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domingo, 29 de janeiro de 2012

Introdução ao estudo do perispírito:Revista Espírita, março de 1866

                                                         Revista Espírita, março de 1866

Até agora só se tinham idéias muito incompletas sobre o mundo espiritual ou invisível. Imaginavam-se os Espíritos como seres fora da humanidade. Os anjos também eram criaturas à parte, de uma natureza mais perfeita. Quanto ao estado das almas após a morte, os conhecimentos não eram mais positivos. A opinião mais geral deles fazia seres abstratos, dispersos na imensidade e não tendo mais relações com os vivos, a não ser que, segundo a doutrina da Igreja, estivessem na beatitude do céu ou nas trevas do inferno. Além disso, as observações da Ciência, não parando na matéria tangível, resulta entre o mundo corporal e o mundo espiritual, um abismo que parecia excluir toda reaproximação. É este abismo que novas observações e o estudo de fenômenos ainda pouco conhecidos vem encher, ao menos em parte.
Para começar o Espiritismo nos ensina que os Espíritos são as almas dos homens que viveram na Terra, que progridem sem cessar, e que os anjos são essas mesmas almas ou Espíritos chegados a um estado de perfeição que os aproxima da Divindade.
Em segundo lugar, ensina-nos que as almas passam alternativamente do estado de encarnação ao de erraticidade, que neste último estado elas constituem a população invisível do globo, ao qual ficam ligadas, até que aí tenham adquirido o desenvolvimento intelectual e moral que comporta a natureza deste globo, depois do que o deixam, passando a um mundo mais adiantado.
Pela morte do corpo, a humanidade corporal fornece almas ou Espíritos ao mundo espiritual. Pelos nascimentos, o mundo espiritual alimenta o mundo corporal. Há, pois, transmutação ou deversão incessante de um no outro. Esta relação constante os torna solidários, pois são os mesmos seres que entram no nosso mundo e dele saem alternativamente. Eis um primeiro traço de união, um ponto de contato, que já diminui a distância que parecia separar o mundo visível do mundo invisível.
A natureza íntima da alma, isto é, do princípio inteligente, fonte do pensamento, escapa completamente às nossas investigações. Mas sabe-se agora que a alma é revestida de um envoltório ou corpo fluídico, que dela faz, após a morte do corpo material, como antes, um ser distinto, circunscrito e individual. A alma é o princípio inteligente considerado isoladamente. É a força atuante e pensante, que não podemos conceber isolada da matéria senão como uma abstração. Revestida de seu envoltório fluídico, ou perispírito, a alma constitui o ser chamado Espírito, como quando está revestida do envoltório corporal, constitui o homem. Ora, posto que no estado de Espírito goze de propriedades e de faculdades especiais, não cessou de pertencer à humanidade. Os Espíritos são, pois, seres semelhantes a nós, pois cada um de nós torna-se Espírito após a morte do corpo, e cada Espírito torna-se homem pelo nascimento.
Esse envoltório não é a alma, pois não pensa: é apenas uma vestimenta. Sem a alma, o perispírito, assim como o corpo, é uma matéria inerte privada de vida e de sensações. Dizemos matéria, porque, com efeito, o perispírito, posto que de uma natureza etérea e sutil, não é menos matéria com os fluidos imponderáveis e, demais, matéria da mesma natureza e da mesma origem que a mais grosseira matéria tangível, como logo veremos.
A alma não reveste o perispírito apenas no estado de Espírito; é inseparável desse envoltório, que a segue na encarnação, como na erraticidade. Na encarnação, é o laço que a une ao envoltório corporal, o intermediário com cujo auxílio age sobre os órgãos e percebe as sensações das coisas exteriores. Durante a vida, o fluido perispiritual identifica-se com o corpo, cujas partes todas penetra; com a morte, dele se desprende; privado da vida, o corpo se dissolve, mas o perispírito, sempre unido à alma, isto é, ao princípio vivificante, não perece. Apenas a alma, em vez de dois envoltórios, conserva apenas um: o mais leve, o que está mais em harmonia com o seu estado espiritual.
Posto que esses princípios sejam elementares para os Espíritas, era útil lembrá-los para a compreensão das explicações subseqüentes e a ligação das idéias.
Algumas pessoas contestaram a utilidade do invólucro perispiritual da alma e, em conseqüência, a sua existência. Dizem que a alma não precisa de intermediário para agir sobre o corpo; e, uma vez separada do corpo, ele é um acessório supérfluo.
