diz que, num seminário dessa cidade, se ocupou seriamente do estudo do Espiritismo e de O livro dos espíritos. O que é preciso disso augurar? É que o clero tomou a coisa com interesse?

Resp. Não podes disso duvidar: ele toma as coisas muito a sério, porque nelas prevê as conseqüências para ele, e as suas apreensões são grandes. O clero, sobretudo a parte esclarecida do clero, estuda o Espiritismo mais do que não o crês: mas não pensa que seja por simpatia; ao contrário, nisso procura os meios para combatê-lo, e assegura-te que lhe fará uma rude guerra. Não te inquietes com isso; continue a agir com prudência e circunspecção; tenha-te em guarda contra as armadilhas que te serão estendidas; evita cuidadosamente, em tuas palavras e em teus escritos, tudo o que poderia fornecer armas contra ti.

Prossegui o caminho sem medo, e se ele está semeado de espinhos, asseguro-te que terás grandes satisfações antes de retornares "por um pouco" entre nós.

Perg. Que entendeis por essas palavras "por um pouco"?

Resp. Não ficarás muito tempo entre nós; é necessário que retornes para terminar a tua missão, que não pode ser rematada nesta existência. Se isso fosse possível, não te irias daí de modo algum, mas é preciso suportar a lei da Natureza.

Estarás ausente durante alguns anos e, quando voltares, isso será em condições que te permitirão trabalhar cedo. No entanto, há trabalhos que é útil que termines antes de partir; é porque te deixaremos o tempo necessário para acabá-los.

NOTA. Supondo aproximadamente a duração dos trabalhos que me restam a fazer, e tendo em conta o tempo de minha ausência e os anos da infância e da juventude, até a idade que um homem pode desempenhar um papel no mundo, isso nos leva, forçosamente, ao fim deste século ou ao começo do outro. (Nossas marcações.)
Do texto reproduzido, merecem destaque os seguintes pontos:
1) O desencarne de Kardec – os Espíritos Superiores, ao alertarem o Codificador sobre os cuidados na disseminação da mensagem espiritista, salientam que ele haveria de regressar à Pátria Espiritual, onde permaneceria "por um pouco", quando, a seguir, preparar-se-ia para uma nova reencarnação;

2) O retorno à vida física e a missão – alusão à "necessidade" da continuidade da tarefa espiritual, que, então não poderia ser "rematada" naquela existência (1804 – 1869);

3) Intervalo entre encarnações – relativamente curto ("estarás ausente durante alguns anos");

4) Dedicação à missão – os Espíritos fazem alusão ao advérbio "cedo", o que implica a constatação de que logo no primeiro quartel de vida, o Espírito Kardec estaria envolvido direta e conscientemente na continuidade da tarefa iniciada naquela encarnação;

5) Especulação quanto à data – Kardec, com base nos informes espirituais, projeta seu retorno físico para o período que compreenderia o final do século XIX e o início do século XX. Vale dizer que, a princípio, Rivail considera o padrão de contagem temporal humano para tal assertiva, embora não se tenha prova inconteste disso, visto que dialogava ele com os Espíritos.
Existe outra mensagem, anterior temporalmente, também registrada em Obras Póstumas, intitulada "Primeira Notícia de Uma Nova Encarnação", em que o Espírito Zéfiro, na casa do Sr. Baudin, através da médium Srta. Baudin, em 17 de janeiro de 1857, diz o seguinte: "Mas, ah! a verdade não será conhecida de todos, nem crida, senão daqui a muito tempo! Nessa existência não verás mais do que a aurora do êxito da tua obra. Terás que voltar, reencarnado noutro corpo, para completar o que houveres começado e, então, dada te será asatisfação de ver em plena frutificação a semente que houveres espalhado pela Terra". (Destacamos.)

Zéfiro, assim, havia afirmado, em outro contexto e previamente, o que seria depois informado pelo Espírito Verdade. O objetivo cristalino desta informação era o de estímulo ao trabalho de Rivail, o qual, notadamente, não se esgotaria em uma existência, já que aponta para a "necessidade" de um retorno físico, embora dela se depreenda não haver menção explícita à ocorrência temporal (quando a reencarnação iria ocorrer).

Segundo o próprio Kardec, Zéfiro não parecia tratar-se de um Espírito Superior, e, desta forma, poder-se-ia dizer ser sua manifestação apenas a opinião pessoal de um Espírito amigo. No outro caso, porém, a revelação partiu do Espírito Verdade, assim sendo, de cunho muito mais confiável, por ser ele um Espírito a quem Kardec sempre recorria para orientar-se e que se manifestou exatamente para este fim. Era, destarte, alguém em quem Kardec confiava plenamente, mas não cegamente, porque o Espírito Verdade se fizera digno de confiança. Das mensagens, pelo critério da universalidade, sobressai o fato de que Kardec reencarnaria (o que, pela lei da evolução, é um fato óbvio), e mais especificamente retornaria ao nosso orbe para concluir sua obra (o que, por si só, revestiria tal encarnação de uma importância muito grande), assim entendemos nós, no âmbito da consolidação das ideias e das ações espíritas no contexto social planetário.

Apenas por questão de complementação, há ainda dois registros importantes acerca da "previsão" do "retorno" kardequiano, na literatura espírita:
1) Mensagem de Luiz de França, através da médium Ermance Dufaux, contida em O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, tradução de Canuto Abreu, Ed. LFU, S. Paulo, p. 184, que teria afirmado a Kardec e seus companheiros, no lançamento de O Livro dos Espíritos"Ainda lhe resta muito a executar até o limite pré-estabelecido para cada qual.Uma só existência não lhe bastará. Até aqui ‘recordaram’. Daqui por diante, cumpre-lhes ‘apostolar’." (Salientou-se);

2) Mensagem ditada pelo Dr. Demeure, em 02/02/1865, e apresentada em O Céu e o Inferno,IDE, Segunda Parte, Cap. II, p. 177: "Segundo minhas observações, e as informações que obtive em boa fonte, ficou evidente para mim que, quanto mais cedo a sua desencarnação se opere, tanto mais cedo poderá ter a reencarnação com a qual acabará a sua obra." (Sublinhamos).
Devemos apor, ainda, que a discussão deste tema deve ser direcionada com base na lógica, no bom senso e, sobretudo, com compromisso sério investigativo, e não para atender a caprichos, leviandades e defesas de movimentos ou instituições, quando a "paixão" por determinada argumentação acaba sendo comprometedora daveracidade e da sustentabilidade de qualquer tese.

Se não estamos preparados e dispostos para analisar esta questão (como qualquer outra, à luz do conhecimento e da prática espíritas), consideradas tais premissas certamente não chegaremos a lugar algum, contribuindo, negativamente, para a manutenção de cizânias e do desconhecimento de causa.

Os estudos espíritas sobre as evidências reencarnatórias precisam ser apoiados, desenvolvidos e divulgados, desde que assentados sobre as mesmas bases investigativas estabelecidas por Rivail. É preciso, ainda, despirmo-nos dos preconceitos em relação à pesquisa espírita, já que, de modo exemplificativo, personalidades encarnadas de nosso tempo realizaram importantes trabalhos – depois divulgados em livros – em que as evidências são corretamente apresentadas, sem o condão de afirmar categoricamente – até, porque, em muitos casos, é impossível aferir com certeza absoluta – que se trata desta ou daquela entidade espiritual. São, neste sentido, Eu sou Camille Desmolins (de Hermínio Miranda e Luciano dos Anjos) e Reencarnação no Brasil (de Hernani Guimarães Andrade).

Cabe lembrar que, se já é difícil constatar a identidade dos Espíritos desencarnados em comunicações mediúnicas, que se dirá em relação à identidade dos Espíritos encarnados? Quanto a este ponto, nos reportamos a O Livro dos Médiuns (2ª parte, cap. XXIV, "Identidade dos Espíritos", item 255), onde Kardec nos diz: "A questão da identidade dos Espíritos é uma das mais controvertidas, mesmo entre os adeptos do Espiritismo. Porque os Espíritos de fato não trazem nenhum documento de identificação e sabe-se com que facilidade alguns deles usam nomes emprestados. (...) em muitos casos a questão da identidade absoluta é secundária e desprovida de importância real". Quanto a esta última frase, grifada por nós, cabe ainda ressaltar, extraindo-se outro trecho, agora do item 256 do referido livro: "O que nos interessa não são as pessoas, mas o ensino. Ora, se o ensino é bom, pouco importa que venha de Pedro ou Paulo". (Marcou-se.)

Mesmo assim, conforme já salientamos, ocorreram, principalmente no século passado e no atual, diversas "tentativas" de vinculação encarnatória entre Rivail e supostos "pretendentes" a Kardec, os quais serão enumerados no capítulo subsequente.
 
 
Capítulo 2.

AS HIPÓTESES LEVANTADAS NO CURSO DA HISTÓRIA.
 
"Julgam-se os Espíritos, como os homens, pela sua linguagem. Se um Espírito se apresenta com o nome de Fénelon, por exemplo, e diz trivialidades e puerilidades, está claro que não pode ser ele. Porém, se somente diz coisas dignas do caráter de Fénelon e que este não se furtaria a subscrever, há, senão prova material, pelo menos toda probabilidade moral de que seja de fato ele. Nesse caso, sobretudo, é que a identidade real se torna uma questão acessória. Desde que o Espírito só diz coisas aproveitáveis, pouco importa o nome sob o qual as diga. Objetar-se-á, sem dúvida, que o Espírito que tome um nome suposto, ainda que só para o bem, não deixa de cometer uma fraude: não pode, portanto, ser um Espírito bom. Aqui, há delicadezas de matizes muito difíceis de apanhar e que vamos tentar desenvolver."
Kardec.
Algumas hipóteses foram levantadas, até hoje, por espíritas ou simpatizantes, acerca do retorno corporal de Allan Kardec. O fato – e, principalmente, a possibilidade de sua comprovação, de alguma maneira – desperta interesse justamente porque a popularização dos ensinamentos espíritas provoca questionamentos sobre a continuidade do trabalho espírita e sua influência na Sociedade.

Indiscutivelmente, Kardec é o maior expoente físico da Doutrina Espírita, figurando poeticamente como um sol que esparge seus raios por todo o sistema ao qual pertence; tais raios são o método de observação e seleção da produção mediúnica, e a lógica e o bom-senso no exame de todo e qualquer fato, sob a ótica espírita. Ao invés de "mero secretário-relator" dos Espíritos Superiores, Kardec impingiu à obra o seu traço marcante de homem de ciência, tanto em relação à composição dos principais questionamentos sugeridos ao Invisível, que constam em suas obras, como pelas introduções, conclusões, notas explicativas, comentários e outros adendos que, criteriosamente, apôs junto às dissertações de origem medianímica. Evidentemente, ainda, não se tratou de um trabalho solitário e isolado. Havia, em torno de Rivail, seres encarnados que se sensibilizaram diante da obra, prestando-lhe contribuições inestimáveis e, como sustentáculo psíquico, diversos expoentes do pensamento espiritual, desencarnados, estiveram ao seu lado, principalmente nos momentos mais difíceis e delicados, os quais se encontram registrados nos anais e livros biográficos espiritistas.

No que concerne aos contextos histórico e social, há que se consignar, em relação à possibilidade de nova existência material do Espírito Kardec, o fato de que o próprio Rivail, como visto no capítulo precedente, projetou como momento temporal o intervalo entre o final do século XIX e o início do século XX. Quanto ao locus, o recrudescimento do movimento espírita em solo francês e o interesse crescente e o desenvolvimento de instituições espíritas no Brasil, notadamente, permitem pressupor que, caso o retorno ocorresse (ocorreu), Rivail seria um cidadão brasileiro – de nascimento ou por adoção.

Assim, no curso do tempo – e, principalmente, a partir das décadas de 1960, 1970 e 1980, começaram a ser cogitadas hipóteses demonstrativas de ser, essa ou aquela personalidade encarnada, o Codificador, em retorno. Numa análise generalizada sobre os posicionamentos existentes, divulgados em artigos e livros, impressos ou virtuais, há uma corrente majoritária que atesta ser Francisco Cândido Xavier a nova encarnação do Codificador e, em paralelo, um pequeno movimento que pretende vincular Osvaldo Polidoro a tal circunstância reencarnatória. Também já houve quem se manifestasse no sentido de Rivail ter retornado como Alziro Zarur.

Nos documentos que contêm afirmativas e possíveis "indícios" de prova, vemos manifestações quase sempre apaixonadas e desprovidas da mínima lógica kardequiana. As defesas (de um e de outros) enveredam pelo caminho da idolatria e da mistificação, com argumentos que soam inconsistentes e, até, em certos casos, absurdos. Há, ainda, alguns articulistas que, mesmo não aderindo a uma ou outra tese, também contribuem para a disseminação de ideias errôneas e contraditórias, em sede do movimento espírita, afirmando que os articulistas que tentam desconstituir esta ou aquela hipótese, enveredam por caminhos de crítica "dura" e "pesada", em muitos casos, tentando "diminuir" ou "menosprezar" a individualidade (e o padrão evolutivo) seja de Chico, seja de Polidoro, seja, ainda, de Zarur.

