É comum sermos advertidos do poder do demônio, de sua astúcia e de sua capacidade de fazer-nos cair nas tentações da vida cotidiana. Todas as afirmações anteriores são falsas, tanto no seu mérito quanto nas suas derivações.
Ao aceitarmos a ideia de um demônio poderoso estamos duvidando do poder Divino, da onipotência do Criador e de sua onisciência.
A absorção de lendas babilônicas, a modificação do sentido de termos aramaicos e
gregos, as traduções falhas e tendenciosas são as causas das grandes confusões em relação á personificação mítica do Bem e do mal. Não nos aprofundaremos nestas facetas da questão, pois, aqui o objetivo é discutir a lógica da tese do mal personificado e não sua história.
A maioria das Doutrinas religiosas está em acordo com o fato de que o entendimento de Deus não é acessível ao ser humano. Se, vislumbramos seu esplendor é em função do conhecimento de alguns de seus atributos.
Para nos aprofundarmos na discussão em foco, temos primeiramente que analisar esses atributos conhecidos e unanimemente aceitos como reflexo da perfeição do Criador. Deus sendo a perfeição absoluta, é onisciente, é onipotente, é totalmente bom e justo.
Parece não haver discordância significativa entre os membros das diversas
denominações religiosas quanto ao fato de consideramos os predicados Divinos listados acima como verdadeiros.
Á partir dessas considerações poderemos desenvolver um raciocínio lógico sobre a
existência do mal absoluto personificado na figura de Lúcifer, ou do demônio.
A existência de uma criatura de Deus (ou mesmo de várias) que se revolta eternamente contra o Criador e opta pelo mal de forma irreversível e definitiva, é contrária aos vários atributos Divinos listados acima.
Vejamos:
1- Deus perfeito não criaria algo imperfeito, especialmente se fadado á imperfeição
eterna. Os espíritos dos homens não são criados imperfeitos, mas simples e ignorantes.
2- Deus onisciente sabendo do presente, passado e futuro, não criaria um ser que seria seu inimigo eterno. Seria a divisão de um reino por seu próprio imperador.
3- Deus onipotente não seria eternamente desafiado pelo mal absoluto. Já que seu
poder é infinitamente superior ao de suas criaturas. Além disso, a vitória do bem não se faz pela exclusão dos maus, mas pela transformação dos maus em agentes do bem, o que torna o mal inexistente e não apenas restrito.
4- Deus totalmente bom não permitiria a eternidade do mal em seu universo. Assim como também não poderia criar seres destinados a esse pérfido fim, caso contrário seria conivente com o mal.
5- Deus totalmente justo não criaria seres fadados ao erro eterno, já que errariam por portarem em seu íntimo a essência do erro, qualquer atributo da criatura só pode ter origem no Criador. Não haveria justiça plena em um Criador que cria alguns filhos pré-destinados á glória e outros, ás trevas.
6- Se o Criador é onisciente, sabe tudo, não erra no processo criativo. Não faz o que não quer. Não se arrepende. Se, tudo sabe não pode ser ludibriado ou traído por seres infinitamente menos lúcidos.
Assim vemos nos textos sagrados, passagens que reforçam de forma cristalina a tese de que o mal é fruto da ignorância, é temporário e é frágil. Pode ser vencido pelo conhecimento da verdade Cristã mais abrangente: O Amor. E ainda, que Jesus é o exemplo de tolerância e caridade mesmo com aqueles que ainda não sabem ser bons.
... “Saiu-lhe ao encontro vindo da cidade, um homem que desde muito tempo estava possesso de demônios, e não andava vestido, nem habitava em qualquer casa, mas nos sepulcros.
E quando viu a Jesus, prostrou-se diante dele, exclamando e dizendo com grande voz:
que tenho eu contigo, Jesus, Filho do deus altíssimo? Peço-te que não me atormentes.
Porque tinha ordenado ao espírito imundo que saísse daquele homem; pois já havia
muito tempo que o arrebatava. E guardavam-no preso, com grilhões e cadeias; mas quebrando as prisões, era impelido pelo demônio para os desertos.
E perguntou-lhe Jesus, dizendo: qual é o teu nome? E ele disse: Legião; porque tinhamentrado nele muitos demônios.”
Esse trecho do texto sagrado é claro na despersonificação do mal, ou melhor, não existe um único demônio. Havia vários seres atormentando o doente.
