a partir de maio 2011

domingo, 4 de dezembro de 2011

AVES DE RAPINA;J. HERCULANO PIRES * VAMPIRISMO




Uma das formas do vampirismo é a que transforma os homens em gaviões rapinantes, perigosas aves de rapina que vivem rondando gananciosos e insaciáveis o rebanho humano. Fascinados pelo dinheiro, deixam-se envolver pela ferrugem da usura, que os corroem sem cessar. Há dois tipos bem definidos no aviário humano: o gaviãozinho de vôo curto, rastaqüera, de olhos vivos à espreita, melífluo nos gestos e no falar, discreto e rápido nos golpes contra os haveres do próximo, e o gavião atrevido, de asas pontudas e compridas, que sabe pairar no ar, quase imobilizado em seu equilíbrio aéreo, para espreitar o rebanho descuidado. Formam ambos o complô da rapinagem e da usura. Segundo a lei geral do vampirismo, trazem na própria alma, ao nascer, as marcas do azinhavre de encarnações passadas na exploração dos semelhantes, mas trazem também o cortejo dos rapinantes viciados que os estimulam e deles se servem para saciar o vício da rapina pelas suas garras. A maneira do que ocorre na viciação sexual, possuem o instinto congênito da avareza e da ganância mas podem também contagiar se nos meios avarentos, conseguindo a rapinagem adquirida, quando trazem apenas tendências para esse campo da criminalidade.
São esses os açambarcadores da riqueza perecível dos homens. Tornam-se epidermicamente azinhavrados e adquirem uma tonalidade metálica de voz. Têm, no trato pessoal, a doçura maliciosa de um pároco e esfregam as mãos como se enrolassem notas para ocultá-las na concha das mãos, que Deus nos deu para colhermos a água das fontes. Dispõem de um faro especial para descobrir os focos de angústia e necessidade em que existem haveres para se empenhar. Espreitam durante meses e anos as pessoas que lutam com sacrifício para salvar uma pequena propriedade ou os derradeiros haveres de uma família em ruínas, desfechando o golpe no momento exato em que a vítima tem a corda no pescoço. Não a puxam, porque não é isso que lhes convém. Preferem salvar bondosamente a vítima, que poderá ser-lhes útil mais tarde e levar-lhes apenas os haveres. E quantas vítimas ficam agradecidas a Deus, que lhes enviou o socorro no momento exato da necessidade!
Mas os gaviões rapinantes pagam caro os seus prazeres mórbidos. São criaturas que sofrem as angústias da sua própria mesquinhez. Seus laços mentais, como certas algemas policiais, apertam-se automaticamente ao seu redor quando pretendem ampliá-los. O azinhavre da avareza lhes envenena o sangue e o ácido da usura os cega fatalmente. Passam para a vida espiritual como míopes ou cegos que não conseguem ver mais do que as miseráveis fascinações terrenas, como se não tivessem deixado o corpo carnal. Os gaviões atrevidos só encontram pela frente os seus rivais, que não se esquecem das disputas terrenas e formam com eles os bandos delirantes de vampiros do roubo, mutuamente se roubando e tentando criaturas fracas com as fascinações mentirosas do passado.
