a partir de maio 2011

sexta-feira, 6 de abril de 2012

A Cura de um Obsediado


Carlos Torres Pastorino

Mateus 12:22-30

  1. Então foi-lhe trazido um obsidiado cego e mudo, e curou-o de modo que o cego e mudo tanto falava quanto via.
  2. E admirou-se toda a multidão e dizia: "Não é este o Filho de David"?
  3. Ouvindo-o, os fariseus disseram: "Este não expele os espíritos (obsessores) senão por Beelzebul, chefe dos espíritos".
  4. Conhecendo, porém, Jesus as reflexões deles, disse-lhes: "Todo o reino dividido contra si mesmo será desolado, e toda cidade ou casa, dividida contra si mesma, não subsistirá.
  5. Se o adversário expulsa o adversário, está dividido contra si mesmo; como então subsistirá seu reino?
  6. E se eu expulso os espíritos (obsessores) por Beelzebul, por quem os expelem vossos filhos? Por isso eles mesmos serão vossos julgadores.
  7. Mas se por um espírito de Deus eu expulso os espíritos (obsessores), então já chegou o reino de Deus sobre vós.
  8. Ou como ,pode alguém entrar na casa do (homem) forte e roubar-lhe os bens, sem primeiro amarrá-lo? e então lhe saqueará a casa.
  9. Quem não está comigo, é contra mim, e quem comigo não ajunta, espalha".

Marcos 3:22-27

  1. E os escribas, que tinham descido de Jerusalém. disseram: "ele tem Beelzebul", e "porque pelo chefe dos espíritos (obsessores) ele expulsa os espíritos (obsessores)".
  2. Tendo-os então chamado, disse-lhes em parábolas: Como pode o adversário expulsar um adversário?
  3. E se um reino se dividir contra si mesmo, esse reino não pode subsistir.
  4. Se uma casa se dividir contra si mesma, essa casa não pode permanecer.
  5. E se o adversário se levantou contra si mesmo e se dividiu, ele não pode subsistir, mas tem fim.
  6. pois ninguém pode entrar na casa do (homem) forte e roubar-lhe os bens, sem antes amarrá-lo; e então lhe saqueará a casa".

