a partir de maio 2011

sábado, 6 de abril de 2013

Psicanálise e Reencarnação


As reflexões de Carl Gustav Jung acerca do renascimento físico.
 •  Ricardo Di Bernardi
A psicanálise é um método de investigação psicológica do procedimento humano individual e uma orientação terapêutica-psicoterápica que se propõe a corrigir os desajustes emocionais causadores das neuroses e psicoses.
Sigmund Freud, médico austríaco natural de Viena, foi quem desenvolveu tanto o método de investigação como os pilares que sustentam a orientação terapêutica da psicanálise. Psiquiatra e neurologista, professor de neurologia na Universidade de Viena, iniciou seus trabalhos utilizando hipnotismo, mas abandonou esta técnica para tentar a sugestão. Freud, nascido em 1856, desde a última década do século XIX utilizou o método clínico para o estudo da personalidade humana. A ideia de trazer à memória consciente o episódio, e o efeito terapêutico deste fato, resultou na descoberta de uma estrutura psíquica que passou a ser denominada inconsciente. Forças mentais, que representam preconceitos morais, impedem o aparecimento consciente de memórias e assim surgem conflitos e ansiedades. Embora não possamos considerar o pai da psicanálise como adepto de renascimento, o tema também mereceu algumas considerações por parte do eminente médico. Na obra Pensamentos para Tempos de Guerra e Morte, podemos extrair o seguinte trecho:
“Essas existências subsequentes não foram, de princípio, mais que apêndices à existência que a morte levara a um fim; eram existências ensombradas, vazias de conteúdo e pouco valendo. Só mais tarde as religiões conseguiram representar esse após-vida como o mais desejável, como o realmente válido. Depois disso o estender da vida para trás, para o passado, formar a noção de existências anteriores, da transmigração das almas e da reencarnação foi apenas coisa consequente, tudo com o propósito de despojar a morte de seu significado como término da vida”. (destaques nossos).
Não estamos, com a referência anterior, ingenuamente acreditando que Freud esteja admitindo a reencarnação, mas torna-se clara a admissão lógica da mesma dentro do contexto da aceitação do “após-vida”. Muitos foram os colaboradores e seguidores de Freud, mas Carl Gustav Jung (1875-1961) destacou-se sobremaneira. Jung, psicólogo suíço, após se identificar com as bases do pensamento freudiano, passou a estudar o inconsciente e, com o passar do tempo, divergir de algumas opiniões de Freud, levando-o a separar-se do médico vienense.
Se Freud apenas tangenciou a questão da Reencarnação e até relacionou esta teoria com a necessidade humana de encontrar uma saída lógica ou mecanismo psicológico de não admitir o término da vida, a posição de Jung parece-nos bem mais explicitada em seus trabalhos. Jung proferiu uma conferência intitulada “A Respeito do Renascimento”, na qual encontramos as seguintes citações:
“Metempsicose: o primeiro dos cinco aspectos de renascimento com os quais desejo atrair a atenção é a metempsicose, ou transmigração das almas. De acordo com este ponto de vista nossa vida é prolongada no tempo, passando através de diferentes existências corpóreas, ou, de outro ponto de vista, é uma vida em sequência, interrompida por diferentes reencarnações. Não há certeza de ser ou não garantida uma continuidade da personalidade. Pode haver, apenas, uma continuidade do Carma”.
“Reencarnação: esse conceito de renascimento implica, necessariamente, a continuidade da personalidade”. Aqui, a humana personalidade é vista como contínua e acessível à memória, de forma que, quando alguém é encarnado ou nasce, pode, pelo menos potencialmente, recordar aquele que viveu através de existências anteriores, sendo essas vidas as dele próprio, isto é, vidas que tinham a mesma forma-EU da vida presente. Via de regra, a reencarnação quer dizer renascimento num corpo humano.
O renascimento não é um processo que possamos, seja como for, observar. Não podemos medir nem pesar, nem fotografar tal coisa. Isso fica inteiramente para além do senso de percepção. Temos de nos ver, aqui, como uma realidade puramente psíquica, que nos é transmitida indiretamente através de declarações pessoais. Um fala sobre renascimento, um professa o renascimento, um está repleto de renascimento. Isso nós aceitamos como suficientemente real. Sou de opinião que a psique é o fato mais tremendo da vida humana. O simples fato de pessoas falarem sobre renascimento, e de haver tal conceito, significa que um cabedal de experiências psíquicas, designadas com aquele termo, deve realmente existir”. (destaque nosso) 
“O renascimento é uma afirmação que deve ser contada entre as afirmações primordiais da humanidade. Essas afirmações primordiais são baseadas naquilo que nós chamamos de arquétipos. Deve haver acontecimentos psíquicos subjacentes nessas afirmações, assunto que à psicologia cabe discutir, sem entrar em todas as suposições metafísicas e filosóficas em relação à sua importância”.
