a partir de maio 2011

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Em Busca da Filosofia Espírita


CIÊNCIA, FILOSOFIA E RELIGIÃO SÃO OS TRÊS ASPECTOS QUE FORMAM  ESPIRITISMO. A FILÓSOFA ASTRID SAYEGH EXPLICA O SEGUNDO DELES E  MOSTRA POR QUE ELE É FUNDAMENTAL NA FORMAÇÃO DOS ESPÍRITAS.

Por Eliana Ferrer Haddad
Foi pensando no conhecimento legítimo, como aquele que visa à transcendência do espírito, que a professora e filósofa Astrid Sayegh se sentiu incentivada a pesquisar mais profundamente o assunto, o que culminou na defesa de uma tese junto à Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP); seu objeto de reflexão foi justamente demonstrar a possibilidade de uma abordagem positiva do espírito e de sua faculdade por excelência: a intuição.
No Espiritismo, de aluna do Curso de Introdução ao Conhecimento do Espiritismo, que tinha por disciplina central a Filosofia Espírita, Astrid Sayegh passou à expositora e, mais tarde, já como coordenadora do Curso de Filosofia Espírita, lançou o livro …Ser para conhecer, Conhecer para ser… Nessa importante obra, a autora faz uma análise aprimorada sobre o itinerário do espírito, num trajeto que inclui a Percepção, a Razão e a Intuição, como formas de conhecimento e evolução; assim como a metodologia científica empregada pelos Espíritos. “Os filósofos José Herculano Pires e Astrid Sayegh dão as mãos na explicação da importância do Espiritismo para a compreensão da nossa posição no Universo, para o desenvolvimento do ser integral, para o nosso desenvolvimento pleno”, escreve a pedagoga e palestrante espírita, Heloisa Pires, no prefácio do livro. Para se ter uma idéia da importância dessas palavras, Heloisa é filha de Herculano, considerado o maior filósofo que o Espiritismo já teve!
Em 2007, Astrid Sayegh e uma equipe de pesquisadores fundaram o Instituto Espírita de Estudos Filosóficos, em São Paulo, SP, que objetiva desenvolver pesquisas e estudos em filosofia e filosofia espírita, incentivar a pesquisa, reunir pensadores dessa área e promover o intercâmbio de conhecimento. Além de debates, cafés filosóficos, palestras e encontros, o Instituto oferece cursos. Os de Filosofia Espírita e de Formação de Expositores de Filosofia Espírita começarão já em março. É o estudo do pensamento, é o pensamento pesquisando a si mesmo!
O que é a Filosofia Espírita?Fala-se muito em Espiritismo atualmente, porém pouco se sabe a seu respeito, de seu verdadeiro objeto. Muitas tentativas louváveis surgiram na história do pensamento no sentido de conciliar o Cristianismo à filosofia. No entanto, faltaram-lhes fundamentos positivos que viessem a resgatar os valores cristãos em sua pureza pela certeza da mortalidade da alma e de sua condição mais além. O Espiritismo arremata a metafísica tradicional, retomando a realidade do ser e de seus atributos de forma concreta. Sob esse ponto de vista poderíamos considerar o Espiritismo, por buscar resgatar os ensinamentos cristãos através de princípios racionais, a Filosofia dos Evangelhos. Sem dúvida, a quantidade de manifestações espíritas neste século culto e cético tem sido considerável. No entanto, importa que sejam exaltados os fundamentos racionais para uma apreensão da alma em sua realidade concreta, assim como a legitimidade de seus princípios. Eis a sua autoridade soberba, que acaba por superar os sistemas abstratos, opondo-lhes a realidade substancial, viva e atual da alma. A união do Espiritismo com as ciências filosóficas parece-nos de grande necessidade para uma mudança de valores, para o progresso intelectual, moral e religioso da humanidade pós-moderna; daí a necessidade de núcleos que visem o aprofundamento dos alicerces filosóficos da magna doutrina — com seriedade.