Lucas 11:14-23

  1. Estava Jesus expulsando um espírito (obsessor) e este era mudo; e aconteceu que, tendo saído o espírito (obsessor), falou o mudo e maravilhou-se a multidão.
  2. Mas alguns deles disseram: "É por Beelzebul, príncipe dos espíritos (obsessores) que ele expele os espíritos ("obsessores)".
  3. Outros, para experimentá-lo, Pediam-lhe um sinal celeste.
  4. Conhecendo-lhes, porém, os pensamentos, disse-lhes: "Todo reino dividido contra si mesmo se esvaziará e cairá casa sobre casa.
  5. Também se o adversário se dividir contra si mesmo, como subsistirá seu rei:no? dizeis que eu expulso os espíritos (obsessores) por Beelzebul.
  6. Se eu expulso os espíritos (obsessores) por Beelzebul, por quem os expelem vossos filhos? Por isso serão eles mesmos vossos julgadores.
  7. Mas se pelo dedo de Deus eu expulso os espíritos (obsessores) então chegou a vós o reino de Deus.
  8. Quando o (homem) forte, bem armado, guarda sua casa, seus bens estão em paz.
  9. Mas quando sobrevier outro mais forte que ele e o vencer, tira-lhe toda a armadura em que confiava e reparte seus despojos.
  10. Quem não está comigo, é contra mim, e quem comigo não ajunta, espalha".
Mateus e Lucas expõem o fato que provocou a discussão entre Jesus e os fariseus, escribas e doutores da lei, discussão que se estenderá violenta ainda por alguns capítulos.
Foi-lhe trazido um obsidiado (daimonizómenos, isto é, dominado por um espírito obsessor, ver vol. 1o., pág. 137-138) , cujo perseguidor espiritual o mantinha cego e mudo (Lucas diz apenas "mudo"). Não é esclarecida a origem do caso; mas para atribuir-se a mudez e a cegueira à ação do espírito, deve ter ocorrido após o nascimento, já se havendo comprovado a possibilidade física de a vítima ter, naturalmente, a capacidade de ver e falar. Jesus atende ao caso e parece que o desligamento foi instantâneo: o ex-obsidiado passa logo a falar e enxergar. Ora, isso constitui um espetáculo inédito para os presentes, de tal forma maravilhando-os, que alguns desconfiam seriamente tratar-se do Messias ("Filho de David").
Outro episódio semelhante é narrado em Mat. 9:33-34, mas as circunstâncias variam. Não obstante, Lagrange, (o.c. , pág. 241) julga que as duas narrativas se referem ao mesmo caso, embora Pirot (o.c., 9o. vol., pág. 158) e Dausch (Die drei altern Evangelien, 1932, pág. 194, citado por Pirot) distingam um de outro.
Neste ponto comecam os fariseus e "escribas provenientes de Jerusalém" (nota de Marcos) a lançar sua campanha de descrédito contra o taumaturgo, com a acusação mais insensata que possa ser imaginada nesses casos. Havia, nas sinagogas, os exorcistas "oficiais (cfr. os ilhos de Ceva, At. 19:14) que obtinham êxito por meio da prece (sema) ou da recitação do Salmo 92, ou servindo-se de jejuns e outros ritos. Jesus, ao contrário, de nada se utiliza: ordena, e a libertação é feita. Donde lhe vinha tal poder? O povo vê certo intuitivamente: "de Deus". Mas os que temem a concorrência, e não querem perder o prestígio, levantam maldosa e conscientemente a hipótese absurda e insensata, que até hoje permanece válida nas religiões organizadas. Com isso, pretendem assustar as criaturas simples e tímidas, fazendo-lhes crer que só eles estão com Deus. . . E a frase parte, mentirosa e cheia de veneno (e repetida até hoje pelos descendentes dos fariseus): "é por Beelzebul que ele expulsa os espíritos obsessores"!
BEELZEBUL, está em todos os códices unanimemente e significa "senhor do fumeiro". A Vulgata modificou o termo para Beelzebub, "senhor das rnoscas", para identificá-lo com o Baal de Accaron (Ekron ), consultado por Ocozias (2o. Reis, 1:2, 3, 6 e 16).
Perguntam os hermeneutas por que Beelzebub se transformou em Beelzebul. Lembremos que também o filho de Saul, Ishbaal "homem de Baal" (cfr. 1o. Crôn. 8:29-40 e 9:35-44) teve seu nome mudado para Ishboseth "filho da vergonha" (cfr . 2o. Sam. 2: 28, etc). Alguns supõem que isso visava a ridicularizar o nome do deus (espírito-guia) do povo filisteu, que era rival do deus (espírito-guia) do povo israelita. Strack & Billerbeck, ao comentar este passo (citado em Pirot, o.c. v. 9o. pág. 158) apresentam a hipótese de que as duas palavras são independentes. E cita: "sacrificar ao deus de Israel é zâbâh; ora, o sacrifício era feito com fogo. Por ironia. talvez. a fim de dizer que os holocaustos aos outros deuses só produziam fumaça, foi empregada a palavra zâbai, que significa "fumeiro". Daí o sacrifício "idolátrico" ser dito zebel e a oferta zibbul. Ora, Beel-zibbul pode ter-se abrandado em Beelzebul, que passou a designar o "chefe do fumeiro", ou seja, qualquer espírito-guia diferente de YHWH.
Segundo Marcos, Jesus chama os discípulos para perto de si e lhes expõe a resposta à objeção frágil e insensata. Começa afirmando que um "reino" ou uma casa dividida contra si mesmos, não poderão subsistir. Qualquer luta intestina é sumamente prejudicial ao crescimento e progresso; antes, leva facilmente ao desfazimento e à ruína. Este é um princípio tão evidente que se torna argumento irretorquível. Daí é deduzida a ilação: satanás não pode lutar contra satanás, senão seu reino cai em ruína. Aqui temos um dos passos que comprovam que "satanás", não é a personificação de um ser, como pretendem certas teologias, mas a generalização de um princípio; e com isto concordam Lagrange (o.c., pág. 242) e Pirot (o.c., 9o., pág. 159).
