a partir de maio 2011

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O HOMEM RACIONAL:Dalmo Duque dos Santos

                                    Dalmo Duque dos Santos

 
“Não podemos aproximar-nos de Deus a ponto de alcançá-lo com a nossa vista e tocá-lo com nossas mãos... Pois Deus não possui uma cabeça ligada ao tronco, e de seus ombros não pendem dois braços como se fossem galhos; não tem pés, nem joelhos, nem partes peludas. Não; ele é só espírito, sagrado e inefável espírito, a lançar por todo o universo a rápida faísca dos pensamentos.” - Empédocles
 
O percurso do Homem Biológico ao Homem Teológico caracterizou-se inicialmente pela descoberta do próprio corpo e uma profunda integração mágica com a Natureza, até que esses traços de comportamento recebessem um tratamento místico e fossem transformados em rituais dogmáticos das práticas sacerdotais. Essa fase entre a infância da Humanidade até o início da sua adolescência, na quinta raça, seria rompida quando os povos  da Antiguidade atingissem o seu zênite existencial. Este é o momento em que a Ásia será substituída pela Europa como centro da Civilização, quando o pêndulo do tempo humano marca a decadência do Oriente e a lenta ascensão histórica do Ocidente. O cenário  dessa mudança é a Península Balcânica, especificamente a Grécia, que será a depos itária da maioria dos conhecimentos e experiências das civilizações das raças atlantes (civilização creto-micêncica). A partir do século XX a.C. ,  chegam  as primeiras levas migratórias das tribos arianas. Ali vai acontecer uma das mais fascinantes transformações da natureza humana, a descoberta da psiquê, na qual o Homem vai perceber o sentido original das coisas e de si mesmo. Através dela vai estabelecer-se a relação dialética entre o ser e o objeto de sua observação, diferença esta que fez dos gregos seres humanos diferentes dos egípcios e mesopotâmios. Para eles o mundo estava dividido entre os helenos, homens livres e autônomos,  e os homens “bárbaros”, escravos dos outros porque eram escravos de si mesmos; porque não possuíam auto-estima, senso de dignidade e não valorizavam o livre-arbítrio. Os primeiros gregos acreditavam , portanto, que não eram pessoas comuns e que descendiam dos deuses. Ao julgar os erros da humanidade e decidir o destino dos homens, Zeus, o pai de todos os deuses, escolheu o justo Deucalião e sua virtuosa esposa Pirra para garantir a perpetuação da Humanidade. Os gregos são descendentes de Heleno, um dos filhos de Deucalião.  Essa é a forma como essa civilização observa o mundo e as coisas, medindo a tudo e a todos  pela régua do ponto de vista antropológico. Para eles, até mesmo os deuses  do Olympo eram homens, cujos defeitos e virtudes teciam as tramas do destino humano. Se o Homem é a medida de todas as coisas, a medida mais verdadeira é a razão, que é a virtude (aretê) essencial, para eles , mais confiável e menos suspeita. É por isso que na mitologia grega encontramos todas as referências possíveis e imagináveis da cultura humana a tual. Se o judaísmo deu início à nossa ética e à preocupação com às nossas origens e o destino; se o cristianismo potencializou os nossos valores, sentimentos e emoções, no helenismo está toda a síntese do nosso pensamento[23]:
 
“Excetuando a maquinaria, com dificuldade encontramos algo secular em nossa cultura que não tenha vindo da Grécia. Escolas, ginásios, aritmética, geometria, história, retórica, física, biologia, anatomia, higiene, terapia, cosméticos, poesia, música, tragédia, comédia, filosofia, teologia, agnosticismo, ceticismo, estoicismo, epicurismo, ética, política, idealismo, filantropia, cinismo, tirania, plutocracia, democracia: todas são palavras gregas para designar formas de cultura raramente originadas, mas quase sempre amadurecidas, para o bem ou para o mal, pela exuberante energia dos gregos. Todos os problemas que hoje nos preocupam – o desflorestamento e a erosão do solo; a emancipação da mulher e a limitação da família; o conservantismo dos estabelecidos e o experimentalismo dos deslocados, na moral,  na música e no governo; as corrupções da política e as perversões da conduta; o conflito entre a religião e a ciência e o enfraquecimento dos esteios sobrenaturais da moralidade; as guerras de classes e de nações e continentes; as revoluções dos pobres contra o poder econômico dos ricos, e dos ricos contra o poder político dos pobres; as lutas entre a democracia e a ditadura, entre o individualismo e o comunismo, entre o Oriente e o Ocidente – todos esses problemas agitaram, como que a nos dar uma lição, a brilhante e turbulenta vida da antiga Hélade... Não há nada na civilização grega que não ilumine a nossa.” 

