a partir de maio 2011

quinta-feira, 8 de março de 2012

A FRATERNIDADE SUBSTITUÍDA

                                        Luiz Signates


"Os agrupamentos espiritistas necessitam entender que o seu aparelhamento não pode ser análogo ao das associações propriamente humanas. Um grêmio espírita-cristão deve ter, mais que tudo, a característica familiar, onde o amor e a simplicidade figurem na manifestação de todos os sentimentos"
Emmanuel (O Consolador, questão 363).
 

Os processos de institucionalização da vida são uma das mais fortes características do chamado período moderno da história ocidental e têm sido um dos principais objetos dos estudos contemporâneos de sociologia.
 
Tais processos, dentro desse período histórico, tiveram como característica essencial desenvolver sistemas institucionais vinculados a uma racionalidade do tipo instrumental, isto é, aquela cuja relação as pessoas é mediada pelo interesse ou pelo dinheiro. Esse tipo de relacionamento atua quase sempre substituindo os processos de entendimento, cuja característica básica é operar pela via do diálogo ou da identidade mútua.
 
Dois amigos, por exemplo, relacionam-se entre si por laços de reciprocidade, mesmo pelo simples prazer de estar juntos. Por outro lado, dois negociantes vinculam-se um ao outro se e enquanto existem possibilidades de lucro para si mesmos dentro da relação. A diferença fundamental entre ambos os exemplos de relacionamento está nos processoas de mediação, que no primeiro caso, são o afeto e o entendimento e, no último, o dinheiro e o interesse. O fato de homens de negócio não terem de se tornar necessariamente amigos significa claramente que o mecanismo de coordenação da fraternidade tornou-se dispensável para que houvesse a convivência entre eles, pois foi substituído pelo mecanismo da instrumentalização.
 
Chamamos a atenção para este assunto, porque o Espiritismo vive atualmente um período históricocaracterizado por um intenso processo de institucionalização e sistematização de suas práticas. Já quase inexistem os pequenos grupos familiares, formados por pessoas simples de vizinhanças humildes, ou as agremiações improvisadas em galpões e casa de fazenda. O centro espírita acompanhou o processo de urbanização da população brasileira e, hoje em dia, se estrutura dentro de uma lógica empresarial, com seus planejamentos estratégicos, políticas financeiras e de recursos humanos, assessorias jurídicas e departamentarização de atividades, as quais se tornam cada vez mais ocupadas por profissionais contratados ou especialistas.
 
Não consideramos de todo ruim esse movimento, até porque ele demonstra a inserção do Espiritismo na sociedade, mimetizando o período histórico correspondente. Entretanto, é preciso ter cuidado para que a trajetória da institucionalização não esqueça o Espiritismo, no meio do caminho, como parece ter ocorrido com a Igreja Católica, nos primeiros séculos, que, ao se estruturar materialmente, acabou deixando o cristianismo primitivo de lado.
 
E isso o dizemos sem qualquer preocupação quanto a uma hipotética "pureza doutrinária", a qual costuma estar vinculada a procedimentos anti-fraternos de censura e fiscalização. O alerta que procuramos fazer diz respeito ao grande risco embutido no processo de institucionalização do Espiritismo: o de que as estruturas e sistemas organizados venham a substituir a fraternidade. Tal substituição pode ocorrer de duas maneiras: dispensando a fraternidade existente ou criando na vida interna da instituição uma aparência de fraternidade, mascarada nos demonstrativos de lucros e de eficácia. Os quadros descrevendo a quantidade de pessoas atendidas, os valores aplicados (normalmente subsidiados pelos governos) e a grande organização da instituição podem significar espiritualmente muito pouca coisa, se a casa espírita se tornar uma mera empresa.
 
Ora, centro espírita bom é aquele dentro do qual as pessoas se amam, se compreendem, se perdoam e se toleram. É aquele onde inexistem processos de exclusão e onde as direções compartilham responsabilidades com todos, num processo em que o diálogo e a fraternidade jamais são substituídos por resoluções formais e, ainda assim, resolvam todos os problemas, sem exceção de um só. É, enfim, uma comunidade dentro da qual os beneficiários não são distinguidos dos benfeitores, seja pela aparência física, seja pelo tratamento que recebem, seja pelas práticas que executam.
 
O centro espírita, portanto não pode simplesmente se basear em modelos sistemáticos de produtividade, ou tomar por objetivo último manipular os freqüentadores no sentido de transformá-los em trabalhadores, pois com isso estará instrumentalizando as pessoas, em função das estruturas que existem para servi-las. O dirigente espírita não pode pretender simplesmente alcançar volume e eficiência nas atividades, e sim deve compreender que a medida do sucesso da instituição que dirige está no grau de fraternidade existente entre os que ali convivem.
 
E, o mais sério, é que não raro tais providências e estruturações acabam alterando as mediações internas, isto é, convertendo relações entre irmãos em relações patrão-empregado ou chefe-subordinado, e, com isso, substituindo a fraternidade do prazer de estar junto e compartilhar os sentidos da ação cristã, pelas obrigações descritas nos organogramas e cronogramas, simbolizadas por critérios de eficiência e eficácia e mascaradas de sucesso aparente, graças aos demonstrativos de produção e consumo de bens e serviços espíritas.
 
Quando e onde isso acontece, funda-se de novo o sinédrio e Jesus volta para as ruas, para conviver no meio do povo, a fim de ensinar e vivenciar o "Amai-vos uns aos outros", somente possível onde o cotidiano das pessoas não se vê substituído pelas estruturas instrumentalizantes "das associações propriamente humanas."
                                                 

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