a partir de maio 2011

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

"Sua avó seria um macaco?"


Davilson Silva 

“Sua avó seria um macaco?” Essa sarcástica indagação do bispo da Igreja Anglicana, de Oxford, Samuel Wilberforce, um dos opositores de Charle Darwin, foi dirigida ao ilustre biólogo Thomas Henry Huxley, amigo do cientista, quando de um debate público na Associação Britânica para o Progresso da Ciência, em 1860. Resposta de Huxley ao bispo, famoso pelo dom da retórica e da polêmica: “Suponhamos que eu viesse mesmo de um macaco. E daí? Preferia provir de um macaco que de um homem que utiliza seu grande talento para obscurecer a verdade”.

Huxley disse ainda preferir descender do macaco que de “um disseminador de malefícios e erros” qual o próprio bispo, cujo apelido era Soapy Sam (“Sam, o Meloso”). O bispo nada mais falou, manteve-se calado; Darwin venceu o debate defendido por seu sectário (nesse dia, ele não pôde vir à reunião, estava doente). Naquele momento, ouviu-se aplausos, vaias e gargalhadas homéricas, um grupo de clérigos furiosos insurgira-se, estudantes apuparam enquanto um fanático colérico dirigia insultos, exibindo uma bíblia.

E tudo por causa de uma brilhante e controvertida obra que incluiu a raça humana: Sobre a Origem das Espécies pelo Processo de Seleção Natural, ou Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida. Em 24 de novembro de 1859, na cidade de Londres, os livreiros ingleses tinham encomendado 1.250 cópias; todos os exemplares foram vendidos; um best-seller sem dúvida, e outrora, alguns já especulavam por assim dizer as mesmas idéias de Darwin.

Progressão passo a passo

Era subentendida na Grécia antiga a progressão passo a passo das espécies. Desde os mais inferiores e simples até os mais distintos e complexos seres organizados, incluindo-se o homem, cogitava-se o que séculos mais tardes chocaria o pensamento mundial, oestablishment. Anaximandro (século 6.o a.C.), Empédocles (séc. 5.o a.C.) e Aristóteles (séc. 4.o a.C.) supunham ser os animais domésticos originários dos de natureza selvagem, prelúdio de expressivas revelações no campo de estudo dos seres vivos e das arraigadas leis da existência.

Esse conceito não medrou. Não passara de mera especulação. Veio a Era Cristã do sacerdócio organizado. Com a estabilidade do Cristianismo e seus dogmas, sacerdotes davam como verdadeira a ideia linear e imutável do conjunto das formas orgânicas. A doutrina da Igreja não admitia quaisquer princípios contrários às suas convicções: para ela, Deus estabeleceu tudo inexoravelmente, nada foi alterado desde o princípio, e ponto final.

O Fixismo seguiu soberano e a maioria dos pesquisadores, estudiosos evitavam contrariar os opostos. A ideia segundo a qual as espécies biológicas seriam imutáveis e idênticas desde a sua criação por Deus permanecia indiscutível, e os cientistas preferiram aguardar, alguns dos quais assentindo ao caso e evitando colidir com a Igreja. Ainda não chegara a hora de exibir a documentação geológica e paleontológica.

“A espécie se perpetua sem alterações profundas através de gerações”, declarou o filósofo, naturalista, anatomista e zoólogo francês Georges Cuvier (1769/1832). Para explicar a origem de contínuas e combinadas biodiversidades, chegaram a inferir esta hipótese (e falamos de eminências científicas do século 19): “Cataclismos violentos teriam aniquilado certas espécies, seguindo-se à criação de outras que permaneciam até o cataclismo seguinte, e assim por diante”...

