a partir de maio 2011

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

TODOS NÓS SOMOS MÉDIUNS?


Paulo da Silva Neto Sobrinho
julho/2008.
(revisado set/2012)

“Nos últimos tempos, diz o Senhor, espalharei do meu espírito por sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos jovens terão visões e vossos velhos terão sonhos. – Nesses dias, espalharei do meu espírito sobre os meus servidores e servidoras e eles profetizarão”. (Atos 2,17-18; Joel 2,28-29).

Em A Gênese, capítulo XVII – Predições do Evangelho, Kardec comenta esse passo acima no tópico “Vossos filhos e vossas filhas profetização”, do qual transcrevemos o seguinte trecho:
É a predição inequívoca da vulgarização da mediunidade, que presentemente se revela em indivíduos de todas as idades, de ambos os sexos e de todas as condições; a predição, por conseguinte, da manifestação universal dos Espíritos, pois que sem os Espíritos não haveria médiuns. Isso, conforme está dito, acontecerá nos últimos tempos;ora, visto que não chegamos ao fim do mundo, mas, ao contrário, à época da sua regeneração, devemos entender aquelas palavras como indicativas dos últimos tempos do mundo moral que chega a seu termo. (KARDEC, 2007, p. 451-452) (grifo nosso).
Então, em meados do século XIX, segundo o Codificador, a profecia de Joel se cumpria, com a “vulgarização da mediunidade” que “se revela em indivíduos de todas as idades, de ambos os sexos e de todas as condições”.

Inicialmente, antes de adentrar no tema, é necessário que apresentemos a definição do que seja um médium, pois, sem isso, não há como responder à questão proposta no título. Assim sendo, vejamos, primeiramente, como o Espírito Erasto, ao responder à pergunta “O que é médium?”, definiu esse termo:
É o ser, indivíduo que serve de intermediário aos Espíritos, para que estes possam comunicar-se facilmente com os homens, espíritos encarnados. Por conseguinte, sem médium não há comunicações tangíveis, mentais, escritas, físicas, de qualquer espécie que seja. (KARDEC, 2006a, p. 212).
Kardec, por sua vez, explica-o da seguinte forma:
MÉDIUM (do lat. Médium, meio, intermediário): pessoas acessíveis à influência dos Espíritos, e mais ou menos dotadas da faculdade de receber e transmitir suas comunicações. Para os Espíritos, o médium é um intermediário; é um agente ou um instrumento mais ou menos cômodo, segundo a natureza ou o grau da faculdade mediúnica. Esta faculdade depende de uma disposição orgânica especial, suscetível de desenvolvimento. Distinguem-se diversas variedades de médiuns, segundo sua aptidão particular para tal ou tal modo de transmissão, ou tal gênero de comunicação. (KARDEC, 1986, p. 196-197).
O mestre de Lyon, em O Livro dos Médiunsresumidamente, disse: “Médium - (Do latim - medium, meio, intermediário.): Pessoa que pode servir de medianeira entre os Espíritos e os homens”. (KARDEC, 2006a, p. 351) e em Obras Póstumas: “Médiuns são pessoas aptas a sentir a influência dos Espíritos e a transmitir os pensamentos destes”. (KARDEC, 2006c, p. 62).

Em que pese a origem dessas duas definições, entendemos que falta abrangência a elas, porquanto o conceito de médium não deveria restringir-se apenas à relação entre os homens e os Espíritos desencarnados. Por que estamos dizendo isso? Pelo simples fato de que há relato de experiência com evocação de Espírito de pessoa viva, ocorrida em sessão da Sociedade Espírita de Paris, conforme se lê na Revista Espírita [1] . Podemos ainda ver no cap. XXV de O Livro dos Médiuns o item 284, que trata exatamente da evocação de pessoas vivas. Julgamos que esses casos estariam fora da definição clássica, pois nela o termo “Espírito” refere-se aos já desencarnados. Por outro lado, aceitando-se o que narra André Luiz, dando notícias de reuniões mediúnicas no plano espiritual, nesse caso teríamos a existência dos Espíritos médiuns, que servem de intermediários a outros de esferas mais elevadas, às quais eles se encontram vinculados, conforme podemos apreender nas suas obras, situações também não contempladas na definição original.

Além disso, poderíamos destacar que a condição do médium ser ou servir de “intermediário” pode complicar um pouco a definição, haja vista, que é possível ele receber uma comunicação para si mesmo, e aí, a rigor, não teríamos essa função, a não ser que aceitemos que, nesse caso, ele, o médium, esteja sendo intermediário para si mesmo, digamos assim, hipótese que aceitamos sem problema algum.

Ademais, uma pessoa que esteja recebendo a influência de Espíritos se não conseguir perceber este fato, não seria, segundo essas definições, propriamente um médium? Então, seria o quê? Segundo nosso modo de ver, a conjuntura dos fatos nos recomenda ampliar o atual conceito visando dar-lhe uma abrangência maior, de forma que possa abrigar todos os casos. Assim, poderíamos dizer, conforme a hipótese que abraçamos, que “médium seria o Espírito, encarnado ou não, que consegue captar ou sentir o pensamento de um outro, pouco importando a condição desse outro estar num corpo ou fora dele”. O único aspecto condicionante seria de não estarem, o emissor e o captador, no mesmo plano dimensional, no qual o processo de comunicação habitual entre os que nele se encontram seja a transmissão de pensamento.

É certo que estamos avançando um pouco na definição, indo além do que consta nas obras da codificação, o que poderá causar espécie a alguns confrades; mas justificamos, lembrando o que Kardec, numa certa ocasião, disse: O Livro dos Espíritos não é um tratado completo do Espiritismo; não faz senão colocar-lhe as bases e os pontos fundamentais, que devem se desenvolver sucessivamente pelo estudo e pela observação”. (KARDEC, 1993b, p. 223)

Por outro lado, sabemos que o Codificador afirmou que “a verdadeira mediunidade supõe a intervenção direta de um Espírito” (KARDEC, 2006a, p. 142) o que viria a contradizer, em parte, o que estamos propondo; entretanto, se ampliarmos, nessa frase, o significado de Espírito para considerá-lo em qualquer situação, ou seja, encarnado ou desencarnado, ela ajustar-se-ia plenamente ao conceito sugerido em nossa hipótese.