Além desta resposta racional e sensata, vem o argumento ad hominem: se assim fosse, por quem os expulsariam os "vossos filhos"? Os exorcistas das sinagogas bem sabem que a força divina é a única eficiente nesses casos. Eles, que têm prática, serão os julgadores autorizados dos fariseus, nessa questão.
E prossegue a argumentação, apertando os contendores em círculos férreos. Se a libertação do obsidiado não é pela força adversária do próprio chefe, logicamente só pode sê-lo por "um espírito de Deus" (em grego não há artigo). E se assim é, então estamos em pleno "reino de Deus", que já chegou à humanidade, já chegou "sobre vós" (eph'humãs, cfr. Dan. 4:21). Observe-se que pela primeira vez aparece aqui a expressão "pelo dedo de Deus" (en daktylôi theoú), reproduzindo Ez. 8 :19; 31:18; Deut. 9:10; Salmo 8:4).
O Mestre apresenta, então, uma parábola, no gênero mâchâh, tão usada desde o V.T. (cfr. 2o. Sam. 12:1-15, sobre o homem rico e a ovelha; e Is. 5:1-17, sobre a vinha), ou seja, uma comparação desenvolvida, diferindo da alegoria, que é uma série de metáforas.
Para saquear-se a casa do homem forte, é mister primeiro segurá-lo e amarra-lo. Sem o que, impossível será roubar-lhe os bens. Ora, para pilhar-Ihe a casa, só um homem mais forte o conseguiria. Parece haver aqui uma alusão a Henoque (10:13 e 54:4) que afirma que, nos tempos messiânicos, os obsessores seriam amarrados. O mesmo é declarado, no "'Testamento de Levi" (sectio 13o.).
Esses são os argumentos que os espiritistas tem as mãos, para responder aos ataques das igrejas organizadas, lembrando aos acusadores que o próprio Jesus já havia previsto essa espécie de desleal combate, quando advertiu: "se chamaram Beelzebul ao dono da casa, quando mais o farão a seus familiares" (Mat. 10:25). Com isso comprova-se que os espiritistas são, realmente, os "familiares de Jesus", pois neles se realiza a advertência profética do Mestre: as mesmas acusações infundadas e maldosas.
O caso finaliza com uma sentença: "quem não está comigo, é contra mim; quem comigo não ajunta, espalha". Strack & Billerbeck, em seu comentário a este passo, trazem vários exemplos de ditos judeus do Talmud, donde se conclui que havia uma expressão "juntar", que significava "não-fazer": juntar os pés", queria dizer "não-andar"; assim "espalhar" exprimia "fazer": espalhar os pés, significava "andar". Então, a segunda parte da sentença seria uma confirmação, em paralelo, da primeira: quem não junta (se reúne) comigo, espalha (isto é, faz um caminho inútil, perdendo seu tempo).
A lição para a individualidade não apresenta segredos: está clara no texto. Observemos o modo de agir de Jesus, já salientada uma vez (vol. 3o. página 58): Jesus não perde tempo em doutrinar o obsessor: cura o obsidiado. O Mestre tinha capacidade para VER de quem era a culpa, coisa que ainda não podemos fazer. E como sabemos que, em muitos casos, o obsessor é o menos culpado, já que é o encarnado que o obsidia, não podemos discernir culpas nem culpados, então, para não corrermos o risco de ser injustos, atendemos aos dois concomitantemente, doutrinando o obsidiado e o obsessor. A diferença de ação depende da nossa incapacidade de distinguir os casos, de saber se o carma já se completou ou não; ignoramos qual o responsável, quais as causas, quem tem razão, etc. Enfrentamos, pois o problema em seu conjunto.
Sabemos, todavia, que isso nos trará aborrecimentos e perseguições, tanto por parte de encarnados presos a preconceitos de "escolas" (religiosa ou cientifica), quanto por parte dos próprios obsessores e de seus amigos. Alegremo-nos, portanto, quando formos acusados de vencer neste campo "por obra do inimigo": estaremos seguindo as pegadas do Mestre e colocando-nos na inconfundível e invejável posição de Seus discípulos e familiares.
Outro ponto a salientar é a parábola do "homem forte". Alude isso à força que realmente possuem os espíritos obsessores, sobretudo se reunidos nas assembléias organizadas no plano astral, com o fito de arrastar os encarnados para sua inferioridade, por espírito de vingança e em vista da intimidade que com eles tiveram em outras vidas. E também, em certos casos, por verificarem que algumas criaturas, que aparentam e fazem questão de demonstrar virtudes e qualidades e, no entanto, secretamente agem de modo totalmente oposto.
Entretanto, ensina-se taxativamente que, embora fortes, sempre o bem é mais forte que o mal, sempre a luz espanta as trevas.
A última lição é uma advertência séria para todos nós: "quem não está comigo é contra mim". Plenamente real. Todo aquele que ainda não esteja unido ao Cristo, está ligado ipso facto a personagem, o "satanás" opositor do espírito. Está, pois contra Ele. E assim a segunda parte: "quem comigo não ajunta, espalha". Qualquer colheita que façamos no campo da personagem é um desperdício que de nada serve. Para haver realmente lucro, mister colher no Espirito, unidos ao Cristo, não importando que seja por meio da personagem, mas desde que não seja só na, e para a personagem.
Desliguemo-nos da matéria, do transitório, das sensações, das emoções, do intelectualismo, dos ritualismos, pomposos e ocos: tudo isso é um "espalhar" de energias, inútil e prejudicial até, porque dai nada de concreto espiritualmente levaremos, para a união com o Cristo Interno. Mas se, ao invés, nos unificarmos com Ele, tudo isso nos virá espontaneamente, por acréscimo. Fundidos no Todo, teremos o Todo, seremos o Todo. Desligados Dele, o vazio é nossa herança.
(Extraído do Livro "Sabedoria do Evangelho" - Carlos Torres Pastorino)

Nenhum comentário:

Postar um comentário