Nos agitados tempos de ocupação migratória da Península Balcânica, do longínquo século XX, antes de Cristo, até o século V, de Péricles, o homem descobriu que era Homem, que na sua imagem, refletida no olhar sobre si mesmo, está a sua semelhança com Deus.  Conta a historiografia que os aqueus, os eólios e algum tempo depois os jônios, penetraram na região que seria o novo centro mundo através de uma integração pacífica com os povos autóctones, os pelágios. Mais tarde eles absorveram admiravelmente importantes elementos culturais da lendária sociedade da Ilha de Creta, dando origem à civilização creto-micênica.  A última leva migratória veio com a força destruidora dos dórios, cuja índole guerreira provo cou a primeira dispersão dos povos gregos pelo Mediterrâneo. Essa primeira diáspora, iniciada pelo arrasamento das cidades, empurrou as gentes para a vida rural, longe dos perigos do litoral, dando origem ao Genos, a base social mais antiga da grande Hélade.  Esses pequenos núcleos familiares dirigidos por um chefe clânico, o Pater Famílias, se espalharam por toda aquela complexa e atraente paisagem, tornando-se o eixo fundamental da civilização helênica.  

O universo geográfico da Grécia continua, desde a antiguidade, um grande espetáculo natural, uma trama de acidentes físicos que ainda seduz os olhos de qualquer viajante A parte continental exibe um suntuoso relevo de montanhas e vales quase impenetráveis, protegidos por abismos de pedras; colado a elas, encontra-se um litoral totalmente recortado por inúmeras baías e enseadas. Na parte insular, o mar foi curiosamente pulverizado por incontável número de pequenas ilhas. Foi dessa mistura de elementos das três áreas físicas dessa parte do sul da Europa que nasceu a principal marca geográfica da Grécia, que é o seu isolamento natural e que influiu profundamente na formação psicológica desses povos. Tal isolamento impôs a eles um caráter introspectivo, motivado pela contemplação das coisas que poderiam estar sempre além das montanhas, bem c omo a sensação de infinito que vem do horizonte azul marinho do Egeu. O toque final dessa trama entre a geologia e a psicologia foi dado pela inevitável de solidão que sentem os habitantes das ilhas gregas e que os tornam perpetuamente insatisfeitos consigo mesmos. Na misteriosa combinação entre a introspecção do habitante dos vales e montanhas, a postura reflexiva do homem litorâneo e a solidão do morador insular estão as origens da filosofia e do individualismo da cultura grega.  Foi nesse cenário, no período pré-homérico, que surgiu o Homem Lógico-Racional, através da transformação da mentalidade mito-poética para a mentalidade sistêmico-teorizante. A ruptura com o universo mágico e a racionalização das coisas divinas, incluindo a humanização de Zeus  e sua corte, foi um momento crítico na evolução da consciência humana. Estabeleceu-se nesse momento uma divisão de caminhos na busca da verdad e: uma vereda metafísica e espiritualista, influenciada pela tradição iniciática orientalista; e outra física e materialista, fundada na escola racionalista ocidental. A primeira foi produto do contato de sábios gregos com o conhecimento sacerdotal de antigas civilizações, incluindo as desaparecidas Lemúria e Atlântida; já a segunda teria suas origens num curioso perfil rebelde e anti-religioso das tribos arianas que se espalharam na Europa. Essa grande mudança da ótica mítica para a ótica racionalista é até hoje um grande enigma para os historiadores humanos e algumas dúvidas permanecem no ar: por que os somente os gregos conseguiram romper esse limite? Como esse tipo humano descobriu a especulação filosófica e interessou-se pela investigação científica?  Que tipo de experiência deu a pensadores como Zenon a afirmarem que “a razão é a  suprema conquista do homem, é uma semente do Logos Spermatikos, ou Razão Seminal, que criou e governa o mundo”? 