A quem poderíamos, especificamente, qualificar como médium? Para elucidar isso, leiamos o que consta na obra Instruções práticas sobres as manifestações dos Espíritos, publicada em janeiro de 1858, o que nos leva a concluir que é a primeira vez que Kardec classifica os médiuns dois tipos:
Toda pessoa que sofre de alguma maneira a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium. Esta faculdade é inerente ao homem e, por conseguinte, não é um privilégio exclusivo. Por essa razão raros são os indivíduos nos quais não se encontram ainda que simples rudimentos de mediunidade. Pode-se, pois, dizer que todas ou quase todas as pessoas são médiuns. Todavia, no uso corrente, esta qualificação não se aplica senão àqueles nas quais a faculdade mediúnica é nitidamente caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que depende, então, de uma organização mais ou menos sensitiva. É preciso notar, além disto, que esta faculdade não se revela em todas as pessoas da mesma maneira. (KARDEC, 1986, p. 251) (grifo nosso).
Temos aqui então as explicações, com as quais iremos distinguir em dois sentidos o termo médium. Podemos dizer que no sentido amplo, todos nós somos médiuns, já no sentido restrito, somente aqueles nos quais essa faculdade é evidente, a ponto de produzir os fenômenos de efeitos físicos ou de transmitir o pensamento dos Espíritos, ou seja, é um médium ostensivo. Isso fica mais claro quando Kardec trata novamente desse assunto na Revista Espírita, mês de fevereiro de 1859:
A mediunidade é uma faculdade multíplice, e que apresenta uma variedade infinita de nuanças em seus meios e em seus efeitos. Quem está apto para receber ou transmitir as comunicações dos Espíritos é, por isso mesmo, médium, qualquer que seja o modo empregado ou o grau de desenvolvimento da faculdade, desde a simples influência oculta até a produção dos mais insólitos fenômenos. Todavia, em seu uso ordinário, essa palavra tem uma acepção mais restrita, e se diz, geralmente, de pessoas dotadas de um poder mediúnico muito grande, seja para produzir efeitos físicos, seja para transmitir o pensamento dos Espíritos pela escrita ou pela palavra. (KARDEC, 1993e, p. 29) (grifo nosso).
Em resumo, temos: médiuns no sentido amplo: todas as pessoas, enquanto que, médium no sentido restrito se refere aos que têm a mediunidade de forma ostensiva. Para deixar tudo no lugar certo, vale a pena ressaltar o que Kardec reafirma: “Todo o mundo, dissemos, é mais ou menos médium; mas convencionou-se dar esse nome àqueles nos quais as manifestações são patentes, e, por assim dizer, facultativas” (KARDEC, 1993e, p. 57).

Essa distinção da mediunidade e o fato de que todos somos médiuns podem ser corroborada em J. Herculano Pires (1914-1979):
[…] Kardec notou a generalização da mediunidade e os espíritos o socorreram, como se vê no Livro dos Médiuns, com uma especificação curiosa. Temos assim duas áreas de função mediúnica. A primeira corresponde à mediunidade natural, que todos os seres humanos possuem, e a segunda corresponde à mediunidade de compromisso, ou seja, de médiuns investidos espiritualmente de poderes mediúnicos para finalidades específicas na encarnação. Como Kardec mencionou a existência de médiuns elétricos e várias vezes comparou a mediunidade com a eletricidade, surgiu mais tarde entre alguns estudiosos, entres os quais Crawford, a ideia de uma divisão mais explícita, com a designação demediunidade estática e mediunidade dinâmica. A primeira corresponde à mediunidade natural, que todos possuem e permanece geralmente em estase, com manifestações moderadas e quase imperceptíveis. A segunda corresponde à mediunidade ativa, que exige desenvolvimento e aplicação durante a vida do médium. (PIRES, 1987, p. 18) (grifo nosso).
Em Kardec temos mediunidade no sentido restrito e mediunidade no sentido amplo, o que Herculano Pires interpretou como mediunidade estática e mediunidade dinâmica.

Para maior esclarecimento, cumpre-nos informar que a citação do livro Instruções práticas sobre as manifestações dos espíritos, transcrita um pouco mais acima (KARDEC, 1986, p. 251), também consta de O Livro dos Médiuns, publicado em janeiro de 1861, que, como sabemos, veio em substituição àquele livro, nele encontramos o texto nos seguintes termos:
Toda pessoa que sente a influência dos Espíritos, em qualquer grau de intensidade, é médium. Essa faculdade é inerente ao homem. Por isso mesmo não constitui privilégio e são raras as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar. Pode-se dizer, pois, que todos são mais ou menos médiuns. Usualmente, porém, essa qualificação se aplica somente aos que possuem uma faculdade mediúnica bem caracterizada, que se traduz por efeitos patentes de certa intensidade, o que depende de uma organização mais ou menos sensitiva.

Deve-se notar, ainda, que essa faculdade não se revela em todos da mesma maneira. [...] (KARDEC, 2006a, p. 139) (grifo nosso)
Nosso objetivo em colocar isso, foi para ressaltar que Kardec, nessa sua nova fala, ao invés de dizer “todas ou quase todas as pessoas são médiuns”, como consta da obra anterior, passou a afirmar que “todos são mais ou menos médiuns”, demonstrando agora que a variação se prende apenas quanto a seu grau, caso não estejamos enganados em nossa maneira de perceber.

Ademais, sendo uma faculdade inerente ao homem, como afirmado, não há como não deduzir que todos a têm, daí, seguramente, poder-se dizer que todos nós somos médiuns.
Não foram os médiuns que criaram os Espíritos, estes existem de todos os tempos, e em todos os tempos exerceram sua influência, salutar ou perniciosa, sobre os homens. Não há, pois, a necessidade de ser médium para isso. A faculdade medianímica, para eles, não é senão um meio de se manifestarem; à falta dessa faculdade, fazem-no de mil outras maneiras. Se esse jovem não fosse médium, não estaria menos sobre a influência desse mau Espírito que, sem dúvida, tê-lo-ia feito cometer extravagâncias que não se poderiam atribuir a qualquer outra causa. (KARDEC, 2001a, p. 274) (grifo nosso).
A afirmativa de que “não há, pois, a necessidade de ser médium para isso”, ou seja, para receber a influência dos espíritos, Kardec está, certamente, tratando do médium na forma restrita, o que nos leva a concluir, por consequência, que na forma ampla todos nós o somos.

