a partir de maio 2011

terça-feira, 3 de abril de 2012

O Fenômeno "Theta"

Hermínio C. Miranda

Por gentileza do amigo e confrade S. J. Haddad, recebo dos Estados Unidos alguns folhetos em inglês que muito nos interessaram. Dois deles trazem mensagens assinadas por Bezerra de Menezes, Emmanuel e Kelvin Van Dine; as duas primeiras, recebidas pelo Chico, e as duas seguintes pelo Waldo. As traduções são excelentes e muito boa a impressão, feita sob os auspícios do “Christiam Spirit Center” (Centro Espírita Cristão). Na melhor tradição kardequiana, os confrades de lá começam a introduzir o uso da palavra “Spirit” (Espírita) em lugar de “Spiritualist” (espiritualista), cujo significado é muito mais genérico, como explicou Kardec. Por outro lado, estão igualmente mostrando que o Espiritismo pode ser cristão, coisa que os nossos irmãos da língua inglesa ainda não conseguiram distinguir muito bem. Daqui enviamos aos amigos da América as nossas vibrações de estímulo pela sementeira que estão fazendo.
*
O outro folheto é um exemplar do Boletim “Theta”, números 17 e 18, correspondentes à primavera e ao verão de 1967. Essa publicação é de responsabilidade da “Psychical Research Foundation” e se dedica a “pesquisar o problema da sobrevivência após a morte corporal”. Preside essa fundação o conhecido e eminente Doutor J. G. Pratt, companheiro de trabalho de J. B. Rhine, com quem escreveu, de parceria, um importante livro (“Parapsicologia – A Nova Ciência de Fronteira”) que já tivemos oportunidade de comentar. Da leitura do livro, depreendi, à época, que o Dr.Pratt era exageradamente cauteloso em fazer concessões que pudessem “comprometer” o seu trabalho ou o seu nome de pesquisador. Isso talvez seja devido à sua grande seriedade como cientista em busca da verdade, uma verdade tão avançada e tão extraordinária como é a do Espírito humano. Se o leitor desejar, poderá reportar-se ao artigo em que foi apreciado o livro de Rhine e Pratt. Está em “Reformador” de julho de 1960, página 17, sob o título “Mais um Livro do Dr. Rhine”.
Lembro-me que há cerca de oito anos (Artigo de 1967), escrevi ao Dr. Rhine procurando saber qual a sua posição diante da sobrevivência e obtive apenas uma resposta lacônica, na qual ele me enviava uma separata de um artigo seu publicado no “Journal of Parapsychology”. Coisa pouco animadora.
Depois disso, porém, sua esposa, a Dra. Louisa Rhine, escreveu um livrinho muito interessante em que, entre outras coisas, admite francamente a sobrevivência, apresentando uma vasta coletânea de fenômenos psíquicos. Esse livro chama-se em inglês “Hidden Channels of the Mind” e se acha traduzido para o português, respeitado o título “Canais Ocultos do Espírito”.
Agora vem também o Dr.Pratt, dez anos após a publicação do livro que escreveu com o Dr. Rhine, expor seu interesse pelo problema da sobrevivência. O Dr.Pratt, além de Presidente da Fundação já mencionada, é Professor-Assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de Virginia. A Diretoria da Fundação conta ainda com outros membros ilustres, entre os quais o eminente Prof. Ian Stevenson, Presidente do Departamento de Neurologia e Psiquiatria da mesma Universidade. Por aí vê o leitor a importância que está sendo atribuída ao assunto. O Dr. Stevenson, com o qual tenho a honra de me corresponder, vem há muitos anos pesquisando a reencarnação. Publicou recentemente um livro sob o sugestivo título de “Twenty Cases Suggestive of Reincarnation” (Volume XXVI, dos “Proceedings” da American Society for Psychical Research, setembro de 1966, 362 páginas, preço US$ 6.00, endereço: 880 Fifth Avenue, New York, N.Y., 10021, USA).