Entre os séculos VII e VI aC, na transição do período homérico para o arcaico, o antigo Genos entra então em processo de agonia social, causada pelo aumento da população. As conseqüentes lutas entre o coletivismo e o individualismo, pela posse da riqueza agrária, faz explodir no mundo grego uma nova dispersão, a segunda diáspora, espalhando o helenismo por todo o Mediterrâneo. A vitória do individualismo das aristocracias, através do conceito conservador da propriedade privada, vai transformando gradualmente o núcleo gentílico em tribos, frátrias, vilas, até que essas últimas se constituam na pólis, as célebres cidades-Estado.  Elas eram compostas pela parte alta, da Acrópole, destinada ao cultos dos imortais deuses e heróis do Olimpo;  e a parte baixa, da Ágora e o Asty, pontos de encontro e negócios dos mortais.  As pólis serão povoadas pelos cidadãos, a quem Aristóteles denominou apropriadamente “animais políticos” ou “zoopolitycon”. O isolamento natural não inibiu totalmente o contato com o mundo exterior, mas foi responsável pelo desenvolvimento de fronteiras culturais, mais rígidas e resistentes do que os limites geográficos. Conceitos de exclusividade social ou cidadania pela linhagem de nascimento deram origem a curiosos mecanismos de defesa ou “anticorpos políticos” dessas cidades. Em Esparta, por exemplo, o mito de Licurgo e a xenofobia afastavam a indisciplina e os vírus dos costumes estrangeiros. Em Atenas legisladores como Drácon, Sólon e Clístenes, para garantir a ordem, tiveram que inibir os abusos da escravidão por dívidas, o regime de maioria da demos e o  ostracismo, anticorpo que bania pelo exílio de dez anos os inimigos do regime de liberdade participativa.

No período clássico, a partir do século V, das cerca de 160 pólis espalhadas nos Balcãs e dezenas de outras, através da colonização do Mediterrâneo, logicamente fizeram história o modelo aristocrático-militar de Esparta e o modelo democrático-civil de Atenas.  Esparta, sempre fechada e exclusivista, foi fundada pelos descendentes dos guerreiros dórios e permaneceu estacionada na homogeneidade social; Atenas, mais flexível  aos novos habitantes, surgiu dos descendentes dos eólios e jônios e foi enriquecida pela heterogeneidade.  A primeira deu à Humanidade homens fortes de corpo e dotados de uma coragem existencial biológica e física insup erável, porém pobres de imaginação. Já a segunda nos deu homens de grande força mental reflexiva e artística, dotados de uma coragem existencial psicológica e metafísica.  Esparta nos deu homens admiráveis como o general Leônidas e os seus 300 soldados, que morreram bravamente no desfiladeiro das Termóphilas, lutando durante uma semana com mais de dois mil soldados persas. Atenas nos deu homens incomparáveis como Sócrates, que soube morrer com uma espantosa serenidade, encerrando com heroísmo ímpar, uma luta que travara durante toda sua existência, contra si mesmo.

A Escola Iniciática Pitagórica

A tradição esotérica que chegou até nós pelo Ocidente veio, em grande parte, através de sábios gregos. Mais do que um costume, tornou-se uma necessidade existencial entre eles quebrar o isolamento e viajar em busca de conhecimentos incomuns  em outros núcleos iniciáticos na Europa e fora dela.  Um dos primeiros exemplos dessas iniciativas, - imitado mais tarde por tantos outros - foi Pitágoras de Samos (580-500 a.C.), cujo nome possuía um significado especial: “porta-voz do oráculo Pítio, de Delfos. Suas viagens em busca do saber  estrangeiro abrangeu lugares considerados importantes centros do saber no mundo antigo: a Arábia, Fenícia, Síria, Caldéia, Índia, Gália e principalmente o Egito, onde aperfeiçoou-s e em astronomia e geometria. De volta à Grécia, depois de três décadas de excursões, estabeleceu-se em Crotona, fundando ali uma das mais famosas escolas iniciáticas, onde homens e mulheres eram tratados em regime de igualdade sexual e rigor absoluto no trato pedagógico, como nos relata Will Durant [
24]:
 