Vejamos as características personalísticas de cada um destes indivíduos:

Alziro Abrahão Elias David Zarur (25.12.1914 – 21.10.1979) foi jornalista radialista, poeta e escritor, fundador da Legião da Boa Vontade (LBV), em 1950, instituição com nítido objetivo ecumênico, de promoção do "diálogo inter-religioso", que aglutinou padres, pastores, líderes espíritas e representantes de diversas outras religiões. A LBV, em 1973, se auto-proclamou a "Religião de Deus" e se utilizou da mídia para divulgar suas ações e projetos no cenário internacional. A revista IstoÉ, em reportagem especial sobre os brasileiros do século (XX), destacou que Zarur, em sessão mediúnica realizada na sede da Federação Espírita Brasileira (ainda no Rio de Janeiro), em 1948, foi comunicado de uma vidência, na qual, ao seu lado, figurava Francisco de Assis, que dizia: "É hora de começar!" Depois, desejando maiores esclarecimentos sobre visões que ele próprio passava a ter, procurou o médium Francisco Cândido Xavier que, sob psicografia ditada por Emmanuel, André Luiz e Bezerra de Menezes, confirmou-lhe a missão de fundar uma instituição de caridade. Nada, entretanto, sobre uma possível "continuidade" do trabalho espiritista, em termos de filosofia ou doutrina. Tampouco, pelo trabalho desenvolvido por Alziro, bem como por suas locuções em rádio ou livros, apesar da utilização de muitas máximas, orientações e princípios espíritas, como fundamentos teórico-práticos da LBV, se consegue perceber vinculação entre a atividade grandiosa de Rivail e a do líder religioso carioca.

Osvaldo Polidoro (05.06.1910 – 25.12.2000). Religioso espírita e médium, uns dos fundadores da Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP), autor de mais de 116 livros, criador do Divinismo, seita religiosa em que ele se autoproclama ser a reencarnação de Kardec, afastando-se do Espiritismo sob a alegação de que os espíritas (tradicionais) queriam "dogmatizar sobre Kardec". Foi expoente de pouco vulto e importância no meio espírita, apesar de sua militância em uma das (então) maiores federativas brasileiras. Sua principal obra éEvangelho Eterno e Orações Prodigiosas, cumpridor das profecias do Apocalipse, um "passo à frente no Caminho da Verdade", segundo proclamou.

Francisco (Chico) Cândido Xavier (02.04.1910 – 30.06.2002). Católico de berço, teve seu primeiro contato com o Espiritismo em 1927, quando, em face de problema obsessivo familiar, passou a estudar e a desenvolver sua mediunidade, a qual havia sido iniciada aos 4 anos de idade (clarividência e clariaudiência). Autor de 412 livros, todos psicografados, afirmando "apenas" reproduzir o que os espíritos lhe ditavam. Sua contribuição literária é um dos fatores mais relevantes para a popularização do Espiritismo, principalmente no Brasil.

Destes "candidatos a Kardec", seja por autodesignação ou por sugestão daqueles que os admiravam por seus feitos ou se aglutinavam nos movimentos instituídos ou formados ao seu derredor, cremos, pessoalmente, que nenhum deles reúne as características personalístico-psíquicas do Codificador. Bem à feição do Espiritismo Brasileiro (desenvolvido no maior país católico do mundo), os trabalhos e as realizações de Zarur, Polidoro e Xavier têm nítida feição religiosa e salvacionista, apesar de tal característica ser mais evidente nos dois primeiros. Em contraponto, parece-nos que o personagem mais "humilde" seria justamente o último, já que Zarur e Polidoro apresentaram-se como instituidores de "novas" religiões, tidas, cada uma delas, como o único e necessário caminho para a Humanidade.

Xavier realmente é um ícone espírita, um divulgador por excelência do pensamento espírita, o qual contribuiu verdadeiramente (e ainda contribui, com a comercialização de seus livros) para a popularização da Doutrina Espírita em nosso país, principalmente. Polidoro, com todo o respeito que a dita personagem merece de nossa parte, trata-se de um vulto de menor expressão, em torno do qual, inclusive, se criou um movimento suspeito e estranho chamado "divinismo", cujos maiores detalhes podem ser obtidos em endereço virtual. Já Zarur, embora tenha sido um grande empreendedor, sobretudo em trabalhos assistenciais por todo o mundo, igualmente se afastou da filosofia espírita "pura", cunhando uma "nova" seita, que, na mais franca e completa análise, mescla atributos, conceitos, práticas e fundamentos de diversos credos até então existentes, numa nítida tentativa de ser o mais "universalista" possível, para agradar a "gregos" e "troianos".

Há alguns estudiosos espíritas que advogam a ideia de que Kardec, caso tivesse reencarnado, teria deixado isso evidente, não só por seu trabalho de "continuidade", como por manifestações pessoais – ou, até, mensagens espirituais – nesse sentido. Particularmente, descartamos tal circunstância, de vez que "revelações" desta natureza não são comuns, não sendo relevante a identificação para qualquer adendo de credibilidade ou sustentação do trabalho de seres encarnados. Do contrário, como reflete a orientação evangélica, "pelos frutos se reconhece a árvore" (Mt; 12:33), ditame que aponta justamente no sentido de, pelo conjunto dos feitos, Kardec seja (ou fosse) reconhecido na identidade de algum expoente espírita encarnado, na época sugerida.

Nossas observações mais pontuais, contudo, no sentido de tese (ou antítese, em relação às acima sugeridas) que aponte ser determinado vulto espírita a reencarnação do Codificador, ou, em sentido diverso, que ele não teria retornado, estarão expostas no último capítulo deste trabalho.

Voltando aos estudos e documentos espíritas apresentados sobre a questão, em nossa pesquisa acessamos e estudamos diversas argumentações favoráveis e contrárias à tese do retorno corporal de Rivail. Destas, selecionamos as mais relevantes para o escopo de resgate histórico e da utilização de argumentos expostos por outros pensadores espíritas, as quais serão detalhadas nos capítulos seguintes. 
 
Capítulo 3.

O CASO "CHICO XAVIER".
 
"A mão de Chico é igual à de Kardec
Chico usava paletó, como Kardec;
Então, ele é mesmo Kardec."
Apologia Espírita.

"Onde não houver questionamento e crítica, onde não houver debate transparente, certamente haverá dominação, ignorância, apatia e graves entraves à autonomia da razão humana e ao desenvolvimento espiritual da humanidade."
Dora Incontri.
Há registros da imprensa e da literatura espírita acerca do retorno kardequiano na roupagem do médium Francisco Cândido Xavier. Como ilustra Wilson Garcia, "[...] a grande discussão deste fim de século XX, em que Chico Xavier supera as mais prudentes profecias e permanece ligado ao corpo físico, é sobre ser ele ou não a reencarnação do Codificador Allan Kardec. A tese foi proposta há muitos anos e enganosamente permaneceu apagada; enganosamente, porque, de fato ela jamais foi abandonada, pois dormitava no leito daqueles que especulam sobre o retorno do Codificador no corpo do médium mineiro. De momento a momento, revitalizava-se com o aparecimento aqui e ali de fatos que pareciam indícios."

A primeira manifestação que se tem notícia foi de Artur Massena, então presidente da Sociedade de Medicina e Espiritismo que, na década de 1970, levantou esta lebre, o que provocou, do próprio Chico, o rechaço da ideia. Em conversa com Herculano Pires, Chico negou a hipótese vinculativa, não por uma questão de "mera" humildade, mas, sim, de bom senso, em face da análise de personalidade(s). Na oportunidade, com o testemunho de Jorge Rizzini, Henrique Rodrigues e Orquidea (viúva de Batista Lino), o psicógrafo mineiro teria dito que ele era a reencarnação de D. Maria, a louca (rainha de Portugal).

Depois, Adelino da Silveira, que conviveu bastante com o médium, publicou o opúsculo Kardec Prossegue, igualmente sem apresentar qualquer prova convincente e, ainda, notadamente com uma intenção e um mau gosto visíveis, compôs uma capa que mostrava uma fusão fotográfica entre as imagens do Codificador e do Chico, para "forçar a barra" de aceitação de seus escritos.

O jornal "Espírita Mineiro", em sua edição de abril/maio de 1998, publicou mensagem psicografada por Antônio Baduy Filho e ditada por Hilário Silva (Espírito), recebida em 31.10.1997, de cuja totalidade extraímos estes trechos:
[...]

Urgia, pois, o testemunho do Espiritismo, comprometido com as lições da Boa Nova, semeando no coração dos homens o amor e a caridade.

[...]

Venerável preposto de Jesus, envolto de luz alvinitente, dirigiu-se a Kardec e falou com bondade: - Chegou a hora, meu filho...

O Codificador respondeu, firme e respeitoso: - Estou pronto e confiante.

Consta, nos registros do mundo espiritual, que ocorreu, a partir daí, sublime e emocionante diálogo, do qual transcrevemos, palidamente, alguns fragmentos:

- Renascerás em condições adversas...

- Obedecerei à vontade do Senhor.

- Começarás muito novo, entre aflições e dificuldades, e trabalharás com sacrifício e renúncia por longo tempo...

- Dedicarei cada minuto à seara do Bem.

- Não possuirás títulos acadêmicos...

- O único título que almejo é o de fiel servidor do Cristo.

[...]

- Assumirás espinhosa missão no desdobramento da Codificação Espírita...

- Serei leal aos princípios doutrinários, ciente de que o Espiritismo é o Consolador prometido por Jesus.

[...]

O iluminado benfeitor interrompeu o colóquio e, após elucidativos comentários sobre a nova etapa de trabalho, rogou as bênçãos do Senhor ao missionário de partida.

Seguiram-se calorosas demonstrações de solidariedade e, no final da primeira década deste século, em doce atmosfera de esperança, Allan Kardec retornou ao plano físico, renascendo em pequena cidade do interior brasileiro.
Vemos, na mensagem, um destacado direcionamento, na forma de "detalhes" e "características", para vinculação do "retorno" a personagem que fosse alguém que tivesse dificuldades físicas, não fosse portador de louros estudantis (acadêmicos), nascido em cidade de pouca expressão no contexto brasileiro.

Depois, em junho de 1998, o jornal "Folha Espírita", dirigido por Marlene S. F. Nobre – hoje presidente da Associação Médico Espírita do Brasil e viúva do político e espírita Freitas Nobre, apresentava a seguinte manchete de capa: "A volta de Allan Kardec" e, em seu interior, publicava mensagem psicografada por Antônio Baduy Filho, ditada por Hilário Silva, recebida em 31.10.1997, em Ituiutaba (MG), cujo conteúdo continha a afirmação de que Chico Xavier seria a reencarnação de Allan Kardec.

Na mesma edição, publicou-se uma entrevista com Marlene Nobre, que assim se manifestou, quando perguntada sobre como ela recebeu a mensagem psicografada: "Com naturalidade e, porque não dizer, com um misto de alegria e alívio. Naturalidade, porque há cerca de 40 anos tenho certeza de que Chico Xavier é a reencarnação de Allan Kardec, o Apóstolo da Renovação Humana, segundo a feliz denominação de Emmanuel".

Interessante ponderar que o periódico e sua direção, no afã de "materializar" o "furo" jornalístico e a "descoberta palingenésica", procuraram constantemente o Chico, em Uberaba, para que este concedesse uma "alvissareira" entrevista, confirmando a tese. Recebendo o repórter e questionado especificamente, o uberabense respondeu: "Quanto a mim, os Espíritos nada informaram a respeito". Tal matéria consta da própria "Folha Espírita", na edição de novembro daquele ano (1998), à p. 7.

Isto, para nós, seria suficiente para "demolir" o edifício arquitetado no sentido de associar uma a outra personagem. Mas, não foi o que ocorreu, mesmo considerando que, com a declaração sincera de Xavier, o assunto tenha, digamos, "arrefecido". Outros "entusiasmados" espiritistas viriam insistir em tal tese, em momentos seguintes de nossa história.

Deste modo, mais recentemente, foi lançado o livro Na próxima dimensão, psicografado por Carlos A. Baccelli sob a orientação de Inácio Ferreira. Em relação à autoria espiritual, não podemos tecer maiores comentários quanto à legitimidade. Contudo, Baccelli, o autor encarnado, já foi acusado por vários companheiros de "imitar" a voz (cansada) do velho Chico Xavier, em pretensas mensagens psicofônicas, além ter editado livros com "revelações" (?) que não correspondem às informações contidas na codificação nem resistem ao cotejo com a filosofia espírita básica. Daí, sua condição "suspeita".

Pois bem, nesta obra, nos capítulos 7 e 8, há um relato acerca da desencarnação do médium mineiro e sua "recepção" no mundo espiritual. Segundo o relato, era impressionante o número de grupos espirituais – brasileiros e estrangeiros – que compareceram ao evento, sendo nominados alguns companheiros espíritas de Uberaba, como Lilito, Antusa, Joaquim Cassiano, Rufina e Adelino de Carvalho – este último o mais conhecido de todos, autor de Chico, de Francisco, uma obra que contém passagens da vida do médium uberabense – e dos Espíritos que teriam "trabalhado" na orientação das obras que Chico houvera psicografado, principalmente a série André Luiz. Vale dizer que Adelino já foi citado neste Trabalho como autor de Kardec prossegue (vinculativa Kardec-Chico). Consta, ainda, a informação de que a recepção a Xavier só poderia ser comparada a do próprio Jesus e "um ou outro luminar da Espiritualidade", em termos de "aparato espiritual" em torno do desenlace.