Em primeiro lugar, foi bom que a equipe do Dr. Rhine começasse a pesquisar a sobrevivência, que antes não entrava em suas cogitações. Em segundo lugar, achei interessante que tivessem escolhido a letra “Theta” para rotular o projeto. Por mais que procure ficar neutro, o homem moderno deixa-se levar facilmente pelos rótulos das coisas, pelos “slogans” de publicidade, pelas frases feitas e pela novidade das expressões. Assim, convinha fugir das expressões consagradas para rotular o novo impulso que está sendo dado à pesquisa acerca da sobrevivência. Muita gente poria de quarentena qualquer projeto desses, mesmo feito por cientistas professores universitários, se o rótulo fosse “espiritismo científico”, “pesquisa psíquica” ou coisa semelhante. Como gosto de buscar algum sentido simbólico nas idéias, achei ótima a escolha da oitava letra do alfabeto grego para designar a “operação sobrevivência”. Saímos um pouco de prefixo “para” e da letra Psi, a essa altura desmoralizada por tantos curiosos desprovidos de gabarito intelectual ou de serenidade e isenção para lidar com problemas tão sérios. Com “theta” se escreve “Theos” – Deus, palavra tão profunda. E é pelos caminhos da sobrevivência e da reencarnação que nos vamos aproximando dEle. Com “theta” se escreve teologia – a ciência das coisas divinas, que vai ser toda rescrita em novas bases.
Vamos ver se dessa vez temos mais sorte. Nós, espiritualistas em geral e espíritas em particular, ficamos numa grande “torcida” quando os senhores cientistas se prestam para as suas expedições pelos elevados domínios do Espírito. Como naquela brincadeira do “chicotinho-queimado”, ficamos a distância, pensando com os nossos botões: “Está quente...” “Esfriou...”, à medida que se aproximam ou se afastam das realidades espirituais. Até agora o que temos visto é andarem em círculo, em torno do chicote escondido. Por mais que a gente procure “torcer”, parece que eles têm um receio secreto de descobrir a Verdade. É compreensível isso, porque a descoberta do Espírito vai dar um trabalho enorme, obrigar a uma total reformulação do pensamento humano, em todas as ciências da serie comtiana, a partir da biologia. Vai dar muito o que fazer e dizer: o mesmo trabalho que daria para destroçar uma cidade para aproveitar apenas o terreno, a fim de, sobre ele, edificar uma outra inteiramente nova, muito mais bela, mais luminosa, mais pura e até mais simples.
Nosso incurável otimismo acha que dessa vez a coisa vai melhor. Vamos ver por quê.
*
O número 17/18 do Boletim “Theta” é dedicado à reencarnação. Já não é isto um excelente sinal? Tem o leitor conhecimento de outra qualquer publicação desse porte, universitária e, ainda mais, nos Estados Unidos, que se dedique à reencarnação?
Evidentemente há muito obstáculo a remover ainda e não vamos dar saltos de alegria, supondo que a ciência já descobriu a reencarnação. Está, no entanto, cada vez mais “quente” em torno do chicotinho escondido. Diz o Boletim, na introdução, que a idéia constitui crença comum nos países onde predominam as religiões budista e hindu, “mas tem poucos adeptos no ocidente”. Já aqui, discordamos. Só no Brasil, creio não haver erro em estimar em alguns milhões aqueles que acreditam na reencarnação. E digo mais: nem todos esses milhões são espíritas. É comum encontramos amigos e parentes que se dizem católicos e admitem tranquilamente a doutrina palingenésica.
Prossegue o artigo introdutório dizendo que a reencarnação “conflita com a ciência ortodoxa que atribui ao homem apenas uma vida”. Outra impropriedade de quem está perto da verdade, mas ainda não a alcançou. Diríamos nós, espíritas, que a ciência é que está em conflito com a doutrina palingenésica. Não é a doutrina que se vai modificar e sim a concepção científica. Ninguém precisa ser profeta para afirmar uma coisa tão evidente.
Mais adiante, diz o artigo que “só recentemente, e por causa do trabalho de um individuo, a reencarnação está merecendo séria atenção por parte dos parapsicólogos. Esse homem é o Dr.Ian Stevenson, presidente do Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Universidade de Virginia, em Charlotesville, Estado de Virginia”.
Em seguida, o Boletim examina dois livros sobre a reencarnação. O primeiro chama-se “Reincarnation: A Study of Forgotten Truth” (“Reencarnação: Estudo de uma Esquecida Verdade”). O livro é uma espécie de antologia, preparada por E. D. Walker, e foi publicado pela New Hyde Park, New York, Edição University Books, 1965, com 25 páginas de introdução e 385 de texto. Preço: US$ 5.00.
