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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Problema da Identidade I

Nascemos herdeiros de uma mistura complexa de instintos e cognição, uma estrutura biológica elaborada, que se traduzem em alguma informação, conhecimentos relativamente manifestos ou latentes, traços físicos e psíquicos. Porém, mais que ter consciência de possuir alguns resquícios mnemónicos de tais conteúdos, a maior luta do ser humano é, sem sombra de dúvida, querer saber quem de facto é.

A procura da identidade perde-se num pântano nebuloso gerador de fantasias, numa sopa cujos ingredientes razão, sensibilidade, sentimentos, reminiscências se inter-misturam originando valores, tendências, normas, etc. São esses laivos de informação que nos remetem para um suposto saber de uma infinidade de “existências” remotas, as quais estão arquivadas no nosso processo existencial, e que constituem o alvo principal da pesquisa para a resposta a “Quem sou?”

De um ponto de vista da Psicanálise, com estes ingredientes é criado um mecanismo de fuga que, em vez de dar uma resposta, procede antes a uma desculpabilização do eu ao recalcar episódios desagradáveis. Por outro lado, a minha ignorância sobre mim mesmo(a) deve-se à estrutura psíquica, à sua mesma natureza. Isto significa que fomos feitos assim, temos um aparelho psíquico que não suporta a consciência do conhecimento de si mesmo. Será?

Neste aspecto, a religiosidade tem desempenhado um papel preponderante. A procura de quem sou? não tem tanto a ver com a pesquisa sobre o passado psíquico, nem com o facto de sermos capazes ou não de suportar episódios recalcados, caso o pudessemos desvendar, mas com o modo como é ultrapassado o peso da perda do paraíso perdido, uma idade de ouro em que fomos totalmente felizes. A Religião surge como o tal re-ligare que pretende repor a ordem pré-estabelecida, apresentando-se como o único caminho salvador capaz de revelar ao homem quem é. Desta forma, a questão do desconhecido não é relevante, mas sim o retomar a vida de plenitude só possível no seio de Deus. Para isso, basta cumprir determinadas normas, cujo fim é escapar ao pecado. 

Projectando o crente para o futuro, a Religião promove a beatitude como a única forma do conhecimento de si: conhecer-me é ser puro(a), isto é, desprovido(a) da capacidade de pecar, logo de deixar de sofrer. Assim, o fantasma do castigo aterrador converte-se no móbil para a modificação intrínseca do crente, cujo fim último é vencer a morte, pois que a pureza é um estado de vida eterna em Graça. 

Porém, longe de ser um estado definitivo, o ser beatificado não está isento de voltar a cair. O Bem não é um estado permanente nem irreversível, mas transitório. O puro pode querer ser ainda mais puro e pretender ser igual a Deus. Aí, cai redondo no chão e recomeça todo o processo. Por outras palavras, o Bem não é aceite para sempre, não é uma vivência em que o prazer da Felicidade, uma vez atingido, seja o grande horizonte. Pelo contrário, a ambição é tão forte que consegue habitar nos mais elevados castelos do Bem.

Nesta perspectiva, o que é que não é transitório? O Mal. O Inferno ardente é o local para onde vão os maus, sem hipótese de saída. A nossa natureza, que desconhecemos, parece que gira em torno do temor da Queda, mas não consegue evitá-la, donde o Mal não é uma resultante de querer ser como Deus, uma vez que tal é corrigível pela existência depurativa e purificadora, mas tão simplesmente por se ser mau enquanto oposto ao Bem. 

Por outras palavras, querer ser como Deus, na sua duplicidade de Bem e de Belo, é menos grave que cometer qualquer acto mau. Quanto a isso, em Sua infinita bondade, Deus dá ao homem a possibilidade de retomar todo o processo evolutivo. A religiosidade responde, assim, à questão de quem sou: herdeiro da Queda mas não do Mal, porque o Mal pertence a um reino de onde ninguém sai; cair é querer ser o que não é, Deus. Saber quem sou? pertence desde logo a uma exclusão, a saber, não sou nem jamais poderei ser como Deus. É esta a ordem que a vivência religiosa pretende repor.

O Espiritismo, através de uma forma muito peculiar de encarar a reencarnação, tenta acalmar o eu ávido do conhecimento de si mesmo ao acoplar a noção de evolução sem queda. Sentimo-nos confortados por sabermos que no passado fomos muito piores do que no presente. Não perdemos nenhum paraíso, nem houve uma idade de ouro. Pelo contrário, fomos protagonistas de uma realidade terrível, muito longíqua e muito próxima, num mundo muito antigo e num tempo remoto que se prolongou até aos nossos dias e cuja lembrança, por graça de Deus, perdemos ao reencarnar na Terra. Não existe uma desculpabilização nem des-responsabilização do sujeito, no que toca a uma herança do passado, mas há o princípio de que em cada vida o homem reforça as suas capacidades espirituais. A purificação não se consegue no para lá, mas conquista-se vida após vida, em qualquer lado, neste planeta ou fora dele. 

Neste ponto, o Espiritismo não pressupõe uma conquista da Terra, como o defendem as Testemunhas de Jeová, mas uma libertação da mesma. Porém, coincidem no facto de crerem que a Terra será para os justos, quando a mesma estiver liberta de todos os males. A diferença está em que, enquanto as Testemunhas crêem que as almas retomarão os mesmos corpos, o Espiritismo defende que os Espíritos viverão em corpos diferentes.

Margarida Azevedo 

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