Qual a importância da Filosofia para o Espiritismo?Consoante com Herculano Pires, o Espiritismo é a síntese essencial dos conhecimentos humanos, aplicada à investigação da verdade. Se a ciência constitui o fundamento da Doutrina, se a moral religiosa lhe é decorrente, a Filosofia consiste no seu verdadeiro objeto, na medida em que imprime uma nova direção à destinação do ser. Se o papel da Filosofia no Espiritismo consiste em trazer fundamentos racionais para o Evangelho é porque ela cumpre com as exigências do Iluminismo (século 18) à época de Kardec: trata-se de uma religiosidade natural e não sobrenatural, posto que iluminada pela luz natural da razão. Muitos acham que a força do Espiritismo está nos fenômenos, mas na verdade sua autoridade está na lógica de seus princípios.
Allan Kardec adverte em O Livro dos Espíritos que a força do Espiritismo não está nos fenômenos, como geralmente se pensa, mas em sua Filosofia. Por quê?
O Codificador amplia a idéia que se faz do Espiritismo para algo muito mais sério, colocando-o numa visão mais ampla, em sua concepção da realidade. Mais do que um conhecimento racional, mais que uma pesquisa de inteligibilidade, a Filosofia define-se por uma busca moral, e de nossa verdadeira destinação, e por um aprendizado de virtudes. Se, inicialmente, a Filosofia define-se por uma reflexão sobre as experiências reais da consciência humana, seu objeto último consiste na superação da condição humana – o que por sua vez identifica-se com o próprio objeto da Doutrina Espírita. Nesse sentido, conforme explica Herculano Pires, a Filosofia Espírita apresenta-se como a antecipação das conquistas atuais do campo filosófico e abertura de perspectivas para o futuro.
Por que O Livro dos Espíritos recebeu a indicação de “Filosofia Espiritualista” e não de Filosofia Espírita?
Como especificidade, O Livro dos Espíritos contém a Doutrina Espírita; como generalidade, pertence ao sistema espiritualista. O Espiritualismo é uma doutrina, segundo a qual o espírito constitui a substância de toda a realidade; o Espiritismo está inserido neste contexto, porém lhe acrescenta a sua especificidade, qual seja, a questão da imortalidade da alma, a teoria das reencarnações e a mediunidade. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec indica Sócrates e Platão como precursores do Cristianismo e do Espiritismo, sendo este o desenvolvimento histórico daquele. Efetivamente, a tradição filosófica é o terreno vasto em que podemos descobrir as raízes da Filosofia Espírita. Filosofar é refletir, e a reflexão é tanto a história progressiva da consciência, quanto à própria formação do saber. Muitos desconhecem a pertinência da Filosofia Espírita à Filosofia Tradicional, e negam a importância do estudo dessa tradição filosófica, a qual na verdade constitui a própria história do pensamento espírita. Portanto, torna-se impossível refletir, aprender uma filosofia, sem acompanhar a evolução do pensamento, o seu desenvolvimento em ordem lógica e cronológica. Estudar somente uma parte da evolução é reduzir o alcance da Doutrina. As idéias inovadoras não surgem do nada.
Para que serve, afinal, filosofar no Espiritismo? Estudar somente O Livro dos Espíritos não é o suficiente?Como explicou o Codificador “a verdadeira Doutrina Espírita está no ensino que os Espíritos deram, e os conhecimentos que esse ensino comporta são por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer modo, que não por um estudo perseverante, feito no silêncio e no recolhimento”. Se o objeto da Doutrina Espírita é a realidade espiritual, se o rumo que imprime é a superação da transcendência do ser, estaremos sendo incoerentes ao negar-lhe o papel da Filosofia. Quando alguém, pois, alude à inutilidade da Filosofia, ele o faz por situar o saber filosófico quanto à utilidade imediata dos bens materiais – concepção esta que não se coaduna com a axiologia espírita, com a busca da transformação dos valores morais para a felicidade do espírito. Herculano Pires afirma que “os espíritas, em geral, formulam uma idéia pessoal da Doutrina, um estereótipo mental a que se apegam. Esquecem-se de que o Espiritismo é uma doutrina que existe nos livros e que precisa ser estudada de forma precisa, profunda, e se possível, de forma sistematizada. É preciso desvelar e articular didaticamente a filosofia intrínseca ao O Livro dos Espíritos assim como outras obras da Codificação. Trata-se, pois, não apenas de fazer sessões, provocar fenômenos, mas de debruçar o pensamento sobre si mesmo, examinar a concepção espírita do mundo e reajustar a ela a conduta através da moral espírita”. Poucos homens sabem viver do próprio pensamento e haurir do imenso reservatório que portam em si mesmos.
