REVISTA ESPIRITA
JORNAL
DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS
6a ANO NO. 4 ABRIL 1863
SUICÍDIO FALSAMENTE ATRIBUÍDO AO ESPIRITISMO.
O ardor dos adversários em recolher, e sobretudo em desnaturar os fatos que crêem
poder comprometer o Espiritismo, é verdadeiramente incrível; está num ponto que não
haverá logo um acidente qualquer do qual não o tornem responsável.
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Um fato lamentável ocorreu recentemente em Tours, e não podia faltar de ser explorado
pela crítica, foi o suicídio de dois indivíduos que se esforçaram por atribuir ao Espiritismo.
O jornal lê Monde (antigo Univers religieutf, e depois dele vários jornais, publicaram
sobre esse assunto um artigo do qual extraímos as passagens seguintes:
"Um casal muito avançado em idade, Sr. e senhora ***, ainda bem de saúde e gozando
de uma renda que lhes permitia viver comodamente, se entregou há dois anos às
operações do Espiritismo. Quase toda noite se reuniam em sua casa um certo número de
operários, homens e mulheres, e pessoas jovens dos dois sexos, diante dos quais nossos
dois Espíritas faziam suas evocações, pelo menos pretendiam fazê-las.
"Não falaremos das questões de toda espécie das quais se pedia solução aos Espíritos
nessa casa. Aqueles que conheciam essas duas pessoas, há muito tempo, e seus
sentimentos sobre a religião, jamais se surpreenderam das cenas que poderiam se produzir
em sua casa. Estranhos a toda idéia cristã, estavam lançados na magia, onde passavam
por mestres hábeis e completos.
......................................................
"Um e o outro estavam convencidos, há pouco tempo, que os Espíritos lhes convidavam
vivamente a deixar a Terra, a fim de gozar num outro mundo, o mundo supraterrestre,
de maior soma de felicidade. Com efeito, não duvidando que seria assim, com o
maior sangue frio, consumaram um duplo suicídio, que fez hoje um grande escândalo na
cidade de Tours.
...................................................
"Assim, é hoje o suicídio que se tem a constatar como resultado do Espiritismo e de
sua doutrina; ontem eram casos de loucura, sem falar das desordens domésticas e de
outras desordens às quais o Espiritismo, tão freqüentemente, tem dado ocasião. Isto não
basta para fazer compreender aos homens que não querem escutar a voz da religião, a
quais perigos estão expostos entregando-se a essas tenebrosas e estúpidas práticas?"
Notemos primeiro que se esses dois indivíduos pretendiam fazer evocações, é que
não a faziam realmente; portanto, se não faziam evocações reais era uma quimera, e os
Espíritos não podem lhes ter dado maus conselhos.
Eram Espíritas, quer dizer, Espíritas de coração e não de nome? O artigo constata
que eles eram estranhos a toda idéia cristã; além disso, que passavam por mestres hábeis
e completos em fato de magia; ora, está constatado que o Espiritismo é inseparável
das idéias religiosas, e sobretudo cristãs; que a negação destas é a negação do Espiritismo;
que ele condena as práticas da magia, com as quais nada tem de comum; que denuncia
como supersticiosa a crença na virtude dos talismãs, sinais cabalísticos e palavras
sacramentais; portanto, essas pessoas não eram Espíritas, uma vez que estavam em
contradição com os princípios do Espiritismo. Para homenagear a verdade, diremos que,
tomadas as informações acima, resulta que essas pessoas não se ocupavam de magia, e
que, sem dúvida, quis se aproveitar da circunstância para unir seu nome ao Espiritismo.
O artigo disse, além disso que, em sua casa, eram feitas aos Espíritos perguntas de
toda espécie. O Espiritismo diz expressamente que não se podem dirigir aos Espíritos
todas as espécies de perguntas; que eles vêm para nos instruir e nos tornar melhores, e
não para se ocuparem dos interesses materiais; que é se equivocar sobre os objetivos
das manifestações nelas vendo apenas um meio de conhecer o futuro, de descobrir tesouros
ou heranças, de fazer invenções ou descobertas científicas para se ilustrar ou se
enriquecer sem trabalho; em uma palavra, que os Espíritos não vêm ler a sorte; portanto,
fazendo aos Espíritos perguntas de toda espécie, o que é muito real, esses indivíduos
provam a sua ignorância do próprio objetivo do Espiritismo.
O artigo não disse que disso fizessem negócio, e, com efeito, assim não era, de outro
modo lembraríamos o que foi dito cem vezes a respeito dessa exploração e de suas
conseqüências, das quais o Espiritismo sério não pode assumir a responsabilidade legal
ou outra, não mais do que assume a das excentricidades daqueles que não o compreendem;
não toma a defesa de nenhum dos abusos que poderiam ser cometidos em seu nome,
por aqueles que dele tomassem a forma ou a máscara sem assimilar-lhe os princípios.
Uma outra prova de que esses indivíduos ignoravam um dos pontos fundamentais
da Doutrina Espírita é que o Espiritismo prova, não por uma simples teoria moral, mas por
exemplos numerosos e terríveis, que o suicídio é severamente punido; que aquele que
crê escapar às misérias da vida por uma morte voluntária, antecipada sobre os desígnios
de Deus, cai num estado muito mais infeliz. O Espírita sabe, pois, disso não se pode duvidar,
que pelo suicídio, troca-se um estado mau passageiro por um pior, que pode durar
muito tempo; é o que teriam sabido esses indivíduos se tivessem conhecido o Espiritismo.
