a partir de maio 2011

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Interpretações Errôneas sobre a Homossexualidade:J.H. PIRES


Na palavra homossexualidade o prefixo homo não se refere a
homem, mas a igual ou semelhante. Esse o sentido do prefixo
grego que equivale a homogêneo ou homogeneidade. A palavra
abrange, portanto, todos os casos de relações sexuais entre
pessoas do mesmo sexo, homens e mulheres. Há no meio espírita
a tendência de se atribuir essa perversão ao processo de
reencarnação. Tornou-se mesmo comum dizer-se que um
afeminado revela com isso que foi mulher na encarnação anterior
e que a mulher de aspecto e atitudes viris foi homem. O sexo é
um caso de polaridade das funções genésicas. Essa polaridade é
universal, manifesta-se em todas as coisas e em todos os seres. A
sexualidade é uma das condições gerais do organismo. As leis de
evolução determinam o sexo de acordo com as necessidades
evolutivas do indivíduo. Sexo forma o carma, mas não é carma.
O homem e a mulher são seres complementares. Na dialética da
evolução eles se emparelham, formam a parelha humana
destinada a conjugar-se e não a opor-se reciprocamente. Essa é
uma antiga concepção que vem da mais alta antigüidade. Foi
dela que nasceu o mito dos hermafroditas, filhos de Hermes e
Afrodite, que reuniam em si os elementos femininos e
masculinos. Segundo Sócrates, os primeiros habitantes da
Hélade eram os andrógenos, ligados pelas costas, que andavam
girando com grande velocidade e resolveram subir ao Monte
Olimpo para desalojar os deuses. Zeus os castigou, cortando-os
pelas costas, de maneira a separar o feminino e o masculino.
Desde então as duas metades se perderam e procuram
reencontrar-se e se ligarem de novo no amor, sob o poder de
Eros.
O mito representa a condição humana total, em que a
sexualidade revela a sua unidade primitiva, que se diferenciou no
tempo em feminino e masculino. As existências atuais
confirmam a essência simbólica do mito, mostrando o aspecto de
polaridade das funções genéticas do homem. Todos os homens e
mulheres são igualmente dotados da sexualidade única, que só se
divide e se diferencia no plano funcional. Como ensina Kardec,
homens e mulheres têm os mesmos direitos, mas funções
diferentes.
A natureza humana é una, mas sobre ela se recortam as
figuras do homem e da mulher, diferenciando-se apenas pelas
exigências do sexo. Mas há nessas teorias um aspecto ainda mais
deprimente, que consiste no desrespeito à dignidade feminina. A
mulher normal e decente não emprega suas funções sexuais no
sentido aviltante que os teóricos analfabetos lhe atribuem. Se um
espírito passou pela encarnação feminina para adquirir nela as
virtudes da maternidade, da ternura, da paixão pela beleza e a
harmonia, como podemos conceber esse espírito aviltando-se e
aviltando a espécie humana na fonte sublime da maternidade?
Onde estaria o senso dos espíritos benevolentes, a serviço de
Deus nos laboratórios da reencarnação, para insistirem na técnica
da perversão? Teorias dessa espécie defendidas levianamente no
meio doutrinário envilecem a doutrina e fazem as pessoas de
bom-senso julgarem que somos uma tropilha de ignorantes.
Devemos ainda atentar para os aspectos científicos da
questão. Os desequilíbrios sensoriais podem ser provocados pela
educação deformante da criança. As sensações mórbidas
provocadas nas primeiras fases da infância levam geralmente a
distúrbios perigosos. Freud é ainda hoje censurado por seu
pansexualismo, mas os estudiosos sérios de suas obras sabem
que a razão o assistia nesses exageros que não eram
propriamente dele, mas da realidade queimante que a
investigação da libido lhe punha nas mãos de pioneiro. O
misticismo religioso, com seu insistente e criminoso
estrangulamento das energias genéticas da espécie, das quais
depende a sobrevivência humana, produziu maior número de
monstros do que geralmente se pensa. Durante dois mil anos os
pregadores de abstinências impossíveis violaram a naturalidade
do sexo, entregando suas vítimas à sanha dos espíritos inferiores,
íncubos e súcubos, que punham clérigos e freiras em delírio nos
mosteiros e conventos. Aldous Huxley nos conta, em Os
Demônios de Loudun como foi estabelecida a taxa especial para
a liberdade sexual dos padres celibatários durante o
medievalismo. A hipocrisia e a depravação foram as flores
mortais da semeadura de santidade forçada. É inacreditável que,
agora, espíritas ingênuos, desconhecedores de sua própria
doutrina – em que as leis de Deus são as próprias leis naturais –
levantem essa acusação monstruosa à lei divina da reencarnação.
