Maria das Graças Cabral
É muito comum ouvirmos de espíritas, ou lermos em obras intituladas espíritas, quando tratam das razões que levam ao sofrimento humano, e muitas vezes ‘inexplicáveis’, a aplicação da chamada “Lei de Ação e Reação“, preconizada pelo Espírito André Luiz através da psicografia do médium Chico Xavier.
Primeiramente faz-se por oportuno termos a lucidez de observar que o Espírito André Luiz, quando na sua última encarnação, segundo sua própria narrativa no livro Nosso Lar, foi médico sanitarista no início do século XX, exercendo sua profissão no Rio de Janeiro, Brasil, e tendo passado "mais de oito anos" nas regiões umbralinas de sua consciência.
Enquanto encarnado, não foi um homem religioso, vivendo voltado exclusivamente para o seu trabalho de médico. Era temperamental, bebia e fumava, vindo a morrer de um câncer intestinal. Daí, a sua total incompreensão diante do fenômeno ‘morte‘, e de sua resistência em pedir a Deus socorro para livrá-lo dos pesadelos vivenciados dentro do seu longo e exacerbado estado de perturbação.
Portanto ao lermos suas obras, devemos considerar que suas percepções sobre o mundo espiritual retratadas nos seus romances psicografados por Chico Xavier, trazem o viés de um cientista leigo nas questões espirituais, em processo inicial de aprendizado, usando de um vocabulário técnico bem próprio da sua profissão.
Ou seja, o Espírito André Luiz não era um estudioso da Doutrina Espírita, não teve tempo suficiente enquanto ditava suas obras do plano espiritual, para conhecê-la através de um estudo aprofundado, posto que, se tomarmos por analogia a nós mesmos enquanto encarnados, não chegamos durante uma encarnação relativamente longa e profícua no estudo doutrinário, a um profundo conhecimento nem sequer de O Livro dos Espíritos, que é a primeira obra da Codificação.
Daí, porquê quando no seu romance intitulado “Ação e Reação” - vai buscar nos seus conhecimentos da física a "Lei de Ação e Reação“ - Terceira Lei de Newton - que é uma restrita lei física, para adequá-la analogicamente às causas dos sofrimento humano.
Define Newton, em sua obra “Principia“, o princípio da ação e reação asseverando que: A qualquer ação se opõe uma ação igual, ou ainda, as ações mútuas de dois corpos são sempre iguais e se exercem em sentidos opostos.
Se um corpo A, exerce uma força em um corpo B, o corpo B simultaneamente exerce uma força da mesma magnitude no corpo A - ambas as forças possuindo mesma direção, contudo sentidos contrários.
Aplicado ao pé da letra a lei de Newton, em todas as situações ocorreriam da mesma forma; p. ex., se uma pessoa te feriu, ela deverá ser, por você, ferida da mesma forma e com a mesma intensidade. Outra questão é que a lei de ação e reação atua em corpos diferentes e nunca se anulam. A reação sendo “positiva ou negativa” nunca poderia anular a ação.
No referido romance intitulado ‘Ação e Reação’, o Espírito André Luiz também se reporta a questão do ‘carma’ quando o Ministro Sânzio atendendo às suas interrogações ansiosas diante do que observa nas instituições visitadas, lhe explica o que seja a questão do ‘carma’, ou ‘choque do retorno’. Nota-se perfeitamente a confusão de informações que o Espírito André Luiz recebe e repassa, constatando-se claramente, que seus instrutores não seriam também espíritas estudiosos e conhecedores da Codificação Espírita, daí recorrerem a outras terminologias para suas instruções.
À esse respeito, vale pontuar que “carma” é uma palavra oriental que significa ação. No dicionário encontra-se a seguinte definição: do sânscrito karman; nas filosofias da Índia, o conjunto das ações dos homens e suas conseqüências - (bem semelhante à Lei de Ação e Reação).
Na concepção hindu, carma quer dizer “destino” (canga) determinado ou fixo, ou seja, aqueles cujos atos foram corretos, depois de mortos renascerão através de uma mulher brâmane (virtuosa), ao passo que aqueles cujos os atos foram maus, renascerão de uma mulher pária (castas inferiores) e sofrerão muitas desgraças, acabando como simples escravos. (J. Herculano Pires)
No que concerne à Codificação Espírita, se formos pesquisar em todas as Obras Básicas incluindo a Revista Espírita, não encontraremos em nenhuma delas, em momento algum, os Espíritos Superiores, ou mesmo Kardec tratando ou estabelecendo uma Lei de Ação e Reação, ou Lei de Causa e Efeito. Nem muito menos usando do termo ‘carma’.