Nos sistemas de educação da Terra muito se poderia fazer contra esse flagelo, com métodos de observação e controle das tendências e vocações das crianças. Mas como dar à educação esse recurso preventivo, quando nem mesmo os mestres espíritas, em sua esmagadora maioria, não se sensibilizam com o ideal da Educação Espírita? Todas as tentativas para o desenvolvimento dessa Nova Educação morrem à míngua de interesse. Na educação familiar, onde a observação das crianças devia ser permanente, ninguém se lembra dessas questões e geralmente se acha graça nas manifestações ingênuas dos filhos, sem 40 / 59
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a menor atenção para as conseqüências futuras. Nas escolas de grau médio e superior o que se desenvolve com facilidade é a competição que prepara os estu-dantes para as disputas e as lutas em torno de prioridades e preferências. Tudo pode ser prevenido e evitado, mas os adultos não têm tempo para cuidar disso. Há um abismo entre a infância e a adolescência, de um lado, e os pais e mestres do outro. Um abismo tão profundo e fatal como o que separava o Rico e Lázaro na parábola evangélica. Enquanto não nos convencermos de que Kardec tinha razão ao afirmar que o problema da Terra é fundamentalmente de educação, não sairemos do círculo vicioso de um religiosismo egoísta. Se quisermos para os nossos filhos um mundo melhor, temos de melhorá-lo agora. Porque são eles que vão fazer o mundo de amanhã, não nós. Se quisermos livrá-los do vampirismo que, no sistema atual, tende a aumentarem progressão geométrica, temos de oferecer-lhes pelo menos a progressão aritmética de novos processos educacio-nais. Numa concentração de Mocidades Espíritas, em que, convidados para pronunciar uma palestra, tratamos do problema da Educação Espírita, uma pro-fessora espírita mostrou-se indignada e depois se retirou, virando-nos o rosto quando nos encontramos na saída. Informaram-nos depois que ela se agastara porque havia sustentado que a Educação Espírita era um absurdo. Outra jovem professora espírita apresentou uma tese ao III Congresso Educacional Espírita Paulista, contra a proposição do temário sobre a Pedagogia Espírita, e teve quem a defendesse no plenário. Com essa mentalidade, afundada (e não fundada) na mais completa ignorância das matérias básicas do seu próprio ofício, o professorado espírita só pode fazer o papel do cego do Evangelho que conduz outros cegos ao barranco. As numerosas escolas espíritas instaladas nos últimos anos no Brasil e particularmente em São Paulo estarão destinadas a perecer como inúteis. Somos caminheiros do deserto que rejeitam os oásis porque não acreditamos que nos oásis possa existir água.
Mas não é apenas no meio espírita que a situação se apresenta tão desastrosa. Um velho professor, em função de fiscalização do ensino médio, ao ouvir uma palestra do Prof. Ney Lobo, declarou-nos assustado: "Só agora aprendi qual é a diferença entre Educação e Pedagogia." Passara a vida ensinando o que não conhecia, pois colocara a rotina do ensino e de sua burocracia administrativa acima das questões culturais. Numa Faculdade de Direito (espírita) o diretor nos disse que não podia tratar de Espiritismo, por ser matéria extracurricular. Ignorava a existência de importantes trabalhos espíritas sobre o Direito, como a tese de Ortiz na Universidade de Havana, com que esse famoso discípulo de Lombroso conquistou a Cátedra de Direito Penal. Não queremos que uma Faculdade de Direito ensine o .Espiritismo, mas é evidente que, na matéria curricular de Direito Penal, a Faculdade Espírita tinha o dever de incluir uma informação valiosa e perfeitamente enquadrada nas exigências universitárias, tanto mais que Ortiz considerava, na tese, já também editada em português, a informação de que o Direito Penal Espírita estava avançado de um século sobre o comum. As escolas espíritas tem o dever de dar a contribuição doutrinária A Cultura atual que, segundo reconhecem os pedagogos mundiais, encontra-se em fase de mudança acelerada.
O receio de tratar de assuntos culturais espíritas nas próprias escolas espíritas constitui um dos muitos resíduos do preconceito contra o Espiritismo mantido pela Igreja durante séculos. Se os espíritas não lutarem contra esses resíduos, eles permanecerão em nossa cultura, com graves prejuízos para os estudantes que se formam em nossas escolas. Certos professores temem a fundação de uma Universidade Espírita — absolutamente necessária em termos 41 / 59
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de cultura — por simples medo do fato criar inquietações na área universitária, afetando-os de alguma maneira. Essa é uma atitude de comodismo e covardia, que depõe contra a convicção espírita e a integridade moral do professorado espírita.
Os graves problemas do vampirismo não serão resolvidos sem a ação corajosa dos espíritas em todos os campos da Cultura e da Educação. A própria Ciência, em seu desenvolvimento atual, já teve de penetrar nos problemas espíritas, particularmente nas áreas da Física e da Parapsicologia, comprovando de maneira definitiva a existência dos fenômenos mediúnicos e a sua importância para o conhecimento pleno e veraz do mundo em que vivemos e da verdadeira natureza e destino do homem.
