a partir de maio 2011

quarta-feira, 11 de abril de 2012

QUANTIDADE OU QUALIDADE? EIS A QUESTÃO!

Martha Rios Guimarães


A história da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fundada e dirigida por Allan Kardec até o seu desencarne, revela o cuidado do Codificador na admissão dos participantes nas atividades daquela instituição, em uma demonstração clara de que ele não objetivava um grande número de participantes, mas sim a presença de pessoas realmente interessadas em estudar e entender o Espiritismo. Infelizmente, tão precioso ensinamento tem passado despercebido pela maioria dos Dirigentes e Casas Espíritas da atualidade e o que vemos é uma sucessão de decisões que visam encher as sociedades, mesmo que para isso paguemos o enorme preço de desvalorizar os ensinamentos doutrinários.
 
Certa vez ouvi de um Dirigente que “estou trabalhando para tornar minha Casa Espírita a recordista de Atendimentos Espirituais da região” (isso mesmo: “dele” e não da qual ele faz parte – em mais uma demonstração clara dos resultados nocivos provocados pela falta de conhecimento da base kardequiana). Mais recentemente, alguns colaboradores antigos de outra Casa Espírita, adeptos da reunião mediúnica com participação do público e que não se conformam com o fato da nova geração de trabalhadores ter tornado o trabalho privativo – como tem que ser, diga-se de passagem -, tentavam defender seu ponto de vista alegando que exibições mediúnicas atraem pessoas à Casa Espírita. O mesmo grupo, inclusive, reclamava a diminuição de atendimentos espirituais, depois que a sociedade adotou uma forma de trabalho onde as pessoas atendidas são conscientizadas de que o conhecimento da Doutrina Espírita, somado à prática, leva ao tão almejado equilíbrio – aliás, cumpre-nos frisar que tal mudança gerou maior busca pelos grupos de estudo, reduzindo a menos de 10% o índice de reincidência no tratamento e eliminando a dependência do assistido pelo tratamento espiritual.
 
Participando do meio espírita vejo com grande tristeza trabalhos, que promovem o debate e um maior entendimento das ideias doutrinárias, praticamente vazios, ao passo que iniciativas no mínimo discutíveis recebem a presença maciça do públicodito espírita. O mesmo ocorre com a literatura. Enquanto clássicos inquestionáveis somem das prateleiras por falta de leitores, obras criadas com o intuito de gerar receita a quem as produz, viram fenômeno de vendas, levando leitores sem conhecimento suficiente a assimilar conceitos totalmente errôneos e, assim, divulgar de forma deficiente a Doutrina dos Espíritos.
 
Não menos preocupante é a constatação de que no meio dessa visão distorcida, as Casas e seus Dirigentes, no geral, continuam a “apagar incêndios” (sem perceber), abrindo mão de trabalhos planejados, coerentes com a base doutrinária e sem se preocupar com a correta formação da nova geração de Espíritas que bate à nossa porta e, na maioria das vezes, sai rapidamente em função da falta de consistência e – até mesmo – de respeito com que é recebida. Vivemos a reclamar dos “papa passes” e, no entanto, não empreendemos ações necessárias para eliminar essa situação. As pessoas continuam chegando às instituições e recebendo a mensagem indireta, mas forte o suficiente, de que a parte mais importante da reunião é o momento do Passe (isso quando não chega exatamente no momento em que começa o trabalho de fluidoterapia) e, assim, sem a devida informação sobre seus benefícios, forma de atuação e a hora certa de utilizá-lo, banalizamos um dos mais importantes recursos que temos à disposição dos necessitados, transformando-o quase que em um ritual dentro de nossas fileiras.
 
Ao levantarmos tais reflexões junto aos líderes, geralmente, temos como resposta o argumento de que não podemos mudar essa forma de atuação sob pena de reduzir o público da Casa Espírita. Mesmo sendo muito recorrente, tal ponto de vista ainda me assusta e decepciona, levando-me a refletir sobre qual seria a postura do Codificador diante dessa situação. Optaria ele por casas com públicos pequenos, mas com vontade sincera de estudar, entender e praticar em seu dia-a-dia os ensinamentos espíritas ou abriria mão da essência doutrinária em prol de auditórios lotados por pessoas que, talvez, ainda não estejam preparadas para a verdadeira grandiosidade da mensagem espírita? Ouso dizer que Kardec, sem vacilar, escolheria a primeira opção. Mas, então, alguns podem dizer: “não podemos nos comparar a Kardec”. E eu sou obrigada a concordar. Não somos Kardec, de fato, mas não está no momento de nos posicionarmos correta e eticamente diante da tarefa abraçada? Como líderes espíritas podemos nos dar ao direito de não fazer o que deve ser feito e está contido nas obras básicas e únicas, produzidas pelo professor francês? Não precisamos ser Kardec para – ao menos tentar - combater o orgulho, a vaidade, o personalismo e o comodismo que, infelizmente, tanto dificultam a propagação do brilho real da Doutrina Espírita.
 
Talvez esse despretensioso artigo soe como um lamento, uma desistência, quase uma desesperança, mas não foi com essa intenção que foi escrito. Foi produzido como forma de demonstrar, sim, uma certa indignação, mas, acima de tudo, para promover reflexões que levem a mudanças necessárias e, acima de tudo, que estejam à altura do teor inigualável e irrepreensível da Doutrina que amamos e com a qual comprometemo-nos a trabalhar dignamente.
 
Martha Rios Guimarães: Jornalista, atua nas áreas de Comunicação e de Educação Espírita Infanto-Juvenil, pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo e pelo Centro Espírita Gabriel Ferreira.
 
Artigo publicado no Jornal “O Despertador”

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