a partir de maio 2011

sábado, 23 de março de 2013

A pluralidade dos mundos


   Quem não teria perguntado, considerando a Lua e os outros astros, se esses globos são 
habitados? Antes que a ciência nos tivesse iniciado quanto à natureza desses astros, disso se 
podia duvidar hoje, no estado atual dos nossos conhecimentos, há, pelo menos, 
probabilidades; mas fizeram-se a essa idéia, verdadeiramente sedutora, objeções tiradas da 
própria ciência. A Lua, diz-se, parece não ter mais atmosfera, e, talvez, água. Em Mercúrio, 
tendo em vista a sua proximidade do Sol, a temperatura média deve ser a do chumbo 
fundido, de sorte que, se houver chumbo, deverá correr como a água dos nossos rios. Em 
Saturno, é tudo o oposto; não temos termo de comparação para o frio que nele deve reinar; 
a luz do Sol, ali, deve ser muito fraca, apesar do reflexo das suas sete luas e do seu anel, 
porque, a essa distância, o Sol não deve parecer senão como uma estrela de primeira 
grandeza. Em tais condições, pergunta-se se seria possível viver.
Não se concebe que, uma semelhante objeção possa ser feita por homens sérios. Se a 
atmosfera da Lua não pôde ser percebida, é racional que disso se infere que não exista? Não 
pode estar formada de elementos desconhecidos ou muito rarefeitos para não produzir 
refração sensível? Diremos a mesma coisa da água ou dos líquidos que nela existam. Com 
relação aos seres vivos, não seria negar o poder divino crendo impossível uma organização 
diferente da que nós conhecemos, quando, sob os nossos olhos, a previdência da Natureza se 
estende com uma solicitude tão admirável até o menor dos insetos, e dá, a todos os seres, 
órgãos apropriados ao meio ao qual devem habitar, seja sob a água, o ar ou a terra, seja 
mergulhados na obscuridade ou expostos ao clarão do Sol? Se não tivéssemos jamais visto os 
peixes, não poderíamos conceber seres vivos na água; não faríamos uma idéia da sua 
estrutura. Quem poderia crer, ainda há pouco tempo, que um animal pudesse viver um 
tempo indefinido no seio de uma pedra! Mas, sem falar desses extremos, os seres que vivem 
sob o fogo da zona tórrida poderiam existir nos gelos polares? E, todavia, há, nesses gelos, 
seres organizados para esse clima rigoroso e que não poderiam suportar o ardor de um sol 
vertical. Por que, pois, não admitiríamos que seres possam estar constituídos de modo a 
viverem sobre outros globos e num meio todo diferente do nosso? Seguramente, sem 
conhecer a funde a constituição física da Lua, dela sabemos o bastante para estarmos certos 
de que, tais como somos, ali não poderíamos viver, tanto como não o podemos no seio do 
Oceano, em companhia dos peixes. Pela mesma razão, os habitantes da Lua, se pudessem vir 
à Terra, constituídos para viverem sem ar, ou num ar muito rarefeito, talvez muito diferente 
do nosso, seriam asfixiados em nossa espessa atmosfera, como o somos quando calmos na 
água. Ainda uma vez, se não temos a prova material e visual da presença de seres vivos em 
outros mundos, nada prova que não possam existir, cujo organismo seja apropriado a um 
meio ou a um clima qualquer. O simples bom senso nos diz, ao contrário, que assim deve 
ser, porque repugna à razão crer que esses inumeráveis globos que circulam no espaço não 
são senão massas inertes e improdutivas. A observação nos mostra, deles, superfícies 
acidentadas por montanhas, vales, barrancos, vulcões extintos ou em atividade; por que, 
pois, não haveriam seres orgânicos? Seja, dir-se-á; que haja plantas, mesmo animais, isso 
pode ser; mas seres humanos, homens civilizados como nós, conhecendo Deus, cultivando as 
artes, as ciências, isso será possível?
Seguramente, nada prova, matematicamente, que os seres que habitam os outros mundos 
sejam homens como nós, moralmente falando; mas, quando os selvagens da América viram 
desembarcar os Espanhóis, não duvidaram mais que, além dos mares, existia um outro

mundo cultivando artes que lhes eram desconhecidas. A terra é salpicada de uma inumerável 
quantidade de ilhas, pequenas ou grandes, e tudo o que é habitável está habitado; não surge 
um rochedo no mar que o homem não plante, no instante, sua bandeira. Que diríamos se os 
habitantes de uma das menores dessas ilhas, conhecendo perfeitamente a existência das 
outras ilhas e continentes, mas, jamais havendo tido relações com aqueles que os habitam, 
se cressem os únicos seres vivos do globo? Nós lhes diríamos: Como podeis crer que Deus 
haja feito o mundo só para vós? Por qual estranha bizarria vossa pequena ilha, perdida num 
canto do Oceano, teria o privilégio de ser a única habitada? Podemos dizer outro tanto de nós 
com respeito às outras esferas. Por que a Terra, pequeno globo imperceptível na imensidão 
do Universo, que não se distingue dos outros planetas nem pela sua posição, nem pelo seu 
volume, nem pela sua estrutura, porque não é nem a menor nem a maior, nem está no 
centro e nem na extremidade, por que, digo, seria, entre tantas outras, a única residência de 
seres racionais e pensantes? Que homem sensato poderia crer que esses milhões de astros, 
que brilham sobre as nossas cabeças, tenham sido feitos para recrear a nossa visão? Qual 
seria, então, a utilidade desses outros milhões de globos imperceptíveis a olho nu, e que não 
servem nem mesmo para nos clarear? Não haveria, ao mesmo tempo, orgulho e impiedade 
em pensar que assim deve ser? Àqueles que a impiedade pouco toca, diremos que é ilógico.
Chegamos, pois, por um simples raciocínio, que muitos outros fizeram antes de nós, a 
concluir pela pluralidade dos mundos, e esse raciocínio se encontra confirmado pela revelação 
dos Espíritos. Eles nos ensinam, com efeito, que todos esses mundos são habitados por seres 
corpóreos apropriados à constituição física de cada globo; que, entre os habitantes desses 
mundos, uns são mais, outros são menos, avançados do que nós do ponto de vista 
intelectual, moral e mesmo físico. Ainda mais, hoje, sabemos que podemos entrar em relação 
com eles, e deles obter notícias sobre o seu estado; sabemos, ainda, que não só todos esses 
globos são habitados por seres corpóreos, mas, que o espaço está povoado por seres 
inteligentes, invisíveis para nós por causa do véu material lançado sobre a nossa alma, e que 
revelam a sua existência por meios ocultos ou patentes. Assim, tudo é povoado no Universo, 
a vida e a inteligência estão por toda parte: sobre os globos sólidos, no ar, nas entranhas da 
terra, e até nas profundezas etéreas. Haverá, nessa doutrina, alguma coisa que repugne à 
razão? Não é, ao mesmo tempo, grandiosa e sublime? Ela nos eleva pela nossa própria 
pequenez, diferentemente desse pensamento egoísta e mesquinho que nos coloca como os 
únicos seres dignos de ocupar o pensamento de Deus.
Revista Espírita, março de 1858






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