Encontramos ainda na Revista Espírita, especificamente, no mês de fevereiro de 1858, esta fala de Kardec sobre o assunto:
Essa faculdade, como, aliás, já o dissemos, não é um privilégio exclusivo; ela existe em estado latente, e em diversos graus, numa multidão de indivíduos, não esperando senão uma ocasião para se desenvolver; o princípio está em nós pelo próprio efeito da nossa organização; está na Natureza; todos nós temo-lo em germe, e não está longe o dia em que veremos os médiuns surgirem de todos os pontos, no nosso meio, em nossas famílias, no pobre como no rico, a fim de que a verdade seja conhecida por todos, porque, segundo o que nos está anunciado, é uma nova era, uma nova fase que começa para a Humanidade. A evidência e a vulgarização dos fenômenos espíritas darão um novo curso às ideias morais, como o vapor deu um novo curso à indústria. (KARDEC, 2001a, p. 60-61) (grifo nosso).
Aqui, nos parece, que Kardec, no mínimo, tem a todos nós como médiuns em potencial, relacionando a mediunidade como sendo uma característica própria da Natureza humana.

Percebemos que o Codificador foi claro ao dizer que é uma faculdade inerente ao homem, sem qualquer tipo de privilégio, concluindo, conforme consta em O Livro dos Médiuns, que “todos são mais ou menos médiuns” (KARDEC, 2006a, p. 139), porquanto, segundo ele nos diz, todos nós recebemos influência dos espíritos, o que veremos um pouquinho mais à frente, quando citarmos O Livro dos Espíritos. É bem provável que, em virtude disso, possamos ver a aplicação do que ele havia dito na Introdução de O Livro dos Médiuns: “Embora cada qual já traga em si mesmo os germes das qualidades necessárias, essas qualidades se apresentam em graus diversos, e o seu desenvolvimento depende de causas estranhas à vontade humana” (KARDEC, 2006a, p. 10) e o que consta logo acima.

Essa visão abrangente é o que, também, podemos encontrar em Channing, que, numa mensagem discorrendo sobre os médiuns, disse:
Todos os homens são médiuns. Todos têm um Espírito que os dirige para o bem, quando eles sabem escutá-lo. Quer alguns se comuniquem diretamente com ele, graças a uma mediunidade especial, quer outros só o escutem pela voz interna do coração e da mente. Isso pouco importa, pois é sempre o mesmo Espírito familiar que os acompanha. Chamai-o Espírito, razão, inteligência, será sempre uma voz que responde à vossa alma, dizendo-vos boas palavras. Acontece, porém, que nem sempre as compreendeis. [...] Ouvi pois essa voz interior, esse bom gênio que vos fala sem cessar, e chegareis progressivamente a ouvir o vosso anjo guardiãoque vos estende a mão do alto do céu. Repito, a voz íntima que fala ao coração é a dos bons Espíritos bons. E é desse ponto de vista que todos os homens são médiuns. (KARDEC, 2006a, p. 331-332) (grifo nosso).
Pelo fato de todos nós termos um Espírito, que nos dirige para o bem, ao qual denominamos de “anjo da guarda” ou “anjo guardião”, esse Espírito, autor da mensagem, considera a todos nós como sendo médiuns; dando, aos que o são de forma ostensiva, a condição de possuírem “uma mediunidade especial”, o que significa apenas tê-la em um grau maior.

A notícia sobre o anjo de guarda nos é dada em O Livro dos Espíritos:
489. Há Espíritos que se liguem particularmente a um indivíduo para protegê-lo?
“Sim, o irmão espiritual. É o que chamais o bom Espírito ou o bom gênio.”

490. Que se deve entender por anjo da guarda?
“O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada.”

491. Qual a missão do Espírito protetor?
“A de um pai com relação aos filhos: conduzir seu protegido pelo bom caminho, ajudá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas aflições e sustentar sua coragem nas provas da vida.”

(KARDEC, 2006a, p. 303)
Em O Céu e o Inferno, confirma-se que todos nós temos um anjo de guarda, cuja influência sobre nós é quase sempre oculta:
Quaisquer que sejam a inferioridade e perversidade dos Espíritos, Deus jamais os abandonaTodos têm seu anjo de guarda (guia) que por eles vela, na persuasão de suscitar-lhes bons pensamentos, desejos de progredir e, bem assim, de espreitar-lhes os movimentos da alma, como que se esforçam por reparar em uma nova existência o mal que praticaram. Contudo, essa interferência do guia faz-se quase sempre ocultamentee de modo a não haver pressão, pois que o Espírito deve progredir porimpulso da própria vontade, nunca por qualquer sujeição. (KARDEC, 2007d, p 103) (grifo nosso).
Quanto à expressão “raras são as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar” (KARDEC, 2006a, p. 139), citada um pouco atrás na mensagem de Channing, não entendemos que, por isso, existam pessoas que não a tenha, mas é uma maneira de dizer que, mesmo que seja com alguns rudimentos, ninguém a deixa de ter, pois a afirmativa posterior de que “todos os homens são médiuns” parece-nos ser mais forte e, cremos, seja a intenção final de sua afirmação, a qual poderemos corroborar com outra fala do Codificador, quando diz sobre os médiuns inspirados:
Todos os que recebem, no seu estado normal ou de êxtase, comunicações mentais estranhas às suas ideias, sem serem, como estas, preconcebidas, podem ser considerados médiuns inspirados.Trata-se de uma variedade intuitiva, com a diferença de que a intervenção de uma potência oculta é bem menos sensível, sendo mais difícil de distinguir no inspirado o pensamento próprio do que foi sugerido. O que caracteriza este último é sobretudo a espontaneidade. (KARDEC, 2006a, p. 154) (grifo nosso).
É interessante lermos a nota de rodapé colocada pelo tradutor dessa edição de O Livro dos Médiuns, o professor e jornalista José Herculano Pires, sobre o que se fala nesse parágrafo:
Nunca prestamos a devida atenção aos nossos processos mentais. Kardec nos oferece neste livro, como repete no período acima, uma regra de ouro nesse sentido. A psicologia materialista vai hoje se aproximando desse princípio, graças às pesquisas no campo da telepatia. Embora ainda não considere o pensamento dos Espíritos, já admite que recebemos constantemente pensamentos alheios. A observação permite-nos dividir perfeitamente o pensamento que produzimos aos poucos em nossa mente dos que nos são sugeridos. (KARDEC, 2006a, p. 154) (grifo nosso)
Como proposto no início, não poderíamos ampliar o conceito da mediunidade, tomando essa assertiva de Herculano, bem como desta outra?:
[…] A mediunidade estática não é propriamente uma forma de energia que permanece no organismo corporal em estado letárgico. É simplesmente a disposição natural do espírito para expandir-se, projetar-se e entrar em relação com outros espíritos. A Parapsicologia atual confirmou a tese espírita das relações telepáticas permanentes na visa socialNossa mente funciona, segundo acentua John Ehrenwald em seu estudo sobre relações interpessoais, como ativo centro emissor e receptor de pensamentos. Estamos sempre conversando sem o perceber. Muitos dos nossos monólogos são diálogos com outras pessoas ou com espíritos. […]. (PIRES, 1987, p. 19) (grifo nosso).
Por acreditarmos que sim, foi que desenvolvemos o texto Mediunidade: percepção da psique humana.