A isto respondemos, para começar, que o perispírito não é uma criação imaginária, uma hipótese inventada para chegar a uma solução; sua existência é um fato constatado pela observação. Quanto à sua utilidade, durante a vida ou após a morte, é preciso admitir que, desde que existe, é que serve para alguma coisa. Os que contestam a sua utilidade são como um indivíduo que, não compreendendo as funções de certas engrenagens num mecanismo, concluíssem que elas só servem para desnecessariamente complicar a máquina. Não vê que se a menor peça fosse suprimida, tudo seria desorganizado. Quantas coisas, no grande mecanismo da natureza, parecem inúteis aos olhos do ignorante e, mesmo, de certos cientistas, que de boa fé julgam que se tivessem sido encarregados da construção do Universo, o teriam feito melhor!
O perispírito é uma das mais importantes engrenagens da economia. A Ciência o observou nalguns de seus efeitos e, seguidamente, tem sido designado como fluido vital, fluido ou influxo nervoso, fluido magnético, eletricidade animal, etc., sem se dar precisa conta de sua natureza e de suas propriedades, e, ainda menos, de sua origem. Como envoltório do Espírito após a morte, foi suspeitado desde a mais alta antigüidade. Todas as teogonias atribuem aos seres do mundo invisível um corpo fluídico. São Paulo diz em termos precisos que nós renascemos com um corpo espiritual (I Cor. XV: 35-44 e 50)
Dá-se o mesmo com todas as grandes verdades baseadas nas leis da natureza, e das quais, em todas as épocas, os homens tiveram a intuição. É assim que, desde antes de nossa era, notáveis filósofos tinham suspeitado da redondeza da Terra e seu movimento de rotação, o que nada tira ao mérito de Copérnico e de Galileu, mesmo supondo que estes últimos tenham aproveitado as idéias de seus predecessores. Graças a seus trabalhos, o que não passava de opinião individual, uma teoria incompleta e sem provas, desconhecida das massas, tornou-se uma verdade científica, prática e popular.
A doutrina do perispírito está no mesmo caso. O Espiritismo não foi o primeiro a descobri-lo. Mas, assim como Copérnico para o movimento da Terra, ele o estudou, demonstrou, analisou, definiu e dele tirou fecundos resultados. Sem os estudos modernos mais completos, esta grande verdade, como muitas outras ainda estaria no estado de letra morta.
O perispírito é o traço de união que liga o mundo espiritual ao mundo corporal. O Espiritismo no-los mostra em relação tão íntima e tão constante, que de um ao outro a transição é quase insensível. Ora, assim como na natureza o reino vegetal se liga ao reino animal por seres semivegetais ou semi-animais, o estado corporal se liga ao estado espiritual não só pelo princípio inteligente, que é o mesmo, mas ainda pelo envoltório fluídico, ao mesmo tempo semimatéria e semi-espiritual, desse mesmo princípio. Durante a vida terrena, o ser corporal e o ser espiritual estão confundidos e agem de acordo; a morte do corpo apenas os separa. A ligação destes dois estados é tal, reagem um sobre o outro com tanta força, que dia virá em que será reconhecido que o estudo da história natural do homem não seria completo sem o do envoltório perispiritual, isto é, sem por um pé no domínio do mundo invisível.
Tal aproximação é ainda maior quando se observa a origem, a natureza, a formação e as propriedades do perispírito, operação que decorre naturalmente do estudo dos fluidos.
É sabido que todos os animais tem como princípios constituintes o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono, combinados em diferentes proporções. Ora, como dissemos, esses mesmos corpos simples tem um princípio único, que é o fluido cósmico universal. Por suas diversas combinações eles formam todas as variedades de substâncias que compõem o corpo humano, o único de que aqui falamos, posto seja o mesmo em relação aos animais e às plantas. Disto resulta que o corpo humano, na realidade, não passa de uma espécie de concentração, de condensação ou , se quiser, da solidificação do gás carbônico. Com efeito, suponhamos a desagregação completa de todas as moléculas do corpo, reencontraremos o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono; em outros termos, o corpo será volatilizado. Os quatro elementos, voltando ao seu estado primitivo por uma nova e mais completa decomposição, se os nossos meios de análise o permitissem, dariam o fluido cósmico. Esse fluido, sendo o princípio de toda a matéria, é ele mesmo matéria, posto que num completo estado de eterização.
Um fenômeno análogo se passa na formação do corpo fluídico, ou perispírito: é, igualmente, uma condensação do fluído cósmico em redor do foco de inteligência, ou alma. Mas aqui a transformação molecular opera-se diferentemente, porque o fluido conserva sua imponderabilidade e suas qualidades etéreas. O corpo perispiritual e o corpo humano tem, pois, sua fonte no mesmo fluido; um e outro são matéria, posto sob dois estados diferentes. Assim, tivemos razão de dizer que o perispírito é da mesma natureza e da mesma origem que a mais grosseira matéria. Como se vê, nada há de sobrenatural, desde que se liga, por seu princípio, às coisas da natureza, das quais ele mesmo não passa de uma variedade.