Da parte que mais nos interessa do relato, transcrevemos:
- Dr. Odilon – adiantou-se Paulino – perdoe-me talvez a inoportunidade da pergunta: o senhor crê que Chico Xavier seja a reencarnação de Allan Kardec?

- Não somente creio, Paulino, como tenho elementos para afirmar que ele o é - respondeu o Mentor, corajosamente. - Os que se dedicarem a estudar o assunto, compulsando, principalmente, a correspondência particular de um e de outro perceberão tratar-se do mesmo espírito. É uma questão que, infelizmente, ainda há de suscitar muita polêmica entre os espíritas que mourejam na carne, mas, para determinado segmento espiritual, no qual eu me incluo, isto é ponto pacifico. São notáveis as "coincidências" ou os pontos de contato entre as duas personalidades, inclusive na semelhança física...

- Alegam alguns, porém, que o Codificador era dono de uma personalidade austera, ativa, quando a de nosso Chico Xavier é de característica branda, passiva...

Os que assim se referem não tiveram, evidentemente, oportunidade de privar com o primeiro nem com o segundo — ambos eram austeros e brandos, quando a brandura ou a austeridade se faziam necessárias. É claro que a tarefa que Chico Xavíer desdobrou, no começo do século passado, se deu em condições um tanto diversas da que cumpriu com a identidade de Allan Kardec; o meio não deixa de exercer certa influência sobre a individualidade, constrangendo-a a adaptar-se às novas condições — uma rosa no Brasil será uma rosa, por exemplo, no Japão, no entanto as diferenças climáticas são passíveis de alterar-lhe as características, tanto no que se refere à coloração quanto ao perfume... O espírito é sempre o mesmo, de uma vida para outra, todavia não há, para ele, como livrar-se totalmente da carga genética que o transfigura, mas não desfigura...

Aparteando, o nosso Lilito Chaves considerou:

— Você tem razão, Odilon; às vezes, na condição de espíritas, esperávamos de Chico Xavier atitudes de maior pulso...
O companheiro sorriu e respondeu:

— Lilito, entendo o alcance de sua colocação, mas, convenhamos, se o nosso Chico tivesse sido mais direto em determinadas ocasiões ou adotado uma postura mais enérgica, mormente com aqueles que procuravam com ele uma convivência mais estreita, agora, ao invés de admirá-lo como vencedor, estaríamos a lamentá-lo; o que o fez grande foi justamente a sua capacidade de tolerar, de caminhar a segunda milha a que o Senhor nos conclama, que nós não estamos dispostos a caminhar com os amigos e, muito menos, com os nossos desafetos. Kardec, se era firme na defesa da Doutrina através de seus escritos e pronunciamentos, no trato pessoal era doce e afável, tendo com Mme. Gaby, a esposa, um relacionamento que ia além dos limites do casamento, conforme ainda se concebe em nossa sociedade — mais que marido e mulher, os dois eram qual irmãos e, sendo mais velha do que ele nove anos, ela sentia por Rivail o amor que uma mãe sente pelo filho; antes que Allan Kardec fosse chamado a encetar a obra da Codificação, o casal havia renunciado a qualquer tipo de convivência mais íntima na esfera sexual, para devotar-se aos valores do espírito, e, tanto é assim, que ambos não geraram herdeiros diretos, porquanto a vontade do Senhor lhes reservara mais alta destinação. Os filhos de Allan Kardec são os filhos da Fé Raciocinada, que se multiplicam na Família Humana...
E, mais adiante, relata outra entidade, de nome Antusa:
Sim, Chico Xavier é a reencarnação de Allan Kardec — disse convicta. Eu sempre o soube, mas, dentro da prova da mudez que me assinalava os dias, nunca pude me expressar com clareza; não polemizo com os confrades valorosos que pensam diferente, no entanto, no meu caso, possuidora, na Terra, da mediunidade de clarividência, várias vezes pude constatar a autenticidade do fato: à minha retina espiritual, Chico se transfigurava e, em seu lugar, surgia a simpática figura do Codificador; também, muitas vezes, em estado de desdobramento, nos instantes em que me era possível deixar o corpo e visitá-lo, eu o encontrava na personalidade marcante de Allan Kardec... A camuflagem espiritual era quase perfeita. É inegável que a obra de um é o complemento da outra: a mesma linha de pensamento, a mesma terminologia, a mesma luz...
Na sequência, tem-se a repetição da catilinária acerca do simbólico e insistente "transplante" da árvore do Cristianismo da França para o Brasil.

Por fim, o tal Inácio sentencia:
A Modesta, que incorporava o espírito Gabriel Delanne e, por vezes, nos ensejava ouvir a palavra de Léon Denis, não escondia a convicção de que o Codificador estava reencarnado e convivendo conosco em Uberaba; Gabriel Delanne, por intermédio de sua faculdade falante, disse-nos com clareza, logo após a mudança de Chico de Pedro Leopoldo para Uberaba, que Allan Kardec se transferira de domicílio e que, por este motivo, eles estavam se transferindo também... É evidente que, quando obtínhamos um comunicado desta natureza, os espíritos nos solicitavam o máximo de sigilo e, por este motivo, não tornávamos pública a revelação; além do mais, não tínhamos provas cabais para oferecer aos Tomés do Espiritismo, os que, negando-se a enxergar com os olhos da razão, querem ver com os olhos físicos o que depois pedem para tocar com as mãos...
Curioso – para não dizer fantástico! – como determinadas pessoas fazem de tudo para conferir relativa credibilidade ao que dizem ou ao que escrevem. Fantasiam situações, simulam ocorrências, articulam diálogos – tudo conforme uma "mera" obra ficcional, dando-lhe aparência de veracidade, tal qual a imensa maioria dos romances (psicografados ou não), em que a ficção confunde-se com a realidade (tal qual se lê nos letreiros dos filmes e novelas, de que "qualquer semelhança com fatos e acontecimentos reais terá sido mera coincidência" (nossa marcação).

O Sr. Baccelli – cuja individualidade e trabalho respeitamos, mas não aplaudimos ou com ele concordamos – é um exímio "contador de histórias" e vai muito longe com a sua pretensão de autenticar a verdade espiritual com suas linhas "tracejadas" e "apagadas". Não é questão de "tocar" ou ver com olhos físicos... É uma questão ainda mais ampla e poderosa, o "olhar espiritual" que nos impede ver (e aceitar) que uma personalidade dedicada e operante, mas, ao mesmo tempo, frágil e religiosista, pudesse "encarnar" o heróico e combativo Codificador, tão zeloso pelo bom senso e pela lógica argumentativa. Os argumentos, extensos e sobejamente explícitos, contrários a tal "absurdo" (em nossa opinião) estarão sendo apresentados no próximo capítulo.

Este ano (2007), a tese voltou a ser "desenterrada", desta feita pelo goiano Weimar Muniz de Oliveira, que publicou um extenso livro chamado A volta de Allan Kardec, que, mesmo tendo sido apresentado pelo autor como um livro "neutro", em seu "Epílogo-Síntese", de modo absurdo, tergiversa:
Dos perfis de Allan Kardec e Chico Xavier tivemos a ventura de selecionar fatos que equivalem a provas incontestáveis.

Portanto, do manuseio, do estudo sério, do confronto analítico entre as duas personalidades, na laboriosa pesquisa, tornou-se-nos possível tomar a nossa posição.

Assim, diante das provas, irrefutáveis, coletadas nesta pesquisa e análise-crítica, por força do bom-senso e razão, e também de sinceridade, não tenho outra alternativa senão concluir e afirmar: Francisco Cândido Xavier – Chico Xavier -, é a reencarnação de Hippolyte León Denizard Rivail – Allan Kardec -, o Codificador do Espiritismo. (Grifos do original.)
Lamentáveis afirmativas que, ao invés de, como dito, corresponderem a estudo sério e confronto analítico de personalidades, insistem em tentar "forjar" circunstâncias para, num arremedo pseudo-científico, vincular os dois vultos. Melhor que o magistrado tivesse ficado fiel à sua proposta inicial.

Encerramos este capítulo com uma afirmação valiosíssima de Herculano Pires acerca do médium de Uberaba, como preparação para o conteúdo do próximo:
Os que pretendem apresentar um médium como Chico Xavier, aos olhos do povo, como uma espécie de semideus, perturbam a própria missão do médium, que sempre se esforçou para mostrar-se como um simples homem, sujeito às deficiências humanas. A autenticidade de Chico Xavier e de sua mediunidade ressaltam de suas constantes declarações públicas, sempre marcadas por uma consciência nítida, jamais disfarçada, de sua fragilidade humana".Ele mesmo concluiria: "No fundo, os endeusadores do médium nada mais fazem do que endeusar-se a si mesmos. É a tendência natural da criatura humana de querer engrandecer-se à custa da grandeza alheia: do mestre, do chefe, do sacerdote, do pastor ou do médium.
Capítulo 4.

OS CRÍTICOS VEEMENTES À TENTATIVA DE VINCULAÇÃO CHICO-KARDEC.
 
"Se, na vida exterior de relação, o Espírito encarnado não se recorda de seu passado, lembra-se quando desprendido no sono. Não há, pois, solução de continuidade na vida do Espírito que, nos momentos de emancipação, pode lançar um olhar retrospectivo sobre suas existências anteriores e disso trazer uma intuição, que poderá dirigi-lo quando em vigília."
Allan Kardec.

"Se a maioria dos espíritas e dos admiradores da doutrina codificada por Kardec preferirem o caminho contrário, dando mis valor à emoção em detrimento do equilíbrio entre sentimento e razão, aí então, não somente Chico será Kardec, mas, qualquer um poderá ser qualquer coisa, porque estaremos vivendo o tempo das ilusões, que o Espiritismo não terá conseguido suplantar."
Wilson Garcia.
Assim como existem partidários da ideia da confirmação da mensagem sobre o retorno de Rivail, em uma nova existência material, há os que, no intuito de discordar da mesma, escreveram libelos contrários à tese de que Kardec teria sido, em uma última encarnação, o médium Chico Xavier. As outras hipóteses (Zarur e Polidoro) não têm sido "refutadas" ou combatidas com a mesma veemência, tendo em vista que ambos não estiveram (ou permaneceram) filiados ao pensamento espírita, optando, ambos, pela introdução de movimentos religioso-filosóficos dissociados do movimento espiritista.

No que tange a hipótese chiquista, Wilson Garcia pontua que "[...] Os mais decididos contraditores, dentre eles alguns que tiveram longo e largo contato com Chico, chegam mesmo a afirmar com destemor que há por parte do Chico uma parcela de culpa nessa questão, uma vez que ele estaria, de uma forma ou de outra, alimentando a fogueira das ilusões e indiretamente fomentando a tese."

Vejamos as diversas ponderações combativas.

Em um oportuno texto publicado pelo Grupo Espírita Bezerra de Menezes, inicialmente no jornal "A Voz do Espírito", de maio/junho de 1998, depois incluído na homepage da instituição, intitulado "Chico Xavier: Reencarnação de Allan Kardec", seu autor, José Queid (que assinava a redação do jornal "A Voz do Espírito"), traçou interessante quadro comparativo entre as personalidades de Chico e Rivail, assim apresentado:
"Kardec - Allan Kardec foi um pensador que caracterizava-se pela total independência em relação aos Espíritos. Em muitos pontos da Codificação, deixou comentários superiores aos das próprias entidades codificadoras. Crítico e racional, sempre respondeu aos ataques de que o Espiritismo foi objeto. Para ele, a evocação dos Espíritos era um procedimento comum, deixando seguras instruções de como se poderia fazê-la. Trabalhou sob a ação do Controle Universal e nada aceitava sem análise criteriosa. Pensamento livre de atavismos religiosos, demonstrava claramente a necessidade do homem libertar-se deles. Espírito superior, com grande poder de síntese das ideias, era dotado de raciocínio socrático. Jamais permitiu a supervalorização de sua imagem. Viveu como um homem de seu tempo, constituindo família. Nunca se permitiu envolver por grupos e instituições.
Deixou em seus livros um direcionamento administrativo para o sistema espírita, demonstrando preocupação com o que seria feito da Doutrina, mostrando a superioridade de sua missão.

Chico - Francisco Cândido Xavier é um espírito de vida monástica, exemplificando paciência, amor e humildade, grandes marcas de sua missão. Sempre foi dependente do grupo de benfeitores espirituais desencarnados que o assistem e a eles se sujeitou com disciplina.

Durante sua vida, Chico evitou envolver-se em discussões e polêmicas envolvendo o Espiritismo. Não deixou obras escritas do próprio punho, pois afirmou inúmeras vezes não ter condições intelectuais para fazê-lo. No desempenho de sua missão, colocou-se contrário à evocação dos Espíritos e recebeu mensagens nesse sentido.
Não se preocupou com o aspecto administrativo do Movimento Espírita, pois essa parecia não ser sua tarefa. Sob influência de Espíritos ligados ao catolicismo, psicografou livros que contribuíram para estabelecer o sistema espírita federativo vigente.

Personalidade sensível, foi alvo da ação de indivíduos fanáticos, grupos personalistas e instituições que usaram sua amizade para atender interesses diversos, trazendo-lhe desconforto e situações embaraçosas." (São nossos os destaques.)
Divaldo Pereira Franco, conhecido conferencista e médium baiano, por sua vez, em uma das muitas vezes em que foi consultado a respeito, desta feita durante o VII Congresso da USE, disse: "A personalidade de Chico, em uma análise dos próprios conceitos doutrinários, difere frontalmente da linha direcional de caráter e do comportamento de Allan Kardec. A tarefa de Chico foi desdobrar as informações da Codificação, ampliando-lhe o significado. Quando Kardec disse que mais tarde reencarnaria, não quer dizer que seja ainda neste século [XX]. A questão de tempo é relativa. Não podemos anuir que ele seja a reencarnação de Kardec. Isso não o tornaria maior ou menor." (Nossos os grifos.)

