a partir de maio 2011

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Do fim da política à agonia das religiões II

MargaridaTodos sabemos que religião e política se entrecruzam. Porém, a laicização dos Estados, responsável por um salto qualitivo notável, permitiu que as religiões, ávidas de poder, se constituíssem como partidos políticos e, como dispõem de grande aparato económico, mudaram de discurso: já não são caminhos para Deus mas para o mundo. Chegar até Deus, além de ser discurso de segundo plano, é assunto vocacionado quase exclusivamente para os insatisfeitos, os excluídos e todos aqueles que procuram agarrar-se a algo que os proteja e lhes garanta o pão de cada dia. Por isso o caminho para Deus já não se faz por meio de oração, jejum, meditação, ajuda ao próximo e restantes actos de bem-fazer, tornou-se sulcooso. Para chegar até Deus basta convencer os fiéis, que agora se tornaram o eleitorado crente, de que votando em tal partido têm garantida a via directa para a felicidade neste mundo, o que se tornou sinónimo de Deus. 

Ora, jamais poderemos confundir a felicidade terrena com a Luz Divina. Um indivíduo pode ser feliz no mundo porque tem o que de melhor a sociedade lhe facultou, porém ser vazio dos mais elementares valores espirituais. O que se pretende é que ele seja portador de ambos, o que significa lutar por merecê-los, conquistando o Bem em plenitude. 

A religião, ao tomar o lugar da política e prometer a felicidade na terra, conduz a que já ninguém ore pedindo a santidade, a bondade e as demais virtudes beatíficas; as novas orações pedem a aceitação por parte do líder e um emprego bem remunerado. Quanto ao voluntariado, basta contribuir para instituições perfeitamente identificadas pelas novas redes económico-sociais, cujos dirigentes são criteriosamente escolhidos por estas pseudo-religiões.

Desta forma, as religiões e as igrejas disputam entre si os melhores lugares na sociedade rendida ao poder económico e, consequentemente, vendem tudo a quem quer comprar: já não apenas estatuetas dos seres devocionais ou outros artigos sacros, mas armas, pornografia, prostituição, droga, entre outros produtos similares. Traficam influências, desenvolvem o compadrio, manipulam as mentes. E ainda que possamos dizer que desde sempre o tenham feito e que agora tudo está mais divulgado, o certo é que não nos podemos ingenuamente deixar manipular por tal posição. É que, caso não tenham alguns em consideração, a complexidade social implica um aprimoramento da moral e da ética. Somos confrontados todos os dias com situações novas, ou pelo menos com novas apresentações de um mesmo problema. A ideia de progresso espiritual não é apanágio desta ou daquela igreja ou religião. O progresso espiritual é uma constante dentro de todos os grupos religiosos e do qual não podem prescindir.

Se a política trata das coisas da terra rumo à felicidade, a religião trata das coisas do espírito rumo a Deus. A política tem um fim, a religião tem um princípio. É que encaminhar as almas para Deus não é um fim, porque Deus não é um fim. Deus é um eterno princípio.

Com tudo isto, estão a surgir novas formas de fé e com elas novas formas de estar na religião, portadoras de novos conceitos de igreja. São as organizações, não já filhas da polis nem da cidade cosmopolita, mas de um espaço aldeão globalizado. Na ausência de um pastor que as encaminhe para Deus, são dirigidas por líderes que lhes prometem a terra, pois que, de um ponto de vista da espiritualidade, já ninguém acredita em ninguém. Cada um tornou-se pastor de si próprio, o que é tão nocivo como se, de repente, todos tornassem médicos de si mesmos e automedicassem. Há excepções? Mau seria se as não houvesse, mas estão silenciadas em quase todos os grupos religiosos.

Tudo isto está a conduzir a picos de fundamentalismo preocupantes, pois o senso comum religioso é tão perigoso como outro qualquer, uma vez que há quem tente com todas as forças impedir o contágio benéfico de outras ideologias religiosas, recorrendo, se necessário, à força. Quanto ao fundamentalismo, ele tem aspectos positivos, se encarado como aquilo que verdadeiramente é: o regresso aos fundamentos, mas isso é outra coisa de que a poucos interessa falar. 