Após esse nosso destaque, continuemos a transcrição:
Recebemos a inspiração dos Espíritos que nos influenciam para o bem ou para o mal. Mas ela é principalmente a ajuda dos que desejam o nosso bem, e cujos conselhos rejeitamos com muita frequência. Aplica-se a todas as circunstâncias da vida, nas resoluções que devemos tomar.Nesse sentido pode-se dizer que todos são médiuns, pois não há quem não tenha os seus Espíritos protetores e familiares, que tudo fazem para transmitir bons pensamentos aos seus protegidos. Se todos estivessem compenetrados dessa verdade, com mais frequência se recorreria à inspiração do anjo guardião, nos momentos em que não se sabe o que dizer ou fazer.

Que se invoque o Espírito protetor com fervor e confiança, nos casos de necessidade, e mais assiduamente se admirará das ideias que surgirão como por encanto, seja para auxiliar numa decisão ou em alguma coisa a fazer. Se nenhuma ideia surgir imediatamente, é que se deve esperar. [...] (KARDEC, 2006a, p. 155) (grifo nosso).
É interessante que muitas vezes comentávamos que, pelo fato de termos, cada um de nós, um anjo de guarda, que sempre nos acompanha, todos nós deveríamos ser considerados médiuns, pela condição de podermos receber seus conselhos, não diferente do que aqui é colocado ou do que consta nas obras O Livro dos Médiuns eO Céu e o InfernoProvavelmente, dizíamos isso, porque vinha à nossa mente o que lêramos nelas, fato que tira qualquer pretensão de nossa parte em ser o autor dessa ideia.

Na Revista Espírita, ano de 1865, encontramos uma mensagem intitulada Estudo sobre a mediunidade, assinada por Georges, na qual esse Espírito diz:
A mediunidade é uma faculdade inerente à natureza do homem; não é nenhuma exceção nem um favor, ela faz parte do grande conjunto humano, e, como tal, está sujeita às variações físicas e às desigualdades morais; sofre o dualismo temível do instinto e da inteligência; possui seus gênios, sua multidão e seus monstros. (KARDEC, 2000b, p. 115) (grifo nosso).
Confirma a mediunidade como uma faculdade que faz parte da natureza do homem, sem que haja qualquer tipo de exceção. Como se observa no que já transcrevemos, essa afirmativa foi, repetidas vezes, sendo enfatizada, fato que ainda se verá.

Kardec analisa um artigo extraído do jornal la Discussion, assinado por A. Briquel, do qual transcrevemos:
Os médiuns são dotados de uma faculdade natural que os torna próprios para servirem de intermediários aos Espíritos e produzirem com eles os fenômenos que passam por milagres ou por prestidigitação aos olhos de quem lhes ignora a explicação. Mas a faculdade medianímica não é o privilégio exclusivo de certos indivíduos; ela é inerente à espécie humana, embora cada um a possua em graus diferentes, ou sob diferentes formas. (KARDEC, 1993b, p. 34) (grifo nosso).
Pelas considerações elogiosas que o Codificador faz desse artigo, dizendo serem perfeitos os pontos nele abordados, concluímos que ele endossou tudo quanto foi dito, motivo pelo qual trouxemos esse trecho do artigo. Ressaltamos a questão de ser inerente à espécie humana; portanto, todos nós a temos, variando apenas quanto ao grau e formas de sua manifestação, como já foi dito várias vezes.