Comentário de Jung a um antigo texto chinês: “A morte é, psicologicamente, tão importante quanto o nascimento, e uma parte integrante da vida. Não é ao psicólogo que se deve indagar sobre o que finalmente acontece à consciência que se destacou. Seja qual for a posição teórica que ele assuma, estaria ultrapassando, desesperadamente, as fronteiras de sua competência científica. Poderia, apenas, fazer sentir que as opiniões do nosso texto, com respeito à perpetuidade da consciência destacada, estão em harmonia com o pensamento religioso de todos os tempos, e com o da esmagadora maioria da humanidade.” 
A aceitação da continuidade da vida após a morte ou pelo menos a importância desta aceitação fica clara no texto seguinte de Jung: “Poderia dizer, ainda, que quem quer que não pense dessa maneira estaria fora da ordem humana, e deve, portanto, sofrer de uma perturbação em seu equilíbrio psíquico. Como médico, então, faço o maior esforço para fortalecer, tanto quanto me é possível, a crença na imortalidade, especialmente em meus pacientes mais idosos, para os quais tal pergunta tem uma proximidade ameaçadora.” 
Jung teve sua autobiografia publicada postumamente, tendo recebida a titulação Memória, Sonhos e Reflexões. Desta obra podemos destacar alguns trechos onde a referência à reencarnação é também nitidamente favorável.
“Minha vida, tal como vivi, muitas vezes pareceu-me uma história sem princípio nem fim. Tinha a impressão de ser um fragmento histórico, um excerto no qual o texto precedente e subsequente estavam faltando. (destaque nosso). Podia bem imaginar que tinha vivido em séculos anteriores e ali deparado com questões que ainda não era capaz de resolver. E que renascera por não ter cumprido a tarefa que me fora dada”. 
“Quando eu morrer, minhas ações irão comigo, isso é o que eu imagino. Levarei comigo o que fiz. No entretempo, é importante garantir que não chegue ao fim com as mãos vazias.
A significação da minha existência tem uma pergunta que me é endereçada. Ou, ao contrário, eu próprio sou uma pergunta dirigida ao mundo, e devo comunicar a minha resposta, porque, de outra maneira, fico dependente da resposta do mundo. “Esta é uma tarefa de vida superpessoal, que cumpro somente com esforço e dificuldade. Minha forma de fazer a pergunta, bem como a minha resposta, podem ser insatisfatórias. Sendo assim, alguém que tem o meu Carma – ou eu próprio – tinha de renascer, a fim de dar uma resposta mais completa”.
“Pode acontecer que eu não torne a nascer, se o mundo não precisar dessa resposta, e que não sejam outorgadas várias centenas de anos de paz, até que alguém se interesse por esses assuntos e possa, proveitosamente, realizar a tarefa, seja necessário novamente”. 
“Imagino que por algum tempo um período de repouso deva seguir-se, até que o quinhão por mim realizado em minha existência precise ser novamente assumido. Parece-me provável que após a morte existam certas limitações, mas que as almas dos mortos irão aos poucos descobrindo onde ficam os limites do seu estado de libertação”. 
“Algures, “por ali”, deve haver um determinante, uma necessidade condicionando o mundo, necessidade que procura colocar um fim no estado do após morte. Esse determinante criativo, assim penso, deve decidir quais são as almas que devem mergulhar novamente ao nascimento”. (destaque nosso).
“Certas almas, imagino, sentem o estado de existência tridimensional como mais bem-aventurado do que a Eternidade. Talvez, entretanto, isso dependa do quanto de complementação, ou incomplementação, levaram consigo da sua existência humana.” (destaque nosso)
Observamos na referência seguinte, continuidade do texto anterior, como Jung coloca como real sua preexistência antes de nascer. “No meu caso, deve ter sido uma ânsia apaixonada em relação à compreensão que me valeu o nascimento. Porque esse é o elemento mais forte da minha natureza. Esse impulso insaciável para a compreensão foi, por assim dizer, o criador de uma consciência para saber o que é, o que acontece, e para reunir concepções míticas tiradas das delgadas pistas do desconhecível”.
Carl Gustav Jung tornou-se famoso pela criação do conceito do “inconsciente coletivo”, segundo o qual o homem é um ser coletivo, isto é, um representante de sua espécie num determinado momento de desenvolvimento, desde os tempos ancestrais. Chamou atenção para os arquétipos, que são imagens primitivas (arquiprimitivas) gravadas na mente desde a fecundação. Pertencem ao patrimônio comum da humanidade, encontram-se em todas as mitologias e são expressão do “inconsciente coletivo”.
Os enfoques nitidamente espiritualistas, bem como as reflexões acerca das vidas sucessivas, que Jung deixou para seus pósteros, lamentavelmente são pouco conhecidas e difundidas até, surpreendentemente, ao dialogarmos com psicanalistas; alguns deles demonstram desconhecerem ou até negam, peremptoriamente, ser Carl Gustav Jung também um reencarnacionista...

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