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ANO NO. 1 JANEIRO 1865
DA APREENSÃO DA MORTE.
O homem, em qualquer grau da escala a que pertença, desde o estado de
selvageria, tem o sentimento inato do futuro; sua intuição lhe diz que a morte não é a
última palavra da existência, e que aqueles que lamentamos não estão perdidos sem
retorno. A crença no futuro é intuitiva, e infinitamente mais geral do que a no nada. Como
ocorre, pois, que, entre aqueles que crêem na imortalidade da alma, encontre-se ainda
tanto apego às coisas da Terra, e uma tão grande apreensão da morte?
A apreensão da morte é um efeito da sabedoria da Providência, e uma
conseqüência do instinto de conservação comum a todos os seres vivos. Ela é necessária
enquanto o homem não está esclarecido sobre as condições da vida futura, como
contrapeso ao ar-rastamento que, sem esse freio, o levaria a deixar prematuramente a
vida terrestre, e negligenciar o trabalho deste mundo, que deve servir ao seu próprio
adiantamento.
É por isso que, nos povos primitivos, o futuro não é senão uma vaga intuição, mas
tarde uma simples esperança, mais tarde enfim uma certeza, mas ainda contrabalançada
por um secreto apego à vida corpórea.
Á medida que o homem compreende melhor a vida futura, a apreensão da morte
diminui; mas, ao mesmo tempo, compreendendo melhor sua missão sobre a Terra,
espera seu fim com mais calma, resignação e sem medo. A certeza da vida futura dá um
outro curso às suas idéias, um outro objetivo aos seus trabalhos; antes de ter essa
certeza, não trabalha senão pelo presente, porque sabe que seu futuro depende da
direção mais ou menos boa que dá ao presente. A certeza de reencontrar seus amigos
depois da morte, de continuar as relações que teve sobre a Terra, de não perder o fruto
de nenhum trabalho, de crescer sem cessar em inteligência e em perfeição, dá-lhe a
paciência de esperar, e a coragem de suportar as fadigas momentâneas da vida terrestre.
A solidariedade que ele vê se estabelecer entre os mortos e os vivos lhe faz compreender
a que deve existir entre os vivos; a fraternidade, desde então, é sua razão de ser e a
caridade um objetivo no presente e no futuro.
Para se libertar das apreensões da morte, é preciso poder encarar esta sob seu
verdadeiro ponto de vista, quer dizer, ter penetrado, pelo pensamento, no mundo invisível
e dele ter feito uma idéia tão exata quanto possível, o que denota no Espírito encarnado
um certo desenvolvimento, e uma certa aptidão a se libertar da matéria. Naqueles que
não estão suficientemente avançados, ávida material se impõe ainda sobre a vida
espiritual. O homem se apegando ao exterior, não vê a vida senão no corpo, ao passo
que a vida real está na alma; estando o corpo privado de vida, aos seus olhos, tudo está
perdido, e ele se desespera. Se, em lugar de concentrar seu pensamento sobre a veste
exterior, ele o leva sobre a própria fonte da vida, sobre a alma que é o ser real
sobrevivente a tudo, lamentaria menos o corpo, fonte de tantas misérias e dores; mas,
para isso, é preciso uma força que o Espírito não adquire senão com a maturidade.
para isso, é preciso uma força que o Espírito não adquire senão com a maturidade.
Esses pensamentos não deixam de agitar os mais fervorosos, por pouco que
refletissem. O trabalho progressivo que se cumpre sobre a Terra, não estando por nada
na felicidade futura, a facilidade com a qual crêem adquirir essa felicidade por meio de
algumas práticas exteriores, a própria possibilidade de comprá-la a preço de dinheiro,
sem reforma séria do caráter e dos hábitos, deixam aos gozos do mundo todo o seu valor.
Mais de um crente disse-o, em seu foro interior, que, uma vez que seu futuro está
assegurado pelo cumprimento de certas fórmulas, ou por dons póstumos que não o
privam de nada, seria supérfluo impor esses sacrifícios ou um embaraço qualquer em
proveito de outrem, desde que pode fazer sua salvação trabalhando cada um para si.
Seguramente tal não é o pensamento de todos, porque há grandes e belas
exceções; mas não se pode dissimular que essa não seja a de um número maior,
sobretudo das massas pouco esclarecidas, e que a idéia que se faz das condições para
ser feliz no outro mundo não mantém o apego aos bens deste, e, consequentemente, o
egoísmo.
