O Sr. Allan Kardec, exemplo de sabedoria, humildade e de gratidão, costumava fazer anualmente, na Sociedade espírita que dirigia, uma sessão especial comemorativa dos mortos. Tal exemplo pode ser seguido pelos espíritas sinceros que se importam com seus afetos mortos, sem esquecer daqueles a quem devem as instruções recebidas e a proteção durante a vida no corpo: os anjos guardiães e demais guias.
Vamos reproduzir abaixo algumas das comunicações que foram publicadas na Revista do Sr. Allan Kardec, obtidas nas Sessões Comemorativas dos Mortos.
O Dia de Todos os Santos
(Sessão de 1º de novembro de 1868, Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas)
"A festa de Todos os Santos, meus bons amigos, é uma festa que, para a maior parte dos que não possuem a verdadeira fé, os entristece e lhes faz derramar lágrimas, em vez de se alegrarem. Observai que desde a humilde choupana até o palácio, quando o dobre a finados lembra o nome do esposo ou da esposa, de um pai, de uma mãe, de um filho, de uma filha, eles choram. Parece que tudo está acabado, que eles nada mais têm a esperar aqui embaixo, contudo, eles oram! Que é, então, essa prece? É um pensamento dirigido ao ser amado, mas sem esperança. O choro abafa a prece. Por quê? Ah! É que eles duvidam; eles não têm essa fé viva que infunde a esperança, que vos sustenta nas maiores lutas. É que eles não compreenderam que a vida na Terra não é senão uma separação momentânea; numa palavra é que aqueles que lhes ensinaram a orar não tinham, também eles, a fé verdadeira, a fé que se apoia na razão.
"Mas é chegada a hora em que estas belas palavras do Cristo vão ser, enfim, compreendidas: "Meu pai deve ser adorado, não mais apenas nos templos, mas em toda parte, em espírito e em verdade." Tempo virá em que elas se realizarão. Belas e sublimes palavras! Sim, meu Deus, não sois adorado apenas nos templos, mas sois adorado no monte e por toda parte. Sim, aquele que molhou os lábios na taça bendita do Espiritismo, ora não só neste dia, mas diariamente; o viajante ora em seu caminho, o operário durante o seu trabalho; aquele que pode dispor de seu tempo o emprega no alívio de seus irmãos que sofrem.
"Meus irmãos, alegrai-vos, pois dentro de pouco tempo vereis grandes coisas! Quando eu estava na Terra, eu via a Doutrina grande e bela, mas eu estava bem longe de poder compreendê-la em toda a sua grandeza e em seu verdadeiro objetivo. Assim, vos direi: Redobrai de zelo; consolai os que sofrem, porque há seres que foram de tal modo afligidos durante a sua vida, que necessitam ser amparados e ajudados na luta. Sabeis quanto a caridade é agradável a Deus. Praticai-a, pois, sob todas as formas; praticai-a em nome dos Espíritos cuja memória festejais neste dia, e eles vos bendirão!"
H. DOZON.
"Depois das preces de costume, trinta e duas comunicações foram obtidas pelos médiuns presentes, em número de dezoito." (Allan Kardec)
Vamos reproduzir aqui apenas algumas dessas comunicações, indicando abaixo os links onde se poderá ler na íntegra o que foi publicado na Revista Espírita pelo Sr. Allan Kardec.
III
O perfume que exala de todos os bons sentimentos é uma prece constante que se eleva para Deus, e todas as boas ações são ações de graça ao Eterno. (SRA. VICTOR HUGO).
O devotamento pelo reconhecimento é um impulso do coração; o devotamento pelo amor é um impulso da alma. (SRA. DAUBAN).
O reconhecimento é um benefício que recompensa aquele que o merece. A gratidão é um ato do coração que dá, ao mesmo tempo, o prazer do bem àquele a quem se deve ser reconhecido, e àquele que o é. (VÉZY).
A ingratidão é punida como ação má pelo abandono de que é objeto, como a gratidão é recompensada pela alegria que proporciona. (LECLERC).
O dever da mulher é trazer ao homem todas as consolações e os encorajamentos necessários à sua vida de vicissitudes e penosos trabalhos. A mulher deve ser seu sustentáculo, seu guia, o facho que ilumina o seu caminho, e deve impedi-lo de falir. Se ela faltar à sua missão, será punida, mas se, malgrado o seu devotamento, o homem repele os impulsos de seu coração, ela é duplamente recompensada por haver persistido no cumprimento de seus deveres. (DELPHINE DE GIRARDIN).
A dúvida é o veneno lento que a alma faz a matéria absorver e da qual recebe o primeiro castigo. A dúvida é o suicídio da alma, que traz infalivelmente a morte do corpo. Uma alma suicidar-se é difícil de compreender. Mas não é morrer o viver na sombra, quando se sente a luz em volta de si? Afastai, pois, do vosso Espírito, o véu que encobre os esplendores da vida, e vede esses sóis radiosos que vos dão o dia: aí está a verdadeira luz; aí está o objetivo a que deveis chegar pela fé. (JOBARD).
