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domingo, 24 de fevereiro de 2019

Espíritas e mazelas sociais: o desafio do enfrentamento

Novos dados do IBGE mostram retrocesso na redução da desigualdade social; o que a Codificação orienta aos espíritas para enfrentar es
se difícil quadro social de mais de 55 milhões de irmãos necessitados

Uma triste notícia divulgada dia 5 de dezembro último, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), remete à atualidade das informações dos Espíritos Superiores constantes na Codificação Espírita, e nos desperta — ou pelo menos deveria — para as questões relativas à desigualdade social, mostrando, mais uma vez, que as mazelas sociais não são obra de Deus, mas da própria imperfeição do homem.
De acordo com o IBGE, após 15 anos, a desigualdade voltou a aumentar no Brasil — com exceção da Região Norte. O índice, de 0,8 pontos percentuais, dá conta que o número de cidadãos na faixa de extrema pobreza pulou de 6,6% da população em 2016 para 7,4% em 2017. Na estimativa, o instituto aponta que havia 15,2 milhões de brasileiros com renda inferior a 140 reais por mês em 2017 — contra 13,5 milhões registrados em 2016. 
O estudo técnico do IBGE apontou ainda que aumentou a proporção de pessoas abaixo da linha de rendimentos. De acordo com reportagem da tradicional revista Veja, em 2017, esse índice somava 26,5%, enquanto no ano anterior ficou em 25,7%. Os percentuais significam a variação de 52,8 milhões de pessoas para 54,8 milhões.
Critérios do Banco Mundial estabelecem que essas são pessoas com rendimento até 5,50 dólares por dia, ou 406 reais por mês. A maior parte desse contingente de irmãos nossos — mais de 25 milhões —, estava na Região Nordeste. E ainda pelo menos 27 milhões de brasileiros — 13% da população — vivem em domicílios inadequados.
Embora menos de um ponto percentual pareça pouca coisa, se pensarmos que existe ainda, no Brasil, um contingente de pelo menos 16 milhões de irmãos em total penúria e outros 55 milhões vivendo com menos de meio salário mínimo, é constrangedor para qualquer cidadão que se considere cristão neste atual momento do país.
Tomando como base esses números, alvo inclusive de reportagem da Veja, passa a preocupar a volta da fome e da desigualdade, quando o país, anteriormente, já parecia ter encontrado rumos, embora ainda tímidos ou iniciais, para a reversão desse quadro. O recrudescimento dos programas sociais, o chamado “custo-corrupção”, a adoção de políticas econômicas agressivas e limitadoras dos investimentos sociais, tudo isso aliado ao instável quadro político da nação, parecem ter atingido a todos em cheio, e principalmente, as camadas mais vulneráveis da sociedade.
Ao espírita, diante desse quadro, cabe reflexionar, como dito acima, na atualidade das considerações dos Espíritos Superiores, para os quais, a miséria e a fome são elementos originados no orgulho e no egoísmo, mazelas que fomentam a ideia de suposta superioridade entre algumas nações do planeta — tipo de pensamento, aliás, que cada brasileiro deve evitar.
Comentando a questão 930 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec aponta, já em 1857, que a culpa das desigualdades reside mesmo na imperfeição humana: “Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por culpa sua pode faltar o necessário”, assevera o educador Kardec. “Quando praticar a lei de Deus, terá uma ordem social fundada na justiça e na solidariedade, e ele próprio também será melhor”, sentencia. Na mesma questão, uma frase emblemática dos Espíritos deveria ser o norte de trabalho de cada espírita: “Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome.”
Essa admirável constatação kardequiana encontra ressonância em outro ponto do mesmo O Livro dos Espíritos: a questão 806. Consideram eles que a desigualdade das condições sociais “é obra do homem, e não de Deus”, mas que ela desaparecerá “quando o orgulho e o egoísmo deixarem de predominar”, pois “dia a dia gradualmente” as diferenças sociais se apagam. Uma única desigualdade, no dizer dos Espíritos, tende a restar numa sociedade cristianizada: a do merecimento.
Os Espíritos também atentam para o fato de que não há raças, nações ou etnias superiores, pondo fim a qualquer propósito ou justificativa de xenofobia: “Só o Espírito é mais ou menos puro e isso não depende da posição social”, lecionam. Nestes dias graves de Transição Planetária, pelos quais passam a nação e o mundo, cabe ao espírita refletir sobre esse recrudescimento social no Brasil — e seguir trabalhando no bem, dando sua cota para que a situação social seja enfrentada.