Não dava para desenvolver a ordem regular das coisas naquele notável e marcante período. Daí, apareceu o zoólogo também francês Jean Lamarck (1774/1829) que incluiu o homem ao longo de uma escala animal. Em 1830, o geólogo inglês Charles Lyell (1797/1875) publicou Princípios da Geologia e, finalmente, veio Darwin para dar a sua grande contribuição que serviu de suporte às demais disciplinas.
Charle Robert Darwin
(1809/1882). Naturalista
inglês, considerado o
pai do evolucionismo,
autor de Origem das 
Espécies.
Homens não descendem de macacos

Darwin parecia evitar a parte humana. Embora em sua tese se achasse implícito o homem, ele fugia a aludir a esse fato; era muito constrangedora a influência dos inimigos do lado religioso e do científico. Os do lado científico o criticavam quanto ao seu método de trabalho ou discordavam da sua escala de tempo e outras divergências; os do lado religioso o importunavam apenas por um motivo dominante: o suposto vínculo do homem com o macaco o que, provavelmente, fazia o papa Pio IX, o Grande (1846/1878), deplorar a falta do “Santo Ofício”... Diga-se a propósito, Darwin nunca afirmou que seres humanos constituem uma descendência direta de chimpanzés ou de orangotangos, ou de gorilas, ou de quaisquer espécies de micos.

Muitos, em pleno século 21, consideram uma heresia ao se dizer que o homem não é precisamente o rei da Criação, que os seus primeiros ancestrais viveram na África há mais de 4 milhões de anos (o Ardipithecus Ramidus). (Também, o que se poderia esperar dos que supõem ser a Terra o centro do Universo, daqueles que descriminam os seus semelhantes e acreditam na infalibilidade da Bíblia, não é mesmo?)

Acreditar que descendemos de primatas simiiformes, hominídeos, ou “macacos peludos e fedorentos”, consoante debocham, é para eles uma grande ofensa. E daí? Que mal há em termos parentesco com antropóides? Por exemplo: a proximidade genética entre homens e chimpanzés é em torno de 5% segundo Dave Kohne e Roy Britten, cientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia, EUA. Macacos podem caminhar eretos e se utilizam de folhagens e gravetos para construir sua morada suspensa em galhos de árvores ou mesmo no solo, comem levando alimentos à boca com a mão e são amorosos, possivelmente muito mais amorosos, mais tolerantes e mais “humanos” que certos humanos que há por aí...

Origem da aparência não ofende

Cena em um vale da
Alemanha, Vale de
Neanderthal, o que deu
nome aos fósseis lá
descobertos,
pertencentes a uma
curiosa raça humana que
viveu no paleolítico médio.
A capacidade craniana
deles era bastante
superior à dos homens
dos dias de hoje.
A aparência dos primatas que habitaram a África austral no plioceno e no início do plistoceno não deveria jamais ofender ninguém por existir uma similitude intrínseca entre eles e nós. Ao tempo de Darwin, o mestre francês, codificador da Doutrina dos Espíritos, Allan Kardec (1804/1869), disse que nada tinha de impossível, jamais afetaria o brio do homem, “caso corpos de macacos fossem uma transformação do corpo do homem” (veja bem, entre aspas porque essa hipótese foi publicada em janeiro de 1868 na magnífica obra A Gênese). O mais importante: “A origem do corpo não prejudica o Espírito que é o ser principal, e a semelhança do corpo do homem com o corpo do macaco não implica paridade entre seu Espírito e o do macaco”, no parecer do insigne mestre francês.

Quanto a Darwin, sem dúvida, ele revolucionou os valores culturais, demoliu a glória divina do homem. Que é o homem, senão o próprio corpo físico? O Espiritismo não desabona a Gênese Mosaica, explica-a conforme apoio e exame da Ciência, nem diminui o corpo, essa obra divina, moradia de seu habitante: o Espírito. A despeito do papa João Paulo II (1978/2005) ter admitido (e a muito custo!) a evolução das espécies, esta continuará sendo uma daquelas pedrinhas no sapato da Igreja. Faltou a Darwin conhecimento acerca da relação que há entre o princípio material e o espiritual para que, por fim, pudesse inferir a autoria divina pelo surgimento das novas espécies de seres vivos por processos justos e naturais, a partir dos gêneros preexistentes, através de milhões de anos, sem nunca Deus ter deixado de ser a suprema inteligência, causa primeira de todas as coisas.
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BIBLIOGRAFIA
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(1) SPROULE, Anna. Personagens que Mudaram o Mundo, Os grandes cientistas, s/ed. Rio de janeiro, Editora Globo S.A., 1993.
(2) KARDEC, Allan. A Gênese. 20. ed. São Paulo: Lake - Livraria Allan Kardec Editora, 2001

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