O egoísmo é a paralisação de todos os bons sentimentos. O egoísmo é a deformidade da alma, que traspassa a matéria, fazendo-vos amar tudo o que a ela se dirige e repelir tudo o que se dirige aos outros. O egoísmo é a negação da sublime sentença do Cristo, sentença invertida ignominiosamente: "Fazei aos outros o que gostaríeis que eles vos fizessem." (PLÁCIDO).
A susceptibilidade, eis um defeito para uso de todos, e cada um, não ides dizer o contrário, dele está um pouco carregado. Ufa! Se soubésseis quanto é ridículo ser suscetível e quanto esse defeito torna desajeitado, eu vos asseguro que ninguém mais desejaria ser por ele atingido, porque se gosta de ser belo. (GAY).
O orgulho é o guarda-chuva social de todos e que cada um arroja sobre o gracioso amor-próprio; certamente é preciso ter amor-próprio e orgulho, é o que dá a ambição do bem (sem jogo de palavras), mas demasiado, estraga o espírito e corrompe o coração. (MANGIN).
A ambição, ele acaba de dizer, mas sabeis qual a ambição que não impede a alma de elevar-se para os esplendores do infinito? Pois bem! É a que vos induz a fazer o bem. Todas as outras ambições vos levam ao orgulho e ao egoísmo, flagelos da Humanidade. (BONNEFON).
"Meus caros amigos, os Espíritos que vos vêm falar, não só estavam felizes por manifestar sua presença, mas têm a alegria de pensar que cada um de vós esforçar-se-á para se corrigir e pôr em prática as sábias lições que vos deram e as que vos trazem em cada uma de vossas sessões. Crede, os Espíritos são para vós o que vossos pais foram ou deveriam ter sido. Eles repreendem quando vos aconselham e vos ajudam, e enquanto não os escutais, dizem que vos abandonam; revoltam-se contra vós, e logo depois de vos terem falado duramente, voltam vos encorajando e se esforçando para impelir constantemente os vossos pensamentos para o bem. Sim, os Espíritos vos amam como o bom pai ama a seus filhos; eles vos têm piedade, cuidam de vossos dias e afastam de vós todo mal que vos pode acontecer, como a mãe cerca o filho de todos os cuidados mais delicados, de todas as atenções necessárias à sua fragilidade. Deus lhes deu essa missão; deu-lhes a coragem para cumpri-la e nenhum desses bons Espíritos, seja qual for o seu grau na hierarquia espiritual, falhará na sua tarefa. Eles compreendem, sentem, veem esses esplendores divinos que devem ser a sua recompensa; eles vão adiante e desejariam levar-vos atrás deles, impelir-vos adiante deles, se o pudessem. Eis por que vos repreendem; eis por que vos aconselham. Por vossa vez, orai por eles, para que a vossa indocilidade não os impeça de continuar prodigalizando-vos seus benefícios, e que Deus continue a lhes dar a força de vos ajudar."1
SÃO LUÍS
(Médium: Sr. Bertrand)
(Sessão de novembro de 1864)
"Meus filhos, uma estreita comunhão liga os vivos aos mortos. A morte continua a obra esboçada e não rompe os laços do coração. Esta certeza enriquece o tesouro de amor derramado na Criação.
"Os progressos humanos obtidos a preço de sacrifícios dolorosos e de hecatombes sangrentas aproximam o homem do Verbo Divino e lhe fazem soletrar a palavra sagrada que, caída dos lábios de Jesus, reanimou a Humanidade desfalecente. O amor é a lei do Espiritismo; ele dilata o coração e faz amar ativamente aqueles que desaparecem na vaga penumbra do túmulo.
"O Espiritismo não é um som vão, caído dos lábios mortais e levados por um sopro. Ele é a fé poderosa e severa proclamada por Moisés no Monte Sinai, a fé afirmada pelos mártires, ébrios de esperança, a lei discutida pelos filósofos inquietos e que, enfim, os Espíritos vêm proclamar.
"Espíritas! O grande nome de Jesus deve flutuar como uma bandeira acima de vossos ensinos. Antes que fôsseis, o Salvador levava a revelação em seu seio, e sua palavra, medida prudentemente, indicava cada uma das etapas que hoje percorreis. Os mistérios cairão ao profético sopro que vos abre as inteligências, como outrora as muralhas de Jericó.
"Uni-vos pela intenção, como fazeis nesta reunião abençoada. A quente eletricidade desprendida do coração vence a distância que nos separa e dissipa os vapores da dúvida, da personalidade, da indiferença, que muitas vezes obscurece a faculdade espiritual.
"Amai e orai por vossas obras."
