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terça-feira, 23 de abril de 2013

O Evangelho Perdido - Onde está?

por Liszt Rangel
Inevitavelmente, quando se fala em evangelhos, logo vem ao pensamento algo associado à Religião. Isto se explica facilmente devido ao vínculo milenar que nos foi passado, estabelecendo uma estreita relação entre os manuscritos e o que foi transformado em sagrado.

Entretanto, os primeiros leitores do pensamento de Jesus, ainda não haviam sido visitados por este sentimentalismo religioso, típico do Cristianismo. O movimento filosófico que surgiu na Palestina do século I d.C. estava bem distante do que conhecemos com o nome de Cristianismo e neste movimento também não havia qualquer ligação com os evangelhos que conhecemos com as assinaturas de Mateus, Marcos, Lucas e João. Hoje em dia, já se sabe, graças às pesquisas que se desenvolvem sobre os evangelhos, que nenhum destes autores de fato, conheceu o Homem de Nazaré.

Há fortes indícios, e esta opinião é a de muitos estudiosos, que logo após a morte de Jesus, provavelmente ocorrida entre 28 e 32 d.C. (não se sabe com exatidão), alguém do grupo inicial por volta de 34 ou 35 d.C. resolveu escrever alguns pensamentos colhidos da memória dos que conviveram com o Nazareno. Estes pensamentos soltos, segundo os pesquisadores, são máximas de sabedoria pronunciadas e vividas em vários momentos da presença de Jesus naquela região.

Os que, primeiramente, se interessaram por estes pensamentos considerados como os mais originais de Jesus, foram os teólogos alemães. O que motivou o surgimento de uma nova nomenclatura para designar o que poderíamos chamar de Evangelho Perdido. "Fonte Q" foi o nome dado a este material desaparecido. A letra Q, vem da palavra alemã Quelle, e carrega a interpretação de Fonte dos Ditos do Senhor. A possibilidade da existência desta fonte original deu margem, inclusive, ao surgimento de novelas de ficção na Europa, e até hoje alguns pesquisadores esperam encontrar, ou ao menos tentam entender como esta fonte desapareceu. 

Sendo assim, os pesquisadores costumam chamar os primeiros seguidores do pensamento de Jesus de Povo de Q, ao contrário do que se convencionou religiosamente chamar de apóstolos, discípulos, evangelistas e até cristãos. OPovo de Q, então, teve acesso ao que existiu de mais original, mais puro nos ensinamentos do Nazareno, contando é claro, com a interferência dos narradores que carregaram na emotividade e em outros aspectos, enquanto narravam os eventos. Para falarmos em cristãos, precisamos localizar a responsabilidade desta designação em Lucas ou em outra fonte ainda desconhecida. Cristão é aquele que segue Cristo, mas Cristo foi uma necessidade mítica daqueles judeus que esperavam transformações políticas e messiânicas no cenário da Judeia, e mesmo assim não era esperado como Cristo, mas como um mashiach, ou messias. 

Não afasto a culpa do senhor Paulo de Tarso em ter sacrificado Jesus, e ter dado preferência ao Cristo místico que ele passou a defender ardorosamente como se fosse um neopentencostal. Aliás, os teólogos, ironicamente, consideram Paulo como o primeiro protestante do mundo, pois ele fazia qualquer coisa para transformar um pagão em cristão. O Cristo de Paulo foi o responsável pela fundação do Cristianismo na concepção católica e porque não dizer séculos mais tarde, este mesmo "Ungido = Cristo" serviu de base para o surgimento da Reforma Protestante.

Enquanto nos afastamos do Jesus Histórico, ou enquanto nos distanciaram propositalmente dele, a verdadeira mensagem do Galileu desapareceu nas noites dos séculos da ignorância, da perseguição aos pagãos, da intolerância religiosa, da instituição de uma nova religião, da caça às bruxas, das "santas" fogueiras da Inquisição, da guerra aos mouros, enfim... foram tantos descaminhos, e finalmente nos sobrou o quê?

Esta pergunta não é tão fácil de ser respondida, tão pouco o que viermos a dar como resposta encontrará eco, porque o Homem antes de aprender, precisa se dispor a reaprender, e isto exige-lhe o resgate da humildade, o exercício da renúncia e o confronto com seus paradigmas que giram em torno de interesses escusos e mesquinhos. Acima de tudo isto, implica sair da zona de conforto e muitas vezes levantar-se da cadeira da indiferença. O interesse pelo Jesus Histórico é tão importante quanto a necessidade que uma criança abandonada possui de saber quem são seus pais, pois neles encontra-se a sua origem, o início de sua identidade.

Com esta comparação não há nenhuma tentativa de associar Jesus a um pai, o que seria um traço religioso, mas sim observa-se que Jesus está no centro de nossa identidade, a cristã, e não seria pecado, heresia, injúria desejar conhecer a veracidade dos fatos e da mensagem de um Homem que nos marcou de tal forma, que mesmo tendo passado mais dois mil anos de sua presença, não o esquecemos e ainda há, também, entre os que não o esqueceram, aqueles que o procuram.

Portanto, o evangelho perdido de Jesus, ou as suas máximas de sabedoria regiam o comportamento ético e moral de judeus praticantes, e entre eles estão seus amigos pescadores de Cafarnaum, artesãos, mulheres, jovens, e toda pessoa marginalizada das regiões circunvizinhas. Ainda há uma corrente de estudiosos que defendem a ideia de que a Fonte Q estaria espalhada nos próprios evangelhos, em especial nos aforismos encontrados no Sermão do Monte, que por sinal, já se sabe que não foi proferido em um monte, tão pouco foi pronunciado de uma única vez de forma tão poética e arrumadinha como se verifica nos textos. O mais provável é que alguém achou por bem durante a redação dos evangelhos, assim nominar aqueles ensinos e localizá-los em um discurso direto. E com o tempo, foram ajeitando ali, completando aqui, fazendo rimar acolá...

A busca pelo evangelho perdido é mais uma esperança alimentada, para quem sabe um dia de forma real, conseguirmos resgatar a verdadeira mensagem de sabedoria, e conhecer mais de perto o estranho a quem a sociedade cristã diz seguir e amar. A verdadeira mensagem do Nazareno ainda é tão desconhecida quanto o seu autor.    

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