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terça-feira, 17 de junho de 2014

E Jesus tinha primo?

   Até hoje, muitos são os esforços investidos por parte dos pesquisadores para encontrar a família desaparecida de Jesus. As citações acerca dos parentes do nazareno são poucas, mas sabe-se, pelo estudo da sociedade à época, que apesar da mão de obra de trabalhadores livres ser facilmente encontrada nas praças dos pequenos burgos e vilarejos, as mulheres reproduziam muitos filhos e filhas e estes terminavam por ajudar nas atividades do pastoreio, da pesca, do plantio, da colheita e da construção civil. Marcos é uma excelente fonte para conhecermos, inclusive, os nomes do irmãos de Jesus e Paulo de Tarso também resolve este dilema, colocando Tiago como "irmão do senhor".
  Para a Teologia Cristã não é interessante que o Jesus Divino, nascido de uma virgem, e que subiu aos céus com corpo e tudo, venha a ter irmãos. Graças a isto, São Jerônimo foi um dos primeiros responsáveis a substituir os "irmãos", por "primos". Uma das teorias criadas pela Igreja foi a de colocar os irmãos de Jesus, como meio-irmãos por parte de pai, tecendo a bela estória de que José era viúvo e trouxera para o casamento com Maria, os seus filhos.
Segundo a narrativa bíblica, em Lucas 1,v36, Maria tinha uma "parenta" de nome Isabel, e depois, mais uma vez, a Igreja resolveu dizer que ela era prima de Maria. Bem, o texto não fala se era prima, mas diz que Isabel à semelhança de Sara, mulher de Abraão, era estéril e já estava em idade bastante avançada.
Seu marido, um ancião, foi visitado por Gabriel, o anjo mais desocupado que existe no céu, pois vive aparecendo na história de todo mundo, e com esta visita revelara a Zacarias que ele seria pai. Como Zacarias teria duvidado, da mesma forma que Sara também duvidou da sua gravidez, o anjo que era um "anjo de pessoa", perdeu a paciência com ele e o amaldiçoou, deixando o pobre do velhinho mudo até o dia do nascimento da criança.
  A criança recebeu o nome de Iohanân, ou como a conhecem os ocidentais cristãos, João, o Batista. O sentido mais exato seria chamá-lo de João, "o imersor", ou "o que mergulha", pois segundo os evangelhos ele mergulhava os judeus nas águas do rio Jordão. O batismo é um arranjo posterior para fidelizar aqueles que deverão ir para o céu. O ritual dos mergulhos era um simbolismo de purificação, muito comum entre os judeus.
  Nos dias de hoje, João seria visto como um lunático, pois se o víssemos de pé, à margem do rio Capibaribe ou do São Francisco, ou quem sabe na lagoa Rodrigo de Freitas, vestido de pele de animal, com uma tira de couro amarrada em sua cintura, empurrando a cabeça das pessoas na água e gritando: "arrependei-vos!", não teríamos dúvidas de pedir, no mínimo, que ele fosse frequentar um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial).
  Porém, para a conjuntura social daquele momento, João era, entre tantos que se multiplicavam naquela região, um dos que se posicionava como profeta. Todavia, segundo as escrituras, ele seria o antecessor do Messias. Em verdade, ele poderia ser considerado o próprio Messias. O discurso político, religioso, crítico e diferenciado fez com que o povo logo fosse envolvido por seu carisma. Trazia, também, os dons proféticos necessários à aceitação social, ao lado de uma mensagem essencialmente escatológica e messiânica.
  A maneira de se vestir semelhante a de Eliyahou (Elias), a alimentação à base de gafanhotos, inseto rico em vitaminas e até hoje preferido por muitos árabes, sua postura asceta e os rituais de banho fazem com que o confundamos com um essênio, mas o seu destaque é no verbo quente e livre.
  O encontro dele com Jesus, provavelmente não se deu pela primeira vez no rio Jordão. Ao que tudo indica, quando analisado e comparado o discurso de João com o de Jesus, bem como o estilo de vida simples, muitos estudiosos defendem a tese de que Jesus já deveria fazer parte do grupo do "imersor". Além do que, João era muito famoso!
  O São João que conhecemos nada tem haver com o filho de Isabel e Zacarias. Não há registro bíblico da estorinha da fogueira, muito menos de que ele vive dormindo. A fogueira sempre foi usada por antigos povos pagãos, como os egípcios, os celtas e sumérios para a comemoração do solstício de verão que ocorria entre 21 e 22 de junho. Neste período, o dia era  mais longo e a noite mais curta, então na opinião de alguns estudiosos, haviam ritos e danças para estimular a fertilização da terra, com fins de garantir uma melhor colheita. Também entre os romanos, como observavam que a noite era menor, nasceu a crença que aquele era o dia de pouca influência dos demônios. Assim, acendiam fogueiras e produziam bonecas de milho em homenagem à deusa Juno. Com isso, as bonecas do ano anterior eram queimadas e novas bonecas eram feitas.
  Como sempre, a religião e seus mitos escondem mais verdades do que possa conceber a própria História. Porém, há uma verdade além do mito e que se encontra no homem fascinante que foi João, "o imersor". O seu grande desejo de transformar a realidade humana para melhor. A sua crença no homem e em sua possibilidade de reavaliar a  trajetória, abandonando os atalhos, a fim de regressar a sua essência. E foi em nome deste ideal que ele pagou com a própria vida! João foi preso na fortaleza de Maqueronte por ordem de Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, que se sentia ameaçado com suas palavras e, sem qualquer julgamento, João foi decaptado.

   Talvez não haja mais bela definição acerca de Iohanân do que a poesia que saiu da boca de seu "primo" Jesus: 
  "Saístes para contemplar o que no deserto? Um caniço pelo vento agitado?
  Mas saístes para ver o quê? Um homem vestido com roupas delicadas?
  Mas aqueles que vivem em roupa suntuosa e no luxo estão na corte.
  Mas saístes para ver o quê? Um inspirado?
  Certamente! eu vos digo, e mais do que um inspirado!" Mateus 11, v7-9
por Liszt Rangel  


 

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