Em outra oportunidade, também por meio de veículo de mídia escrita, Franco voltou a tecer comentários sobre a personalidade chiquista:
[...] Chico Xavier concluiu sua tarefa de maneira muito perfeita e brilhante. É um médium escrevente por excelência, de uma mediunidade ímpar. [...] Chico Xavier permanece como sendo o apóstolo da mediunidade, inigualável, como homem, médium e servidor cristão. [...] em espiritismo ninguém sucede a outrem, cada qual desempenhando a tarefa para a qual reencarnou, mediante as possibilidades que lhe estejam ao alcance. (Sublinhou-se.)
Dos trechos em cotejo, podemos tirar como proveitoso a avaliação de Divaldo, que foi amigo íntimo de Xavier, o conhecendo em muitos detalhes imperceptíveis para o grande público, tanto que ele consegue divisar as diferenças exponenciais entre as personalidades de Kardec e Chico. Mas, a utilidade do conteúdo de sua declaração para por aí, já que Divaldo comete, a nosso ver, pequenos deslizes que comprometem sua análise, ainda que parcialmente (pois, quanto ao mérito de não ser, realmente, o retorno do mestre, valem as observações): primeiro, porque a obra xavieriana não é o "desdobramento" da Codificação, porque os livros não passaram pelo mesmo crivo concebido por Kardec, havendo, principalmente, colocações dos espíritos Emmanuel e André Luiz que são inverossímeis e surpreendentes, até contraditórias em relação ao edifício kardequiano; segundo, porque não foi o mestre lionês quem disse que reencarnaria. Foi o Espírito Erasto, seu mentor, e da comunicação (analisada neste ensaio) Kardec procedeu à ilação de que o seu retorno poderia se dar entre o final do século XIX e o início do XX, conforme já tratado; terceiro, apesar da aludida "relatividade" do tempo, não podemos nós inferir que Kardec, estando reencarnado, ouvindo a revelação e cogitando da época, possa ou não ter usado os critérios temporais terrenos para suas conclusões, sendo descabido utilizar outros parâmetros para qualquer digressão a respeito.

Também para R. A. Ranieri, a vinculação é absurda: "Nunca ouvimos o Chico dizer que ele era Allan Kardec e nem ouvimos dizer que ele afirmasse isso."

Vale resgatar, também, o próprio pronunciamento de Chico Xavier (em programa radiofônico "No limiar do amanhã", na Rádio Mulher, dirigido por Herculano Pires):
Até hoje, pessoalmente, eu nunca recebi qualquer notícia positiva a respeito da presença de Allan Kardec, reencarnado no Brasil ou alhures. Entretanto, eu devo dizer que em se tratando de vultos veneráveis do nosso movimento, tenho muito receio de receber qualquer notícia, porque temo pela minha fragilidade e estimaria não ser médium de notícias tão altas.Quando Allan Kardec surgir ou ressurgir, ele dará notícias de si mesmo pela sua grandeza, na presença que venha mostrar. (Salientamos.)
Em 1995, entrevistado ao vivo em programa televisivo, pelo apresentador Gugu Liberato (do SBT), sobre quemele realmente seria, eis a resposta do psicógrafo mineiro:
Ah... não sei exatamente. Tenho idéias relampejantes, mas não tenho certeza. Devo ter tido uma existência de pouco destaque e nenhum poder ou força. Naturalmente eu era dos menores. Desta vez voltei para a mediunidade que representou um serviço para mim. A mediunidade sempre foi a minha tarefa diária durante 68 anos.
Ou, em outra oportunidade, por meio do jornal "Diário da Manhã", de Goiânia, em 28.08.1998, quando perguntado se era, ele, Kardec:
Não, não sou. Não fico "brabo", porque digo isso com serenidade. Não sou. Consulto a minha vida psicológica, as minhas tendências. Tudo aquilo que tenho dentro do meu coração é eu. Não tenho nenhuma semelhança com aquele homem corajoso e forte que em 12 anos deixou 18 livros maravilhosos. Acho que o exemplo de trabalho dele é tão grande, que devia comover mesmo os não espíritas, porque os 12 volumes da Revista Espírita eram todos escritos por ele, fora os livros clássicos do Espiritismo. De maneira que ele exerce realmente sobre mim uma influência muito grande. Não por ele, porque não o conheci, mas pelas ideias que deixou gravadas. Acho extraordinário como um homem trabalha tanto, durante 16 anos, pois ele começou em 1853, mas desencarnou em 1869, e deixou esta bagagem imensa que a cada dia fica mais atual. É interessante: a cada dia é mais atual. A verdade é como o diamante: não se quebra.
Ainda na imprensa, o "Jornal Espírita", da Federação Espírita do Estado de São Paulo, em sua edição mensal de agosto de 1998, publicou quatro artigos negando a tentativa de vinculação Kardec-Chico, de autoria de Ary Lex, Nazareno Tourinho, Jorge Rizzini e Ariston Telles.

Também é oportuno salientar que, tendo em vista a repercussão das matérias publicadas na imprensa (em especial na "Folha Espírita"), a Federação Espírita Brasileira, adotando um posicionamento "neutro", ortodoxo e de prudência (título aliás do Editorial de "Reformador", de outubro/1998), evitando aquiescer ou confrontar a tese de ser Chico, o Codificador reencarnado. Vejamos parte do mencionado editorial:
Levantou-se dentro do Movimento Espírita, nos últimos tempos, a questão de se saber se Allan Kardec, o Codificador da Doutrina dos Espíritos, estaria ou não reencarnado.

O Assunto não é novo. [...]

O Movimento Espírita, na pátria de origem da Doutrina, quase desapareceu, o mesmo ocorrendo em outros países da Europa, sendo hoje sustentado por obreiros dedicados que encontram enormes dificuldades na sua divulgação.

No Brasil, para onde foi transplantado o Espiritismo, ainda no século passado, seu Movimento se tornou pujante, constituindo ele uma das minorias, mas longe se encontra do estágio que almejamos.

Diante desse quadro de realidades, valeria a pena especular a respeito da reencarnação do Codificador, nessa ou naquela personalidade?

Se a Espiritualidade Superior julgar útil que os homens reconheçam, numa determinada personalidade, a individualidade admirável de Allan Kardec, tem ela os meios e os poderes necessários para tanto.

Mas, se temos pela frente tantas dificuldades a transpor, inúmeros problemas que compete ao Movimento resolver, até mesmo os da sua própria unidade e identidade, não será lógico que cuidemos dessas questões com afinco, buscando soluções importantes, antes de cogitar de hipóteses por vezes temerárias, sem maiores consequências práticas? (Grifamos.)
Também se pode relembrar que, na extensa e considerável obra de WANTUIL e THIESEN, referida cautela é constatada:
1) A volta de Kardec processar-se-á, no porvir, como a vinda de Jesus, anunciada no Evangelho, quando necessária, no tempo certo, que não sabemos avaliar; 2) nesse assunto, cada adepto do Espiritismo decidirá por si mesmo, em consequência, segundo suas luzes que houver alcançado, convindo que todos os cuidados sejam diligenciados e o máximo de consideração respeitosa seja mantido.
Voltando às matérias publicadas pela "Folha Espírita", assim se pronunciou o escritor e publicitário Wilson Garcia:
Em 1977, o médium e médico Antonio Baduy Filho disse ter recebido uma mensagem que se referia a uma dessas importantes reuniões havidas no plano espiritual, pela qual se comprovava que Chico Xavier era Kardec reencarnado. A mensagem de Baduy, contudo, não resiste a uma análise séria. Em Seara Bendita a principal mensagem tem como contexto uma dessas reuniões. Mas o que torna a questão suspeita nem é apenas a reunião, mas o peso a ela atribuída. Sabe-se perfeitamente que Espíritos Superiores jamais se servem de questões divisionárias em suas manifestações e menos ainda quando essas questões são secundárias, sem nenhum valor real para os destinos da humanidade. Que importância tem se Chico Xavier era ou não a reencarnação de Allan Kardec. Nenhuma. Entretanto, Baduy ficou plenamente convencido do valor da mensagem, concluindo que ela tinha o condão de pôr um ponto final à polêmica. Claro, a favor de sua própria opinião a respeito do assunto! (As marcações são nossas.)
Em nossa pesquisa, encontramos uma pretensa mensagem mediúnica, assinada pelo Espírito São Luís – presente na Codificação – datada de 10.09.1998, e obtida pelo Grupo Espírita Bezerra de Menezes, intitulada "A reencarnação de Allan Kardec", que desmente a predição contida em Obras Póstumas, de que o Codificador retornaria, no início do século XX, para a continuidade de sua missão.

Curioso é que sua "fonte", o Grupo citado foi dirigido por José Queid Tuffaile Huaixan, de 1987 a 2002, até que seus líderes resolveram encerrar suas atividades espíritas, fundando um novo movimento religioso, denominado Renovação Cristã. Ainda assim, sem desmerecer o critério de liberdade de escolha destes ex-espíritas, em fundar uma "nova religião", não encontramos comprovação da autenticidade da origem e da veracidade das informações, conforme rezam os critérios e a metodologia estabelecidas por Allan Kardec, de modo que a menção a tal "comunicação" é meramente descritiva e ilustrativa, podendo ou não ser acatada, a princípio, já que, infelizmente, a mesma não foi submetida, ao que se sabe, ao Consenso Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE), proposto metodologicamente por Rivail, como sustentáculo de veracidade das comunicações mediúnicas.

Da mensagem consta uma pergunta (não identificando o formulante), nos seguintes termos: "Poderia falar-nos a respeito da reencarnação de Allan Kardec?" E, sequencialmente, a resposta obtida: "Especulação sobre a qual não existe qualquer indício que mereça crédito. O Codificador do Espiritismo não voltou à matéria densa desde que a deixou. Habita planos distantes das regiões em que nos encontramos. Serve aos ditames traçados pelo Alto para a espiritualização do planeta. É uma das entidades mais ocupadas com o planejamento desse trabalho."

Depois, em outro questionamento (acerca da mencionada mensagem contida em Obras Póstumas), tem-se a seguinte declaração: aquela mensagem "Foi feita sob o domínio do espírito da época. É produto das mesmas causas que deram origem à ideia de que as mudanças na situação da humanidade ocorreriam em alguns anos."

Em uma análise preliminar, de nossa lavra, despontam:
1. Apesar da assinatura "ilustre", que, inclusive, poderia ser "tomada" para a finalidade de convencimento dos expectadores quanto à sua natureza "superior", custa-nos crer que uma mensagem de "nosso tempo" possa ser suficiente para "descartar" e "desconstituir" a predição feita ao tempo de Kardec e na sua presença, a qual passou a integrar uma obra que, por motivo de óbito, o Codificador não publicou. Isto, é claro, sem o mínimo intuito nosso de "dogmatizar" a afirmação contida no último livro kardequiano, mas para contestar, sim, a mensagem contemporânea, contrária àquela.

2. No conteúdo, há uma afirmação de caráter estranho, quanto à possível "ocupação" do mestre lionês na Espiritualidade: estaria longe da matéria física, desde que desencarnou, habitando "planos distantes" da Terra, mas, curiosamente ocupada com o "planejamento de espiritualização do nosso planeta". Distante e próximo ao mesmo tempo? Como seria isso?

3. Por fim, o aludido "domínio do espírito da época" está presente não só na comunicação em referência, como em toda a Codificação, já que animou o espírito de perquirição de Rivail e direcionou, sob a lógica e o bom senso daquele homem de ideias, toda a estruturação do pensamento espírita. E, também, as "transformações" da humanidade, continuaram e continuam a ocorrer. Vale lembrar, por oportuno, as dissertações espirituais sobre a lei de evolução (ou de progresso) contidas em diferentes partes das obras espiritistas, atestando a evolução "constante e contínua", mas "sem dar saltos". Uma coisa, portanto, é corolário de outra, e não excludente.
Por fim, cremos que a produção deste material tenha sido "encomendada" pelos dirigentes do Bezerra aos seus próprios médiuns – ou, em último caso, em acordo entre uns e outros – para o desmentido da "notícia" veiculada pela imprensa espírita, pelo grupo liderado por Marlene Nobre, em 1998, de que as personalidades de Chico e Kardec seriam encarnações de um mesmo Espírito. Ou seja, tão-somente por propósito de contrafação, não para o esclarecimento (completo e necessário) dos "fatos".