O autor do artigo, adiantando que essa doutrina conduz ao suicídio, pois, falou, ele mesmo,
de uma coisa que não conhecia.
Não estamos de nenhum modo surpresos do resultado produzido pelo barulho que
se fez desse acontecimento. Apresentando-o como uma conseqüência da Doutrina Espírita,
estimulou-se a curiosidade, e cada um quis conhecer por si mesmo essa Doutrina,
com direito a repeli-la se fosse tal como se a apresentava; ora, reconheceu-se que ela
dizia tudo ao contrário daquilo que se lhe fazia dizer; ela não pode, pois, senão ganhar em
ser conhecida, do que nossos adversários parecem se encarregar com ardor com o qual
não podemos senão lhes ser agradecido, salvo, no entanto, da intenção. Se por suas diatribes
produzem uma pequena perturbação /oca/ e momentânea, não tarda em ser seguida
de uma recrudescência no número de adeptos; é o que se vê por toda a parte.
"Se, pois, se nos escrevem de Tours, esses indivíduos creram dever misturar os Espíritos
em sua fatal resolução e às suas excentricidades bem conhecidas, é evidente que
nada compreenderam do Espiritismo, e que disso não se pode tirar nenhuma conclusão
contra a Doutrina; de outro modo seria preciso pronunciar as doutrinas mais sérias e mais
sagradas dos abusos, e mesmo dos crimes cometidos em seu nome por pobres insensatos
ou fanáticos. A senhora F... pretendia ser médium, mas todos aqueles que a ouviram
conversar, jamais puderam tomá-la a sério. As idéias muito conhecidas, os exageros e as
excentricidades do casal, e sobretudo da mulher, lhes fizeram impiedosamente fechar as
portas do círculo espírita de Tours, onde não foram admitidos em uma única sessão."
O jornal precitado não estava melhor informado sobre as verdadeiras causas desse
suicídio. Nós as haurimos nas peças autênticas depositadas num notário de Tours, assim
como numa carta que nos foi escrita a esse respeito pelo Sr. X..., procurador judicial dessa
cidade.
Os espososl F..., idosos, a mulher de sessenta e dois anos e o marido de oitenta,
longe de estar no bem-estar, foram levados ao suicídio pela perspectiva da miséria única.
Tinham amontoado uma pequena fortuna num comércio de tecido de algodão em Nouvelle-
Orléans; arruinados por falências, vieram a Nantes, depois a Tours, com alguns restos
de seu naufrágio. Uma renda vitalícia de 480 fr., que era seu principal recurso, lhes faltou
em 1856, em conseqüência de uma nova falência. Já por três vezes, e bem antes que o
Espiritismo estivesse em questão, tinham tentado o suicídio. Nestes últimos tempos, perseguidos
por antigos credores, um processo infeliz acabara de arruiná-los e de lhes fazer
perder a coragem e a razão.
A carta seguinte, escrita pela senhora F... antes de sua morte, e que se encontra entre
as peças acima relatadas, e assinadas pelo presidente do tribunal, ne varietur, fez conhecer-
lhe o verdadeiro motivo. Transcrevemo-la textualmente com a ortografia original:
"Senhor e senhora B..., antes de seguir para o céu, quero me entender convosco
uma última vez, aceitai meus últimos adeuses, se bem que, espero, no entanto, que nos
reveremos, como parto antes de vós, vou reservar o vosso lugar para quando o momento
vier quero vos dar parte de nosso projeto, depois de nossas adversidades nutrimos no
nosso coração, um desgosto que não pude apagar, é mais do que um tédio, tudo me tor16
na pesado, tenho constantemente o coração cheio de amargura, é preciso que vos diga
que, há seis anos, que o negócio de nossa casa nada está ainda acabado, seria preciso
talvez completar ainda dois mil francos como vemos que disso não poderemos sair senão
com grandes privações, que é preciso sempre recomeçar sem ver o fim, é preciso isso
acabar, agora somos velhos e as forças começam a nos abandonar, falta a coragem,
a parte não é mais igual, é preciso terminar com isso e combinamos a determinação.
Rogo-vos muito aceitar meus desejos muito sinceros.
Fo F..."
Sabe-se hoje em Tours a que se ater sobre as verdadeiras causas desse acontecimento,
e o barulho que se fez a esse respeito volta em proveito do Espiritismo, porque,
disse nosso correspondente, dele se fala por toda parte, se quer saber o justo e o que
isso é, e desde esse momento as livrarias da cidade venderam mais livros espíritas do
que não o tinham ainda feito.
É verdadeiramente curioso ver o tom lamentável de alguns, a cólera furiosa de alguns
outros, e no meio de tudo isso o Espiritismo prosseguindo em sua marcha ascendente,
como um soldado que toma de assalto sem se inquietar com a metralha. Os adversários,
vendo a zombaria impotente, depois de terem dito que era um fogo-fátuo, dizem
agora que é um cão raivoso.
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