Outro artigo interessante é o intitulado Mediunidade Mental, no qual Kardec comenta o que lhe escreveu um dos seus correspondentes de Milianah (Argélia), dessa forma:
Esta mediunidade, à qual damos o nome de mediunidade mental,certamente não é feita para convencer os incrédulos, porque ela nada tem de ostensiva, nem desses efeitos que ferem os sentidos; ela é toda para a satisfação íntima daquele que a possui; mas é preciso reconhecer também que ela se presta muito à ilusão, e que é o caso de se desconfiar das aparências. Quanto à existência da faculdade, dela não se poderia duvidar; pensamos mesmo que deve ser a mais frequente; porque o nome de pessoas que sentem, no estado de vigília, a influência dos Espíritos e recebem a inspiração de um pensamento que sentem não ser o seu, é considerável; a impressão agradável ou penosa que se sente às vezes à vista de alguém que se vê pela primeira vez; o pressentimento que se tem da aproximação de uma pessoa; a penetração e a transmissão do pensamento, são também efeitos que se prendem à mesma causa e constitui uma espécie de mediunidade, que se pode dizer universal, porque todos dela possuem pelo menos os rudimentos; mas para sentir-lhe os efeitos marcantes, é preciso uma aptidão especial, ou melhor um grau de sensibilidade que é mais ou menos desenvolvido segundo os indivíduos. A esse título, como dissemos há muito tempo, todo o mundo é médium, e Deus não deserdou ninguém da preciosa vantagem de receber salutares eflúvios do mundo espiritual, que se traduzem de mil maneiras diferentes; mas as variedades que existem no organismo humano não permitem a todo mundo obter efeitos idênticos e ostensivos. (KARDEC, 1993b, p. 86-87) (grifo nosso).
O que Kardec está comentando aqui é sobre uma pessoa que captava os pensamentos do seu guia espiritual, quando em estado de emancipação. Descreve, inclusive, que, nessa situação, recebia, até mesmo, visitas de outros Espíritos simpáticos, encarnados e desencarnados, com os quais entabulava comunicação mental. É a isso que ele denomina de mediunidade mental, assegurando que “todos dela possuem pelo menos os rudimentos” e, na sequência, reafirma que: “como dissemos há muito tempo, todo o mundo é médium”.

Kardec recebeu uma carta da cidade de Marennes sobre uma manifestação antes da morte, sobre a qual tece os seguintes comentários:
Há todo um estudo a fazer sobre esta carta. Nela vemos primeiro um encorajamento a orar pelos doentes, depois, uma nova prova da assistência dos Espíritos pela inspiração das palavras que se devem pronunciar, nas circunstâncias em que se estaria muito embaraçado para falar, estando-se entregue às próprias forças. É talvez um dos gêneros de mediunidade o mais comum, e que vem confirmar o princípio de que todo mundo é mais ou menos Médium sem disto desconfiar. Seguramente, se cada um se reportasse às diversas circunstâncias de sua vida, observasse com cuidado os efeitos que sente, ou dos quais foi testemunha, não há ninguém que não reconheça ter alguns efeitos de mediunidade inconsciente. (KARDEC, 1993c, p. 25) (grifo nosso).
Kardec aqui afirma que a mediunidade de inspiração é a mais comum e que não há ninguém que não a tenha, basta para isso analisar com cuidado os efeitos de diversas circunstâncias da vida, dessa forma muitos são “médiuns sem disto desconfiar”.

Em O que é o Espiritismo, numa de suas respostas ao céptico, Kardec disse-lhe:
Além disso, os médiuns são muito numerosos e é raríssimo, quando não o sejamos, não se encontrar algum em qualquer dos membros de nossa família, ou nas pessoas que nos cercam.

O sexo, a idade e o temperamento são indiferentes: eles aparecem entre os homens e mulheres, entre crianças, velhos, doentes e pessoas sadias. (KARDEC, 2007f, p. 107) (grifo nosso).
Vemos, nesse ponto, que Kardec está tratando o fato de “ser médium” no sentido restrito, dizendo que, na hipótese de não sermos médiuns no sentido restrito, é raríssimo não encontrarmos um à nossa volta, o que nos faz acreditar que ele, de forma direta, reafirma a questão de todos nós sermos médiuns, variando apenas a intensidade em que a mediunidade aflora em cada um de nós, seres humanos encarnados. É o que também concluímos do texto a seguir:
Nossa alma que não é, em definitivo, senão um Espírito encarnado, não é menos Espírito; se está momentaneamente revestida de um envoltório material, suas relações com o mundo incorpóreo, embora menos fáceis que no estado de liberdade, não são interrompidas por isso de maneira absoluta; o pensamento é laço que nos une ao Espírito, e por esse pensamento atraímos aqueles que simpatizam com as nossas ideias e nossas tendências. (KARDEC,1993e, p. 30) (grifo nosso).
Ressalte-se que, pelo fato de estarmos encarnados, não há empecilho para que tenhamos relações com os Espíritos, decorrente, segundo acreditamos, exatamente da circunstância de todos nós sermos médiuns. Ou estamos indo além do sentido que se pode tirar desse texto?

Um pouquinho mais à frente, lemos:
Estas considerações nos conduzem naturalmente à questão dos médiuns.Estes últimos estão, como todo o mundo, submetidos à influência oculta dos Espíritos bons ou maus; eles os atraem ou os repelem segundo as simpatias de seu espírito pessoal, e os Espíritos maus se aproveitam de todo defeito, como de uma falta de couraça para se introduzirem junto deles e se imiscuírem, com seu desconhecimento, em todos os atos de sua vida particular. (KARDEC, 1993e, p. 31) (grifo nosso).
Observamos que Kardec aqui reafirma que todo mundo está submetido à influência oculta dos Espíritos bons ou maus, razão pela qual deduzimos que todos nós somos médiuns, para que isso aconteça.

Dos comentários de Kardec, na Revista Espírita, mês de janeiro de 1863, sobre os possessos de Morzine, transcrevemos o seguinte trecho:
[...] Pela natureza fluídica e expansão do perispírito, o Espírito alcança o indivíduo sobre o qual quer agir, o cerca, o envolve, o penetra e o magnetiza. O homem, vivendo no meio do mundo invisível, está incessantemente submetido a essas influências, como às da atmosfera que respira, e essa influência se traduz por efeitos morais e fisiológicos, dos quais não se dá conta, e que atribui, frequentemente, a causas inteiramente contrárias. Esta influência difere naturalmente, segundo as qualidades boas ou más do Espírito, assim como explicamos no nosso precedente artigo. Este é bom e benevolente, a influência, ou querendo-se, a impressão, é agradável, salutar: é como as carícias de uma terna mãe que enlaça seu filho nos braços; se for mau e malevolente, ela é dura, penosa, ansiosa e, às vezes, malfazeja: ela não abraça, oprime. Vivemos nesse oceano fluídico, incessantemente expostos às correntes contrárias, que atraímos, que repelimos, ou às quais nos entregamos, conforme as nossas qualidades pessoais, mas no meio das quais os homens conservam sempre seu livre arbítrio, atributo essencial de sua natureza, em virtude do qual pode sempre escolher o seu caminho.