A Doutrina Consoladora permite que analisemos a referência á vários demônios, como:
A forma que a linguagem restrita da época permitia expressar a influência de inúmeros espíritos, ainda fortemente ligados ás paixões materiais, sobre um homem frágil em suadeterminação para o bem.
A convivência entre seres corpóreos ou incorpóreos se faz e se mantém pela afinidade entre os companheiros de infortúnio ou de júbilo. Essa afinidade permite que características eatitudes dos seres inteligentes incorpóreos sejam assimiladas e expressas pela vítima da influência espiritual.
Ao se afastarem os perversores, o pervertido deixa o estado de perversão e retorna ao seu estado de lucidez original. Pode, então, exercer seu desejo livre de continuar sintonizadocom as trevas ou de procurar a luz pacífica do Criador, difundida magistralmente pelo Cristo.
“E rogavam-lhe que não os mandasse para o abismo. E andava ali pastando no monteuma vara de muitos porcos; e rogaram-lhe que lhes concedesse entrar neles; e concedeu-lho.”
Neste ponto observamos que os “demônios” rogaram a Jesus que não os mandasse
para o abismo. Caso esse termo, demônios, fosse referente a um inimigo visceral e perpétuo de Deus, a atitude coerente não seria a dessa humilde rogativa. Rogaram a Jesus por serem espíritos filhos do mesmo Pai e por isso merecerem, também eles, a misericórdia do Cristo.
E Cristo em sua grandeza espiritual infinita agiu em relação aos espíritos sofredores
conforme nos ensinou, com misericórdia e brandura. Permitiu que acontecesse o que eles solicitaram.
“E, tendo saído os demônios do homem, entraram nos porcos, e a manada precipitou-se de um despenhadeiro no lago, e afogou-se.”
A legião de espíritos maléficos, ao se afastar do homem espiritualmente doente,
carregou consigo toda a sua potente aura de energia negativa. A emissão deste tipo de força assustou de tal forma a vara de porcos, que os animais apesar de serem dotados de forte e natural instinto de sobrevivência, lançaram-se para a morte física em um despenhadeiro.
...”Acharam então o homem, de quem haviam saído os demônios, vestido, e em seu juízo, assentado aos pés de Jesus; e temeram. … Rogou-lhe que o deixasse estar com ele; mas Jesus o despediu, dizendo: Torna para tua casa, e conta quão grandes coisas te fez Deus. E ele foi apregoando por toda a cidade quão grandes coisas Jesus lhe tinha feito.” Lucas 8,27-39
Ao doente espiritual foi dada a chance de uma nova vida livre das influências
perniciosas e também a oportunidade de divulgar o bem recebido através da autoridade de Jesus e sob permissão Divina.
A lição foi mais ampla do que demonstrar o poder Divino exercido através do Cristo. O exemplo maior está discretamente inserido no texto. Jesus permitiu que a rogativa dos espíritos ignorantes, aqueles perdidos nas trevas, fosse integralmente atendida.
Ainda que esse não fosse o percurso mais curto em direção á comunhão Divina. Eles,neste momento inicial, foram autorizados pelo Cristo a afastarem-se da Luz redentora.
Expresso no texto pela entrada metafórica nos porcos. O afastamento da Luz era imperativo,pois olhos abertos, por longos períodos, em trevas densas, tornam-se dolorosamenteofuscados pela mais tênue fresta luminosa.
Depois de cultivarem as mais insignificantes sementes dos sentimentos de amor ao
próximo e a Deus, estes seres serão capazes de gradualmente iluminarem-se com a Luz queantes os ofuscava. O Amor Cristão fomentará o progresso moral e intelectual dessessofredores que, no futuro, serão mestres do Evangelho da tolerância e da misericórdia.
Giselle Fachetti Machado
Giselle Fachetti Machado (Goiânia/GO)
Médica Ginecologista e Obstetra. Graduada pela Faculdade de Medicina da UFG e, Residência médica e especialização em Colposcopia no HC da UFMG. É responsável pelo Serviço de Colposcopia do Laboratório Atalaia de Goiânia. É membro da Comunidade Espírita Ramatís, em Goiânia e atuante no movimento em Defesa da Vida e na AME Goiás (Associação Médico Espírita).Nasceu em 20/05/1962 em Cianorte, no Paraná. Reside em Goiânia desde os 6 anos de idade. Oriunda de família espírita sendo que seu avö Osmany Coelho e Silva foi pesquisador espírita na década de 1940 no Rio de Janeiro.
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