“Para os estudantes em geral, Pitágoras estabelecia um regime que quase transformava a escola em mosteiro. Os membros prestavam juramento de lealdade tanto para com o Mestre como de uns para com os outros. A tradição é unânime em afirmar que enquanto viviam na comunidade pitagórica adotavam a comunhão de bens. Não podiam comer carne, ovos ou favas. O vinho era proibido, e a água recomendada – o que seria uma perigosa prescrição na baixa Itália de hoje. (...) Os membros da escola não tinham permissão para matar animais, agredir seus semelhantes ou destruir uma árvore plantada. Eram obrigados a vestir-se com simplicidade e portar-se modestamente, ‘não se entregando jamais ao riso, sem, entretanto, se mostrarem carrancudos’. Nào podiam jurar pelos deuses, pois ‘todo homem deve organizar sua vida de modo a que lhe dêem crédito sem haver necessidade de juramentos’. Não podiam ofertar vítimas em sacrifício, mas podiam orar em altares não maculados pelo sangue. Ao fim de cada dia faziam exame de consciência para verificar se haviam cometido erros, quais os deveres negligenciados e quais as boas ações praticadas.

O próprio Pitágoras, a não ser que fosse um ótimo comediante, seguia esses regulamentos com o maior rigor do que qualquer aluno. Seu método de vida conquistou tal respeito e autoridade entre os discípulos que nenhum ousava queixar-se daquela ditadura pedagógica e o autus epha (ipse dixt – (“ele o disse”) tornou-se a fórmula por eles adotada como ponto final em quase todos os campos do comportamento ou da teoria. Conta-se, com tocante respeito, que o Mestre jamais tomou vinho durante o dia, que se alimentava quase só de pão e mel, adotando os vegetais como sobremesa; que sua túnica mantinha-se sempre alva e imaculada e que nunca se soube que ele de houvesse excedido na mesa, ou praticado o amor (sexo fútil); que nunca cedia ao riso, à galhofa ou à tagarelice; que nunca sua mão se ergueu contra alguém, nem mesmo contra um escravo. Timão de Atenas imaginou-o ‘um prestigitador de sermões solenes, empenhado na pesca de homens’, mas entre os seus mais dedicados adeptos achavam-se sua esposa Teano e sua filha Damo, que podiam facilmente cotejar sua filosofia com sua vida real. A Damo, diz Diógenes Laércio, ‘confiou ele os seus Comentários, recomendando-lhe que não os divulgasse a ninguém fora de casa. E ela, que podia ter vendido esses discursos por muito dinheiro, não o fez, pois considerava a obediência às ordens do pai mais valiosa do que o ouro – embora fosse mulher.’

 
A iniciação para a sociedade pitagórica exigia, além da purificação do corpo pela abstinência e pelo domínio de si próprio, a purificação do espírito pelo estudo científico. O novo discípulo deveria manter durante os cinco primeiros anos o ‘silêncio pitagórico’, aceitar os ensinamentos sem perguntas ou objeções – antes de ser considerado membro definitivo, ou lhe ser permitido ‘ver’ Pitágoras. (Este ‘ver”, ao que parece, significa beber as lições diretamente dos lábios do Mestre.) Os estudantes eram divididos em exoterici, ou alunos externos, e esoterici, ou membros internos. Estes tinham direito à sabedoria secreta e pessoal do Mestre. Quatro matérias formavam o currículo: geometria, aritmética, astronomia e música.

(...) O universo, diz Pitágoras, é uma esfera viva, cujo centro é a Terra (para o o observador). A Terra também é uma esfera, girando, como os planetas, do oeste para o leste. A Terra, aliás, todo o universo, se divide em cinco zonas – ártica, antártica, inverno e equatorial. A lua torna-se ora mais ou menos invisível conforme sua parte iluminada pelo sol se ache mais ou menos voltada para a Terra. os eclipses da lua são causados pela posição da Terra, ou outro corpo, entre alua e o sol. Pitágoras, diz Diógenes Laércio,, ‘foi a primeira pessoa que atribuiu forma redonda à Terra, e que deu ao mundo o nome de kosmos’. 

Tendo, com essas contribuições à matemática e à astronomia, feito mais do que qualquer outro homem para estabelecer a ciência na Europa, Pitágoras passou à filosofia. A palavra em si é ao que parece uma de suas criações. Rejeitou ele o termo sophia, ou sabedoria, como pretensioso, e denominou a seu sistema de busca de conhecimentos, philosophia – amor da sabedoria. No século VI aC. filósofo e pitagórico eram sinônimo.”
 