Isto, como se vê, é completamente independente da faculdade medianímica tal como é concebida vulgarmente. A ação do mundo invisível, estando na ordem das coisas naturais, se exerce sobre o homem, abstração feita de todo conhecimento espírita; a ela se está submetido como se o está à influência da eletricidade atmosférica, sem saber a física, como estar doente, sem saber a medicina. [...]

Todo indivíduo que sofre, de um modo qualquer, a influência dos Espíritos é, por isso mesmo, médium; mas é pela mediunidade efetiva, consciente e facultativa, que se chega a constatar a existência do mundo invisível, e pela diversidade das manifestações obtidas ou provocadas, que se pôde esclarecer sobre a qualidade dos seres que a compõem, e sobre o papel que eles desempenham na Natureza; o médium fez pelo mundo invisível o que o microscópio fez pelo mundo dos infinitamente pequenos. (KARDEC, 2000a, p. 2-9) (grifo nosso).
Na verdade, por estarmos em meio a um “mar de Espíritos” ou “oceano fluídico”, ninguém lhes escapa da influência, seja ela a dos bons ou a dos maus, motivo pelo qual Kardec concluiu: “isto, como se vê, é completamente independente da faculdade medianímica tal como é concebida vulgarmente”; ou seja, a questão do médium no sentido restrito reafirma, ao que nos parece, o fato de todos nós sermos médiuns no sentido amplo.

Em Mecanismos da Mediunidade, André Luiz nos remete a uma informação, segundo a qual fica fácil entender a possibilidade de todos nós sermos influenciados uns pelos outros, quer estejamos encarnados ou não. Leiamos:
Reconhecemos que toda criatura dispõe de oscilações mentais próprias, pelas quais entra em combinação espontânea com a onda de outras criaturas desencarnadas ou encarnadas que se lhe afinem com as inclinações de desejos, atitudes e obras, no quimismo inelutável do pensamento. (XAVIER, 1986a, p. 88) (grifo nosso).
Isso, se não estamos sendo pretensioso demais, concilia-se com a definição ampla que propomos, mais no início deste estudo.

E da obra Missionários da Luz, transcrevemos do diálogo de André Luiz com seu instrutor Alexandre:
- O Espiritismo cristão é a revivescência do Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo, e a mediunidade constitui um dos seus fundamentos vivos. A mediunidade, porém, não é exclusiva dos chamados “médiuns”. Todas as criaturas a possuem, porquanto, significa percepção espiritual, que deve ser incentivada em nós mesmos. […] (XAVIER, 1986b, p. 32) (grifo nosso).

– Aqui, André, observa você o trabalho simples da transmissão mental e não pode esquecer que o intercâmbio do pensamento é movimento livre no Universo. Desencarnados e encarnados, em todos os setores da atividade terrestre, vivem na mais ampla permuta de ideias. Cada mente é um verdadeiro mundo de emissão e recepção e cada qual atrai os que se lhe assemelham. Os tristes agradam aos tristes, os ignorantes se reúnem, os criminosos comungam na mesma esfera, os bons estabelecem laços recíprocos de trabalho e realização. Aqui temos o fenômeno intuitivo, que, com maior ou menor intensidade, é comum a todas as criaturas, não só no plano construtivo, mas também no círculo de expressões menos elevadas. […] (XAVIER, 1986b, p. 57) (grifo nosso).
O Interessante é que além de se confirmar, que todos nós possuímos a mediunidade, também está considerando que o “fenômeno intuitivo é comum a todas as criaturas”, e que “os encarnados e desencarnados vivem na mais ampla permuta de ideias”, isso só corrobora a mediunidade como sendo algo generalizado mesmo.
Ainda, nessa obra, um pouco mais à frente, continua o diálogo entre os dois personagens:
[…] depois de obter a permissão de Alexandre para acompanhá-lo ao trabalho, interroguei-o com a curiosidade de sempre:

– Todo obsidiado é um médium, na acepção legítima do termo?

O instrutor sorriu e considerou:

– Médiuns, meu amigo, inclusive nós outros, os desencarnadostodos o somos, em vista de sermos intermediários do bem que procede de mais alto, quando nos elevamos, ou portadores do mal, colhido nas zonas inferiores, quando caímos em desequilíbrio. O obsidiado, porém, acima de médium de energias perturbadas, é quase sempre um enfermo, representando uma legião de doentes invisíveis ao olhar humano. Por isto mesmo, constitui, em todas as circunstâncias, um caso especial, exigindo muita atenção, prudência e carinho. (XAVIER, 1986b, p. 297) (grifo nosso).
Estende a mediunidade como algo inerente também aos espíritos desencarnados.

Vejamos agora as questões de O Livro dos Espíritos, do capítulo IX – Intervenção dos Espíritos no mundo corporal, nas quais iremos encontrar algumas coisas que vêm apoiar a nossa conclusão:
459. Os Espíritos influem em nossos pensamentos e em nossos atos?
“Muito mais do que imaginais, pois frequentemente são eles que vos dirigem.”

460. Além dos pensamentos que nos são próprios, haverá outros que nos sejam sugeridos?
“Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais que muitos pensamentos vos ocorrem ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto e, frequentemente, bastante contraditórios. Pois bem! Neles há sempre um pouco de vós e um pouco de nós, e é isso que vos deixa na incerteza, porque tendes em vós duas ideias que se combatem.

461. Como distinguir os pensamentos que nos são próprios dos que nos são sugeridos?
Quando um pensamento vos é sugerido, é como uma voz que vos fala. Geralmente, os pensamentos próprios são os que ocorrem em primeiro lugar. Aliás, não vos é de grande interesse estabelecer essa distinção, e muitas vezes é útil não sabê-la: o homem age mais livremente. Se decidir pelo bem, ele o fará com maior boa vontade; se tomar o mau caminho, maior será a sua responsabilidade.”

489. Há Espíritos que se liguem particularmente a um indivíduo para protegê-lo?
Sim, o irmão espiritual. É o que chamais o bom Espírito ou o bom gênio.”

