a partir de maio 2011

terça-feira, 3 de junho de 2014

Decênios fechados

Grandes personalidades da história comemoram decênios fechados em 2014.
 •  Orson Peter Carrara 

No mesmo ano em que vivemos as alegrias pelos 150 anos de lançamento de O Evangelho Segundo o Espiritismo – que ocorreu em abril de 1864 –, cuja data ensejou a realização do Congresso Espírita Brasileiro, promovido pela Federação Espírita Brasileira simultaneamente em quatro capitais do país, e júbilos intensos em todo o movimento espírita com eventos de pequeno e grande porte, lançamentos de livros, debates diversos para mais estudar a obra e especialmente a divulgação abrangente que tais iniciativas proporcionaram, encontramo-nos com outras efemérides comemorativas e coincidentemente com decênios fechados, dentro e fora da história do Espiritismo no planeta.
É o caso, por exemplo, dos 450 anos de nascimento de William Shakespeare – o famoso poeta e dramaturgo inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo, nascido em 23 de abril de 1564. Ou ainda os 280 anos de nascimento de Franz Anton Mesmer, médico e consagrado estudioso do magnetismo, que nasceu em 23 de maio de 1734. Ou será que o leitor prefere os 290 anos da desencarnação de Bartolomeu de Gusmão?
Tais personalidades, por si só, já ensejam pesquisas de abrangência sobre referidas biografias e expressivos legados oferecidos à cultura e ao conhecimento humanos. Mas há outras personalidades de grande expressão na mesma ocorrência comemorativa com decênios fechados que, pela quantidade, relaciono abaixo:
Comemora-se em 2014 o centenário de Irmã Dulce, chamada o “anjo bom da Bahia”, que nasceu em 26 de maio de 1914, e de José Herculano Pires, “o metro que melhor mediu Kardec”, nascido em Avaré, no interior paulista, em 25 de setembro de 1914.
Nos dois casos, a dedicação ao bem – como é o caso de Irmã Dulce – e a lucidez pela preservação da essência doutrinária do Espiritismo – no caso de Herculano, autor de dezenas de livros, jornalista, filósofo, escritor, entre outras habilidades e formações. O estudo das ações que empreenderam em favor do bem vale amplo estudo.
Mas não é só. Neste ano também registramos os 30 anos de desencarnação de Yvonne Pereira (9 de março de 1984), Clóvis Tavares (13 de abril de 1984) e Deolindo Amorim (24 de abril de 1984), ícones da literatura espírita, e os 80 anos de desencarnação de Humberto de Campos – consagrado jornalista e escritor brasileiro –, que retornou à Pátria Espiritual em 5 de dezembro de 1934 e continuou seu intenso trabalho por meio da psicografia, produzindo notáveis obras para divulgar e comentar o Evangelho.
Também em 2014 registramos os 210 anos de nascimento (3 de outubro de 1804) de Hippolyte Léon Denizard Rivail, que mais tarde usaria o pseudônimo de Allan Kardec para publicar as obras da Codificação Espírita. Nesta temos a obra O Evangelho Segundo o Espiritismo, referida no início da presente abordagem e que também comemora com decênios fechados os 150 anos de publicação (abril de 1864).
Também a Federação Espírita Brasileira, conhecida como a “casa-máter do Espiritismo no Brasil”, foi fundada em 2 de janeiro de 1884 (130 anos) e transferiu sua sede administrativa para Brasília, capital do país, em 1984 (30 anos), além de lançar no mesmo ano o conhecido ESDE – Estudo Sistematizado de Doutrina Espírita.
Tais datas são inúmeras e o leitor poderá encontrar a lista completa no site da FEB (www.febnet.org.br/blog/geral/noticias/lista-de-datas-comemorativas-de-2014) na matéria Lista de datas comemorativas em 2014, entre as quais não há como deixar de citar ainda: 100 anos de desencarnação de Casimiro Cunha, 130 anos de nascimento de Cornélio Pires, 70 anos de lançamento de Nosso Lar e Os Mensageiros, de autoria do Espírito André Luiz e que deram origem à conhecida Série Nosso Lar.
Muito mais, todavia, que coincidência numérica, o que o Espiritismo oferece para estudar essa convergência histórica de datas tão marcantes? Como ampliar a questão? É mera coincidência ou temos algo mais a extrair desta circunstância?
Primeiramente tais datas motivam a pesquisa sobre as personalidades e instituições, o trabalho que executaram e o legado que deixaram: exemplos, estudos, pesquisas, dados biográficos, localidades onde atuaram, influência que exerceram, conteúdo de obras etc., são apenas alguns dos itens que podem nortear pesquisas e até mesmo defesas de teses, ou simplesmente motivar o estudo.
Mas, na presente abordagem, o que nos interessa é o pensamento espírita. O que diz o Espiritismo sobre isso? Afinal, as coincidências de datas e combinações numéricas chegam a influenciar a vida humana?
Fomos pesquisar na Revista Espírita, publicada por Kardec no período de 1858 a 1869, onde há fonte inesgotável para pesquisas e estudos que o Codificador transformou em verdadeiro laboratório para seus estudos da fenomenologia e ensinos do Espiritismo. Encontramos na edição de julho de 1868 as reflexões sobre o tema, em páginas de grande lucidez e prudência, conforme recomenda a Doutrina.