O historiador que escreveu essas linhas sobre Pitágoras, assim como suas fontes contemporâneas, embora admiravelmente eruditos, não possuíam a maturidade da dimensão espiritual para avaliar o caráter e o aspecto esotérico da obra do grande Mestre grego. Percebemos isso claramente quando ele fala da disciplina iniciática e das idéias pitagóricas sobre evolução espiritual e também quando confunde a lei da reencarnação com a crença na metempsicose. A metempsicose sempre foi usada no Oriente como forma de terrorismo mítico-sacerdotal para com as massas ignorantes. Essa confusão de conceitos pode ter sido utilizada de forma proposital na escola de Pitágoras, para testar os novos alunos sobre a receptividade da idéia de reencarnação, conceito ainda hoje complexo para espíritos imaturos, e prepará-los para a transição entre o conhecimento ex otérico (externo e aparente) ao esotérico (interno e real). Mesmo assim, Durant nos dá curiosas informações  sobre ele:
 
“Nesse ponto a mística de Pitágoras, haurida no Egito e no Oriente Próximo entregou-se aos mais  livres devaneios. A alma, acreditava ele, dividia-se em três partes: sentido, intuição e razão. O sentido centralizava-se no coração; a intuição e razão, no cérebro. Sentido e intuição encontram-se tanto nos animais como nos homens; a razão só ao homem pertence e é imortal. Depois da morte a alma passa por um período de purgação no Hades; em seguida regressa à Terra e penetra em outro corpo, numa cadeia de transmigração que só termina com uma existência perfeitamente virtuosa. Pitágoras divertia-se, ou talvez maravilhasse, seu adeptos contando-lhes que nas precedentes encarnações ele fora, primeiro, uma cortesã e, depois, o herói Euforbo; dizia lembrar-se nitidamente de suas aventuras no cerco de Tróia, e reconheceu num templo de Argos, a armadura que havia usado na existência anterior.  Ouvindo o ganir de um cão espancado, correu-lhe em socorro, afirmando Ter reconhecido em seus uivos a voz de um amigo morto.”