490. Que se deve entender por anjo de guarda?
O Espírito protetor, pertencente a uma ordem elevada.”

491. Qual a missão do Espírito protetor?
“A de um pai com relação aos filhos: conduzir seu protegido pelo bom caminho, ajudá-lo com seus conselhos, consolá-lo nas aflições e sustentar sua coragem nas provas da vida.”

492. O Espírito protetor está ligado ao indivíduo desde o seu nascimento?
Desde o nascimento até a morte. Muitas vezes ele o segue após a morte, na vida espiritual, e mesmo através de muitas existências corporais, já que tais existências não passam de fases bem curtas da vida do Espírito.”

(KARDEC, 2006b, p. 292-293/303) (grifo nosso).
Todas as abordagens aqui relacionadas, no tocante à influenciação dos Espíritos, se referem a todos nós, sem qualquer tipo de exceção; e se todo aquele que sofre algum tipo de influência dos Espíritos é um médium, então a alternativa, que se nos apresenta, é concluir que todos nós somos médiuns, pois não existe quem não sofra as suas consequências.

Por outro lado, se todos temos um Espírito protetor, um anjo da guarda, no linguajar popular, então aí mesmo é que podemos dizer, de forma contundente, que todos nós somos médiuns, pois se a função deles é ajudar-nos visando o nosso progresso espiritual, não haverá outra forma para ele fazer isso senão exercendo a sua influência sobre nós. Sobre esse ponto, vejamos o que disse o Espírito São Luís, por intermédio do senhor C..., médium falante e vidente, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, sessão do dia 12 de outubro de 1858, quando esclarecia sobre o suicídio:
[...] O homem deve seguir o impulso que lhe é dado; qualquer que seja a carreira que abrace, qualquer que seja a vida que conduza, está sempre assistido por Espíritos que o conduzem e o dirigem com o seu desconhecimento; ora, procurar ir contra os seus conselhos é um crime, uma vez que aí estão colocados para nos dirigir, e que esses bons Espíritos, quando queremos agir por nós mesmos, aí estão para nos ajudar. […]

[…] Quando eu disse que o homem impelido ao suicídio, estava cercado de Espíritos que o solicitavam a isso, não falei dos bons Espíritos que fazem todos os esforços para disso desviá-lo; deveria estar subentendido; todos sabemos que temos um Anjo guardião, ou, se preferis, um guia familiar. Ora, o homem tem seu livre arbítrio; se, apesar dos bons conselhos que lhe são dados, persevera nessa ideia que é um crime, ele a cumpre e é ajudado nisso pelos Espíritos levianos e impuros que o cercam, que ficam felizes em verem que ao homem, ou Espírito encarnado, também lhe falta coragem para seguir os conselhos de seu bom guia, e, frequentemente, do Espírito de seus parentes mortos que o cercam, sobretudo em circunstâncias semelhantes. (KARDEC, 2001a, p. 302-303) (grifo nosso).
Podemos ainda corroborar essa afirmativa com um trecho que consta da instrução dos Espíritos na questão 495, assinada conjuntamente pelos Espíritos São Luís e Santo Agostinho. Leiamo-la:
[...] Cada anjo de guarda tem o seu protegido, pelo qual vela, como o pai vela pelo filho. Alegra-se, quando o vê no bom caminho; sofre, quando seus conselhos são ignorados.

Não temais fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, procurai sempre estar em relação conosco, pois assim sereis mais fortes e mais felizes. São essas comunicações de cada um com o seu Espírito familiar que fazem sejam médiuns todos os homens, médiuns ignorados hoje, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão qual oceano sem limites, para rechaçar a incredulidade e a ignorância. [...] (KARDEC, 2006b, p. 305-306) (grifo nosso).
Clara é a posição desses dois espíritos, que participaram ativamente da codificação Espírita, com base na qual, imaginamos, Kardec tenha formado a sua opinião, para dizer que “todos nós somos médiuns”. Porém, se a compararmos com o que disse Erasto aí a coisa fica um pouco complicada; vejamos: “É, de resto, essa possibilidade de rejeição, própria da matéria, que se opõe ao desenvolvimento da mediunidade na maioria dos que não são médiuns” (KARDEC, 2006a, p. 212). Para resolver o impasse, pois por aqui se tem a ideia de que nem todos são médiuns, deveremos tomar a sua explicação para tê-la no sentido restrito, não valendo, portanto, para aqueles que são médiuns no sentido amplo. Isso o fazemos, apoiando-nos em Kardec. Leiamos um trecho do seu comentário intitulado A Mediunidade e a Inspiração, no qual ele analisa uma mensagem de Halévy (Espírito), recebida em Paris, pelo grupo Desliens, na data de 16 de fevereiro de 1869:
Sob suas formas variadas ao infinito, a mediunidade abrange a Humanidade inteira, como uma rede da qual nada pode escapar. Todos estando diariamente em contato, quer o saiba ou não, quer queira ou com isso se revolte, com inteligências livres, não há um homem que possa dizer: Eu não sou, eu não fui ou não serei médium. Sob a forma intuitiva, modo de comunicação ao qual o vulgo dá o nome de voz da consciênciacada um está em relação com várias influências espirituais, que aconselham num sentido ou num outro, e, frequentemente simultaneamente, ora o bem puro, absoluto; ora os acomodamentos com o interesse; ora o mal em toda sua nudez. - O homem evoca essas vozes; elas respondem ao seu chamado, e ele escolhe; mas escolhe, entre essas diferentes inspirações e seu próprio sentimento. - Os inspiradores são os amigos invisíveis; como os amigos da Terra, são sérios ou de passagem, interessados ou verdadeiramente guiados pela afeição. (KARDEC, 2001b, p. 94-95) (grifo nosso).
Ressaltamos o trecho “não há um homem que possa dizer: Eu não sou, eu não fui ou não serei médium”; o que vem reforçar o que se tem dito a respeito do tema.

