a partir de maio 2011

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Inclusão nas instituições espíritas

Expositores, dirigentes, evangelizadores, voluntários ou colaboradores estão preparados?
 •  Marcos Paterra

Muito se ouve sobre a inclusão nas escolas e nas instituições empresariais, isso porque desde a década de 1990 o governo tenta conscientizar e implementar a inclusão, principalmente nas redes de ensino.
Foram lembrados os grandes nomes da história da pedagogia como Pestalozzi(1), Wallon(2), Maria Montessori(3), e finalmente houve a conscientização de que carinho, brincadeiras e atenção eram essenciais entre professores e crianças.
Baseando-se em princípios de Jean Piaget(4) e Vygotsky(5), muitos estudiosos abriram uma visão inclusivista, entre eles Adolphe Ferrière(6), visionário que semeava a “Escola Nova”(7) que chegou ao Brasil em 1882, pelas mãos do polímata(8) brasileiro Rui Barbosa(9), e exerceu grande influência nas mudanças promovidas no ensino na década de 1920, quando o país passava por uma série de transformações sociais, políticas e econômicas; com métodos construtivistas e portas abertas para todas as crianças, fossem negras, brancas, índias, pobres, ricas, deficientes físicas ou mentais, iniciou-se a inclusão.
Todavia, ainda hoje as dificuldades são grandes, principalmente devido ao fato de professores e diretores de escolas não terem ciência dos motivos e consequências desta metodologia. Os educadores em sua maioria ainda hoje usam o método tradicional e as escolas não tem estrutura para lidar com crianças deficientes ou o bullying(10) gerado pelo preconceito e racismo.
Sob essa ótica, podemos questionar se as instituições espíritas são inclusivas, se estão aptas a abrir as portas para o convívio com o “diferente”. Seria hipocrisia não comentar das instituições espíritas que têm trabalhos sérios de destaque, alguns para inclusão social, com creches e escolas que atendem crianças carentes, outros com atendimento médico ou psicológico para deficientes físicos ou mentais. A questão é: as crianças deficientes podem frequentar ou mesmo serem evangelizadas em qualquer instituição espírita?
Nos últimos anos está clara a adaptação das estruturas físicas das instituições para que possam receber cadeirantes; muitos livros já estão sendo adaptados para o braile(11) ou são transformados em audiobooks(12), todavia não estaríamos enfrentando os mesmos problemas que as instituições escolares? Nossos expositores, dirigentes, evangelizadores, voluntários ou colaboradores estão preparados?
Alguns podem indagar que o fato de recebermos pessoas com deficiência em nossas evangelizações nos torna inclusivistas, porém, são poucas as instituições que conseguem manter essas crianças com o olhar inclusivista. Elas no máximo as integram em um mesmo ambiente e muitas vezes não sabem lidar com as complexas situações que são geradas; em seu despreparo o centro espírita pode desencadear outros problemas e até mesmo agravar os já existentes, reforçando nessa criança o autoconceito negativo, a desmotivação, o desinteresse e outros mecanismos de defesa, como a indisciplina, rebeldia ou agressão.
Ocorre que os dois vocábulos, integração e inclusão, embora tenham significados semelhantes, são empregados para expressar situações de inserção diferentes e têm por detrás posicionamentos divergentes para a consecução de suas metas.
O processo de integração se traduz por uma estrutura educacional intitulada sistema de cascata, que oferece ao aluno a oportunidade, em todas as etapas da integração, de transitar no sistema escolar ou social. Trata-se de uma concepção de inserção parcial, porque a cascata prevê serviços segregados.
A inclusão se baseia em vários conceitos, dentre eles podemos frisar três em que é necessário que a criança: 
1. Seja uma pessoa que se encontra dentro de um grupo, no sentido de fazer parte;
2. Ou que tenha amigos e relações sociais significativas com iguais, ou sinta que participa na vida social, contribuindo com alguma coisa; 
3. Por fim que seja tratada com igualdade, carinho e respeito como a pessoa única que é.
Resumindo, ela tem que ser inserida de modo a sentir bem-estar pessoal e social. Fica evidente que a inclusão sem esses conceitos não assegura inclusão social; se as instituições não pensarem e agirem baseados nesses conceitos, as mudanças estruturais para deficientes não terão usuários com deficiência.
Enfrentamos uma paradigma cultural que vem dos conceitos eugenistas(13), onde o que é diferente ou deficiente deve ser “excluído”. Kardec em A Gênese(i) nos ensina: “[...] na reencarnação desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade” (Kardec, Allan. A Gênese, pág. 31).
O planejamento de políticas socioeducacionais na estrutura doutrinária e práticas pedagógicas inclusivas nas evangelizações, tendo como priori garantir a permanência, a formação de qualidade, a igualdade de oportunidades e o reconhecimento das diversas e complexas deficiências assim como orientações sexuais e identidades de gênero (e étnico-raciais), contribuem para a melhoria do contexto dentro das instituições espíritas.
Adenáuer Novaes em sua obra Mito Pessoal e Destino Humano(ii) nos brinda com essa frase:
“Ser espírita não significa apenas adotar uma postura cordata diante da vida, acomodando-se a pequenas conquistas, muito embora importantes, no campo da educação doméstica. A insatisfação quanto à injustiça, à ignorância e às misérias humanas devem permanecer na consciência de todos que adentrem o Espiritismo. O processo de transformação assinalado pelo Espiritismo como fundamental a todo espírita, inclui, além de seu próprio mundo interno, sua participação na construção de uma sociedade mais equilibrada e harmônica. Não basta ele sozinho se transformar interiormente, sem uma efetiva participação nas mudanças que a sociedade requer. Sua consciência de cidadão, pertencente ao mundo, deve alertá-lo quanto ao seu papel social” (NOVAES. 2005. P. 144(14)). 