A seu turno, a pedagoga Dora Incontri, posicionando-se veementemente contrária ao "fabrico" desta tese do retorno, no início deste século (XXI), compôs e fez divulgar pela imprensa espírita escrita e virtual o artigo "Chico Xavier não é Kardec!", do qual pinçamos os seguintes excertos:
O que sabemos de mais sólido sobre outras existências de Kardec - o resto são inoportunas especulações - são as duas que ele aceitava: a de druida e a de Jan Huss (esta, segundo informação que Canuto de Abreu teria visto em seus manuscritos, antes da Segunda Guerra). Mas, nos três momentos conhecidos, dá para notar a coerência de uma personalidade corajosa, viril, segura, austera, de mente límpida e clara (o estilo de Jan Huss é o mesmo de Kardec, simples e cristalino, preciso e firme) e sempre dedicada à educação. Os druidas eram sacerdotes-educadores, Huss foi reitor da Universidade de Praga e Rivail/Kardec foi educador durante mais de trinta anos na França. Quanto ao seu estilo, ele mesmo adverte que não tinha vocação poética, não apreciava metáforas, mas queria atingir o máximo de didatismo e simplicidade. Para isso, tanto Huss quanto Kardec escreveram gramáticas.

[...]

Huss desafiou a Igreja Católica e morreu cantando na fogueira em 1415, depois de ter escrito cartas belíssimas da prisão, mostrando sua firmeza e serenidade. Kardec desafiou a Ciência oficial, a religião tradicional e todo sistema acadêmico estabelecido, fundando um novo paradigma para o conhecimento humano, numa síntese genial. Quando estudamos sua vida e sua personalidade, vemo-lo mover-se com absoluta segurança de si, com total equilíbrio, desde os primeiros textos pedagógicos aos 24 anos, até a redação da última Revista Espírita, que deixou pronta antes de morrer. Os próprios Espíritos Superiores o chamam de mestre. O Espírito da Verdade o trata de forma amorosa, aconselhando-o sempre com respeito ao seu livre-arbítrio, à sua capacidade intelectual e à sua estatura moral.
Chico era
[...] uma personalidade doce, amorosa, bastante feminina, emocional, mística, com forte vocação literária e poética (ao contrário de Kardec) mas uma personalidade fraca. Basta ver sua relação com Emmanuel. Seu guia espiritual, aliás forte e altivo, sempre manteve com Chico uma postura disciplinar, rígida, admoestando-o se o via fraquejar.

[...]

Chico é, pois, um Espírito bom, em processo de resgate e regeneração, ainda enfrentando conflitos internos e desequilíbrios e tendo necessidade do freio curto de Emmanuel para se manter na linha das próprias obrigações. Nunca, diga-se, ele mesmo se viu ou se assumiu de outra forma. Kardec, ao contrário, já 600 anos atrás não revela conflito, não se mostra abalado por nada. Seu companheiro de Reforma, Jerônimo de Praga, chegou a abjurar, com medo da fogueira. Arrependeu-se depois e enfrentou a morte com galhardia. Mas em Jan Huss não há hesitação ou fraqueza, apenas a altivez do Espírito que já atingiu a estatura de um missionário.
Dora faz, é bem verdade, diversas referências a fatos tornados públicos pelo médium de Uberaba, acerca de si mesmo, muitos deles tomados como lições de humildade e de aprendizado, em que se ressalta a figura "paterna" de Emmanuel, como guia corretor dos procedimentos (ainda imperfeitos) de Chico. Complementarmente, a pedagoga ainda cogita da existência de "interesses" subliminares em relação à defesa da tese Chico-Kardec, sobretudo voltados à desvalorização ou ao abandono dos critérios de racionalidade, objetividade, cientificidade e pedagogia tão competentemente alinhavados por Rivail, a seu tempo. Uma "coluna", digamos nós, para sustentar o "edifício religioso espírita", tendo em Chico um "missionário-pastor" para conduzir, sob a batuta do ex-Padre Manuel da Nóbrega (Emmanuel), o rebanho espírita. Daí a ênfase para o "aspecto (ou caráter) religioso do espiritismo" que não cansam de exaltar e defender, tomando, às vezes, palavras emprestadas dos discursos e artigos do Codificador, para embasar sua práxis e sua "doutrina", por meio de pronunciamentos, editorias e documentos (federativos ou institucionais).

Para Dora, Chico tem uma "[...] linguagem melíflua (muitas vezes piegas)" e sua vida "sofrida" e difícil – como se a vida dos demais encarnados fosse "fácil" –, com tons de emocionalismo, a nosso ver remete à idolatria, à santidade, à superioridade espiritual daquele que "resiste abnegadamente" e supera sete décadas de "apostolado" mediúnico. Uma inversão completa de "valores", já que a posição secundária de médium (no trabalho espírita originário, tanto que Kardec, praticamente, mal deixou conhecer os nomes de quem com ele houvera trabalhado), numa próxima vida e na continuidade do trabalho, torna-se atribuição principal, com direito a destaque e ovação! Como poderia alguém mudar tão radicalmente, de uma para outra encarnação? Que estratégia seria essa, a dos Espíritos, em "alterar" substancialmente o rumo do trabalho espiritista? Isto, é claro, sem falarmos na questão dos critérios e da metodologia de análise mediúnica que, a partir de Chico, abandona completamente o modus operandi e as orientações do mestre lionês... Pasmem!

E, ao final, Dora apresenta sua tese de que a "profecia" não se teria cumprido e Rivail não teria reencarnado: Kardec "[...] não reencarnou como Chico, não reencarnou ainda, porque teríamos de reconhecê-lo por sua mente poderosa, por sua liderança equilibrada e segura e por trazer uma contribuição muito melhor que a de Chico e mesmo melhor que a do próprio Kardec, pois senão não haveria razão para reencarnar-se."

Não é demais lembrar que o artigo de Incontri provocou fortes reações no cenário espírita, com manifestações – na forma de artigos, comentários ou entrevistas – criticando as palavras utilizadas pela pedagoga e o seu "rigor" na análise da personalidade xavieriana. Outros, se não combateram avidamente o texto de Dora, quanto ao mérito (ser ou não Chico, Kardec), advogaram a ideia de que houvesse certa precipitação na análise sobre o médium mineiro – tanto do homem quanto da obra.

Dora, inclusive, explana acerca da costumeira subserviência laboral e ideológica de Chico ao seu mentor Emmanuel. Assim sendo, custa-nos crer que houvesse qualquer necessidade do Espírito Allan Kardec, voltar à Terra numa condição de subserviência espiritual a "um" mentor espiritual, denominado Emmanuel. Ele que teria sido dotado de uma mediunidade especialíssima, a codificatória – que, é claro, não se acha contida nos compêndios de mediunidade, porque representa, apenas, uma "homenagem" nossa ao seu grandioso e infatigável trabalho – esteve em contato (direto ou indireto) com milhares de espíritos, e a nenhum deles, mesmo os mais sábios e eloquentes como Sócrates, Fabiano de Cristo, S. Luís, Santo Agostinho, Fénelon, Erasto, João Evangelista, Paulo apóstolo, entre outros, e o Espírito Verdade, considerado o coordenador do "Projeto Espírita", nunca "se acovardou" ou "se diminuiu", a ponto de seguir "cegamente", por obediência, conselhos os mais despropositados possíveis (como lamber feridas e engolir barata que estavam em uma sopa).

Falece a mínima lógica ter que entender humildade como falta de bom senso, lógica e, até, respeito a si mesmo. Uma coisa é agir humildemente e se sujeitar a certas situações, procurando agir com dignidade; outra, bem diferente, é submeter-se a humilhações ou riscos à saúde, para "contentar" certos guias. A propósito, poderíamos vincular tal situação às orientações espirituais e às observações do Codificador, constantes em O Livro dos Médiuns, sobre a diversidade intelecto-moral dos espíritos comunicantes, as tentativas de subjugação, obsessão, fascinação e dominação dos médiuns por aqueles, que demonstrariam a necessidade de "retomar" o controle de nossa existência, ou seja, evitar que ficássemos à mercê das orientações "espirituais", em condição de "dominação" completa.

Chico, não obstante tenha tido uma personalidade ímpar, contributiva para a desvinculação (acertada) entre Espiritismo e Umbanda, desmistificando o primeiro e, portador de uma conduta exemplar, foi um dos maiores divulgadores e popularizadores da mensagem espírita no século passado. E, como afirma com propriedade Jaci Régis, Chico permaneceu, desde a década de 30, vinculado a um determinado Espírito, chamado Emmanuel, que se apresentou como seu guia e mentor – tanto pessoal quanto do trabalho espiritista, o qual
[...] traçou e implantou uma filosofia própria, sob certa forma híbrida, pois varia desde o deslumbramento emotivo diante da figura do Nazareno a apreciações bem razoáveis no campo das idéias. Dominou amplamente o cenário espírita, criando ou formalizando a religião espírita, cristólatra e evangélica. [...] Emmanuel, que parece possuir uma personalidade decidida e de certa forma prepotente, impôs sua visão particular, traindo, em muitos casos, sua formação sacerdotal, segundo ele mesmo acentua em sua autobiografia milenar.
Ainda sobre o "vínculo" psíquico entre Chico e Emmanuel, vejamos o que o médium certa feita comunicou, por carta, em 14 de março de 1958 (aos 47 anos de idade), a Wantuil de Freitas, então presidente da Federação Espírita Brasileira, texto que, depois, foi divulgado pela imprensa e pela literatura: "Ultimamente, estou frequentando, fora do corpo físico, uma noite por semana, uma Escola do Espaço em que o nosso abnegado Emmanuel é professor de Doutrina Espírita. Confesso que é uma experiência maravilhosa. Estou aprendendo o que nunca pensei em aprender e tenho conservado a lembrança do que vejo, com o auxílio dos Amigos do Alto."

Acerca de tal circunstância, vejamos o lúcido comentário de Marcelo Borela de Oliveira:
Não foi a primeira vez que Chico afirmou ter recebido aulas de Emmanuel. Como se sabe, Emmanuel também lhe ministrou lições de Português, conforme Elias Barbosa atesta em uma de suas obras sobre o médium mineiro.

Em 15 de outubro de 1946, em carta igualmente inserida no livro Testemunhos de Chico Xavier, p. 107, ele informa ao presidente da FEB ter assistido a uma aula que Emmanuel ministrou sobre os Evangelhos.
E, mais adiante, sentencia Borela: "As pessoas que não toleram o exame crítico das comunicações espíritas não entenderam ainda que o rigor da análise só fortalece – e não enfraquece - as obras realmente sérias e fundamentadas na verdade."

Em outro pronunciamento, mais especificamente na análise do livro de Baccelli (Na próxima dimensão, já citado anteriormente) Marcelo Borela aduziu: "Se Chico fosse efetivamente Allan Kardec, Emmanuel teria tido como aluno de Evangelho o precursor da Reforma, Jan Huss, e como pupilo em matéria de Doutrina Espírita o Codificador do Espiritismo! É possível crer nisso?"

Jaci, ainda, sobre a polêmica da "volta" de Kardec como Xavier, ilustra: "Entre alguns espíritas corre a suposição de que Francisco Cândido Xavier seria a reencarnação de Allan Kardec. Para isso manipulam dados e datas que o fundador da Doutrina deixou escritas. Para eles, Chico completaria a obra do fundador. Tal assertiva é desprovida de qualquer base. Seja pela diferença abismal entre as duas personalidades, a menos que se aceite que de uma encarnação para outra se perca toda a estrutura intelectual, moral e filosófica do Espírito. Ou porque, na verdade, a obra psicográfica de Chico Xavier traduz opiniões de Espíritos vários, de formação cultural que não alcança o nível mostrado por Allan Kardec."

Engraçada essa "necessidade" de adequar uma personalidade à outra, com acréscimos do tipo "para a completa evolução moral de Rivail, foi necessário voltar numa condição de extrema humildade [diríamos penúria] para ‘domar’ seu espírito, fazendo com que ele, com a superação das dificuldades, chegasse a um nível evolutivo de relativa perfeição, com o cumprimento de sua obra pessoal e doutrinária". Ademais, apesar da reconhecida contribuição xavieriana ao "contexto espírita", em face da divulgação de suas psicografias e psicofonias e do verdadeiro movimento de romarias que, durante mais de 40 anos, levou centenas de milhares de pessoas a Uberaba, na expectativa e na esperança de receber uma comunicação de um ente querido falecido, com o fito único e egoístico de "consolo", os aspectos filosófico e científico da doutrina ficaram subordinados às prescrições de caráter evangélico-moral e aos livretos de mensagens sentimentais ou de "boas maneiras". Será que Kardec, em sã consciência, diante de todo o projeto por ele instaurado a partir de 1857, se conformaria com tal prática e se sujeitaria a isso? Não cremos!

Outro ponto infelizmente cristalizado no "espiritismo à brasileira", como cunhou Sandra Stoll, é o desprezo aos critérios e à metodologia kardequianos, em relação à produção mediúnica (não só chiquista, mas de todos os demais médiuns do ontem e do hoje, pós-Kardec): a aceitação tácita das "revelações" espirituais e o não-cotejo (proposital ou descuidado) do conteúdo das obras suplementares ao contexto filosófico das obras pioneiras. Diríamos, até, um posicionamento cômodo de "deslumbramento" e de "preguiça" em relação ao estudo sério e ao devotamento à pesquisa, abandonando por completo o já mencionado Consenso Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE) e a prudente advertência de Erasto, quanto ao rejeitar nove verdades – em vez de aceitar uma única mentira. Em relação à literatura mediúnica de Chico Xavier – principalmente aquela egressa dos dois maiores "ditantes", Emmanuel e André Luiz – o movimento espírita age com manifesta conformação aos conteúdos dos livros assinados por estes últimos, como se eles fossem "absolutos" e "complementares" à Codificação. Já tivemos oportunidade de afirmar, em relação à André Luiz, que a sua condição espiritual (por ele atestada), como de "suicida inconsciente" e toda a descrição de seu "tratamento" no Plano Espiritual, não pode ser atestatória da "perfeição" do seu trabalho como "repórter" espiritual, levando em conta que sua individualidade é influente na composição dos textos e na descrição dos possíveis diálogos espirituais por ele travados com "guias" ou espíritos luzeiros. No que tange a Emmanuel (assim como em relação a Joanna de Angelis, pela pena de Divaldo Franco), devemos dizer que, apesar da idoneidade dos médiuns citados, encontramos nos livros por ele publicados, um "espiritismo parcial", evangélico-cristólatra, com a feição salvacionista e idolátrica, bem distante da proposta kardequiana, mesmo reconhecendo, em certos momentos, na obra de um e de outro, a presença de importantes componentes de caráter filosófico-científico, como a série histórica emmanuelina e a psicológica joanista.