De que forma o estudo da Filosofia auxilia no progresso espiritual, nesse esforço pela transformação interior?
Quem se acostuma a raciocinar sobre os problemas filosóficos, a pesar razões e tirar conclusões, habitua-se a ponderar o que escuta ou lê, a formar o próprio critério, a distinguir o verdadeiro do falso, o bem do mal. Este exercício intelectual contribui para se adquirir uma salutar independência de juízo. Por outro lado, aquele que se habitua a pensar disciplinadamente aprende considerar as coisas sob uma visão mais aberta e mais profunda. A cada descoberta, a cada contato com a verdade, ele ilumina a si mesmo. A verdadeira filosofia não está nos discursos que contemplamos objetivamente, mas consiste no próprio engajamento do ser que, neste contato regenerador com a verdade, eleva-se, vivifica-se. Não se trata simplesmente de estabelecer relações entre idéias, entre conceitos. O processo de conhecimento está intimamente identificado com o processo de iluminação do ser. Viver a Doutrina de forma repetitiva é estagnar, dogmatizar-se. Conforme define ainda Herculano Pires, “o objeto da filosofia é a própria relação do pensamento com a verdade”, ou seja, a verdade só será apreendida quando vivenciada no íntimo da consciência de cada um. Conhecer é dilatar-se, é gerar a si mesmo na identificação com o próprio movimento da verdade. Se o papel da ciência é conduzir o homem a uma compreensão da realidade fenomênica, o papel da Filosofia consiste em conduzir o ser à “alegria interior”. Nós, espíritas, que nos propomos a uma reafirmação da realidade do Espírito, nós que nos encontramos diante de perspectivas de projeção internacional, nós que nos preparamos para que amanhã a Doutrina venha fazer parte da realidade acadêmica de nosso País, como afirmarmos a realidade do espírito positivamente senão através da Filosofia? Se a Ciência, através de seu método analítico, atua sobre o ser em sua condição material, apenas a Filosofia permite perscrutar a realidade suprema da vida: definir a realidade essencial e metafísica do espírito, o que transcende a alçada do método experimental.
E qual, então, a importância da Ciência para a Filosofia?
Os fatos científicos constituem a condição prévia que penetra o princípio da Filosofia. “Reconhecendo à Ciência o poder de aprofundar a matéria” – afirma o filósofo Henri Bérgson (1859-1941) – “à Filosofia, reserva-se o espírito”. Como espírito e matéria se desenvolvem em uma experiência comum, Filosofia e Ciência devem igualmente encontrar-se, para que desse contato se constituam uma Ciência mais profunda e uma Filosofia mais positiva — colimando sempre o Evangelho acima de tudo. Não podemos reduzir o Espiritismo só à ciência, pois o reduziríamos à realidade aparente; nem tampouco só à metafísica, pois cairíamos num pensamento abstrato. Ambas se complementam, porém cada uma com seu objeto e método próprio. O conhecimento legítimo é aquele que visa à evolução do ser, e quanto mais aprofundamos o pensamento, com mais discernimento vivemos, mais intensa é a vida, e mais autênticos são nossos passos. Filosofar consiste em buscar viver com profundidade e intensamente, não os nutre viver a vida de forma superficial.
Para concluir: por que a filosofia envolve tanto aqueles que se propõem a estudá-la?
“A filosofia é um apetite de sabedoria divina” afirma Pitágoras, o anseio de assemelhar-se a Deus tanto quanto seja possível. Portanto, cabe-nos escolher continuar apenas vivendo, ou cumprir com a nossa natureza divinal de sermos criativos a cada momento. A Filosofia não é mais coisa para os eruditos ou idosos, mas o exercício de busca da verdade infinda, é uma forma de vitalidade, que nos leva a gerar a interioridade, na inefável alegria do reencontro consigo, com sua essência divinal. Não há conhecimento autêntico de si mesmo sem a reflexão filosófica, como testemunhara Agostinho de Hipona, que supera sua condição de bispo à condição de filósofo apaixonado pelo Cristianismo. Aqui está o grande segredo da “paixão filosófica”, algo que somente se pode conhecer em íntima convivência com ela.
ELIANA FERRER HADDAD é jornalista. Espírita, contribui com textos e reportagens para diversos veículos da imprensa especializada
http://www.ieef.com.br

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