1. J. Heinrich Pestalozzi, Educador suíço. Grande inovador, estabeleceu as bases da pedagogia moderna com seu sistema de ensino prático e flexível.
2. Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879 - 1962) foi filósofo, médico, psicólogo e político francês.
3. Maria Montessori (1870 - 1952) foi médica, pedagoga e feminista italiana. Conhecida pelo método educativo que desenvolveu e que ainda é usado hoje em dia em escolas públicas e privadas mundo afora.
4. Jean Piaget foi um renomado psicólogo e filósofo suíço, conhecido por seu trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil. Piaget passou grande parte de sua carreira profissional interagindo com crianças e estudando seu processo de raciocínio. Seus estudos tiveram um grande impacto sobre os campos da Psicologia e Pedagogia.
5. Lev Semionovich Vygotsky (1896 - 1934), professor e pesquisador, foi contemporâneo de Piaget, e nasceu e viveu na Rússia; autor de dois livros básicos: Pensamento e Linguagem e A Formação Social da Mente, tornaram-se um marco nos estudos do desenvolvimento humano.
6. Adolphe Ferrière (1879 - 1960) foi pedagogo suíço cujo trabalho está estreitamente ligado ao movimento da Escola Nova, como um dos seus fundadores e eventualmente o seu maior ideólogo.
7. Escola nova, também chamada de Escola Ativa ou Escola Progressiva, foi um movimento de renovação do ensino, que surgiu no fim do século XIX e ganhou força na primeira metade do século XX.
8. Polímata (do grego πολυμαθής, transl. polymathēs, lit. “aquele que aprendeu muito”) é uma pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área. Polímata: alguém que detém um grande conhecimento.
9. Ruy Barbosa de Oliveira (1849 - 1923) destacou-se principalmente como jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador. Um dos intelectuais mais brilhantes do seu tempo; foi um dos organizadores da República e coautor da constituição da Primeira República
10. Bullying (anglicismo, bullying, pronuncia-se AFI: [ˈbʊljɪŋ]) é um termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (do inglês bully, tiranete ou valentão) ou grupo de indivíduos causando dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder.
11. Braille ou braile: sistema de leitura com o tato para cegos inventado pelo francês Louis Braille no ano de 1827 em Paris. 
12. Audiobook, áudio-livro ou livro falado é uma gravação do conteúdo de um livro lido em voz alta.
13. Eugenia é um termo cunhado em 1883 por Francis Galton, significando “bem nascido”. A eugenia é a filha dileta de Darwin: se as espécies se transformam por seleção natural, há raças inferiores e raças superiores.
14. Cap. “O Espiritismo e o sentido da vida”.

i. KARDEC, Allan. A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. Ed. FEB. Rio de Janeiro. 2007.
ii. NOVAES, Adenáuer Marcos Ferraz. Mito Pessoal e Destino Humano. Ed. Fundação Harmonia. Salvador. 1999

http://www.oclarim.org/site/

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