Outro lúcido pensador e incansável trabalhador espírita, o escritor Jorge Rizzini, que teve o privilégio de conviver durante décadas com Chico Xavier – além de ter sido amigo pessoal dos principais médiuns e expoentes espíritas do século XX, entre os quais Herculano Pires, Yvonne Pereira, Waldo Vieira e Arigó, assim se pronunciou:
É um pensamento tão ridículo esse, porque não tem absolutamente nada, nenhum indício que Chico pudesse ser a reencarnação de Kardec. O menor indício intelectual, físico, nada. As grandes virtudes do Chico são outras. Ele foi médium, um Espírito muito evoluído. Acompanhei-o por mais de meio século e ele jamais deixou transparecer essa idéia monstruosa, absurda, de que teria sido a reencarnação de Kardec. Chico é uma alma feminina. Ele me falou das encarnações passadas dele, sempre como mulher. E ele reencarnou com um corpo de homem para poder desenvolver esse trabalho fantástico e esta fidelidade a Jesus. Mas a alma dele é feminina, ele sempre demonstrou isso. É uma alma maternal, ele é uma mãe, não é pai. Pai é Kardec, um homem da verdade, firme ao falar. Para Kardec não tinha meio-termo. Para o Chico tinha, porque ele era o carinhoso, era o amor, ele perdoava todo mundo, dava rosa para todo mundo, era a mãe. (Sublinhamos.)
Também o jornalista Marcel Souto Maior, nada menos que o biógrafo oficial de Francisco Xavier, que, pela condição de não ser espírita, confere ainda maior isenção à sua criteriosa análise, assim pontuou: "Em relação à reencarnação de Chico, acho que ele era muito diferente de Kardec e tenho dificuldade de aceitar a tese de que ele seria um ‘Kardec evoluído’. Kardec era objetivo; Chico era emotivo. [...] A principal missão de Chico era mesmo dar alento à família dos mortos." (Nossas marcações.)

Podemos, ainda, elencar outros devotados companheiros que se aventuraram na tarefa de desbancar a tese "Chico é Kardec".

Erasto de Carvalho Prestes – um declarado combatente ao roustainguismo – escreveu em seu "O franco atirador"que Kardec não teria tido condições de reencarnar, tal qual a previsão de Erasto em Obras Póstumas, em face do "clima" desfavorável reinante no Brasil, mormente pela vinculação da Casa-Máter ao ideário de J.-B. Roustaing e pela condição de lacaios do padre jesuíta Manoel da Nóbrega (Emmanuel). Curiosamente, Prestes vaticina:
E, se o prof. Rivail se apresentasse no Conselho Superior da FEB, declarando ser o Espírito de Allan Kardec reencarnado, aconteceria o mesmo que se daria com Jesus, o Homem de Nazaré, se tivesse a petulância de ir ao Vaticano dizer, pessoalmente, ao Papa: - Eu sou Jesus Cristo, filho de Maria e José... Todos os presentes explodiriam numa grande gargalhada, e, chamando-os de loucos, os expulsariam do recinto a pedradas!...
Edijarme Malatesta, em texto veiculado no jornal "O Clarim", edição de dezembro de 2000, intitulado "Estará o Espírito de Allan Kardec reencarnado entre nós?" cogita da não-confirmação da profecia reencarnatória, quando, ao final de seu artigo, pergunta: "Estamos nós preparados neste século [XX] para este advento?", dando claramente a entender que não estaríamos e, portanto, o retorno kardequiano, em carne e osso, não teria ocorrido.

Já Luciano dos Anjos, polêmico escritor, em entrevista ao extinto jornal "Voz Espírita", do Grupo Espírita Bezerra de Menezes, liderado por José Queid, menciona: "Dolorosamente, no ritmo em que o movimento se embarafusta no atalho, Kardec terá talvez de se impor o sacrifício de uma nova reencarnação para começar tudo de novo... É triste."

Para Eugênio Lara, no texto "Milenarismo e Espiritismo", a "profecia" de Zéfiro, acerca do retorno de Kardec não se confirmou. In verbis: "Assim como até agora não surgiu ninguém que possa ser reconhecido como o codificador reencarnado. O Espírito Zéfiro revelou a Kardec que ele teria de reencarnar no século 20 a fim de dar continuidade a sua obra. Mais uma profecia que não se cumpriu."

E, logo em seguida, detona a tese de que o médium mineiro seria o Codificador reencarnado: "[...] Uma última tentativa foi feita recentemente, com uma mensagem psicografada afirmando que Chico Xavier seria Kardec reencarnado. Figuras ilustres do movimento espírita se convenceram da veracidade dessa revelação, mas foi apenas uma empolgação passageira. Se Kardec tiver de reencarnar, irá desempenhar seu trabalho possivelmente no próximo século."

Para o saudoso Carlos Imbassahy, Kardec não poderia falar nos livros que escreveu acerca de uma possível reencarnação sua no século XX.

Por fim, como que a título de encerramento deste Capítulo, fazemos nossas as afirmações de Raul Franzolim Neto:
Assim muitos candidatos a Kardec reencarnado ainda aparecerão, resta-nos, entretanto, aguardar o momento oportuno para que o verdadeiro Allan Kardec possa manifestar-se como tal, caso isso venha acontecer um dia. De qualquer forma, a doutrina espírita continuará sempre viva em nossos corações transmitindo ao Codificador as alegrias pela felicidade que ela nos proporciona e a sua contribuição para uma vida melhor na Terra.
A seguir, iremos discorrer, com mais detalhes sobre a nossa tese. 
 
 
Capítulo 5.

NOSSA TESE (OU ANTÍTESE): KARDEC NÃO VOLTOU!
 
"Ou Kardec ainda não reencarnou, sendo que seus cálculos estavam errados e que, para a Espiritualidade Superior, alguns anos, representam muito mais do que os trinta ou quarenta anos que ele imaginou para a sua volta; ou, ele já reencarnou. E, se reencarnou, ou ainda não se mostrou, ou, tendo-se mostrado, nós não fomos ainda capazes de identificá-lo".
Apologia Espírita.

"O tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias; a eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista da duração; para ela, não há começo, nem fim: tudo lhe é presente. Se séculos de séculos são menos que um segundo, relativamente à eternidade, que vem a ser a duração da vida humana?"
Allan Kardec.
No capítulo precedente, fizemos desfilar as argumentações dos principais críticos à proposta de que Kardec teria sido Chico. De todo o exposto, principalmente cotejando tanto os argumentos inaugurais (e os correlatos) acerca da tese, quanto as oposições a ele apresentadas por diversos estudiosos, apresentamos a nossa posição, respeitosa, entretanto, em relação às diferentes opiniões que possam existir.

Ficou flagrante em tal capítulo, a posição de uma das principais personalidades espíritas da atualidade que defendeu, desde o final da década de 1990, a tese Kardec-Chico. Trata-se da médica Marlene Nobre, viúva do político Freitas Nobre e atual presidente da Associação Médico-Espírita do Brasil, conforme já declinado. Há, como sabemos, no movimento espírita, adeptos de todos os gêneros, tal qual já suficientemente salientado por Kardec em distintos pontos das obras por ele lançadas e da própria Revista Espírita. Pois esta legião de séquitos que se aglomera no seio espiritista chega a afirmar, categoricamente: "Se Platão não se casou, se Chico não se casou, por que teria Allan Kardec se casado?". Ou seja, como afirma Eugênio Lara em um detalhado trabalho sobre a personalidade de Amélie Gabrielle Boudet (que viria ser a esposa de Kardec, a partir de 1832, num matrimônio de 37 anos), para Marlene,
[...] o casamento de Rivail/Amélie era só de mentirinha, pura fachada, um engodo. Marlene chega ao ponto de colocar palavras na boca do médium mineiro: ‘Allan Kardec não foi casado, de fato, com Amélie Boudet. Houve um acordo tácito entre os dois: Amélie, mais velha que ele nove anos, cuidaria de todos os afazeres domésticos e administrativos, enquanto ele ficaria inteiramente livre para trabalhar pela doutrina. Como você sabe, eles não tiveram filhos’.
Em um de nossos artigos, afirmamos: "Recentemente, alguns programas de televisão, interessados na audiência que determinadas reportagens alcançariam na mídia pública, deram destaque a outro problema que a maioria dos espíritas sensatos já tinha dado como sepultado: a presunção de que Chico seria Allan Kardec reencarnado. Efetivamente, alguns pseudo-espíritas, que não leem, não estudam e não pesquisam ou experimentam as vertentes conjunturais da Doutrina - filosofia, ciência e moral - e que objetivam tão-somente despertar o interesse da comunidade (européia e norte-americana) que, pouco a pouco, se entusiasma, hodiernamente, com a obra kardequiana, resultaria no consumo do acervo xavieriano, e, mais que isso, poderia consistir numa inesgotável fonte de recursos com base no turismo "religioso", visitando o túmulo, a casa, e outros lugares "santos", por onde "peregrinou" o médium brasileiro.

Lastimável e repugnante intenção! Ao invés de combaterem o misticismo - que acompanha as principais personalidades de nosso mundo, sobretudo as que deixaram seu contributo em direção da paz, da fraternidade e do amor verdadeiro, gerando multidões de fanáticos e "fiéis",- olvidam a crença raciocinada (base estrutural da doutrina), para permitir que a crendice e a superstição transformem o espiritismo em mais uma seita evangélica de nossos tempos."

Uma ponderação de caráter metódico e metodológico espírita seria altamente apropriada à situação em tela: Se a Kardec, Zéfiro, na condição de preclaro mentor pessoal, fez questão de anunciar o retorno, porque não faria o mesmo a Chico, deixando que "terceiros" enviassem orientações por meio de outros médiuns.

Fica outra questão a analisar: seria relevante "dizer isso" a quem realmente fosse o Espírito Kardec? Ou, intimamente, pela questão de bagagem espiritual, para si próprio, não estaria "tudo claro".

Isto posto, aderimos à idéia de que a insistência em "localizar" Kardec reencarnado, principalmente sob a forma do saudoso e querido médium Francisco Cândido Xavier, não possui anteparo de legitimidade e veracidade, em face dos motivos já expostos pelos maiores críticos daquela tese, parecendo ser, em verdade, As estultices de uma tese absurda, preparada apenas para "agradar e convencer" os fanáticos religiosos espíritas e, também, àqueles que "precisem" de suposições desta natureza para embasar sua "fé" pseudo-espírita. Evidentemente, há, de outro lado, muitos desavisados, iniciantes ou (ainda) pouco conhecedores da Doutrina Espírita, que acabam "embarcando" na carona de afirmações e leviandades, multiplicando os partidários e simpatizantes a tais teses.

Ainda assim e, complementarmente, a entidade responsável pela difusão organizada do espiritismo no Brasil, a Federação Espírita Brasileira, nunca se manifestou a respeito de tal tema, tendo preferido, notadamente, a posição de silêncio da "Casa-Máter" em relação às tentativas (repetidas) de vinculação da personalidade de Chico ao Espírito Kardec. Em paralelo, numa outra demonstração de que, à época (década de 1980), Kardec estaria no Plano Espiritual e não reencarnado (logo, não poderia, ele, ser o Chico), em 1979 (14.06.1979) e em 1984 (02.01.1984), foram obtidas mensagens mediúnicas na sede da Federação Espírita Brasileira (FEB). A primeira, no Grupo Ismael, onde teria sido visto pelos médiuns Olímpio Giffoni e Hernani T. de Sant’Anna, incluída na revista federativa "Reformador", de outubro de 1979, em artigo intitulado "Programa e obra de Ismael"; a segunda, quando de solenidade comemorativa ao primeiro centenário daquela entidade, psicografada por Júlio Cezar Grandi Ribeiro e ditada por Allan Kardec, intitulada "Saudação aos Espíritas Brasileiros", que reproduzimos abaixo:
Espíritas Brasileiros,

Eis que vos trago o amplexo de permanente estima e sincero louvor!

Estima que mais se amplia no convívio abençoado dos serviços do bem em nome do Senhor e Mestre. Louvor ante a grandiosa obra que empreendeis em nome da Caridade.

Contudo não vos apresento, na solenidade de profundo significado espiritual para tantos corações, senão o estandarte das vitórias parciais até aqui alcançadas, o qual empunharemos com dignidade e respeito, consciência e bom ânimo, prosseguindo disciplinados em nosso desiderato, rumo ao futuro de sublimadas metas.

Certo, rugem ainda sobre vossas cabeças as línguas de fogo que vos experimentarão nos testemunhos indispensáveis.