JOÃO EVANGELISTA
(Médium: Sra. Costel)
"Amigos e irmãos em Espiritismo, estais hoje reunidos para dirigir ao Senhor votos e preces por Espíritos que vos são caros e que aqui cumpriram a sua missão. Muitos dentre eles, meus caros amigos, realizaram essa tarefa dignamente e receberam a recompensa de seu trabalho nessa vida de expiação e de miséria. Oh! meus caros espíritas! Esses velam por vós; eles vos protegem e hoje participam dos vossos votos e das súplicas que dirigis ao nosso Pai comum. Na maioria estão entre vós, felizes por verem o recolhimento em que estais neste momento solene.
"Mas é sobretudo para os Espíritos que não compreenderam sua missão neste mundo de passagem que devem elevar-se os vossos pensamentos e as vossas preces. Oh! Esses necessitam que corações amigos, que almas compassivas lhes deem uma lembrança, uma prece, mas uma prece sincera, uma prece que suba ao trono do Eterno! Ah! Quantos desses Espíritos são abandonados, esquecidos, mesmo por aqueles que deveriam neles mais pensar, por parentes por vezes muito próximos! É que esses, meus amigos, não são espíritas; é que eles não conhecem o efeito que sobre o Espírito pode produzir a ação das preces. Não, eles não conhecem a caridade; eles não acreditam numa outra existência depois desta; eles creem que a morte nada deixa depois dela.
"Quantos, nestes dias de luto, com o coração frio e seco, vão aos túmulos dos que conheceram! Eles lá vão, mas por hábito, por conveniência; sua alma não sente nenhuma esperança; eles nem mesmo imaginam que essas almas para as quais eles vêm render uma homenagem lá estão, perto deles, e deles esperando uma prece vinda do coração.
"Oh! Meus amigos, fazei vós, por vossas preces, o que não fazem os vossos irmãos.
"Eles não veem na morte senão os despojos, o corpo, e esquecem que a alma vive para sempre. Orai, porque vossas preces serão ouvidas pelo Altíssimo.
"Um Espírito que pede também uma participação em vossas preces,
LALOUZE
(Médium: Sra. Lampérière)
Reproduzimos aqui parte de uma comunicação de Santo Agostinho, ditada na mesma sessão.
"Ah! Vossos caros mortos não esperaram este dia para virem a cada um de vós. Em todos os momentos não os sentis acercando-se de vós e vos dando, por essa voz que chamais consciência, os segredos castos e divinos do dever? Não os sentis aproximarem-se muito em vossas horas de tristeza e de desfalecimento? Eles vos dizem: Coragem! E sobretudo a vós, espíritas, eles vos mostram o céu e as inumeráveis estrelas que rolam sobre o seu azul, em sinal de aliança entre o Senhor e vós.
"Não, meus caros amigos, eles não vos deixam pelo pensamento. A ti, mãe, tua filha vem dizer: Eu parti primeiro, como se destaca do tronco vigoroso o galho quebrado pela tempestade, mas vivo ainda de tua seiva e de teu amor na imensidade, e neste rosário de pérolas que a minha alma carrega, não há algumas esmeraldas que me vieram de ti?
"Pai, ouço teu filho dizer: Parti para voltar a ajudar-te, em tuas preces, a melhor amar a Deus. Parti porque tua fronte não se inclinava diante do grande dispensador de todas as coisas; ele quis que te lembrasses dele, fazendo-te ouvir as modulações de além-túmulo pela voz de teu filho.
"Irmão, ouço teu irmão falar-te das vossas brincadeiras de outrora, de vossas lutas, de vossas alegrias, de vossos sofrimentos. Eu parti para o além antes de ti, diz ele, mas não estou morto. Eu te preparei o caminho: nele se encontra mais glória do que na Terra. Lança fora teu manto de púrpura e veste o burel para fazer a viagem, pois o Senhor ama a pobreza mais do que a riqueza.
"Eu escuto suaves suspiros responderem aos vossos suspiros; os do amante responderem à amante; os do esposo à esposa. Bela harmonia!
"Rejubilai-vos, pois! Quantas lágrimas felizes! Quantos tocantes impulsos! Esposas, senti vossas mãos pressionadas pelas mãos invisíveis de vossos esposos. A esta hora, eles vêm renovar a promessa de vos amarem para sempre; eles vêm dizer-vos o que eu mesmo vos disse: que a morte não rompe os laços do coração e que as uniões continuam no além-túmulo.
"Como eu gostaria de nomear todos esses mortos queridos, mas não posso. Escutai vós mesmos as suas vozes. Cada um de vós as reconhecerá no concerto sagrado que sobe ao Céu. Elas cantam juntas um canto de ação de graças ao Senhor."2
SANTO AGOSTINHO
(Médium: Sr. E. Vézy)
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1 Revista Espírita, dezembro de 1868 - Sessão anual comemorativa dos mortos.
2 Revista Espírita, dezembro de 1864 - Da comunhão do pensamento - Sessão comemorativa na Sociedade de Paris.
https://www.revistaespirita.net/pt-br/artigo/252/o-dia-de-todos-os-santos---comemoracao-dos-mortos