Sendo o fluido universal o princípio de todos os corpos da natureza, animados e inanimados e, por conseqüência, da terra, das pedras. Moisés estava certo quando disse: "Deus formou o corpo do homem do limo da terra." Isto não quer dizer que Deus tomou terra, a petrificou e com ela modelou o corpo do homem, como se modela uma estátua com barro, como acreditaram os que tomam ao pé da letra as palavras bíblicas, mas que o corpo era formado dos mesmos princípios ou elementos que o limo da terra, ou que tinham servido para formam o limo da terra.
Moisés acrescenta: "E lhe deu uma alma vivente, feita à sua semelhança" faz , assim, uma distinção entre alma e corpo; indica que ela é de natureza diferente, que não é matéria, mas espiritual e imaterial como Deus. Diz: uma alma vivente, para especificar que nela só está o princípio de vida, ao passo que o corpo, formado de matéria, por si mesmo não vive. As palavras: à sua semelhança implicam uma similitude e não uma identidade. Se Moisés tivesse olhado a alma como uma porção da Divindade, teria dito: Deus o anima dando-lhe uma alma tirada da sua própria substância, como disse que o corpo tinha sido tirado da terra.
Estas reflexões são uma resposta às pessoas que acusam o Espiritismo de materializar a alma, porque lhe dá um envoltório semimaterial.
No estado normal, o perispírito é invisível aos nossos olhos e impalpável ao nosso tato, como o são uma infinidade de fluidos e de gases. Contudo, a invisibilidade, a impalpabilidade, e mesmo a imponderabilidade do fluido perispiritual não são absolutas. Eis por que dizemos no estado normal. Em certos casos, ele sofre, talvez, uma condensação maior, ou uma modificação molecular de natureza especial, que o torna momentaneamente visível ou tangível. É assim que se produzem as aparições. Sem que haja aparição, muitas pessoas sentem a impressão fluídica dos Espíritos pela sensação do tato, o que é o indício de um natureza material.
De qualquer maneira por que se opere a modificação atômica do fluido, não há coesão como nos corpos materiais: a aparência se forma e se dissipa instantaneamente, o que explica as aparições e as desaparições súbitas. Sendo as aparições o produto de um fluido material invisível, tornado visível por força de uma mudança momentânea na sua constituição molecular, não são mais sobrenaturais que os vapores que alternadamente se tornam visíveis ou invisíveis pela condensação ou pela rarefação. Citamos o vapor como ponto de comparação, sem pretender que haja similitude de causa e efeito.
Algumas pessoas criticaram a qualificação de semimaterial dada ao perispírito, dizendo que uma coisa é matéria ou não o é. Admitindo que a expressão seja imprópria, seria preciso adotá-la, em falta de um termo especial para exprimir esse estado particular da matéria. Se existisse um mais apropriado à coisa, os críticos deveriam tê-lo indicado. O perispírito é matéria, como acabamos de ver, falando filosoficamente, e por sua essência íntima. Ninguém poderia contestá-lo; mas não tem as propriedades da matéria tangível, tal como se a concebe vulgarmente; não pode ser submetido à análise química; porque, embora tenha o mesmo princípio que a carne e o mármore e possa tornar as suas aparências, na realidade nem é carne nem mármore. Por sua natureza etérea, tem, ao mesmo tempo, da materialidade por sua substância, e da espiritualidade por sua impalpabilidade; e a palavra semimaterial não é mais ridícula do que semiduplo e tantas outras, porque também pode se dizer que uma coisa é dupla ou não o é.
Como princípio elementar universal, o fluido cósmico oferece dois estados distintos: o de eterização ou de imponderabilidade, que pode se considerar como o estado normal primitivo, e o de materialização ou de ponderabilidade, que, de certo modo, não é senão consecutivo. O ponto intermediário é o da transformação do fluido em matéria tangível. Mas aí, ainda, não há transição brusca, porque se pode considerar os nossos fluidos imponderáveis como um termo médio entre os dois estados.
Cada um desses dois estados necessariamente dá lugar a fenômenos especiais. Ao segundo pertencem os do mundo visível, e ao primeiro os do mundo invisível. Uns, chamados fenômenos materiais, são do campo da Ciência propriamente dita; os outros, qualificados de fenômenos espirituais, porque se ligam à existência dos Espíritos, são da atribuição do Espiritismo. Mas há entre eles tão numerosos pontos de contato, que servem para mútuo esclarecimento e, como dissemos, o estudo de uns não poderia ser completo sem o estudo dos outros. É à explicação desses últimos que conduz o estudo dos fluidos de que, posteriormente, faremos assunto para um trabalho especial.
Revista Espírita, março de 1866

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