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sábado, 19 de abril de 2014

Cristo e Jesus - Diferenças importam?

  Há muito tempo, um certo galileu esteve nesta pequena esfera solta no Universo. De onde veio e para onde foi, não se sabe. Entretanto, sua presença foi tão marcante que muito foi feito para desfigurá-lo. Sua mensagem foi adulterada e sua bela históriade vida foi modificada para dar lugar às narrativas folclóricas, mitológicas e lendárias.
  Onde nasceu, quem foi, se teve irmãos, como viveu, se casou e teve filhos, ou como morreu, são perguntas que estão sendo lentamente respondidas por críticos textuais, exegetas, teólogos e historiadores que se dedicam há décadas a procura do Cristo da Fé e do Jesus Histórico. A distância entre um e outro é imensa. Quem sabe seja a mesma que divide tanto pelo tempo quanto pelo ódio, judeus e cristãos, cristãos e muçulmanos.
   O Cristo da Fé não tem pai biológico. Ele foi gerado por obra e graça do Espírito Santo e à semelhança dos heróis gregos que nasciam de mães virgens que eram fecundadas por Zeus, sua mãe ofereceu ao mundo "o filho bem amado" de Deus. O Jesus Histórico é filho de Miriam e Yussef, e sua mãe, ainda uma menina, foi prometida em casamento. Como ocorria com todas as judias, por volta dos 13 ou 14 anos, deveria estar preparada para as núpcias e deve ter sofrido muito com as dores do parto de seu primogênito, bem como de seus outros filhos e filhas.
  O Cristo da Fé nasceu no dia 25 dezembro, a mesma data de nascimento de outro Messias, Hórus, e do deus pagão, Mitra. Porém, nos próprios evangelhos de Mateus e Lucas, há controvérsias. Segundo o primeiro, ele nasce no reinado de Herodes e de acordo com Lucas, ele nasce no ano 6 d.C, ou seja, Herodes já estava morto há pelo menos 10 anos. Todavia, para O Jesus Histórico não há data de seu nascimento, nem há registros históricos, o que não implica dizer que ele não tenha existido. Se for tomada, parcialmente, como verdadeira a narrativa de Mateus, ele deve ter nascido entre 7 e 5 a.C. 
  O Cristo da Fé nasceu na manjedoura de Belém, cercado de animais e foi visitado por homens ricos vindos do Oriente. O Jesus Histórico nasceu em alguma casa simples nas cercanias de Nazaré e provavelmente teve como visita, vizinhos e amigos de seus pais, talvez os parentes de sua mãe e quando completou oito dias de nascido teve o prepúcio arrancado, ou seja, como bom judeu foi circuncidado. 
  O Cristo da Fé escapou ainda bebê com seus pais para o Egito, a fim de não ser morto por ordem de um rei corrupto. Por outro lado, o Jesus Histórico passou a sua infância em Nazaré e teve que crescer, vendo seus conterrâneos sendo miseravelmente humilhados, perseguidos e crucificados em suas terras. Desde pequeno deve ter se assustado com a violência romana e com os assaltos que homens judeus, galileus e samaritanos foragidos realizavam nas caravanas para poderem sobreviver.
  O Cristo da Fé teve uma infância no reino da fantasia, onde ele dava vida à pássaros de barro, ou mandava as palmeiras se curvarem para alimentarem a "Mãe Santíssima", conforme narram escritos apócrifos. O Jesus Histórico não teve a compreensão de sua mãe, haja vista não a vermos entre seus adeptos, e ao que parece não teve a simpatia de todos os seus irmãos. Também lhe foram antipáticos, seus conterrâneos, o que o obrigou a viajar constantemente para outras cidades e até a morar fora de Nazaré.  
  O Cristo da Fé fugiu de casa aos 12 anos, não se sabe para onde, e só reapareceu após os 30. Já o Jesus Histórico, como filho mais velho de uma família numerosa, composta por pelo menos 9 pessoas, incluindo seus pais, teve que dar duro, trabalhando nas pedreiras de Nazaré ao lado de seu genitor Yussef e não devem ter sido poucas as vezes que suas mãos calejadas, sangraram.
  O Cristo da Fé caminhou sobre as águas, ergueu paralíticos, limpou leprosos, multiplicou pães e peixes e ainda se escondeu nas montanhas para ser tentado pelo diabo. O Jesus Histórico conhecia a tradição de seus párias, os antigos hassidim, que curavam também cegos, usando saliva, como ele fizera com um às portas de Jericó e também compreendia que havia na doença uma relação com a influência de espíritos impuros. 
  O Cristo da Fé, como um mágico, convida estranhos para lhe seguirem. O Jesus Histórico oferece seus serviços de construtor de casa e de carpinteiro pelas pequenas aldeias e assim ele vai fazendo amigos. Alguns o seguem, um outro pode tê-lo chamado para morar em sua própria residência, em Cafarnaum, porém, há outros, como as mulheres de Jerusalém que patrocinam suas viagens, e ainda há aqueles outros que apenas o acolhem em casa para que ele não durma ao relento. Todavia, quando precisava, se cobria com as próprias vestes.
  O Cristo da Fé impõe aos pagãos para que sejam batizados e se convertam a sua religião, o Cristianismo, se quiserem ir ao Reino de Deus. Sua fé é intolerante e ainda de forma arrogante ele se diz o "Caminho, a Verdade e a Vida" e que ninguém irá ao Pai se não for por ele. Diferentemente, o Jesus Histórico não pede nada em troca e põe na vivência do amor como um caminho que pode levar a descoberta de uma verdade e de um sentido para a vida que os seus amigos procuravam. Ele lhes diz que era preciso "vestir os nus, alimentar os que tinham fome, visitar os doentes e prisioneiros".
  O Cristo da Fé se considerava o Messias e morreu na cruz para nos salvar. O Jesus Histórico não aceitava ser chamado de Messias, nem de rei e se morreu na cruz foi justamente por não ter ficado calado diante da corrupção que adentrara até a intimidade do Templo e por seu povo pobre continuar sendo enganado pela religião.
  Pois é... e ainda tem gente que acha que estes detalhes não importam! 
  Quanta diferença e por que não dizer quanta distância entre o Cristo da Fé e o Jesus Histórico? Talvez seja a mesma que dista da vida dos cristãos capitalistas que se sentam à mesa farta e trocam suas "lembrancinhas", da vida miserável e abandonada dos filhos esquecidos do Cristianismo, aqueles de ontem, de hoje e de amanhã que não serão visitados pelo Papai Noel da Coca-Cola, muito menos serão abraçados pelo Cristo da Fé, porque seus braços estão crucificados.
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por Liszt Rangel


 

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