Isto porque Kardec logo na Introdução da gigantesca obra sobre o qual se ergue a Doutrina Espírita - que é O Livro dos Espíritos - assevera que: “Para as coisas novas necessitamos de palavras novas, pois assim o exige a clareza de linguagem, para evitarmos a confusão inerente aos múltiplos sentidos dos próprios vocábulos”. (Introdução de O Livro dos Espíritos) (grifei)
Portanto, não existe formalmente na Codificação ou na Revista Espírita a definição de Lei de Causa e Efeito - mas a menção de umaxioma* utilizado pelos Espíritos Superiores, quando esclarecem a origem das dores dizendo que para todo o efeito existe uma causa e não há causa sem efeito.
Mais precisamente em “O Evangelho Segundo o Espiritismo“, este axioma é aplicado quando trata da “Justiça das Aflições” e os Espíritos Superiores discorrem sobre as Causas Atuais e Anteriores das Aflições.
No que concerne às causas atuais das aflições nos é dito que:“Remontando à fonte dos males terrenos, reconhece-se que muitos são a conseqüência natural do caráter e da conduta daqueles que os sofrem. Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição! Quantas pessoas arruinadas por falta de ordem, de perseverança, por mau comportamento ou por não terem limitado os seus desejos”. (ESE, Cap. V, 4)
No item seguinte quando são tratadas as causas anteriores das aflições, assim se expressam: “Mas se há males, nesta vida, de que o homem é a própria causa, há também outros que, pelo menos em aparência, são estranhos à sua vontade e parecem golpeá-lo por fatalidade. Assim, por exemplo, a perda de entes queridos e dos que sustentam a família. Assim também os acidentes que nenhuma previdência pode evitar; os revezes da fortuna; os flagelos naturais; doenças de nascença; deformidades, a idiotia, a imbecilidade, etc. (ESE. Cap. V, 6)
Adiante, esclarecem a problemática utilizando-se do axiomaanteriormente mencionado asseverando: “Entretanto, em virtude do axioma de que todo efeito tem uma causa, essas misérias são efeitos que devem ter a sua causa, e desde que se admita a existência de um Deus justo, essa causa deve ser justa. Ora, a causa sendo sempre anterior ao efeito, e desde que não se encontra na vida atual, é que pertence a uma existência precedente”. (ESE. Cap. V, 6)
Diante do exposto infere-se que em razão de uma justiça divina rigorosa precisamos ‘aprender’ para evoluir. Mas não aplicando-se uma Lei de Ação e Reação que seria uma versão modernosa da Lei de Talião, ou seja, do ‘olho por olho e dente por dente’. Na realidade a Lei que transmudará as dores num estado interior de felicidade e paz, é a preconizada por Jesus quando nos asseverou que “o Amor cobre a multidão de pecados”.
Oportuno ressaltar, como esclarecem os Espíritos Superiores que nem todo o sofrimento que se passa nesse mundo é advindo necessariamente de uma determinada falta, pois pode tratar-se muito “freqüentemente” de simples provas escolhidas pelo próprio Espírito, para acelerar seu processo evolutivo. (ESE. Cap. V, 9)
Portanto, na condição de espíritas, estejamos atentos para não cairmos nas malhas da anfibologia** que tanto Kardec combateu em relação à Doutrina Espírita, evitando a utilização de palavras que já têm um sentido próprio, e usadas analogicamente geram interpretações equivocadas no que concerne ao corpo doutrinário
* Na lógica tradicional, um axioma ou postulado é uma sentença ou proposição que não é provada ou demonstrada e é considerada como óbvia ou como um consenso inicial necessário para a construção ou aceitação de uma teoria. Por essa razão, é aceito como verdade e serve como ponto inicial para dedução e inferências de outras verdades (dependentes de teoria).
** A anfibologia (do grego amphibolia) vem a ser, na lógica e na lingüística moderna, o mesmo que ambigüidade (do latim ambiguitas, atis), isto é, a duplicidade de sentido em uma construção sintática. Um enunciado é ambíguo e, portanto, anfibológico quando permite mais de uma interpretação. Na lógica aristotélica, designa uma falácia baseada no dúbio sentido - proposital ou não - da estrutura gramatical da sentença de modo a distorcer o raciocínio lógico ou a torná-lo obscuro, incerto ou equivocado.
http://umolharespirita1.blogspot.com
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