a partir de maio 2011

terça-feira, 7 de maio de 2013

Espíritos livres


CHRISTINA NUNES
meridius@superig.com.br
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

Trocando ideias com uma amiga sobre a reencarnação, e como ela me dirigisse certos questionamentos, imaginei depois que tudo acontece neste sentido à moda de uma imensa gincana evolutiva. Nalgum momento da nossa permanência naquela vida mais real nos reunimos com orientadores e certo número de afetos e interessados e traçamos as diretrizes. Entendemos que durante um tempo permaneceremos confinados, do ponto de vista consciencial e perceptivo, para aquela realidade mais exata que, aqui, necessariamente, nos escapa.
No filme Nosso Lar, a mãe terrena de André Luiz, ao afinal encontrá-lo para uma visita, pronuncia algumas das mais belas palavras de toda a história, depois de ser por ele questionada com insistência sobre o paradeiro de sua esposa e família da última reencarnação, e sobre quando poderia voltar para vê-los. Ela revida, gentil e graciosamente: – André, você quer mesmo ser um Espírito livre?
O que eu comentava exatamente com a amiga do trabalho versava sobre isto. Quando estamos reencarnados, somos dados a alimentar um tipo de possessividade exagerada para com aqueles que periodicamente nos rodeiam, a conta de filhos, pais, amigos e cônjuges. Perguntava a ela durante o nosso diálogo se já teria parado para imaginar, numa quantidade hipotética de umas quatrocentas reencarnações ao longo dos milênios – e olha que este número deve ser modesto sem considerarmos a trajetória para trás disso, a partir de outros mundos! –, com quantas pessoas já não teria estabelecido elos de afetividade!
Quantas irmãs e irmãos? Quantas mães e pais? Maridos, esposas, primos e primas, amigos, conhecidos. Desafetos, com quem se deve rearmonizar nalgum momento forçoso?! Inimigos ferrenhos, a conta de ônus mais grave a nalgum ponto da trajetória ser resolvido para a devida harmonização espiritual dos envolvidos... Ouvindo-me, a estimada amiga esboçou um sorriso de entendimento, provavelmente surpreendendo-se, mesmo naquele ensaio de imaginação, com o número certamente incontável de seres que a cada um de nós são vinculados por laços maiores ou menores de afeição, ou por diferenças enraizadas num passado de convivência rico de detalhes agora impossíveis de se alcançar por um esforço de memória, enquanto nesta dimensão material.
Então, passemos a outra reflexão, com base nesta verdade. Imaginemo-nos aqui, neste momento, com entes queridos e vários conhecimentos da hora que passa, tendo que, em algum instante futuro e certo, retornar para os nossos locais de origem, por sintonia de ordem espiritual. Pensemos nesta hora como se estivéssemos dentro de uma antessala, à espera, e em situação de despedida dos nossos afetos, que conviveram conosco na presente trajetória corpórea, quando, de repente, se nos escancara à visão espantada um imenso portal luminoso, dando vista para uma paisagem mais brilhante quanto bela, e vasta para mais além, de cuja existência não suspeitávamos há apenas alguns minutos! Montanhas, casas, ruas, movimento intenso. Próximos ao portal de passagem, divisamos também dezenas de rostos, dos quais por ora talvez, em confusão, não nos recordemos da identidade. Calculemos umas trinta pessoas sorridentes vindo ao nosso encontro e nos recebendo, e nos acolhendo para nos conduzir em segurança de retorno ao nosso lugar permanente de vivências, fora do qual as estadias terrenas, vistas de cima, mais parecem estacatos diminutos em meio à imensa sinfonia das nossas vidas, entoada através dos séculos!
Uns trinta rostos ainda é cota diminuída, perante a extensão incalculável dos nossos caminhos para trás, através de um ponto de referência aleatório a partir da antiguidade, passando pela Idade Média, o renascentismo e etapas mais recentes. Mas ali estão, todos! Acolhendo-nos felizes, para a nossa surpresa! E, atrás de nós, e para a nossa momentânea dor, permanecem um tempo a mais na matéria todos os que, durante o intervalo de algumas décadas vertiginosas, foram a nossa mais absoluta referência de existência, de afetividade e de dedicação: tios, filhos, cônjuges. Amigos de convivência profissional ou de lazer. Umas tantas outras pessoas que tanto dizem aos nossos corações, e que resguardávamos à conta de posse de joias valiosas, das quais sequer imaginávamos com facilidade nos apartear sem experimentar uma dor insuportável! E agora lá estamos, naquele limiar, diante destas dezenas de seres importantes de quem temporariamente nos separaremos para ir de encontro a outros, sorridentes, mais lúcidos e provavelmente mais felizes, que com amor nos recebem para nos conduzir ao verdadeiro lar na eternidade! Para a condição de Espíritos livres, se assim admitirmos, exercendo a sabedoria no uso do livre-arbítrio ao gradativamente compreendermos que o amor experimentado por cada um destes entes queridos em nada perde em cor, brilho e peculiaridades!
Cumprimos mais uma gincana terrena de vivências de apoio mútuo e rearmonização, para agora, depois de tudo, nos reunirmos àqueles que nos inspiravam e assistiam do lado invisível da vida, no interesse de nos ajudar nos instantes mais críticos para que não perdêssemos o foco dos nossos propósitos nas provas sabidamente críticas que nos aguardariam! É momento, portanto, de descansar. De se refazer. De reencontrar amores temporariamente velados de nossas recordações, a fim de que bem cumpríssemos o nosso período de aprendizado na esfera material. De início, fase talvez dolorosa, na qual nos cabe entender, com o apoio destes amigos, que os que deixamos na matéria se refarão também do sofrimento da separação, para eles naturalmente mais intenso pelas condições limitadas de consciência nas quais vivem; mas que os reencontraremos um dia, assim como com estes outros nos acontece agora. Fato é, porém – e disso nos advirá a compreensão gradual – que a nossa possessividade fora, talvez, doentia. Que somos de antemão, como afiançou a personagem adorável de Nosso Lar, Espíritos livres, para conviver harmoniosamente com os que nos acompanham; porém, usufruindo a qualquer tempo de liberdade de escolhas e de caminhos para com todos acertar, ou nos enganar nos passos. Para corrigir estes enganos, perdoar-se e perdoar, e rearmonizar. Cultivar para com cada um níveis diferentes de afinidade, de sintonia, criando e descobrindo, de minuto para minuto, novas nuances maravilhosas que enriquecem e renovam esta rica interatividade! E, ao final de cada gincana, nos vem naturalmente à visão: não possuímos e nem pertencemos a ninguém! Por amor, apenas e espontaneamente permanecemos com aqueles que muito nos dizem ao coração!

Nenhum comentário:

Postar um comentário