Sem o reconhecimento científico da reencarnação, e portanto sem a possibilidade de se considerar a criança como um ser que já trás consigo, ao nascer, uma larga bagagem de experiências e conhecimentos nos arquivos do inconsciente, não se pode formular um conceito preciso do educando e da maneira por que ele deve ser orientado. O conceito espírita do educando como um reencarnado, permite a análise de sua condição atual no mundo humano, a com-preensão lógica de suas dificuldades e dos perigos que corre nesta nova existência. Por outro lado, o próprio fato de nós encontrarmos nas vésperas da Era Cósmica, de pesquisas e viagens espaciais, exige a introdução do estudo preparatório dos fenômenos paranormais nas escolas de todo o mundo. Uma Educação para a Era Cósmica requer a aplicação dos princípios fundamentais do Espiritismo nas escolas. A percepção extra-sensorial já foi considerada pelos norte-americanos e pelos russos como instrumento indispensável nas viagens siderais. Como provou Mitchel, na Apolo 14, com suas transmissões telepáticas da Lua para a Terra, só através da telepatia são possíveis as indispensáveis comunicações entre as naves espaciais a grandes distâncias. A preparação de astronautas exige a educação das faculdades paranormais dos candidatos.
Tudo se encadeia no Universo, como ensina Kardec, numa seqüência que a realidade impõe ao nosso conhecimento. E quanto mais descobrimos essa ver-dade, mais ela se projeta em todas as dimensões da nossa cultura: Q nascimento de uma criança, a sua educação e preparação para a vida, incluindo os pro-blemas do vampirismo, abrangem também toda a problemática da conquista do Cosmos e da nossa possibilidade de enfrentar e dominar as vastidões do Infinito com as faculdades paranormais (mediúnicas) que trazemos latentes em nossos espíritos e prontas a se desenvolverem. Só as criaturas desprovidas do mínimo senso comum não perceberão que a Era Cósmica também marca o advento da Era Espírita. Não são os governos do mundo, mas as leis de Deus que determinam esses progressos inevitáveis. Os homens tratam desses problemas pensando no aumento dos seus poderes, mas as leis naturais servem ao Poder de Deus.
O autovampirismo e o animismo se assemelham nas causas, no conteúdo e nos efeitos, sendo ambos considerados, no meio espírita (particularmente entre nós, no Brasil e em toda a América Latina) como elementos perturbadores da prática espírita, mas na verdade constituem processos de grande valia para o estudo doutrinário de elementos probantes dos princípios fundamentais da doutrina. Tanto num como noutro estamos diante de processos autofágicos, determinados pelo solipsismo, pelo ensimesmamento do ser, no seu apego natural a condições hipnotizantes das fases do onto-desenvolvimento. Por isso Jesus advertiu: "Quem se apega à sua vida, perde-la-á, mas quem a perde por amor de mim, esse a salvará." 42 / 59
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No autovampirismo a vítima de si mesma se come por dentro, devora e suga as suas entranhas. E esse um fenômeno tipicamente endopport-sensorial, excitado pelas sensações internas das exigências genéticas do corpo. O ritmo repetitivo da atividade sexual sobe da libido como um monstro esfaimado e insaciável, dominando todo o sensório e atingindo a mente, onde a visão espiritual é perturbada e contagiada, entregando-se ao delírio das imagens aluci-nantes de gozos e êxtases sensoriais. E a própria vítima que atrai, então, os vampiros que passam a assediá-la. Forma-se assim o círculo vicioso que leva a vítima à sua autodestruição. A coragem interna, carregada de forças hipnóticas, amplia-se e aprofunda-se com a infestação dos elementose exógenos atraídos e mantidos em cativeiro pela vítima. O esgotamento desta é controlado pelo envolvimento de outras vítimas. Por isso, o obsedado nazareno respondeu a Jesus, que perguntava pelo seu nome: "Eu me chamo Legião".