OS VERSOS DE OURO DE PITÁGORAS
 
I. Honra em primeiro lugar os deuses imortais, como manda a lei. 

II. A seguir, reverencia o juramento que fizeste. 


III. Depois os heróis ilustres, cheios de bondade e luz. 


IV. Homenageia, então, os espíritos terrestres e manifesta por eles o devido respeito. 


V. Honra em seguida a teus pais, e a todos os membros da tua família. 

VI. Entre os outros, escolhe como amigo o mais sábio e virtuoso. 

VII. Aproveita seus discursos suaves, e aprende com os atos dele que são úteis e virtuosos. 


VIII. Mas não afasta teu amigo por um pequeno erro. 


IX. Porque o poder é limitado pela necessidade. 


X. Leva bem a sério o seguinte: Deves enfrentar e vencer as paixões. 

XI. Primeiro a gula, depois a preguiça, a luxúria, e a raiva. 


XII. Não faz junto com outros, nem sozinho, o que te dá vergonha. 


XIII. E, sobretudo, respeita a ti mesmo. 


XIV. Pratica a justiça com teus atos e com tuas palavras. 


XV. E estabelece o hábito de nunca agir impensadamente. 


XVI. Mas lembra sempre um fato, o de que a morte virá a todos. 


XVII. E que as coisas boas do mundo são incertas, e assim como podem ser conquistadas, podem ser perdidas. 


XVIII. Suporta com paciência e sem murmúrio a tua parte, seja qual for. 

XIX. Dos sofrimentos que o destino determinado pelos deuses lança sobre os seres humanos. 


XX. Mas esforça-te por aliviar a tua dor no que for possível. 


XXI. E lembra que o destino não manda muitas desgraças aos bons. 

XXII. O que as pessoas pensam e dizem varia muito; agora é algo bom, em seguida é algo mau. 

XXIII.  Portanto, não aceita cegamente o que ouves, nem o rejeita de modo precipitado. 

XXIV. Mas se forem ditas falsidades, retrocede suavemente e arma-te de paciência. 


XXV. Cumpre fielmente, em todas as ocasiões, o que te digo agora. 


XXVI. Não deixa que ninguém, com palavras ou atos, 

XXVII. Te leve a fazer ou dizer o que não é melhor para ti. 

XXVIII. Pensa e delibera antes de agir, para que não cometas ações tolas. 

XXIX. Porque é próprio de um homem miserável agir e falar impensadamente. 

XXX. Mas faze aquilo que não te trará aflições mais tarde, e que não te causará arrependimento. 

XXXI. Não faze nada que sejas incapaz de entender. 


XXXII. Porém, aprende o que for necessário saber; deste modo, tua vida será feliz. 

XXXIII. Não esquece de modo algum a saúde do corpo. 

XXXIV. Mas dá a ele alimento com moderação, o exercício necessário e também repouso à tua mente.

XXXV. O que quero dizer com a palavra moderação é que os extremos devem ser evitados. 

XXXVI. Acostuma-te a uma vida decente e pura, sem luxúria. 

XXXVII. Evita todas as coisas que causarão inveja. 

XXXVIII. E não comete exageros. Vive como alguém que sabe o que é honrado e decente. 

XXXIX. Não age movido pela cobiça ou avareza. É excelente usar a justa medida em todas estas coisas. 

XL. Faze apenas as coisas que não podem ferir-te, e decide antes de fazê-las. 

XLI. Ao deitares, nunca deixe que o sono se aproxime dos teus olhos cansados, 

XLII. Enquanto não revisares com a tua consciência mais elevada todas as tuas ações do dia. 


XLIII. Pergunta: "Em que errei? Em que agi corretamente? Que dever deixei de cumprir?" 

XLIV. Recrimina-te pelos teus erros, alegra-te pelos acertos. 

XLV. Pratica integralmente todas estas recomendações. Medita bem nelas. Tu deves amá-las de todo o coração. 

XLVI. São elas que te colocarão no caminho da Virtude Divina. 

XLVII. Eu o juro por aquele que transmitiu às nossas almas o Quaternário Sagrado. 

XLVIII. Aquela fonte da natureza cuja evolução é eterna. 

XLIX. Nunca começa uma tarefa antes de pedir a bênção e a ajuda dos Deuses. 

L. Quando fizeres de tudo isso um hábito, 

LI. Conhecerás a natureza dos deuses imortais e dos homens, 

LII. Verás até que ponto vai a diversidade entre os seres, e aquilo que os contém, e os mantém em unidade. 

LIII. Verás então, de acordo com a Justiça, que a substância do Universo é a mesma em todas as coisas. 


LIV. Deste modo não desejarás o que não deves desejar, e nada neste mundo será desconhecido de ti. 

LV. Perceberás também que os homens lançam sobre si mesmos suas próprias desgraças, voluntariamente e por sua livre escolha. 

LVI. Como são infelizes! Não vêem, nem compreendem que o bem deles está ao seu lado. 

LVII. Poucos sabem como libertar-se dos seus sofrimentos. 

LVIII. Este é o peso do destino que cega a humanidade. 


LIX. Os seres humanos andam em círculos, para lá e para cá, com sofrimentos intermináveis, 

LX. Porque são acompanhados por uma companheira sombria, a desunião fatal entre eles, que os lança para cima e para baixo sem que percebam. 

LXI. Trata, discretamente, de nunca despertar desarmonia, mas foge dela! 

LXII. Oh Deus nosso Pai, livra a todos eles de sofrimentos tão grandes. 


LXIII. Mostrando a cada um o Espírito que é seu guia. 


LXIV. Porém, tu não deves ter medo, porque os homens pertencem a uma raça divina. 

LXV. E a natureza sagrada tudo revelará e mostrará a eles. 

LXVI. Se ela comunicar a ti os teus segredos, colocarás em prática com facilidade todas as coisas que te recomendo. 

LXVII. E ao curar a tua alma a libertarás de todos estes males e sofrimentos. 

LXVIII. Mas evita as comidas pouco recomendáveis para a purificação e a libertação da alma. 

LXIX. Avalia bem todas as coisas, 

LXX. Buscando sempre guiar-te pela compreensão divina que tudo deveria orientar. 

LXXI. Assim, quando abandonares teu corpo físico e te elevares no éter. 

LXXII. Serás imortal e divino, terás a plenitude e não mais morrerás.
 
 
(O Versos de Ouro de Pitágoras. Hierocles de Alexandria. Versão de 1707 por N. Rowe traduzida em português por Carlos Cardoso Avelino – Revista Planeta, dezembro de 2002)
 
 
Referências:
[23] Will Durant: “Nossa Herança Clássica”. Record.
[24] Will Durant, “Nossa Herança Clássica”, capítulo VII.
 

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