Nota 10:
Galileu e a Congregação do Index
Eis aqui um extrato do texto da condenação de Galileu em
1633, fotografado nos arquivos do Vaticano por um fervoroso
católico, o conde Henrique de L' Épinois:
“Foste denunciado em 1615 ao Santo Ofício:
Porque sustentavas como verdadeira uma doutrina falsa, que
muitos propagavam, a saber: “que o Sol é imóvel no centro do
mundo e a Terra tem um movimento diurno”;
Porque ensinavas essa doutrina aos teus discípulos; porque entretinhas
a esse respeito correspondência com matemáticos da
Germânia; porque publicavas cartas sobre as manchas solares, nas
quais apresentavas como verdade essa doutrina; porque às objeções
que te eram dirigidas respondias explicando a Santa Escritura
segundo a tua idéia...
O tribunal quis pôr um paradeiro aos inconvenientes e aos danos
que daí provinham e se agravavam em detrimento da fé.
Léon Denis – Cristianismo e Espiritismo 322
Conforme a ordem do papa e dos cardeais, os teólogos encarregados
dessa missão assim qualificaram as duas proposições:
“O Sol está no centro do mundo e é imóvel”. Proposição absurda,
falsa em filosofia e herética em sua expressão, porque é
contrária à Santa Escritura.
“A Terra não é o centro do mundo; não é imóvel, mas obedece
a um movimento diurno”. Proposição igualmente absurda, falsa em
filosofia e considerada no ponto de vista teológico, errônea na fé...
Declaramos que te tornaste profundamente suspeito de heresia:
Porque acreditaste e sustentaste uma doutrina falsa e contrária
às santas e divinas Escrituras, a saber: “que o Sol é o centro do
Universo e não se move de modo algum do Oriente para o Ocidente;
que a Terra se move e não é o centro do mundo.” Porque acreditaste
poder sustentar, como provável, uma opinião que foi declarada
contrária à Santa Escritura.
Em conseqüência declaramos que incorreste em todas as censuras
e penas cominadas pelos sagrados cânones e outras constituições
gerais e particulares contra aqueles que desobedecem aos
estatutos e outros decretos promulgados.
Das quais censuras nos praz absolver-te uma vez que previamente,
de ânimo sincero e fé verdadeira, abjures diante de nós,
maldigas e detestes, segundo a fórmula que te apresentamos, os
ditos erros e heresias, e qualquer outro erro e heresia contrária à
igreja Católica, Apostólica, Romana.
E, a fim de que o teu erro pernicioso e grave e a tua desobediência
não fiquem impunes;
A fim de que, para o futuro, sejas mais cauteloso e sirvas de
exemplo aos outros para que evitem esses delitos:
Declaramos que, por édito público, o livro dos Diálogos, de
Galileu, é proibido.
Léon Denis – Cristianismo e Espiritismo 323
Condenamos-te à prisão ordinária deste Santo Ofício por um
tempo que será limitado a arbítrio nosso.
A título de penitência salutar, ordenamos-te que recites durante
três anos, uma vez por semana, os sete salmos da Penitência.
Reservamo-nos o poder de moderar, alterar e relevar no todo
ou em parte as penas e penitências acima.”
Ditou um teólogo, há quinze anos, ao Sr. Henri Lasserre as seguintes
linhas, que o autor de Nossa Senhora de Lourdes e da Nova
tradução dos Evangelhos (esta última obra condenada também pelo
índex), reproduz em suas Memórias à Sua Santidade.
“Esse decreto, que anatematizou a admirável descoberta do
grande astrônomo e que o puniu com prisão, foi um duplo e completo
erro. Foi um erro incidente e secundário sobre a Astronomia;
foi, antes de tudo, um erro principal sobre a doutrina. Coisa notável:
por todos os termos do decreto, a Sagrada Congregação haviase
condenado a si mesma.
“Qualificando de absurdo, isto é, de contrário à razão o que lhe
é conforme, a Sagrada Congregação estava convencida de se achar
fora da razão e oposta à razão.
“Qualificando de falso, isto é, de contrário à verdade o que lhe
é conforme, ela estava convencida de achar-se fora da verdade e
oposta à verdade.
“Qualificando de heresia, isto é, de contrário à ortodoxia o que
é uma lei divina do Universo visível, estava convencida de achar-se
fora da ortodoxia e oposta à ortodoxia, porque, se é uma heresia
subtrair-se à crença em um dogma da Igreja, não é menor heresia
querer impor como dogma o que não o é, e particularmente o erro,
o qual é, em si mesmo, como antinomia de todos os dogmas.
“Qualificando de contrário às Escrituras um admirável decreto
do Criador, a Sagrada Congregação estava convencida de achar-se
Léon Denis – Cristianismo e Espiritismo 324
fora da ciência das Escrituras e oposta à sua verdadeira interpretação.
“Cada qual em Roma, individualmente, não tardou, na intimidade
da palestra, a confessar e deplorar o erro cometido pelos
eminentíssimos juizes.
“O que, todavia, houve de mais deplorável ainda, foi que, apesar
das queixas e reclamações, apesar das provas e evidências, das
ordens de Bento XIV e de uma sentença de trancamento que esse
pontífice fez baixar em 10 de maio de 1754, apesar de um segundo
decreto da mesma natureza, lançado por Pio VII em 25 de setembro
de 1822, a repugnância em se retratar ela mesma, ou ser pelo Papa
retratada, foi tão tenaz na congregação romana que, durante mais
de dois séculos e em oposição à verdade conhecida, esse tribunal
manteve o seu decreto sobre o catálogo do índex librorum prohibitorum.
“As obras que contêm as descobertas de Galileu e de Copérnico,
condenadas em 23 de agosto de 1634 com os qualificativos de
absurdas, de falsas, de heréticas, de contrárias às santas e divinas
Escrituras, não foram excluídas do índex senão na edição de 1832.
Aí permaneceram 201 anos.”
Léon Denis – Cristianismo e Espiritismo
Nenhum comentário:
Postar um comentário