Ao espírita, cabe o entendimento mais amplo do que seja caridade. Não apenas a “tradicional”, a “caridade material”, da esmola, da cesta básica, da sopa, mas uma atitude permanente de “benevolência, indulgência e perdão”, consoante os Espíritos Superiores. Cabe, portanto, entender essa caridade convencional, da qual corriqueiramente lançamos mão para aplacar nossas crises de consciência diante das agruras e mazelas sociais ainda vistas e sentidas, como o ponto de partida para uma concepção mais ampla de beneficência.
Precisamos, claro, ter o entendimento de que a desigualdade das riquezas existe por conta da diversidade de aptidões dos seres humanos; que uma igualdade padronizada, forçada, seria impensável, impraticável e artificial. Ao mesmo tempo, porém, sabemos que os mecanismos das vidas sucessivas é que vêm esclarecer de maneira racional a causalidade das diferenças sociais — novamente recorrendo aos Espíritos Superiores, em O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Joanna: ação social não gera paternalismo
A sensatez dos Espíritos e do Codificador, entretanto, não pode servir de desculpas para que sejamos coniventes com as diferenças sociais. Alguns, no movimento espírita, se valem do racional argumento das vidas sucessivas e evitam o debate sobre a necessidade da luta pela igualdade. Para estes, é ponto delicado propor um debate contemporâneo sobre a justiça social e suas demandas. A nosso ver, entretanto, esse entendimento flerta com o comodismo.
Não é porque irmãos nossos — ou grupos ou nações — possuem débitos de anteriores existências, que se tornariam para sempre “párias sociais”, sem necessidade da devida atenção e esforços nossos, no sentido do enfrentamento da pobreza, por exemplo.
É interessante ver a opinião da mentora Joanna de Ângelis sobre o tema — opinião surpreendentemente contrária à visão de que a ação na caridade e os programas sociais do governo seriam “paternalismo”. Joanna, analisando do ponto mais alto do velador, sabe que esse argumento é baseado no senso comum, e acrescenta uma nova visão ao tema, através da pena mediúnica de Divaldo Pereira Franco.
No livro Episódios Diários, a mentora encanta ao lecionar que tanto a miséria socioeconômica, quanto a de natureza moral, são problemas que numa análise rápida, parecem insolúveis, por serem complexos. Mas a inércia ou a crítica diante deles não é a postura mais correta. “Não te escuses de auxiliar. Se não consegues ir à causa do problema, minimiza-lhe os efeitos”, considera ela. “Desde que não podes erradicar, de um golpe, a fome, a enfermidade, a ignorância, contribui com a tua quota de amor, por mínima que seja”, acrescenta.
A mentora ainda orienta eventuais críticos das ações visando a reduzir as mazelas sociais: “Afirma-se que esse gesto de amor gera o paternalismo, promove o vício... Não têm razão os que assim informam. Muitos males e alguns crimes são abortados quando uma atitude de amor interrompe o passo do infeliz que padece fome, desespero e dor... Somente quem aprende a abrir a mão, descerra o bolso, terminando por oferecer o coração. Faze o que te esteja ao alcance e a vida fará o resto.”
Portanto, a cada vez que sentirmos aquele vazio existencial que se nos avizinha de corações e mentes, lembremo-nos dos dados do IBGE. Pelo menos 15 milhões de irmãos brasileiros precisam muitos de nós outros. Talvez não tenhamos a possibilidade de instituir uma Mansão do Caminho; uma assistência permanente como a de Chico Xavier às pobres comunidades que o buscavam em Uberaba; ou ainda uma ação social ampla como a de Irmã Dulce. Mas, certamente, um passe, uma prece, um sorriso... um pedaço de pão, um litro de leite ou o estímulo a um programa social governamental se nos configuram como oportunidades de ouro para que sirvamos, conscientizando-nos que o imenso oceano inicia com uma minúscula gota.

- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Cosme Massi e equipe. Acesso em 05.12.2018. Disponível em www.kardecpedia.com.
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Cosme Massi e equipe. Acesso em 05.12.2018. Disponível em www.kardecpedia.com.
- FRANCO, Divaldo P. Episódios Diários. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 1.ed. Salvador: LEAL, 1985.
- Revista VEJA. Editora Abril. Acesso em 05.12.2018. https://veja.abril.com.br/economia/extrema-pobreza-aumenta-e-chega-a-152-milhoes-de-pessoas-em-2017/?utm_source=pushnews&utm_medium=pushnotification

https://www.oclarim.org/oclarim/materias/6114/revista/2019/Fevereiro/espiritas-e-mazelas-sociais-o-desafio-do-enfrentamento.html

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