Encontram-se, em ambos os sexos, excelentes médiuns; é àmulher, entretanto, que parecem outorgadas as mais belas faculdades
psíquicas. Daí o eminente papel que lhe está reservado nadifusão do novo Espiritualismo.
Mau grado às imperfeições inerentes a toda criatura humana,
não pode a mulher, para quem a estuda imparcialmente, deixar de
ser objeto de surpresa e algumas vezes de admiração. Não é unicamente
em seus traços pessoais que se realizam, em a Natureza e
na Arte, os tipos da beleza, da piedade e caridade; no que se refere
aos poderes íntimos, à intuição e adivinhação, sempre foi ela superior
ao homem. Entre as filhas de Eva é que obteve a antiguidade
as suas célebres videntes e sibilas. Esses maravilhosos poderes,
esses dons do Alto, a Igreja entendeu, na Idade Média, aviltar e
suprimir, mediante os processos instaurados por feitiçaria.39 Hoje
39 Ver Michelet, “A Feiticeira”, passim; Joseph Fabre, “Processo de
Condenação de Joana d'Arc”, Delagrave, editor. “A Sra. Piper”, diz:
“A derradeira vítima dos processos de feitiçaria foi Ana Gaeldi, supliciada
em Glaris (Suíça), a 7 de junho de 1874. Durante catorze séculos
foram executados mais de meio milhão de homens e mulheres, sob
pretexto de feitiçaria.”
Léon Denis – No Invisível 79
encontram eles sua aplicação, porque é sobretudo por intermédio
da mulher que se afirma a comunhão com a vida invisível.
Mais uma vez se revela à mulher em sua sublime função de
mediadora, que o é em toda a Natureza. Dela provém a vida; é ela a
própria fonte desta, a regeneradora da raça humana, que não subsiste
e se renova senão por seu amor e seus ternos cuidados. E essa
função preponderante que desempenha no domínio da vida, ainda a
vem preencher no domínio da morte. Mas nós sabemos que a morte
e a vida são uma, ou antes, são as duas formas alternadas, os dois
aspectos contínuos da existência.
Mediadora também é a mulher no domínio das crenças. Sempre
serviu de intermediária entre a nova fé que surge e a fé antiga
que definha e vai desaparecendo. Foi o seu papel no passado, nos
primeiros tempos do Cristianismo, e ainda o é na época presente.
O Catolicismo não compreendeu a mulher, a quem tanto devia.
Seus monges e padres, vivendo no celibato, longe da família, não
poderiam apreciar o poder e o encanto desse delicado ser, em quem
enxergavam, antes, um perigo.
A antiguidade pagã teve sobre nós a superioridade de conhecer
e cultivar a alma feminina. Suas faculdades se expandiam livremente
nos mistérios. Sacerdotisa nos tempos védicos, ao altar
doméstico, intimamente associada, no Egito, na Grécia, na Gália,
às cerimônias do culto, por toda a parte era a mulher objeto de uma
iniciação, de um ensino especial, que dela faziam um ser quase
divino, a fada protetora, o gênio do lar, a custódia das fontes da
vida. A essa compreensão do papel que a mulher desempenha, nela
personificando a Natureza, com suas profundas intuições, suas
percepções sutis, suas adivinhações misteriosas, é que foi devida a
beleza, a força, a grandeza épica das raças grega e céltica.
Porque, tal seja a mulher, tal é o filho, tal será o homem. É a
mulher que, desde o berço, modela a alma das gerações. É ela que
Léon Denis – No Invisível 80
faz os heróis, os poetas, os artistas, cujos feitos e obras fulguram
através dos séculos. Até aos sete anos o filho permanecia no gineceu
sob a direção materna. E sabe-se o que foram as mães gregas,
romanas e gaulesas. Para desempenhar, porém, tão sagrada missão
educativa, era necessária a iniciação no grande mistério da vida e
do destino, o conhecimento da lei das preexistências e das reencarnações;
porque só essa lei dá à vida do ser, que vai desabrochar sob
a égide materna, sua significação tão bela e tão comovedora.
Essa benéfica influência da mulher iniciada, que irradiava sobre
o mundo antigo como uma doce claridade, foi destruída pela
lenda bíblica da queda original.
Segundo as Escrituras, a mulher é responsável pela proscrição
do homem; ela perde Adão e, com ele, toda a Humanidade; atraiçoa
Sansão. Uma passagem do Eclesiastes a declara “uma coisa
mais amarga que a morte”. O casamento mesmo parece um mal:
“Que os que têm esposas sejam como se não as tivessem”; exclama
Paulo.
Nesse ponto, como em tantos outros, a tradição e o espírito judaico
prevaleceram, na Igreja, sobre o modo de entender do Cristo,
que foi sempre benévolo, compassivo, afetuoso para com a mulher.
Em todas as circunstâncias a escuda ele com sua proteção; dirigelhe
suas mais tocantes parábolas. Estende-lhe sempre a mão, mesmo
quando decaída. Por isso as mulheres reconhecidas lhe formam
uma espécie de cortejo; muitas o acompanharão até à morte.