O artigo é do próprio Dr. Stevenson, que informa ter sido a primeira edição dessa obra publicada em 1888 e reeditada em 1911 e em 1923. Há 80 anos, portanto, já eram escritos livros honestos e que merecem respeito até hoje, acerca do problema da reencarnação, no mundo ocidental. Não desejo referir os livros de Kardec, aparecidos pela primeira vez a partir de 1857, porque se diria que são livros doutrinários, dentro da filosofia espírita. Há também livros leigos que tratam do problema. E continuamos a pesquisar infindavelmente.
Dia o Dr. Stevenson que a leitura do livro “impressiona pela grande quantidade de povos, tanto temporal como geograficamente, que têm acreditado na reencarnação”. Lembra que até o seculo sexto da era cristã predominava essa crença na Europa. Depois a coisa degenerou a tal ponto que o filósofo Schopenhauer dizia que “se um asiático me pedisse a definição da Europa, eu seria forçado a dizer-lhe o seguinte: “É aquela parte do mundo na qual prevalece a incrível falácia de que o homem foi criado do nada e que o seu nascimento atual constitui sua primeira entrada na vida”.
Acha o Dr. Stevenson que, quando o livro foi compilado, pouca evidência havia acerca da reencarnação, e que, “comparada com a evidência hoje existente, os respingos de Walker oferecem escassa substância”. Mesmo com essa restrição, que é mais quantitativa que qualitativa, o Dr. Stevenson considera o livro “extremamente valioso, como introdução à literatura acerca da reencarnação”.
O autor cita ainda duas outras antologias sobre a doutrina palingenésica. São elas: “Reincarnation: The Ring of Return”, (“Reencarnação: A Roda do Retorno”), aliás, ao pé da letra: “o anel do retorno”, compilada por Eva Martin, que também escreveu a introdução do livro. Este foi originariamente publicado em 1927, com uma nova edição em 1963, pela New Hyde Park. O Outro livro chama-se “Reincarnation: An East-west Anthology” (“Reencarnação: Uma Antologia Oriental e Ocidental”), compilado por Joseph Head e S. L. Cranston, publicado pela Julian Press, New York, em 1961. São ainda mencionados dois trabalhos franceses: “La Reincarnation”, de Edouard Bertholet, publicado em Lausanne, na Suíça, por Pierre Genillard, em 1943, e “Lqa Reincarnation des Ames Selon Les Traditions Orientales et Ocidentales” (“A Reencarnação das Almas, Segundo as Tradições Orientais e Ocidentais”), de A. des Georges, publicado em 1966, em Paris, pelas Éditions Albin Michel.
Informa ainda o Prof. Stevenson que as obras francesas citadas não são estritamente antologias, e sim, mais apropriadamente, levantamentos e indicações sobre a literatura original, contendo, cada uma, extensa bibliografia. Infelizmente, o Prof. Stevenson esqueceu-se da grandiosa obra de Gabriel Delanne – “La Reincarnation”, traduzida e editada em português pela FEB, sob o título “A Reencarnação”.
*
O outro artigo, no Boletim “Theta”, é do eminente Professor J. G. Pratt e contém uma apreciação, tão minuciosa quanto possível, do livro do Prof. Ian Stevenson.
O artigo do Prof. Pratt é de grande interesse e denota um entusiasmo surpreendente pelo problema da reencarnação, especialmente se levarmos em conta a posição do Dr.Pratt há poucos anos, quando escreveu sobre Parapsicologia.
Antes de emitir sua opinião sobre o livro, o Dr. Pratt resume para os leitores do Boletim um dos 20 casos selecionados pelo Doutor Stevenson. Trata-se do episódio de Imad Elawar, o menino libanês que tinha lembrança de uma existência anterior numa família de certo destaque na vizinha cidade de Khriby. Em março de 1964, o Prof. Stevenson foi ao Líbano, para investigar esse caso.
É claro que o Dr. Pratt conserva o seu modo cauteloso de expor os seus pontos de vista e o hábito de raciocinar em termos de ciência acadêmica – e nenhuma objeção temos quanto a isso; pelo contrário -, mas sua posição é inegavelmente mais evoluída. Ele ainda diz, por exemplo, que o Dr. Stevenson afastou “as possibilidades de explicar o caso por processos normais”. Cabe aqui a pergunta: no campo da pesquisa psíquica quais os critérios para identificar o que é normal? Num universo todo regulado por leis perfeitas, a memória de uma existência anterior é fenômeno normal, ainda que não habitual no estágio evolutivo em que nos encontramos.
