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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

ÉTICA E PROGRESSO

Escreve: Deolindo AmorimEm: Outubro de 2013


Assim como o organismo humano e o organismo animal estão sujeitos a doenças, muitas vezes incuráveis e dolorosas, também o organismo social adoece em pequena ou grande escala. Por isso mesmo, há uma disciplina que se ocupa justamente das doenças da sociedade: a Patologia Social. É matéria, principalmente, do interesse dos sociólogos, antropólogos e especialistas em Psicologia Social.
Mas, não se deve estabelecer analogia entre as doenças da sociedade e as doenças do ser humano, individualmente, como já se fez noutros tempos. Sim, noutros tempos, porque havia em determinados círculos intelectuais, a bem dizer no apogeu da concepção positivista, a ideia de que os fenômenos sociais têm correspondência com os fenômenos biológicos. Então, as doenças do indivíduo e as da sociedade poderiam ser consideradas analogicamente. E não faz mal lembrar que, por influência desse pensamento, a Psicologia ficou “enquadrada” na Biologia por muito tempo, tendo-se tornado ciência autônoma à custa de muita discussão e, assim, pela força mesma das coisas.
É certo que a sociedade, com os seus desequilíbrios, concorre muito para que indivíduos e grupos adoeçam. Vive-se, hoje, por exemplo, em constante estado de tensão, porque a maioria está ficando cada vez preocupada com a poluição nos grandes centros urbanos, a “disparada” do custo de vida, a insegurança nas ruas, nos ônibus, no trabalho e até mesmo dentro de casa, onde cada qual deveria ter o seu refúgio tranquilo, depois da luta cotidiana do ganha-pão.
Alguém já disse que estamos sob uma “civilização do medo”. Realmente. Tem-se medo de tudo, hoje em dia, porque os perigos acompanham os passos de todos, homens e mulheres, moços e velhos. É inevitável, pois, que a repercussão da própria inquietação social provoque abalos emocionais muito profundos na vida pessoal e abra caminho para neuroses, distúrbios cardíacos, formação de úlceras etc. E se o elemento humano já está um pouco predisposto, obviamente ainda será mais rápido o efeito da conjuntura social, cujos atritos afetam o sistema nervoso de muita gente. Todavia, pelo que se pode colher através de estudos divulgados atualmente, até certo ponto há uma relação entre a patologia social e a patologia individual.
As “doenças da sociedade”, como dizem alguns observadores, não podem ser equiparadas indiscriminadamente às doenças do homem em si mesmo, uma vez que os mecanismos biológicos são de natureza diferente da natureza dos mecanismos que acionam os processos sociais. Já se cometeu esse engano anteriormente — convém dizer de novo — porém, hoje os estudos sociais têm uma visão muito mais lúcida e desenvolvida a respeito das relações do ser humano com o meio social.
O que existe, entretanto, e é justamente o que nos interessa, é a influência das tensões sociais no psiquismo individual, por causa dos traumas e dos abalos emocionais a cada hora. As notícias de tragédias, roubos, assaltos, suicídios, desfalques vultosos, assim como de perseguições e pressões políticas, muitas vezes exploradas com ênfase na TV ou nas manchetes, sensibilizam imediatamente e causam transtornos profundos em muitas pessoas. É o ônus que se paga ao desenvolvimento tecnológico da comunicação. Por isso mesmo, há pessoas que resolveram desligar-se de tudo e não tomar conhecimento de notícias, justamente para que não sejam emocionalmente envolvidas.
Ainda que seja discutível a designação de patologia social para os que não veem propriedade nessa expressão, verdade é que a sociedade tem aspectos negativos ou doentios. E uma sociedade cujas crônicas se enchem diariamente de crimes, violências e degradação moral não é realmente uma sociedade doente?
O fenômeno, infelizmente, não está configurado entre as fronteiras de um país, pois é de ordem geral. Se existe, de fato, um aspecto doentio na sociedade, e não seria possível fechar os olhos à evidência, pois os tumores e as chagas sociais são ostensivas e deprimentes, precisamos alargar a nossa ótica e observar também o aspecto sadio, isto é, o que vemos de grande e humanitário em todas as latitudes da paisagem social.
Ao lado da miséria material e da miséria moral, tanto quanto do egoísmo e da velhacaria ou da desumanidade e do vício, que corrompe e degrada, estão os belos e edificantes exemplos de amor e renúncia, dedicação e dignidade, contrabalançando a onda de ódio e decadência moral. Há muita gente trabalhando de corpo e alma em benefício do próximo, desinteressadamente; muita gente, afinal, que está curando as feridas da alma nos organismos individuais para curar as feridas do organismo social. Neste particular, a ação espírita está desempenhando um papel dos mais positivos.
Estão aí, à vista de todos, as obras de assistência à infância e à velhice, obra criada e sustentada com amor, acima dos próprios interesses pessoais em muitos casos. O trabalho de reerguimento espiritual e de socorro material realizado por equipes espíritas nos ambientes mais obscuros da sociedade, assim como nas prisões e nos pontos mais afastados dos centros asfaltados, é um esforço persistente e desprendido em benefício da própria coletividade.
Não se trata apenas de dar o pão para o corpo ou vestir os maltrapilhos, que inspiram piedade, pois é preciso, indispensavelmente, esclarecer e educar a criatura humana, ajuda-la a reerguer-se conscientemente pelo conhecimento e pelo amor. Pois é exatamente o que faz o elemento espirita.