A palavra de ordem imperiosa e divina ainda e sempre é o AMOR!

E a recomendação inolvidável para as defensivas do movimento regenerador das almas é INSTRUÇÃO!

Amor que reúne esforços e unifica corações em torno da obra grandiosa que é a evangelização do Homem.

Instrução que identifica interesses comuns nos mesmos ideais, frutificação do estudo nobilitante que sempre defenderá os sagrados patrimônios a VERDADE!

Eis que os legítimos, leais e prestimosos servidores da Seara estão a postos em seus misteres esquivando-se à estagnação das rivalidades improdutivas e fugindo às discórdias vexatórias, quão danosas, fulcro de sombras.

Os méritos dos operários fiéis ao Senhor estão arrolados no acervo das responsabilidades que os situam na incansável batalha pela regeneração da Humanidade.

Apressam-se os tempos...

Cumprir-se-ão todas as afirmativas proféticas!

O homem de bem herdará a Terra!

Nada de novo vos poderei acrescentar aqui ao que já vos tenha dito amplamente enfatizado pelos arautos da grandiloquente revelação. A Codificação Espírita ainda se vê essencialmente desconhecida de tantos corações que se rotulam de espiritistas, conquanto o movimento regenerador de almas permaneça lucidamente de pé em terras brasileiras.

Saúdo-vos, portanto, espiritistas irmãos, deste bendito Cenáculo da Federação Espírita Brasileira, almejando-vos, junto ao Mestre e Senhor, permanentes e infatigáveis esforços pela evolução individual e pelo avanço evolutivo do próprio orbe onde vos domiciliais na incomensurável Casa do Pai.

Aqui compareço tão-somente na condição de um servidor a mais na causa do Bem,

Deixando-vos a cordialidade do meu apreço, saúdo-vos uma vez mais respeitoso e gratificado.

Allan Kardec.
Sem cogitar de qualquer tentativa de mistificação ou apropriação da "assinatura" de Kardec à aludida mensagem, entendemos que sua linguagem, a princípio, tem uma constituição "profética" (talvez, melíflua), imprópria para o "quilate" da pena do Codificador. Assim sendo, talvez não tivesse sido ditada por ele, mas por algum Espírito comprometido com a "obra" federativa, e, principalmente, com as diretrizes de entidade "unificadora" do Espiritismo (no Brasil e no mundo, através do Conselho Espírita Internacional – CEI). Isto seria mais adequado dizer-se, em face do conteúdo da precitada mensagem, em nosso entendimento.

Então, das duas uma: ou acreditamos que a mensagem proveio, realmente, de Rivail – apesar do certo "rebuscamento" da linguagem e do mérito de seu conteúdo, um pouco dissociado do trabalho por ele desenvolvido à frente da Codificação, ou, de outra forma, não sendo dele, ele não teria se comunicado (por não haver "necessidade" disto, ou por estar, ele, encarnado). Haveria, ainda, outra possibilidade, embora remota. A de que estando Kardec entre nós, encarnado, em um fenômeno de desdobramento, ele poderia "ditar" alguma mensagem a dado médium. Mas, neste caso, estando ele "entre nós", qual a oportunidade de dita manifestação? Apenas para conferir "credibilidade" a uma reunião social e comemorativa da federativa? Meditemos...

As mensagens transcritas no capítulo 1 deste ensaio foram o prenúncio da possibilidade do retorno físico do Prof. Rivail (Allan Kardec) ao nosso orbe. Não havia, a princípio, cogitação de eventualidade (retornar ou não), tendo sido a ele afirmado que ele regressaria à Terra para a continuidade do processo de sedimentação das idéias espíritas no seio da Humanidade. Isto é fato!

Num exame amplo – incluindo as personalidades citadas neste trabalho – concluímos, de modo peremptório, que nenhuma das citadas teria a "personalidade" de Kardec, a não ser que cogitássemos de uma condição (inverossímil e contrária aos postulados espíritas) que a individualidade que encarnou como Rivail pudesse sofrer algum tipo de "privação cultural" ou "retroação intelecto-racional", em um futuro (e subsequente) reencarne. Isto, sem qualquer demérito aos companheiros (espíritas ou espiritualistas) citados no capítulo 2. Todos eles realizaram trabalhos memoráveis, de muita abnegação, alguns mais produtivos e socialmente úteis à coletividade planetária do que outros, uns mais restritos, outros mais abrangentes.

Das hipóteses trazidas a exame no curso das últimas décadas e aqui rememoradas por nós, e, mais particularmente de nossa parte (vinculação afetivo-pedagógica), poderíamos nos inclinar para a tese (ou antítese) de que Kardec poderia ter reencarnado como Herculano Pires, face a grandiosidade do trabalho lógico-racional-filosófico do professor paulista, com uma dedicação à manutenção do edifício kardequiano em níveis não repetidos por qualquer outro ser que esteve fisicamente entre nós até hoje. Seus posicionamentos – claros, firmes e, até, enérgicos – sua presença como "patrulheiro" da causa espírita, sua luta veemente pela preservação da fiel tradução (para o português) das obras básicas, sua defesa incontinenti do médium Chico Xavier, em diversas situações que poderiam ser objeto de ridicularização ou desprestígio do amigo dileto e da própria doutrina, além do conjunto de trabalhos literário-filosóficos por eles entregues ao "mundo" espírita, seriam atestatórios da presença de um grande baluarte da causa espírita, podendo, até, numa leitura mais apressada, condicionar uma a outra personagem, como encarnações do mesmo Espírito: Allan Kardec.

No entanto, não poderíamos afirmar tal circunstância, de vez que há elementos suficientes – inclusive a própria "revelação" de Herculano a Jorge Rizzini e à sua família consanguínea (esposa Maria Virgínia e filha Heloisa), de que ele teria sido Alexandre Herculano, poeta e literato português, contemporâneo de Kardec, homem ainda bastante vinculado ao pensamento religioso dominante, qual seja o Catolicismo, que, abaixo, transcrevemos:
Jorge Rizzini, você me dá a oportunidade de fazer aqui (já que você não pretende divulgar imediatamente; esta é uma fita que vai ficar para o futuro. Eu nunca pensei que tivesse a oportunidade de falar para o futuro. Acho que é uma pretensão muito grande. Mas, em todo o caso, como você está abrindo essa porta, eu vou falar para o futuro). Eu queria dizer que no século passado (dezenove) e isso não é um sonho, uma ilusão, é uma convicção adquirida através de pesquisas que eu fiz e que nunca revelei a ninguém, levado por uma revelação. Uma revelação inesperada através de um médium inteiramente ignorante no assunto e que me abriu o caminho para uma possibilidade muito interessante. Vamos esclarecer isto. No século dezenove eu estive na França, realmente, mas não era francês. Eu era português. Eu morava em Portugal, onde tive uma encarnação. Eu fui parar na França como exilado. E como exilado tomei conhecimento do Espiritismo, mas não o aceitei porque eu era católico. E era um tipo católico muito comum, aliás, em Portugal naquela época. Discordava dos padres, brigava com o clero e não aceitava muito o catolicismo. O meu desejo era encontrar uma forma de fazer o cristianismo voltar ao seu estado primitivo, quer dizer, voltar à verdade pura do Cristo. Era este o meu desejo. Como naquela época eu era também jornalista, como sou hoje, isso ficou gravado em alguns jornais portugueses, o que pude constatar.
Rizzini, assim, com base no depoimento-revelação de Pires, efetuou meticulosa pesquisa e, com base nos dados personalísticos, chegou ao nome de Alexandre Herculano, célebre jornalista, romancista, poeta e historiador, que se exilara na França à época de Kardec. Entre o Herculano de hoje e o de ontem, para ele, havia o mesmo caráter impoluto e inflexível, o sentimento religioso, a oposição ao clero e o amor à literatura, além da fidelidade à Verdade.
Repisada a circunstância de não podemos vincular o retorno do Codificador na forma (e na pessoa) de todas as citadas personagens (Chico, Zarur, Polidoro e Herculano), cabe-nos perguntar, provocativamente:
1. Teriam os Mentores Espirituais, nas precitadas comunicações, se equivocado quanto à circunstância do retorno espiritual?

2. Fatores externos ou sociais – do meio espírita ou não – teriam sido relevantes para a reprogramação da aludida reencarnação do professor francês?

3. Kardec teria retornado, de modo "disfarçado" – quase como um observador "social" –, de modo que não tenhamos conseguido, até o presente momento, identificá-lo como sendo esta ou aquela individualidade encarnada (ou, até, já falecida, mas que esteve presente entre nós)?

4. Haveria, necessariamente, Kardec de reencarnar no Brasil, considerando ser o nosso país, o de maior contingente e expressão da filosofia espírita no mundo contemporâneo, razão pela qual, muitos, afirmam peremptoriamente que a "árvore do conhecimento espiritual teria sido transplantada da França para o Brasil", ou ele poderia ter nascido sob outra nacionalidade, permanecendo em sua terra natal, ou, até, se transferindo, no curso da existência para nosso território?

5. Finalmente, a hipótese derradeira: Não seria mais apropriado que Kardec não tivesse reencarnado na Terra para, em face de suas características espirituais, laborar no próprio Plano Maior, provocando, com isso, uma revisão dos "planos" apresentados ao Codificador, em mensagens mediúnicas?
Das situações elencadas, cremos que a última possa ser a mais plausível. É notório o envolvimento e o interesse do Espírito Kardec com o movimento que ele lançou entre nós. Sua vinculação ao "projeto espírita" prossegue e permanece, onde quer que ele esteja. Para nós, particularmente, vemos Kardec – assim como os Espíritos que o assistiram durante a Codificação – como um preclaro guia, um sensato e laboroso orientador da "causa" espírita, acompanhando de perto – do Plano Maior – o desenrolar dos fatos e a própria evolução do pensamento e da prática espíritas em nossa ambiência. Ademais, numa visão ainda mais panorâmica da própria Doutrina Espírita, vemos que sua tese sobre os "períodos do Espiritismo" tem se confirmado, sobretudo no momento vigente, em que a porção majoritária espiritista (os religiosos) são influentes na direção e na organização do movimento, embora se observe e se constate, aqui e ali, um crescimento das ideias progressistas, laicas e livre-pensadoras, porquanto pluralistas, que conduzirão, por certo, à revisão de muitas das práticas e das "orientações" doutrinárias, dadas pelos organismos mais influentes e notáveis, no que se convenciona chamar de "período intermediário", que desembocará, cremos, ao final deste milênio, no da "renovação social". São Espíritos – encarnados ou não – que se encontram afiliados a tal compromisso, semeando, aos poucos, ideias mais amplas, que suplantam aquelas que têm sido cultuadas como fatores de desagregação, de afastamento, de castração de liberdades, e de "leitura" imperfeita das próprias orientações da filosofia espiritista.

A nosso ver, sem qualquer prejuízo da mensagem embasadora deste trabalho – e de todas as outras celeumas historicamente construídas em torno de tal prospecção de um retorno físico de Kardec – não constatamos a menor necessidade da obrigatoriedade da presença corporal de Rivail no "nosso" movimento espírita. Parece-nos, até, guardadas as devidas proporções, que há a mesma preocupação ufanista e messiânica, de muitos credos ainda vigentes em nossa contemporaneidade, de que o "retorno material" de Jesus esteja para ocorrer. Jesus e Kardec – como muitos outros luzeiros – permanecem, por suas palavras, ações e exemplos, entre nós, como "guias" e modelos para a Humanidade. Não podemos delegar o trabalho que a nós pertence, a uma hipotética condução da obra espiritista à existência de alguém em especial. O trabalho, como se diz sempre nas instituições espíritas, é coletivo, pois um só nada faz. O intercâmbio e a simbiose entre os dois planos (material e espiritual) são fundamentais para a melhora de nossos padrões evolutivo-individuais e sociais, não sendo possível afastar o condão de responsabilidade e participação de cada um dos envolvidos.

Kardec, portanto, voltou? Fisicamente, não! Espiritualmente, sim, ou melhor, nunca nos deixou, nunca se afastou da proposta e do trabalho espíritas, permanecendo – junto com inúmeros e inominados colaboradores – na sugestão espiritual (por meio das sensibilidades psíquicas ou mediúnicas) endereçada àqueles que militam na seara espírita, assim como, em outras vertentes e realidades, outros baluartes, comprometidos com a causa do Bem, igualmente permanecem na "semeadura" dos bons propósitos e realizações, pois "o vento sopra onde quer".

Gostaríamos, nós, de ter uma conclusão definitiva para tal questão; todavia, face a diversidade (pluralidade) e a liberdade (inalienável) de pensamento, muitos haverão que descortinarão suas teses a favor (ou contra) a visualização de Kardec na forma humana, outra vez. De nossa parte, preferimos a opção de não-confirmação da hipótese levantada por Zéfiro e pelo Espírito Verdade, tendo sido tomada decisão contrária ao retorno físico, deixando a todos nós o encargo (direto e material) de direção, condução, desenvolvimento e consolidação da verdade espírita perante a Sociedade terrena. E que continuemos fazendo a nossa parte!

CONSIDERAÇÕES FINAIS.
 