Esse terrível processo autofágico se eternizaria num crescendo alucinante, se Jesus não o detivesse com a sua autoridade espiritual. O importante é notar que todos os elementos desse processo vêm do passado, provando tragicamente, aos olhos dos pesquisadores a existência da reencarnação individual e em grupos e a necessidade dos trabalhos mediúnicos de desobsessão. Não conhecendo e não aceitando (anticientificamente) a realidade dessas situações, os psicólogos e os psiquiatras modernos não encontram meios de solucionar os casos que são le-vados às suas clínicas e acabam apelando para as tentativas absurdas e criminosas de revestir de uma normalidade falsa e de conseqüências fatais a condição evidentemente anormal e patológica das vítimas. Nas sessões espíritas, formando-se o ambiente mediúnico apropriado, o círculo vicioso é submetido à pressão das correntes de ectoplasma emanado dos médiuns (de que tratou o Dr. Geley) e dos fluxos de pensamentos benéficos e calmantes dos seus participantes. Dessa maneira, e com o auxílio das entidades superiores que atendem aos esforços fraternos das criaturas empenhadas no caso, a voragem negativa se desfaz, cabendo à vítima, dali por diante, não recuar na sua decisão de libertar-se. A sabedoria popular exprime essa situação no conhecido ditado: ``Ajuda-te, que o Céu te ajudará".
Nos casos de animismo nas manifestações espíritas comuns temos a mesma situação regressiva. O médium, caindo em transe, perde parcial ou totalmente o domínio da mente e mergulha nos resíduos de suas experiências passadas. Uma de suas personalidades anteriores reconstrói-se na sua afetividade subliminar e reponta na manifestação mediúnica. Richet, na França, e Ímoda, na Itália verificaram casos de sincronia de personalidades numa mesma manifestação, mais recentemente alguns parapsicólogos eminentes, como Carington (Cambridge) e Soal (Londres) verificaram a influência de padrões da memória projetando-se nas manifestações. Nos grupos de pessoas humildes, inscientes, essas manifestações seriam condenadas como anímicas e o médium sofreria a pressão do grupo sobre ele, como se estivesse fraudando.
No caso de manifestação de personalidades anteriores totais trata-se de uma catarse total, que Freud nem sequer sonhou. Essa personalidade, formada de lembranças subliminares, passa à consciência supraliminar e se manifesta por um motivo evidente: ela pesava na economia psíquica do médium e influía negativamente no seu comportamento atual. Ao invés de ser expulsa da sessão como figura perturbadora, devia ser tratada com a devida compreensão para se dissipar na memória do médium. Os casos de dupla personalidade pertencem, geralmente, a esse campo de interferências, quando não se enquadram simplesmente na classe das manifestações mediúnicas conscientes, por 43 / 59
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incorporações simples. Charcot analisou um desses casos ao vivo, numa de suas aulas, como relata Miguel Vives, mas recomendando aos discípulos que não se adiantassem na formulação de nenhuma teoria. O mestre se confessava na situação de Édipo diante dos enigmas da esfinge. Hoje, na Universidade de Moscou, o Prof. Wladimir Raikov investiga seriamente esses casos, afirmando que eles afetam pesadamente o comportamento de muitas pessoas que recorrem à Psiquiatria sem nada conseguir. A solução de todos esses mistérios é uma só: a mediunidade, que Kardec usou para abrir as portas do futuro à investigação científica séria.
Das aves de rapina às manifestações de dupla personalidade, e não raro aos casos de esquizofrenia, as pesquisas da Ciência Espírita e da Metapsíquica, e agora as da Parapsicologia, formam toda uma seqüência que não pode ser desprezada pelos que pretendem realmente ajudar o avanço científico. O desprezo por esse acervo riquíssimo demonstra, como dizia Kardec, a leviandade do espírito humano. Descartes advertiu os pesquisadores contra dois perigos fatais: a precipitação e o preconceito, lembrando ainda, que temos a tendência errônea de confundir a alma com o corpo. Os pesquisadores não lhe deram ouvidos e hoje assistimos ao pandemônio das mais lamentáveis confusões. Os sistemas caíram há muito tempo no campo filosófico, mas os sistemáticos procuram ainda sustentar a sua frágil e enganosa estrutura, opondo seus sistemazinhos de matéria plástica à dura e irredutível realidade dos fatos. Precisamos compreender que a teimosia humana sempre tem de ceder ante o avanço dos conhecimentos.
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