Esta agonia religiosa, a pior que se pode ter, faz das religiões movimentos sem Deus, sem fé, sem respeito pelo Homem e onde o nome Deus é usado em vão. Tornaram-se redutíveis, mesquinhas, interesseiras. No entanto, muitos tentam impôr-se a esta realidade. São os novos perseguidos, os isolados na sua fé, o novos hereges, mas que muito nos podem legar. 

Com a morte da política vão-se os valores da laicidade, que tão caros nos são, tais como a Saúde e a Educação ao serviço de todos, o direito à liberdade religiosa e ao respectivo discurso emancipado, a defesa das minorias, etc. Isto significa ainda que foi iniciado todo um processo de silenciamento, em que pensar é uma actividade perigosa, a começar no seio das próprias religiões onde quem pensar de forma relativamente diferente depara-se com a possibilidade de ser excomungado. 

Se alguns espíritas teimarem em fazer da Doutrina um partido político, cavam a sua sepultura, pois que o Espiritismo não é, por sua própria natureza, compatível com este estado de coisas. Há que ter em conta que a Doutrina pretende restaurar o Cristianismo Primitivo, por outras palavras, cumprir o mais fielmente possível as máximas de Jesus Cristo, enquanto o grande profeta de Deus, no entanto respeitando todos os outros, sejam eles profetas ou pensadores, como é o caso de Sócrates e Platão, de Moisés ou João Baptista, etc. O Espiritismo é uma doutrina de espírito aberto, pluralista, cuja origem se perde na noite dos tempos.

A Doutrina existe para servir e não para ser servida. Não tem interesses, sejam eles quais forem, não exerce influências de espécie alguma. Pode haver políticos espíritas, como os há de outras organizações religiosas, porém isso não significa uma organização partidária espírita. 

Podemos ser felizes neste mundo? Há que perceber que, quando se fala de felicidade, em Espiritismo, não estamos a falar de um conceito político aristotélico. É claro que todo o ser humano tem direito a conquistar a felicidade no plano em que vive, como por exemplo, ter melhores condições de vida, melhor educação e todas as demais coisas a que socialmente tem direito. No entanto, quando se fala em felicidade, segundo a Doutrina, estamos a remeter o conceito para uma plenitude. Ser feliz é ser bom, é ter encontrado qualquer coisa que está acima de todas as coisas. Esta noção de felicidade é tão abrangente e tão vasta que é praticamente um chavão da Doutrina dizer que “a felicidade não é deste mundo”. Isto significa que, ainda que eu viva num país de grande justiça social, um país onde me são dadas todas as oportunidades, eu não sou totalmente feliz, por melhor que eu seja. Esta felicidade implica o outro, isto é, eu sou feliz na medida em que tudo e todos, ao meu redor, estão bem.

O objectivo social do Espiritismo é tornar o ser humano melhor e encaminhá-lo para essa plenitude. Isso só é realizável na medida em que o outro é um parceiro, um colega de caminhada, o que torna o jugo mais leve porque partilhado.

A entreajuda é tão gratificante para quem dá como para quem recebe. Uma troca de sorrisos, um brilho nos olhos constituem uma felicidade indizível. E a santidade, para um espírita, deve começar precisamente aí. 

É certo que precisamos de conquistar a felicidade da terra e do céu. Mas para lá de tudo isso, é infinitamente mais importante que a terra se torne no espelho do céu. Só aí a felicidade e o bem são um só, a Plenitude.

Margarida Azevedo

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Bibliografia aconselhada

ARISTÓTELES, Metafísica

_____________, Política

Novo Testamento: Mt 5:1; 9:8; 10;15:1; 20:29; 22:41; 23:1; 24;1

(entre outras cit.) Mc 2:2; 2:13; 4:1; 4:36; 5:31; 6:1; 6:33; 6:45; 7:14,17; 8:1; 8:27; 9:2,14; 15:40;

Lc 8:3; 9:1-11; 10:1-6

Jo 12:1-8

KARDEC, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Introdução; cap. I; XXI.

________, O Livro dos Espíritos, Livro Terceiro, cap.I;VII; VIII; X. Livro Quarto, cap. I, Penas e Gozos Terrenos, I Felicidade e Infelicidade Relativas. 

Clique aqui para ler mais: http://www.forumespirita.net/fe/artigos-espiritas/do-fim-da-politica-a-agonia-das-religioes-ii/#ixzz2LHy3SAR2

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