Dissemos, na abertura deste ensaio, que têm sido comuns no meio espírita as digressões relacionadas à comprovação (literária ou científica) do axioma da reencarnação, por meio de evidências, já que, no estágio em que ainda nos encontramos, não foi possível, ainda, obter provas robustas da sua aplicabilidade à vida em geral neste planeta. A palingênese, portanto, é objeto de crença de dadas filosofias ou religiões – não sendo, destarte, condição única ou privativa da doutrina espírita – e, embora alcance "adeptos" ou partidários em número cada vez mais expressivo e por toda a parte, não recebeu da ciência oficial, ainda, nenhum apoio ou referendo, o que não significa que, com o progresso científico, não estejamos relativamente próximos desta data.

Demonstrar a ocorrência do fenômeno reencarnatório enquanto circunstância inerente à vida humana (e espiritual) tem sido preocupação de inúmeros estudiosos sérios do Espiritismo. E, como a doutrina se encontra disseminada a partir do trabalho de uma dada personalidade que habitou nosso mundo, o pedagogo francês Hippolyté León Denizard Rivail, tido como a âncora e principal referência do Espiritismo, consta dos principais estudos que algumas de suas vidas pregressas teriam sido sob a identidade dos seguintes vultos: Amenophis, um sacerdote do Antigo Egito; Allan Kardec, um sacerdote druida; Quirílius Cornélius, um centurião romano; Jan (João) Huss; e, Hippolyté Rivail, na última existência comprovada até então.

Sem desprezar o interesse e o entusiasmo de muitos profitentes espiritistas na pesquisa e na construção de argumentos favoráveis ou contrários à identificação desta ou daquela pessoa como "Kardec reencarnado", temos que, como já afirmaram alguns de nossos pares, não é de relevância fundamental saber (ou constatar) que Kardec teria ou não voltado sob a forma corporal, principalmente em nosso país. Do ponto de vista "espírita", não haveria qualquer contribuição para a alteração do status quo de importância, conhecimento público ou visibilidade da doutrina em relação à Sociedade. Independentemente de "sabermos" que o codificador voltou (ou não), assumindo esta ou aquela roupagem física, importa, sim, analisar os rumos e a evolutividade na disseminação dos conceitos e práticas espíritas – não somente as mediúnicas, mas as conscienciais, as valorativas em termos de adoção de condutas mais espiritualizadas – essas sim relevantes e imprescindíveis à construção de uma Sociedade melhor e mais adiantada moralmente.

Todavia – e aqui justificamos o nosso entusiasmo e interesse pelo tema – do ponto de vista motivacional ou sugestivo, poderiam haver acréscimos qualificados ao modus operandi espírita, sabendo que o Codificador, permanecendo compromissado e interessado na disseminação do ideal espírita para a Humanidade, porventura cumpriu com o anúncio de Zéfiro e retornou, no século passado, ao mundo físico, em nosso país (Brasil), caso a hipótese se confirmasse, demonstrando ter havido um portentoso – e não menos grandioso trabalho – de continuidade das pesquisas e construções filosófico-científicas, adotando a mesma metodologia que nos legou como principal herança, com o mesmo caráter de logicidade e bom senso que o caracterizaram, quando à frente do trabalho originário. No entanto, tal não ocorreu.

Como enfocar tal temática sem esbarrar em "crendices" e idiossincrasias próprias, ainda, dos espíritos imperfeitos, que têm – como nós outros, na maioria das situações – uma visão fragmentada e incompleta da realidade (sobretudo espiritual)? Para analisar, como vimos, este importante assunto, necessário se torna abrirmos mão da paixão e do sentimento, os quais, isoladamente, obliteram a razão e a visão mais ampla. Todos aqueles que assumiram compromisso com a tese chiquista (Chico Xavier como reencarnação de Allan Kardec) incorreram neste erro. Basearam-se unicamente no condão "consolatório" da doutrina – calcado no atendimento fraterno, na psicografia de mensagens de "mortos" aos seus inconsoláveis entes queridos, nas obras sociais e na abnegação do médium mineiro em destinar seus vultosos direitos autorais a instituições filantrópicas, de ontem e de hoje – para consignar, nisso, tão-só e praticamente, o compromisso kardequiano com a divulgação da verdade espiritista.

Chico foi um missionário? Sem dúvida alguma, comparável, a nosso ver, a inúmeros sacerdotes e vultos religiosos de todos os tempos. No Brasil, inclusive, poderíamos alinhá-lo a Padre Cícero, Irmã Dulce, e aos já santos "brasileiros" Madre Paulina e Frei Galvão, sem esquecer do Padre Reus. Seu abnegado trabalho diuturno e sua aparência franzina e frágil (em função das enfermidades físicas) é o condão para a instituição e sustentação de uma "aura" de santidade em torno do médium e, inclusive, fomentador da crença de que o mesmo prodigalizava (e ainda prodigaliza) milagres, dos mais variados. A verdadeira romaria que se consolidou, durante sua romagem física, nos últimos cinquenta anos de seu mediunato apostolar – e que, ainda, embora em menor proporção e extensão, se verifica em relação ao seu túmulo e, em futuro breve, em face de um museu que está sendo construído para a "manutenção" de sua memória (esperamos que, não apenas com interesses materiais de lucratividade) é outro elemento característico da exacerbação de nossos sentimentos pessoais e da ampliação (a níveis infinitos, por vezes) do fanatismo e da "cegueira" espiritual baseada na (sempre combatida, espiriticamente) fé cega.

Todavia, como sobejamente demonstrado neste nosso trabalho, há diferenças inconciliáveis, verdadeiros abismos entre a personalidade do professor Rivail e do Chico Xavier. O primeiro, o bom senso reencarnado, possuía uma prodigiosa bagagem cultural, um acervo intelecto-científico difícil de ser equiparado – ainda em nossos dias – por qualquer outro vivente. E, ainda que se argumente que a "formação" cultural física, de uma encarnação seja relevante para a demonstração de conhecimentos de atualidade, não podemos crer que o cabedal de recursos cognitivos do Codificador (não somente na última mais recente existência, como Rivail, mas nas anteriores, sobretudo como reformador religioso – Huss) tenha sido "anestesiada" ou circunscrita à uma modesta manifestação em entrevistas ou "pregações" e dissertações em sessões do "Evangelho no Lar" ou reuniões públicas do Centro Espírita Luiz Gonzaga. Ademais, sempre que o Chico produziu algo de relevância – para a literatura ou para a imprensa – esteve "assistido" por mentores espirituais, em incorporações semi ou totalmente inconscientes. Há quem diga, também, que nos momentos de lucidez completa, Chico estava sempre assessorado por Emmanuel, seu principal mentor, em visível e produtivo consórcio. Era, portanto, quase que exclusivamente o veículo, o meio para a transmissão das ideias de individualidades desencarnadas.

Levando, ainda, em consideração que a mediunidade não é um "dom" que brota de modo mágico e instantâneo, mas uma faculdade que se aperfeiçoa com o exercício – correto e disciplinado – ainda que envolvendo em si caracteres de prova quanto de missão, seria desarrazoado e despropositado inferir que um homem sem qualquer mediunidade evidente (Kardec) pudesse se transformar, na existência subsequente, num poderosíssimo médium de múltiplas faculdades, das quais se agiganta a psicográfica.

Outro aspecto é a própria análise crítica do componente personalístico, em termos de autoafirmação e firmeza de propósitos. Kardec, sempre cético e nunca "deslumbrado" por qualquer fenômeno ou revelação, sempre ponderou com base no crivo de Erasto, toda e qualquer comunicação ou informação – mediúnica ou não – que lhe fosse trazida à consideração. Nunca se deixou levar por "aparências", discursos ou assinaturas. Chegou, inclusive, a deixar de lado, por prudência um sem-número de mensagens, por não estar suficientemente convencido de sua validade, autenticidade ou conexão com as ideias espíritas. Por fim, refutou, debateu e, até, ridicularizou certos espíritos que assumiam a "forma" de personalidades notáveis, mas que, por invigilância mediúnica, utilizavam-se da fraqueza moral ou "técnica" dos médiuns disponíveis para a subjugação e a fascinação, por exemplo. A todos "desancou", de modo elegante, fazendo com que tais entidades percebessem a "altura" da constituição espiritual de Rivail, um homem adredemente talhado para a missão que vinha a desempenhar.

O que dizer do querido Chico Xavier? Alguma vez refutou algo dito por Emmanuel ou outras entidades que psicografou? Há notícias de que tenha, por acaso, "duelado" com alguma entidade, para mostrar-lhe – sem descurar da afabilidade e do respeito espiritual – que suas afirmativas careciam de lógica e bom-senso, e estavam contrárias ao conteúdo espiritista? Por acaso se tem notícia, pela literatura (biográfica ou não) de que Chico tivesse, em algum momento, de modo consciente e elucidativo, seguido a própria diretriz dada por Emmanuel de que "ficasse com Kardec" se percebesse entre suas afirmações e as do Codificador, alguma contradição? Não temos notícia... Não vamos chegar ao ponto de alguns estudiosos – que citamos neste trabalho – que afirmam uma possível "inferioridade" moral do médium em relação a seus mentores e guias, um aludido acovardamento ou subserviência excessiva. Apenas diremos que Chico guardava uma confiança irrestrita e incondicional àqueles que dele se acercavam, na forma de instrutores espirituais. E, como consta dos anais do espiritismo brasileiro, há diversos episódios, nas distintas fases e faixas etárias de Xavier, que demonstram sua aquiescência muda (e cega) a "ordens" ou orientações de Emmanuel, para que agisse em estrita obediência às instruções espirituais, sem qualquer senso de respeito à sua integridade física, saúde e segurança (os episódios de lamber feridas, comer barata e levar "surra de Evangelho", por exemplo, que constam de suas biografias e "lindos casos"). Kardec a isso nunca teria se sujeitado, não por indisciplina ou por arrogância, mas por lógica e inteligência, por guardar intimamente os propósitos, prescrições e fundamentos da própria doutrina, entre os quais o respeito absoluto ao "vaso físico" em conformidade com a Lei de Conservação.

Lamentavelmente, aqueles que aderem à ideia da vinculação Kardec-Chico são veementes na crítica a seus opositores, porque tentam fundamentar sua tese no princípio da completude espiritual, que se consolida com o somatório das existências. Vão além, ao erroneamente sustentar que uma existência "humilde" como a do Chico (e, por favor, não se restrinja humildade à falta de conhecimentos intelectuais ou a sujeição a instruções espirituais) seria necessária a alguém que, mesmo cumprindo suas valorosas atribuições em serviço à causa espírita, de 1857 a 1869, ainda guardava em seu íntimo, uma espécie de "soberba" ou de "orgulho" que necessitasse ser "anulado" ou "superado" em uma existência totalmente "simples e ignorante", a serviço dos preclaros (?) mentores.

Penso que isso seria (e é) uma afronta e um desrespeito enorme ao Espírito Kardec e a tudo que ele demonstrou, não só na existência como Rivail, mas em todo o seu contexto evolutivo-reencarnatório. Mesmo à frente deste inegável e insuperável movimento de idéias, o Espiritismo, durante os mais de 12 anos de trabalho à frente do nascente movimento espírita, nunca o Codificador demonstrou qualquer ar de superioridade ou de descaso em relação a qualquer dos seus convivas. Mesmo em relação a seus adversários e àqueles que tentavam convencê-lo de que havia outras "verdades" a serem acrescidas ao edifício espírita, como seu conterrâneo J.-B. Roustaing, nunca tratou com demérito ou desdém, procurando, com argumentos sólidos e postura franca e austera, mas fraterna, demonstrar onde e por que estavam, eles, em erro. Não precisava – e não precisou – Rivail "submeter-se" a uma existência "humilíssima" porque havia muito mais a fazer, em outros segmentos, filosófico e científico, principalmente, em favor da sedimentação e da expansão do ideal espiritista em nosso mundo contemporâneo.

Um fato não pode ser desconsiderado – tanto por nós quanto por qualquer estudioso e entusiasta, sério, que pretender debruçar-se sobre a questão da análise do possível retorno do Codificador à ambiência física terrena – que é a ausência de prova cabal lógica acerca da reencarnação de Kardec, visualizando-se com exatidão ser ele essa ou aquela personalidade espírita (do século XX).

Neste trabalho – considerado por nós como uma tese ou, de outra forma, uma antítese aos trabalhos que têm sido apresentados no movimento – procuramos analisar as principais manifestações sobre a temática, por parte de diversos expoentes do pensamento espírita, desde o instante inaugural da predição de Zéfiro, passando pela primeira associação feita pelos espíritas de que Kardec estaria reencarnado no Brasil (especificamente na "pele" do médium de Uberaba, Francisco Cândido Xavier), até as últimas "confirmações" ou refutações à referida construção filosófica, para, ao final, apresentarmos nós a ideia negativa acerca do retorno, na forma encarnada, do Espírito Allan Kardec.

É sobre isto que convidamos o leitor a analisar nosso trabalho – ao mesmo tempo retrospectivo e perspectivo, porquanto também prospectivo em dadas proporções – e, se for o caso, nos encaminhar suas críticas, sugestões e contribuições, para uma versão futura deste trabalho. Disponibilizamos, para tanto, nosso endereço eletrônico(harmonia@floripa.com.br), para tal desiderato, agradecendo, de antemão o carinho e a dedicação dos amigos na leitura e no raciocínio empregado na análise de nossas ideias.
 
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(*) Marcelo Henrique Pereira, Doutorando em Direito, Assessor Administrativo da ABRADE, Assistente da Vice-Presidência de Cultura e Ciência da Federação Espírita de Santa Catarina.

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