Isto, porém, não é censura ao Dr. Pratt; nem tenho autoridade para fazê-la.
Passando rapidamente pelas objeções usualmente levantadas pelos tenazes oponentes do Espírito, o Dr. Pratt reproduz as explicações do Prof. Stevenson. Vamos citar uma delas, para que o leitor formule o seu juízo acerca da natureza das questões. Por exemplo: há quem diga que o conhecimento de fatos relacionados com a pessoa falecida se deve ao simples exercício de faculdades extra-sensoriais.
- Que vedes nisso senão um fenômeno de pantomnesia? Perguntam alguns. Ou de cuberlandismo. Ou de criptestesia.
Como diria Shakespeare, são apenas palavras, palavras, palavras...
Acha Stevenson (e Pratt concorda com ele, aparentemente) que o conhecimento não vem por inexplicáveis e inexplicados processos ESP; se assim fosse, a pessoa que os experimenta não teria sua percepção limitada àquele caso específico; antes, seria capaz de perceber também, por via extra-sensorial, outras memórias e outros fatos relacionados com diferentes pessoas. Mas não: tudo é relacionado com uma só pessoa, que já existiu mesmo e teve aquele nome, morreu naquela casa, e assim por diante.
O Dr. Pratt é bem explicito ao dizer que o Dr. Stevenson está certo em considerar favoravelmente a interpretação reencarnacionista, mesmo havendo qualquer remota possibilidade de alguma outra explicação. Realmente, no passado ainda recente, os pesquisadores recusavam liminarmente a reencarnação, desde que houvesse qualquer hipótese diferente, ainda que fantástica e improvável. Agora, mesmo havendo outras hipóteses, a doutrina reencarnacionista é aceita a sério, como uma delas.
Logo adiante, numa incisiva declaração de princípio, legitimamente científica, acrecenta o Dr. Pratt o seguinte, que traduzo:
“A cultura engendra fortes preconceitos contra certas idéias, tanto quanto a favor delas. Não há como escapar ao fato de que o conceito da reencarnação repugna à maioria das pessoas educadas do mundo ocidental. No entanto, isso não equivale a dizer que é falsa a idéia da reencarnação, da mesma forma que a generalizada crença existe em outras partes do mundo não prova sua legitimidade. Não obstante, o status” da idéia nos leva à surpresa em face da publicação do livro do Dr. Stevenson. Agora, porém, que o choque da minha própria surpresa se atenuou, entendo que o seu projeto abriu novos horizontes à investigação do problema da sobrevivência, em paralelo e em suplementação aos métodos que os pesquisadores científicos têm seguido no passado”.
Declaração importante essa, leitor. Muito mesmo. Está sendo escrita por quem há alguns anos não teria admitido a possibilidade de fazê-la. Já agora, não apenas ele, como outros cientistas de renome e reputação, chegam à conclusão de que a reencarnação é uma hipótese científica válida e que contribuirá sensivelmente para esclarecimento do velho problema humano da sobrevivência do Espírito. Muita esperança existe aí para todos nós que vivemos neste mundo conturbado. Ainda há pouco me escrevia o prezado amigo e ilustre confrade, Prof. Hernani Guimarães Andrade, que gente como nós, que tem conhecimento dessas coisas, não sairia por aí jogando bombas atômicas sobre outros seres humanos. E não é mesmo? Portanto, quando todos souberem disso, ninguém irá fazer bombas, quanto mais atirá-las sobre seus irmãos homens, suas irmãs mulheres e crianças.
Graças a Deus, a vanguarda da ciência está chegando, em relação ao Espírito humano, ao ano de 1857, quando, num dia de abril, os livreiros parisienses exibiram um livro que os Espíritos haviam escrito com Kardec.
O plano de trabalho futuro, no campo da pesquisa psíquica, filosófica e moral, está contido por inteiro na codificação kardequiana. É questão de aparecer uma equipe corajosa sob a direção de meia dúzia de cientistas desligados de preconceitos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário