Aureliano Alves Netto
“Não deve existir erro privilegiado nem tão pouco sancionado” (Shopenhauer)
“O amigo Eudalbo Neves de Freitas, diz-nos que alguém lhe perguntou se é verdade que a Igreja Cató1ica, “até o Concilio de Constantinopla”, aceitava ou admitia a reencarnação” e, ainda, “se tinha sido a Imperatriz Teodora quem levara o dito Concilio a repudiar a idéia dos múltiplos renascimentos, vez que não desejava ocupar posição menos importante, de futuro”.
Confessa que, sobre o assunto, apenas se lembra de haver lido na revista 0 CRUZEIRO, de 23-9-71, este depoimento do Dr. Hamendra Nath Banerjee, parapsicólogo indiano: “Até o Concilio de Constantinopla, no século quarto, a igreja aceitava a reencarnação. resolveu não aceitá-la mais depois de uma votação em que a maioria dos representantes não compareceu, devido ao mau tempo. Se todos estivessem presentes, talvez a decisão não tivesse sido essa”.
Acontece que, dos quatro concílios realizados em Constantinopla (381,553,681 e 869), o primeiro coincide com a época citada pelo Dr. Banerjee, porém “contraria a estória da Imperatriz Teodora , que somente pode ter influenciado o de 553, se é que realmente influenciou”.
CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
É fora de dúvida que eminentes “Pais da Igreja” perfilavam a doutrina das vidas sucessivas. Em carta dirigida a S. Inácio, Ruffinus dizia que esta crença era comum entre os primeiros Pais”.
S. Jerônimo afirma que “a doutrina das transmigrações era ensinada secretamente a um pequeno número, desde os tempos antigos, como uma verdade tradicional que não devia ser divulgada”. Asseverava S. Gregório de Nissa que “há necessidade natural para a alma de ser curada e purificada e se ela não o foi em sua vida terrestre, a cura se opera pelas vidas futuras e subseqüentes”.
Comentando as palavras de Jesus referentes a “muitas moradas na casa de meu Pai”, escreve Orígenes: “O Senhor alude as diversas estações que as almas devem ocupar depois de terem sido privadas dos seus corpos atuais e de terem sido revestidas de outros”.
“Declare um cristão acreditar possível que um homem renasça noutro homem, e o povo reclama em grandes brados que seja lapidado. Entretanto, se foi possível crer-se na metempsicose grosseira, a qual afirmava que as almas humanas voltam em diversos corpos de animais, não será mais digno admitir-se que um homem possa ter sido anteriormente um homem, conservando sua alma as qualidades e faculdades
S. Agostinho, em Confissões. 1, VI, indaga: “ Não teria eu vivido em outro corpo, ou em qualquer outra parte, antes de entrar no ventre de minha mãe?” Muito tempo depois dos Concílios de Constantinopla, já no século XV, em pleno Vaticano , a Cardeal Nicolau de Cuza sustentava a pluralidade das existências e dos mundos habitados, com a anuência do Papa Eugênio IV.
Esclareça-se que o V Concilio Ecumênico foi o segundo concilio realizado em Constantinopla (553).
Observa Hans Santesson, em seu livro Tudo sobre a Reencarnação: “A exclusão da fé cristã dos ensinamentos sobre a preexistência da alma e, por implicação, da Reencarnação, data desse Concilio (553). (...) Os Santos Padres da Igreja, antes de Justiniano e mesmo antes de Constantino, aceitavam a reencarnação e nela acreditavam”.
Dos quinze anátemas propostos, o primeiro, aprovado tranqüilamente, estatuía: “Se alguém afirmar a fabulosa preexistência das almas e a monstruosa restauração que dela se segue, que seja anatematizado!”
A INFLUÊNCIA DE TEODORA
Teria a Imperatriz Teodora influenciado a decisão conciliar? É muito provável que sim. Antiga atriz e ex-amante de um governador provinciano, a insinuante mulher, “pequenininha, bonita e graciosa’, era, talvez, a personagem feminina mais atuante, naquela época, nos meios governamentais e clericais”.
Informa Hans Stefan Santesson: “Justiniano, teólogo no fundo, dedicava seu tempo livre a questões religiosas por amor a controvérsia e ao puro prazer de dogmatizar. A mais cosmopolita Teodora, consciente dos profundos problemas políticos subjacentes às variáveis e mutáveis discussões dos teó1ogos, persistiu firme no seu caminho, desafiando ousadamente o Papado e levando atrelado a ela o indeciso Justiniano mesmo após a sua morte.”.
Pelo que acabarmos de expor, evidencia-se que o Dr. Banerjee equivocou-se quanto à data do Concílio, que não foi o de Constantinopla realizado no século quarto (381), mas o II, que se realizou no século sexto (553).
E sobre a controvérsia nada mais temos a dizer, nem nos foi perguntado.
BIBLIOGRAFIA:
1 – O PROBLEMA DO SER, DO DESTINO E DA DOR - Léon Denis.
2- CRISTIANISMO E ESPIRITISMO - Leon Denis
3- COMO OS TEÒLOGOS RE FUTAM - MARIO CAVALCANTI MELO
4- TUDO SOBRE A REENCARÇÂO - Hans Stefan Santesson
5- ALMANAQUE ABRIL 1978
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