Nos processos de canonização de um santo, a
Igreja tem o conhecido advogado do diabo, que esmiúça a vida do santo, para
encontrar nele algum erro grave que impeça a sua canonização. Mas defeito
simples é tolerável.
De fato, quem vem a esse vale de lágrimas, como diz a
Salve Rainha, ou mundo de provas e expiações para o Espiritismo, é quem ainda é
imperfeito. A exceção é Jesus. É que ainda não somos purificados e, pois,
vitoriosos: “Aquele que se tornar vitorioso, eu o transformarei em coluna no
Reino dos Céus, e dali ele não sairá mais” (Apocalipse 3: 12). Mas o Espírito
já purificado, livre do Purgatório ou da lei de causa e efeito, não precisa
mais de reencarnar. Diz o apóstolo Paulo que combateu o bom combate (2 Timóteo
4: 7). Mas só Jesus pode dizer: Eu venci o mundo (João 16: 33).
Na época de Kardec, a ciência antropológica, ainda muito
atrasada, era racista. Para ela, a raça branca era a mais inteligente. E o cientista
Kardec recebeu um pouco da influência dessa ciência. Eu disse um pouco, pois
tal influência não foi suficiente para torná-lo um racista. Já a Igreja e as
outras igrejas cristãs eram racistas, haja vista que elas toleravam a
escravidão negra.
E Kardec não se sentia bem diante daquela situação. De
certa feita, ele disse meio desconsertado esta frase, que não era dele, mas dos
cientistas seus contemporâneos: “Diz-se que o negro é um ser humano grosseiro,
pouco inteligente etc.”. Até acreditamos que Kardec, por causa da ciência e das
religiões ocidentais a favor desse preconceito, tenha ficado um pouco tímido em
sua posição contra o racismo. É que ele estava, como se diz, de mãos e pés
amarrados diante daquela situação. É que como cientista e respeitador, pois, da
ciência e também das religiões, ele era prudente em combater as ideias delas.
Mas seria um grande equívoco concluir disso que ele era racista, como alguns
fanáticos antikardecistas, dando uma de advogados do diabo, em vão, tentam
passar essa imagem dele. Ademais, a doutrina espírita, através das entidades
manifestantes da Codificação Espírita, já se mostrava, naquela época,
radicalmente contrária à escravidão negra. (“O Livro dos Espíritos”, questões
54, 831 e 918; e “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo 17, item 3.) E
Kardec a condenou também (“Revista Espírita” de abril de l862).
Entretanto, Kardec muito sensato e muito apegado à
evolução, era consciente de que poderia ter cometido algum erro nas questões
doutrinárias espíritas. Não tão grave para ser derrotado por “um advogado do
diabo” e não “poder ser canonizado”! Era também de opinião que um Espírito da
Codificação, apesar de iluminado, poderia ter cometido, igualmente, algum
equívoco. Por isso disse que, se futuramente, com a evolução, houvesse alguma
discordância entre um ensino doutrinário e a ciência, que os espíritas
seguissem a ciência. Ele era, pois, consciente de que tanto ele, como os
Espíritos, mesmo iluminados, estavam sujeitos a erros.
Aliás, nem Jesus era onisciente. Perguntaram-Lhe quando
seria o final dos tempos (São Mateus 24: 36). Ele respondeu que nem os anjos
nem Ele sabiam, e que somente Deus, o Pai, o sabia!
José Reis Chaves
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