*
Durante longos séculos a mulher foi relegada para segundo
plano, menosprezada, excluída do sacerdócio. Por uma educação
acanhada, pueril, supersticiosa, a maniataram; suas mais belas
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aptidões foram comprimidas, conculcado e obscurecido o seu
caráter.40
A situação da mulher, na civilização contemporânea, é difícil,
não raro dolorosa. Nem sempre a mulher tem por si os usos e as
leis; mil perigos a cercam; se ela fraqueja, se sucumbe, raramente
se lhe estende mão amiga. A corrupção dos costumes fez da mulher
a vítima do século. A miséria, as lágrimas, a prostituição, o suicídio
– tal é a sorte de grande número de pobres criaturas em nossas
sociedades opulentas.
Uma reação, porém, já se vai operando. Sob a denominação de
feminismo, um certo movimento se acentua legítimo em seu princípio,
exagerado, entretanto, em seus intuitos; porque, ao lado de
justas reivindicações, enuncia propósitos que fariam da mulher,
não mais mulher, mas cópia, paródia do homem. O movimento
feminista desconhece o verdadeiro papel da mulher e tende a transviá-
la do destino que lhe está natural e normalmente traçado. O
homem e a mulher nasceram para funções diferentes, mas complementares.
No ponto de vista da ação social, são equivalentes e
inseparáveis.
O moderno Espiritualismo, graças às suas práticas e doutrinas,
todas de ideal, de amor, de eqüidade, encara a questão de modo
diverso e resolve-a sem esforço e sem estardalhaço. Restitui à
mulher seu verdadeiro lugar na família e na obra social, indicandolhe
a sublime função que lhe cabe desempenhar na educação e no
adiantamento da Humanidade. Faz mais: reintegra-a em sua missão
de mediadora predestinada, verdadeiro traço de união que liga as
sociedades da Terra às do Espaço.
40 O Concilio de Mâcon (585) discutiu “se a mulher tem ou não tem
alma”.
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A grande sensibilidade da mulher a constitui o médium por excelência,
capaz de exprimir, de traduzir os pensamentos, as emoções,
os sofrimentos das almas, os altos ensinos dos Espíritos
celestes. Na aplicação de suas faculdades encontra ela profundas
alegrias e uma fonte viva de consolações. A feição religiosa do
Espiritismo a atrai e lhe satisfaz as aspirações do coração, as necessidades
de ternura, que se estendem, para além do túmulo, aos
entes desaparecidos. O perigo para ela, como para o homem, está
no orgulho dos poderes adquiridos, na suscetibilidade exagerada. O
ciúme, suscitando rivalidades entre médiuns, torna-se muitas vezes
motivo de desagregação para os grupos.
Daí a necessidade de desenvolver na mulher, ao mesmo tempo
em que os poderes intuitivos, suas admiráveis qualidades morais, o
esquecimento de si mesma, o júbilo do sacrifício, numa palavra, o
sentimento dos deveres e das responsabilidades inerentes à sua
missão mediatriz.
*
O Materialismo, não ponderando senão o nosso organismo físico,
faz da mulher um ser inferior por sua fraqueza e a impele à
sensualidade. Ao seu contacto, essa flor de poesia verga ao peso
das influências degradantes, se deprime e envilece. Privada de sua
função mediadora, de sua imaculada auréola, tornada escrava dos
sentidos, não é mais que um ser instintivo, impulsivo, exposto às
sugestões dos apetites mórbidos. O respeito mútuo, as sólidas
virtudes domésticas desaparecem; a discórdia e o adultério se
introduzem no lar; a família se dissolve, a felicidade se aniquila.
Uma nova geração, desiludida e céptica, surge do seio de uma
sociedade em decadência.
Com o Espiritualismo, porém, ergue de novo a mulher a inspirada
fronte; vem associar-se intimamente à obra de harmonia social,
ao movimento geral das idéias. O corpo não é mais que uma
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forma tomada por empréstimo; a essência da vida é o espírito, e
nesse ponto de vista o homem e a mulher são favorecidos por igual.
Assim, o moderno Espiritualismo restabelece o mesmo critério dos
celtas, nossos pais; firma a igualdade dos sexos sobre a identidade
da natureza psíquica e o caráter imperecível do ser humano, e a
ambos assegura posição idêntica nas agremiações de estudo.
Pelo Espiritismo se subtrai a mulher ao vértice dos sentidos e
ascende à vida superior. Sua alma se ilumina de clarão mais puro;
seu coração se torna o foco irradiador de ternos sentimentos e
nobilíssimas paixões. Ela reassume no lar a encantadora missão
que lhe pertence, feita de dedicação e piedade, seu importante e
divino papel de mãe, de irmã e educadora, sua nobre e doce função
persuasiva.
Cessa, desde então, a luta entre os dois sexos. As duas metades
da Humanidade se aliam e equilibram no amor, para cooperarem
juntas no plano providencial, nas obras da Divina Inteligência.
Léon Denis – No Invisível
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