A extrema sensibilidade dos órgãos sensoriais, apta à
captação da estesia, complica-se no homem com o
desenvolvimento da imaginação que o leva à busca do prazer. A
inquietação humana decorre da encarnação, da prisão do espírito
na carne. Mas a própria carne lhe oferece as vias de fuga da
imaginação e do prazer. O espírito é liberdade e quer se afirmar
como tal na existência, mas as barreiras do seu condicionamento
humano o impedem de ser realmente o que é. O instinto de
liberdade o arrasta para as vias de escape. As proibições formais
da sociedade e da cultura, freando-lhes os impulsos genésicos e
as influências de um passado milenar de abusos e recalques,
acrescido das restrições morais que o acuam na consciência em
desenvolvimento, geram o trágico pandemônio da libido.
Unamuno foi benevolente ao considerar o homem como um
drama. Mais do que isso, ele se apresenta na existência como
uma tragédia. Veja-se o desespero de Sartre, que impossibilitado
de pôr ordem no caos, precipitou-se no suicídio conceptual da
frustração e do nada. A idéia absurda da nadificação o acalmou
de tal forma que ele se empenhou a sustentá-la mesmo ante às
conquistas científicas que o tornaram perempto antes do tempo.
Alguns teólogos medievais costumavam dizer que o homem não
pode colher os frutos do Paraíso antes do tempo. A simbólica
expulsão de Adão do Paraíso dá-nos o quadro vivo dessa
precipitação. A mulher, considerada inferior nas sociedades
patriarcais, representa o instrumento da serpente (símbolo fálico)
para levar o homem à desobediência. Agora, como se não
bastasse essa injustiça mitológica, queremos também imputar-lhe
a responsabilidade do homossexualismo através da reencarnação.
O mito grego dos homens bissexuados, que Zeus separou para
defender o Olimpo, repõe a mulher na sua dignidade aviltada. A
metade perdida torna-se exigência vital, que o homem busca no
plano existencial, reconhecendo nela a sua aspiração imediata,
para fazê-la de novo sua companheira e parceira, sonho e ideal,
mãe e irmã, apoio e estímulo, que nos tempos líricos da cavalaria
medieval e castelã, senhora e mártir ao mesmo tempo,
escravizada ao garrote vil dos cintos de castidade. Ambivalência
monstruosa em que a dama sublime era transformada em suposta
criminosa condenada por suspeição.
