a partir de maio 2011

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

RIVALIDADE ENTRE OS ESPÍRITAS: REFLEXÕES KARDEQUIANAS

  Estava aqui refletindo sobre as muitas rivalidades que surpreendemos no Movimento Espírita e lembrei-me de voltar a Allan Kardec, em O LIVRO DOS MÉDIUNS, quando trata, com sua incomum lucidez, da “Rivalidade entre as Sociedades”. Dito nas palavras de hoje, “Rivalidade entre os Grupos Espíritas”.
  Na sua época, uma divisão singular se estabelecia: os grupos que cuidavam, de preferência, das manifestações inteligentes, e os que se detinham nas manifestações físicas. O curioso é que cada um pretendia estar com a verdade, como se a sua opção excluísse a outra e, mesmo, deslegitimasse o interesse dos outros grupos.
  Dadas as discórdias e os ataques lançados por uns sobre os outros, Kardec pondera:

  <Os grupos que se ocupam exclusivamente com as manifestações inteligentes e os que se entregam ao estudo das manifestações físicas têm cada um a sua missão. Nem uns, nem outros se achariam possuídos do verdadeiro espírito do Espiritismo, desde que não se olhassem com bons olhos; e aquele que atirasse pedras em outro provaria, por esse simples fato, a má influência que o domina.> (OLM, p. 519)*

  Atualmente, vemos tais conflitos materializados em outros aspectos, tais como: reuniões mediúnicas abertas ou fechadas, ter ou não ter desobsessão, fazer ou não fazer reuniões de cura, promover ou não promover pintura mediúnica... Os pontos de divergências mudaram, haja vista que quase ninguém mais se ocupa com as manifestações físicas – materializações, mesas girantes e outros –, mas a nossa pequenez se conserva exatamente a mesma: queremos destruir o outro que, embora abrace a nossa mesma causa, pensa, sente e vive seus postulados de forma diferente.
  E porque “nossos olhos não são bons”, tendemos a olhar o outro com as mazelas que impregnam o nosso olhar, desprezando-o por ser, simplesmente, diferente. E porque nossas mãos permanecem sendo “motivos de escândalo”, ao invés de as arrancarmos, lançando-as fora, permanecemos atirando pedras nesse mesmo outro, não compreendendo que ser humano é ser diferente, e que todos somos iguais nessa fatalidade. E porque não conseguimos – às vezes não queremos – agir de modo “diferente”, continuamos provando, “por esses simples fatos”, que somos verdadeiramente dominados por uma péssima influência: nossa visão tacanha e medíocre da proposta espírita e cristã.
  Enquanto brigamos e acusamos, na tentativa de destruir o outro sob o manto da “defesa da verdade”, Kardec permanece nos advertindo, lembrando aquilo com que nos devemos verdadeiramente ocupar:

  <Todos devem concorrer, ainda que por vias diferentes, para o objetivo comum, que é a pesquisa e a propaganda da verdade. Os antagonismos, que não são mais do que efeito de orgulho superexcitado, fornecendo armas aos detratores, só poderão prejudicar a causa, que uns e outros pretendem defender.> (OLM, p. 519-520) *.

  E aí temos um diagnóstico perfeito: no fundo e no raso, nossos antagonismos tão somente revelam a superexcitação do nosso orgulho, da tola pretensão de superioridade, da doce ilusão de sermos “donos da verdade”. Perdemos o “objetivo comum, que é a pesquisa e a propaganda da verdade”, para municiar os detratores com as nossas disputas de ego, na tentativa vã e tola de estabelecer, aqui ou ali, o templo do “verdadeiro Espiritismo”.
  A quem estaremos servindo, a Deus o a Mamom?

* Trechos retirados da 49º edição de O livro dos médiuns, publicada pela FEB.