Acrescentamos a isso que tudo, nos usos, concorre para fazer lamentar a vida
terrestre, e temer a passagem da Terra ao céu. A morte não é cercada senão de
cerimônias lúgubres que terrificam mais do que provocam a esperança. Se se representa
a morte, é sempre sob um aspecto repousante, e jamais como um sono de transição;
todos os seus emblemas lembram a destruição do corpo, ou o mostram odioso e
descarnado; nenhuma simboliza a alma que se liberta radiosa de seus laços terrestres. A
partida para esse mundo mais feliz não é acompanhada senão de lamentações dos
sobreviventes, como se chegasse a maior infelicidade àqueles que para lá se vão; diz-se
um eterno adeus como se não se devesse jamais revê-los; o que se lamenta por eles são
os gozos deste mundo, como se não devessem encontrar gozos maiores. Que
infelicidade, diz-se, morrer quando se é jovem, rico, feliz e que se tem diante de si um
futuro brilhante! A idéia de uma situação mais feliz apenas aflora no pensamento, porque
ela não tem ali raízes. Tudo concorre, pois, para inspirar o medo da morte em lugar de
fazer nascer a esperança. Sem dúvida, o homem terá muito tempo para se desfazer
desses preconceitos, mas ali chegará à medida que sua fé se afirmar, que se fizer uma
idéia mais sadia da vida espiritual.
A Doutrina Espírita muda inteiramente a maneira de encarar o futuro. A vida futura
não é mais uma hipótese, mas uma realidade; o estado das almas depois da morte não é
mais um sistema, mas um resultado de observação. O véu é levantado; o mundo invisível
nos aparece em toda sua realidade prática; não foram os homens que o descobriram pelo
esforço de uma concepção engenhosa, foram os próprios habitantes desse mundo que
vieram nos descrever sua situação; nós os vemos ali em todos os graus da escala
espiritual, em todas as fases da felicidade e da infelicidade; assistimos a todas as
peripécias da vida de além-túmulo. A está, para os Espíritas, a causa da calma com a
qual encaram a morte, a serenidade de seus últimos instantes sobre a Terra. O que o
sustenta não é somente a esperança, é a certeza; sabem que a vida futura não é senão a
continuação da vida presente em melhores condições, e a esperam com a mesma
confiança com que esperam o reerguer do Sol depois de uma noite de tempestade. Os
motivos dessa confiança estão nos fatos dos quais são testemunhas, e no acordo desses
fatos com a lógica, a justiça e a bondade de Deus, e as aspirações íntimas do homem.
A crença vulgar coloca, por outro lado, essas almas nas regiões apenas acessíveis
ao pensamento, onde se tornam, de alguma sorte, estranhas aos sobreviventes; a própria
Igreja coloca entre elas e esta última uma barreira intransponível; ela declara que toda
relação está rompida, toda comunicação é impossível. Se elas estão no inferno, toda
esperança de revê-las está perdida para sempre, a menos de lá ir por si mesmo; se elas
estão entre os eleitos, estão toda absorvidas pela sua beatitude contemplativa. Tudo isso
coloca entre os mortos e os vivos uma tal distância, que se considera a separação como
eterna; é porque prefere-se ainda vê-las junto de si sofredoras sobre a Terra, a vê-las
partir, mesmo para o céu. Depois a alma, que está no céu, é realmente feliz em ver, por
exemplo, seu filho, seu pai, sua mãe ou seus amigos queimarem eternamente?
Para os Espíritas, a alma não é mais uma abstração; ela tem um corpo etéreo que
faz dela um ser definido, que o pensamento abarca e concebe; já é muito para fixar as
idéias sobre sua individualidade, suas aptidões e suas percepções. A lembrança daqueles
que nos são caros repousa sobre alguma coisa de real. Não se os representa mais como
chamas fugidias que não lembram nada ao pensamento mas sob uma forma concreta que
no-las mostra como seres vivos. Depois, em lugar de seres perdidos nas profundezas do
espaço, estão ao nosso redor; o mundo visível e o mundo invisível estão em perpétuas
relações, e se assistem mutuamente. Não sendo mais permitida a dúvida sobre o futuro, a
apreensão da morte não tem mais razão de ser; se a vê chegar de sangue-frio, como uma
libertação, como a porta da vida, e não como a do nada.
REVISTA ESPIRITA
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