Ver num jovem efeminado a reencarnação de uma mulher
pervertida é fugir à realidade universal das perversões
masculinas, sempre mais brutais que as femininas. Simone de
Beauvoir, em O Segundo Sexo, colocou bem esse problema de
transferência estúpida e até mesmo covarde. As lésbicas gregas,
como Safo, de inteligência e sensibilidade refinadas, viviam
numa condição histórica e cultural muito diferente da nossa,
integradas numa concepção do mundo que era global, gestáltica
e não fragmentária como a nossa. O ideal do Belo, que Platão
levara à suprema expressão, dominava o pensamento grego. A
contemplação dos belos corpos, dizia o filósofo, eleva a alma aos
planos divinos. Não era a sensação grosseira e banal, o refocilar
dos porcos na lama, que atraía essas criaturas, mas a estesia pura
ante a beleza perfeita. Já em Roma a situação era outra e os
antigos camponeses transformados em conquistadores do mundo
geravam as messalinas, flores espúrias de um mundo em que a
práxis esmagava a herança da Grécia, mas desenvolvendo os
resquícios da barbárie romana. Por isso, chegamos ao cúmulo de
atribuir a Sócrates, como o fizeram Anito e Melito, a pecha de
perversão. Nossa incapacidade para compreender o mundo em
que o ideal superava o pragmático é inegável. Ernst Cassirer, em
A Tragédia da Cultura, mostra-nos como arrancamos das ruínas
de antigas civilizações, com garras de primatas, a impregnação
do passado. Não recebemos a herança viva, mas os resíduos
mortos que trazem o frio mineral das estátuas. Não somos
capazes de medir o passado pela sua dimensão real e o
reduzimos às nossas próprias dimensões. Benét Sanglé,
fascinado pela figura do Cristo, colocou-o na retorta da
psiquiatria e o transformou em louco no seu livro La Folie de
Jesus. É geralmente assim que procedemos, com a sensibilidade
embotada do nosso pragmatismo. Nosso refinamento é exterior e
superficial. Por baixo das camadas de verniz da civilização atual
carregamos os monstros que puseram suas garras de fora na
última Conflagração Mundial, no genocídio atômico de Nagasaki
e Hiroshima, nas escaladas americanas sobre o Vietnã. A prova
disso está aí, flagrante e horrenda, nas violências tecnológicas de
nosso século. E isso porque imolamos o espírito à matéria.
Esquecemos a nossa origem, essência e destino divinos para nos
proclamarmos senhores de um mundo de fome e miséria.
Outra explicação da homossexualidade atribui aos velhos a
responsabilidade da perversão. Segundo os autores dessa teoria
os velhos, ao perderem a virilidade, entregam-se a excitações
indevidas, e quando o espírito volta à reencarnar-se, traz na sua
bagagem esse estranho contrabando. Tivemos a oportunidade de
contestar um dos autores em programa de televisão, no canal 13
de São Paulo. É incrível a leviandade com que certas pessoas,
escudando-se em títulos universitários, mas sem critério
científico, fazem afirmações dessa espécie. A generalização é
tremendamente ofensiva. A dignidade, que sempre encontrou na
senectude a sua mais bela expressão, esboroa-se nas mãos desses
teóricos improvisados que nada respeitam. Os setores da
Espiritualidade incumbidos dos processos reencarnatórios
tornam-se negligentes e insensíveis aos olhos desses teóricos do
absurdo. A reencarnação, por sua vez, perde a sua validade como
instituto de reparação e evolução. A desoladora falta de
compreensão dos objetivos naturais da reencarnação, por parte
desses diplomados por acaso ou negligência, chega a
escandalizar as pessoas de bom senso. A mesquinhez dessas
suspeitas infundadas revela a mentalidade tacanha desses
pseudocientistas, que se apresentam como pesquisadores. Todas
as pessoas que compreendem a doutrina da reencarnação sabem
que esse processo universal é um dos meios de controle da
evolução geral. Procurar motivos específicos e ridículos para
manifestações de desequilíbrio já suficientemente conhecidos é
querer confundir a questão. Não há razão para essas invenções
ou invencionices, quando a perversão dos instintos naturais é
uma constante da evolução em todos os seus campos. Geração e
corrupção, como ensina Aristóteles, são a antítese e a tese da
dialética da criação, mas nos limites temporais do processo. A
regularidade das leis naturais que determinam a sistemática
evolutiva não comporta especulações bastardas. A própria
grandeza do destino humano, da destinação superior do homem
no Universo, repele essas tolices. Cada ser e cada espécie estão
submetidos à lei da harmonia e perfeição que rege, do minério ao
homem, o desenvolvimento das potencialidades da criação. O
dínamo-psiquismo-inconsciente de Geley a que já nos referimos,
oferece-nos uma visão grandiosa do processo evolutivo que
amesquinha por si mesmo essas especulações sem sentido.

J. Herculano Pires
Ciência Espírita
e suas implicações terapêuticas

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