a partir de maio 2011

sábado, 16 de junho de 2012

Uma Prova Inédita e a Livre Convicção do Juiz


Partindo da premissa de que as provas constituem elementos de grande valor para a instrução do processo, e tem como finalidade contribuir para a formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde da ação, traz-se à tona, neste pequeno comentário e, em especial, pela sua importância e abrangência, uma prova produzida pela defesa em um processo criminal, considerada inédita que, por sua vez, não merece ficar adormecida.
Trata-se de um acidente com arma de fogo, entre dois jovens amigos, ocorrido em Goiânia no ano de 1978, fato este que veio ocasionar na morte de um deles.
A Promotoria, na Denúncia, enquadrou o acusado nas sanções do art., 121 do Código Penal, por considerar o dolo direto na ação.
O advogado de defesa no processo, Dr. José Cândido da Silva, professor,magistrado, ressalte-se, primeiro Juiz da Comarca de Cristalina, defensor das causas criminais, a quem se presta, nesta oportunidade, uma pequena homenagem in memorian (1), juntou ao processo uma carta psicografada pelo médium Francisco Xavier (2), em cujo teor a vítima inocentava o amigo. Esta prova foi admitida e apreciada pelo Douto Juiz prolator da sentença para fundamentar a decisão de absolver o acusado, julgando a denúncia improcedente. O Juiz sentenciante, ao atender o recurso legal da Promotoria, optou por recorrer de sua decisão ao Egrégio Tribunal de Justiça que, com base na máxima quod non est in actis nom est in mundo, conheceu e deu provimento ao recurso.

Nas suas alegações finais, o advogado Dr. José Cândido, citou Nelson Hungria, que diz “os motivos determinados constituem, no direito penal moderno, a pedra de toque do crime. Não há crime gratuito ou sem motivo, e é no motivo quereside à significação mesma do crime”. No Júri Popular a defesa sustentou a tese da fortuidade, “a míngua de qualquer nexo de vontade dirigida para o evento” (3) e, ao terminar, pediu a absolvição do acusado. Defesa consubstanciada na falta de provas da intenção criminosa. Houve réplica e tréplica. Encerrados os debates de praxe, os jurados absolveram o réu por seis votos a um. Foi confirmada a decisão do Júri Popular – a absolvição do acusado da pena que lhe foi imputada.
O fato, na época, causou grande polêmica, com repercussão no mundo jurídico e na mídia, inclusive internacional, considerando a discussão gerada pela aceitabilidade da carta como meio de prova, haja vista a ausência de dispositivo legal que a amparasse.
2 - Com o presente comentário não se pretende esgotar e descer a detalhes sobre o processo, mas apenas tecer considerações sobre o fato, pela prova apresentada, pela sua importância e originalidade, seu reflexo na sociedade e no meio jurídico. As razões utilizadas pela defesa e a iniciativa de juntar uma prova desse gênero, diga-se, não prevista no ordenamento legal, mas passível de confiabilidade pelo respeito de sua autoria, nos leva a refletir sobre o leque de interpretação que cerca o advogado, ou mesmo os colaboradores do direito, verdadeiramente envolvidos nas suas defesas e tarefas em prol do cidadão e da justiça.
Ao Juiz prolator da sentença fica a certeza da conduta amparada na previsão legal do art. 157 da Lei Substantiva Penal, ao formar a sua convicção pela livre apreciação da prova, imbuído também, evidentemente, da prerrogativa que lhe foi concedida pela investidura no cargo. Ressalte-se que é regra que a prova seja produzida no processo, na instrução, perante o juiz que a dirige e preside o que está de acordo com o sistema da livre apreciação das provas.
Ad argumentandum, a previsão legal das provas no Código de Processo Penal, conforme nos mostram a doutrina e a jurisprudência, não é exaustiva, mas exemplificativa, vez que se entende, portanto, aquelas não previstas expressamente na legislação. Na lição do Mestre Fernando Capez “vigora no Processo Penal o princípio da verdade real, de tal sorte que não há de se cogitar qualquer espécie de limitação à prova, sob pena de se frustrar o interesse estatal na justa aplicação da lei”. (4)
Excluir-se-ia, neste momento, na avaliação das provas, as consideradas ilícitas e ilegítimas, e outras limitações que possam trazer prejuízos ao princípio da liberdade dos meios de prova. (5) Pergunta-se: novas provas a serem produzidas e apreciadas, ou simplesmente inominadas?
Por fim, apenas como reflexão, ao Direito Penal fica a lição da defesa, in casu, que retorna, neste espaço, quem sabe um ponto de partida para recepcionar uma nova tendência de interpretação do Direito, não somente apegado a uma codificação arcaica de 1940, mas voltado para um processo penal mais garantista, mais democrático, constitucionalista por excelência. Quando será também possível restabelecer a aplicação de princípios que dignificam o ser humano, resguardam a segurança jurídica, o estado de cidadania, tão bem recepcionados pela Constituição Federal de 1988 e esquecidos atualmente. Fazer valer o real sentido de uma Constituição Cidadã e, quem sabe, substituir, na força de expressão do Professor alemão Günter Jakobs e lembrança do 3 - Mestre Rogério Grecco(6), o denominado “Direito Penal do Inimigo”, sem a intenção deminimizar, lógico, as causas que envolvem a aplicação das penas e a estrutura humana e social responsáveis pelo aumento da criminalidade.(7)
Elizabeth Agel da Silva --Advogada e Historiadora -- Especialista e Consultora em Direito Penal, Processual Penal e do Consumo. -- (1) - Uma pequena homenagem aos 11 anos de seu falecimento (abril/2008).-- (2) - Xavier, Francisco Cândido – Lealdade, livro documentário com colaboradores sobre o assunto, Relator Hércio Marcos C. Arantes, Instituto de Difusão Espírita, fevereiro de 1983. ---(3) - Palavras da defesa nas Alegações Finais. -- (4) - Capez, Fernando – Curso de Processo Penal, 6ª Edição revista, 2001, Editora Saraiva, pág. 287. -- (5) - O artigo 157, CPP, em sua nova conformação (Lei 11.690/08), afirma que são inadmissíveis no processo "as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais". -- (6) - Grecco, Rogério – O Direito Penal do Equilíbrio, 2ª Edição, Niterói, RJ, 2006, pág. 22. -- (7) - Artigo de abril de 2008, revisto em agosto/08.

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