Concluímos que todos nós somos médiuns, sim, pois não há uma só pessoa que não receba influência dos espíritos; na pior das hipóteses, em duas situações: em uma delas, a do seu anjo da guarda; na outra, é a que acontece durante os momentos de emancipação da alma, quando um encarnado se comunica com os Espíritos que lhe são simpáticos, conforme ficaram aqui demonstrados ambos os casos. Obviamente, que nosso modo de pensar pode não ser comungado por alguns companheiros espíritas, o que, acreditamos, certamente, acontecerá; porém, por coerência, continuaremos respeitando a liberdade de cada um ter a sua própria opinião.

Tendo em vista que estamos usando O Livro dos Médiuns traduzido por Herculano Pires, seria oportuno colocarmos a sua opinião constante numa nota de rodapé:
A mediunidade é uma faculdade humana como qualquer outra. Ninguém pode alegar que não a possui, pois todos têm pressentimentos, intuições, percepções extrassensoriais, sonhos premonitórios e assim por diante. Como as demais faculdades, Deus a distribui segundo as necessidades evolutivas de cada criatura. [...] (KARDEC, 2006a, p. 183) (grifo nosso).
Herculano Pires está confirmando que a mediunidade é uma faculdade humana, conforme já foi dito por várias vezes no decorrer deste estudo:
[…] Essa faculdade é inerente ao homem. [...] (KARDEC, 2006a, p. 139) (grifo nosso).

A mediunidade é uma faculdade inerente à natureza do homem; não é nenhuma exceção nem um favor, ela faz parte do grande conjunto humano, […] (KARDEC, 2000b, p. 115) (grifo nosso).

[...] Mas a faculdade medianímica não é o privilégio exclusivo de certos indivíduos; ela é inerente à espécie humana, embora cada um a possua em graus diferentes, ou sob diferentes formas. (KARDEC, 1993b, p. 34) (grifo nosso).

A mediunidade é uma faculdade humana como qualquer outra.Ninguém pode alegar que não a possui, pois todos têm pressentimentos, intuições, percepções extrassensoriais, sonhos premonitórios e assim por diante. [….] (KARDEC, 2006a, p. 183) (grifo nosso).
Nessa mesma obra – O Livro dos Médiuns –, pela publicação da Federação Espírita Brasileira - FEB, lemos:
Fora erro acreditar alguém que precisa ser médium, para atrair a si os seres do mundo invisível. Eles povoam o espaço; temo-los incessantemente em torno de nós, ao nosso lado, vendo-nos, observando-nos, intervindo em nossas reuniões, seguindo-nos, ou evitando-nos, conforme os atraímos ou repelimos. A faculdade mediúnica em nada influi para isto: ela mais não é que um meio de comunicação. De acordo com o que dissemos acerca das causas de simpatia e antipatia dos Espíritos, facilmente se compreenderá que devemos estar cercados daqueles que têm afinidade com o nosso próprio Espírito, conforme é este graduado, ou degredado. […] (KARDEC, 2007b, p. 306) (grifo nosso).
Acreditamos que é exatamente isso que está dito no livro Nos domínios da mediunidade, quando Áulus orienta aos dois aprendizes - André Luiz e Hilário -, nestes termos: “A mediunidade é um dom inerente a todos os seres humanos, como a faculdade de respirar, e cada criatura assimila as forças superiores ou inferiores com as quais sintoniza” (XAVIER, 1987a, p. 51) (grifo nosso) e que ainda podemos acrescentar com estas novas transcrições de outras obras da série André Luiz:
A mediunidade, no entanto, é faculdade inerente à própria vida e, com todas as suas deficiências e grandezas, acertos e desacertos, é qual o dom da visão comum, peculiar a todas as criaturas, responsável por tantas glórias e tantos infortúnios na Terra. (XAVIER, 1987b, p. 136) (grifo nosso).

[…] A mediunidade não é exclusiva dos chamados "médiuns". Todas as criaturas a possuem, porquanto significa percepção espiritual, que deve ser incentivada em nós mesmos. […] (XAVIER, 1986b, p. 32) (grifo nosso).
Reportaremos também ao espírito Bezerra de Menezes, que a uma certa altura da mensagem intitulada Advertência constante de Dramas da Obsessão, datada de 14 de março de 1964, assim disse:
Sabido é, entre espíritas fiéis aos seus princípios, que todos os homens são médiuns, ou, pelo menos, possuem a possibilidade de se deixarem influenciar pelas individualidades invisíveis, sejam estas esclarecidas, medíocres ou inferiores. Todavia, sabido será também que mais depressa a individualidade humana se permitirá envolver-se com as últimas que com as primeiras. […] (PEREIRA, 1987, p. 7) (grifo nosso).
Antes de encerrar nosso estudo seria de bom tom que pudéssemos responder a uma eventual pergunta: deveremos tentar desenvolver a nossa mediunidade? A resposta é que não seria conveniente, pois se deve deixar seguir o curso natural das coisas. Kardec, falando especificamente a respeito da vidência, respondeu a uma pergunta semelhante; leiamos:
a) Essa faculdade pode desenvolver-se pelo exercício?
- Pode, como todas as outras faculdades. Mas é daquelas cujo desenvolvimento natural é melhor do que o provocado, quando corremos o risco de sobre-excitar a imaginação. A visão geral e permanente dos Espíritos é excepcional e não pertence às condições normais do homem.

(KARDEC, 2006a, p. 93).
Ao colocar a faculdade de ver os espíritos como pertencente ao número “daquelas cujo desenvolvimento natural é melhor”, fácil concluir que considerava, também em relação a outras, ser prudente esperar que surjam naturalmente, embora não as tendo nominado. A razão disso ele atribuiu à possibilidade de sobre-excitar a imaginação.

Não podemos deixar de trazer a esse estudo a opinião de Léon Denis, que emDepois da Morte assim afirmou:
Todos somos médiuns, é verdade; porém, em graus bem diferentes. Muitos o são e ignoram-no; mas não há homem sobre quem deixe de atuar a influência boa ou má dos espíritos. Vivemos no meio de uma multidão invisível que assiste, silenciosa, atenta, à minudências de nossa existência; participa, pelo pensamento, de nossos trabalhos, de nossas alegrias e de nossas penas. […] (DENIS, 1987, p. 179) (grifo nosso).
Denis, um dos principais continuadores do Espiritismo, após a morte de Kardec, considerava também que todos nós somos médiuns.

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