A edição em referência traz como sua matéria de abertura o artigo A Ciência da Concordância dos Números e a Fatalidade. Já no primeiro parágrafo, Allan Kardec afirma que por diversas vezes foi indagado sobre o que pensava a respeito da concordância dos números e se dava valor a essa ciência. Respondeu, no próprio texto e de início, que jamais havia se ocupado dela, embora tenha notado as concordâncias e coincidências de datas e acontecimentos, mas em pequeníssimo número para conclusões. Com todo seu cuidado de raciocínio e observação afirma ainda que “(...) porque não se compreende uma coisa, não é motivo para que ela não exista”.
Pondera que “A natureza não disse a sua última palavra, e o que hoje é utopia, poderá ser verdade amanhã. Então pode ser(1) que entre os fatos exista uma certa correlação, que não suspeitamos, e que poderia traduzir-se por números”. E conclui o raciocínio no segundo parágrafo do texto: “Há fatos sobre os quais temos uma opinião pessoal; no caso de que se trata, não temos nenhuma, e se nos inclinássemos para um lado, seria antes para a negativa, até prova em contrário”.
O texto todo é um primor de prudência. Observemos outro parágrafo: “(...) O Espiritismo, que assimila todas as verdades, quando estas são constatadas, não irá repelir esta. Mas como, até o presente, essa lei não é atestada, nem por um número suficiente de fatos, nem por uma demonstração categórica, com ela devemos nos preocupar tanto menos quanto ela só nos interessa de maneira muito indireta (...)”. Porém, expôs a questão aos Espíritos num grupo muito sério e obteve a seguinte resposta: “Há, certamente, no conjunto dos fenômenos morais, como nos fenômenos físicos, relações baseadas em números. A lei da concordância das datas não é uma quimera; é uma das que vos serão reveladas mais tarde e vos darão a chave das coisas que vos parecem anomalias. Porque, crede-o bem, a natureza não tem caprichos; ela marcha sempre com precisão e passo seguro. Aliás, esta lei não é tal qual imaginais; para compreendê-la na sua razão de ser, no seu princípio e na sua utilidade, necessitais adquirir ideias que ainda não tendes(1), e que virão a seu tempo. Pelo momento, este conhecimento é prematuro(1), razão por que não vos é dado. Então seria inútil insistir. (...) Trabalhai sobretudo no vosso adiantamento moral, porque é por este merecereis possuir novas luzes”.
Na sequência, Kardec diz ser da mesma opinião e afirma que o princípio da concordância das datas é inteiramente hipotético, no que também temos que concordar em função dos progressos alcançados pela Ciência. Mas, neste ponto, conforme ponderações do Codificador no mesmo texto, há que se ressaltar que a experiência demonstra que na natureza muitas coisas estão subordinadas a leis numéricas, suscetíveis do mais rigoroso cálculo. Como negar a precisão matemática que move o Universo e a presença marcante de cálculos em todas as áreas do conhecimento humano e da própria vida em si?
Colocado o mesmo questionamento do ponto de vista moral, ficamos com Kardec que afirma ser presunção fazer-se tal afirmativa, sem dados mais precisos no momento evolutivo que nos encontramos. O que se pode afirmar, sem medo de errar e conforme os ensinos da Doutrina Espírita, que todo ato praticado livremente gera consequências inevitáveis, compatíveis com a natureza da ação praticada. E isto é verdadeiramente o que mais nos interessa de perto, daí o Codificador ter relacionado o assunto com a questão da fatalidade, cuja abordagem específica merece outra abordagem.
Verifique-se, entretanto, as conquistas da atualidade em qualquer área que se queira analisar. Em todas estão presentes os números, os cálculos. Estude-se os conflitos – individuais, coletivos ou internacionais –, os dramas e quedas morais. Nestes não há números, mas há a iniciativa pessoal – às vezes até motivada no interesse por números e cálculos – ou a liberdade individual e coletiva de agir em prejuízo ou benefício do próximo. Aqui entra a questão moral, que deve prevalecer sobre a frieza dos números. Estes são instrumentos neutros, a serviço da evolução e conduzidos pela decisão de quem os manipula.
Reflexão mais demorada sobre a harmonia do Universo e as Leis de Deus demonstram sua utilização racional em favor da magnitude da Obra de Deus.
Quanto, porém, à coincidência de datas ou suposta influência de números na vida humana, deixemos que o tempo responda. Sejamos ponderados, prudentes, e usemos o bom senso como recomenda a Doutrina Espírita, este luminoso farol a conduzir nossos passos. Preferimos ficar, por enquanto, na admiração da precisão matemática que governa o Universo.

1. Grifos do autor.

http://oclarim.org/site/

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