Sempre que se consegue retirar o homem do antro do crime e do vicio, reintegrando-o na convivência pacífica e honesta, naturalmente se dá um passo a mais na eliminação das feridas que sangram na sociedade.
Neste grande trabalho, muitas vezes anônimo, se engajam obreiros de diversos credos, como também pessoas vinculadas a vários movimentos, religiosos ou não. Tem, aí, o movimento espírita uma posição relevante, justamente porque vem realizando cada vez mais um trabalho constante de educação, assistência e reerguimento espiritual, sem o que não haverá melhoramento do homem em termos profundos.
Seria difícil firmar um diagnóstico exato dos males sociais. Cada qual encara os problemas por um prisma, de acordo com a sua formação e suas inclinações. Há um ponto, entretanto, em que a inteligência das mais argutas e desapaixonadas pensa de um modo convergente: a sociedade ressente-se profundamente da falta de valores éticos. Daí resulta o acentuado e espantoso descompasso entre o desenvolvimento material e o adiantamento espiritual.
O mundo dos negócios, em grande parte, está mais voltado para o êxito imediato sem a preocupação de saber o que deve e o que não deve ser lícito. A ética fica inteiramente fora de cogitações em muitos casos. É natural que haja o aceleramento econômico, como é natural e necessário que se enriqueça o aparelhamento tecnológico, mas também é necessário, senão indispensável, que não se despreze o lado ético das transações.
Deve haver um ponto de limite moral nas ambições humanas. Por isso mesmo é que alguns pensadores notam a flagrante falta de ética e acham, com razão, que a sociedade está sofrendo graves consequências por causa do contraste entre as realizações materiais, inegavelmente impressionantes, e os padrões de moralidade na vida particular e na vida social.
Albert Schweitzer, o homem que, deixando as comodidades da chamada “grande civilização”, foi para a África longínqua, onde realizou verdadeiro apostolado entre populações pobres e atrasadas. Desconfiava muito da cultura exterior, justamente porque, como pensador e humanista, médico e homem de grande coração, sentia que a falta de ética estava ameaçando o destino da civilização. Seria um visionário? Ou seria Schweitzer muito mais realista do que certos homens práticos, para os quais somente os valores utilitários e o poder das técnicas têm significação na vida humana?...
E as doenças da sociedade, em grande parte, não decorrem exatamente da ausência de moralidade ou de respeito ao escrúpulo e ao foro da consciência, sede da Lei Moral, como ensina a Doutrina Espírita? Claro que Schweitzer não era um sonhador, mas um observador da realidade humana.
Pois bem, há mais de um século — é bom que muita gente saiba disto — a Doutrina Espírita já se pronunciava sobre este problema, como que antevendo a situação de hoje. Recorramos apenas à questão 785, de “O Livro dos Espíritos”: Há duas espécies de progresso, que se apoiam mutuamente e que, entretanto, não marcham em paralelo: o progresso intelectual e o progresso moral. O equilíbrio entre as duas ordens de progresso é questão de tempo, ainda segundo o ensino espírita.
Já houve muito progresso, inegavelmente, nas instituições, nas ciências, e assim por diante, o que, aliás, está previsto no mesmo texto espírita, porém os acontecimentos deste meio século se sucedem de tal forma e com tanta agressividade que exigem mais reflexão a respeito dos padrões de ética para evitar, tanto quanto possível, maior descalabro social.
Todos os movimentos preocupados com os problemas espirituais, embora não se descuidem dos problemas terrenos, devem empregar a inteligência, a criatividade e o verdadeiro espírito de serviço na cruzada de educação do homem, mas uma forma de educação capaz de penetrar-lhe o mundo íntimo e despertá-lo ainda em tempo.
Neste campo, sem a menor dúvida, muito mais ainda será pedido ao movimento espírita; pois uma Doutrina que explica a sobrevivência após a morte com o testemunho dos fatos; uma Doutrina que nos fala da justiça divina sem castigos eternos, mas à luz de uma filosofia que infunde esperança e coragem, com apoio da reencarnação; uma Doutrina, enfim, que nos mostra o próprio Evangelho aplicado à vida em todas as circunstâncias tem muito o que oferecer à sociedade como remédio para as feridas que se abrem de alto a baixo, em todos os níveis.
Fonte: Revista “Aurora”, agosto de 1982, págs. 4 e 5, ano IV, nº 9 – Duque de Caxias-RJ.
Deolindo Amorim nasceu na Bahia em 23 de janeiro de 1906 e desencarnou no Rio de Janeiro, em 24 de abril de 1984. É considerado, ao lado de Carlos Imbassahy e Herculano Pires, um dos maiores pensadores espíritas do Brasil. Jornalista, sociólogo, escritor espírita de estilo professoral, extremamente didático e elegante, Deolindo foi um dos maiores divulgadores do Espiritismo como cultura e voltado para a análise de questões da atualidade. Fundou o Instituto de Cultura Espírita do Brasil (ICEB), foi um dos idealizadores da Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores Espíritas (Abrajee) e graças ao seu empenho, em conjunto com a Liga Espírita do Brasil, realizou-se no Rio de Janeiro, em 1949, o II Congresso Espírita Pan-Americano.
Obras: Espiritismo e Criminologia; O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas; Africanismo e Espiritismo; O Espiritismo e os Problemas Humanos; Ideias e Reminiscências Espíritas; Allan Kardec, o Homem e o Meio, dentre outras.
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