  Dando seguimento às nossas reflexões sobre as rivalidades que surpreendemos instaladas no Movimento Espírita, julgamos necessário prosseguir com Allan Kardec, em O livro dos médiuns, no capítulo que trata das “Sociedades Espíritas”, mais especificamente no item que analisa o problema da rivalidade entre as sociedades.
  Diante do interesse geral que o texto anterior causou, recebi várias manifestações de confrades de todo país, com observações variadas, dentre elas uma que revelava certo incômodo: seria adequado falar-se em “rivalidade”? Isto não estaria de certa forma, alimentando a animosidade entre os companheiros de ideal?
  Bem, a essa ponderação responderei o seguinte: quem chamou de “rivalidade” não fui eu, foi o próprio Kardec. Fazendo uso de sua sensibilidade e de seu raro senso de observação, ele mesmo já percebia, em sua época, a tendência muito humana de se tomar os pontos discordantes como “cavalos de batalha”, utilizando-os para alimentar as disputas e oposições, gratuitas ou não. E a palavra “rivalidade” traduz, exatamente, essa ideia de oposição e disputa que encontramos no comportamento de pessoas em diversos contextos sociais... e no Movimento Espírita não é diferente! Portanto, não é falta de caridade ou estímulo à disputa o fato de identificarmos como “rivalidade” toda a série de desentendimentos e dissensões que vemos acontecer, mas tão somente “dar nomes aos bois”, para que palavras aparentemente amenas não venham, de algum modo, camuflar a realidade.
  Voltando a Kardec, não podemos deixar de repetir: sua sensibilidade era profunda! Em seu tempo, o Movimento Espírita não gozava da mesma quantidade de Instituições com que conta hoje, muito menos com a complexidade das relações que se estabelecem, atualmente, nesses nichos. Contudo, as discordâncias já eram uma realidade, naqueles 4 (quatro) anos iniciais de movimento (lembremos que O livro dos médiuns foi publicado em janeiro de 1861), certamente prenunciando que as décadas vindouras não seriam diferentes.
  Analisando as celeumas de então, Kardec identificava que:
  [...] essas divergências, as mais das vezes, apenas versam sobre acessórios, não raro mesmo sobre simples palavras. Fora, portanto, pueril constituírem bando à parte alguns, por não pensarem todos do mesmo modo. Pior ainda do que isso seria o se tornarem ciosos uns dos outros os diferentes grupos ou associações da mesma cidade. (OLM, item 329, 1º parágrafo)
  Pontua o mestre francês que, quase sempre, nossas divergências tem base em questões acessórias. Como tais devemos entender aquelas que não guardam relação com as raízes da doutrina, que são seus princípios básicos, mas com aspectos outros que compõem o mosaico de assuntos relacionados a esse conjunto principiológico. Exemplificando: podemos estar de acordo, todos, quanto à existência de Deus, à reencarnação, à mediunidade e outros pontos fundamentais do conhecimento espírita, exatamente como propostos nas obras de Kardec, embora divergindo quanto a informações sobre a existência de determinado aspecto do mundo espiritual e sua compreensão, que é algo acessório e não compromete, por si só, o núcleo básico de referência.
  Essas divergências, como assevera Kardec, “não raro [existem] mesmo sobre simples palavras”! Às vezes, nosso preciosismo nos leva a esquecer que as palavras existem para nos servir, não o contrário! Devemos empregá-las para nosso entendimento, e não como se tivessem existência e vontade próprias.
  Na pergunta 153, item “a”, de O livro dos espíritos, ao se debater o sentido em que se deveria tomar a expressão “vida eterna”, os espíritos são questionados sobre se “não seria mais exato chamar vida eterna à dos Espíritos puros, dos que, tendo atingido a perfeição, não estão sujeitos a sofrer mais prova alguma”.
  E respondem:
  Essa é antes a felicidade eterna. Mas isto constitui uma questão de palavras. Chamai as coisas como quiserdes, contanto que vos entendais. (OLE, item 153, “a”) (Grifei)
  O importante, pois, é que nos entendamos! Naturalmente que não podemos desconsiderar que o Espiritismo, como ciência, deve ter um cuidado terminológico e que nós, por nossa vez, devemos zelar pela devida adequação dos termos e pela sua precisão. Entretanto, uma confusão de termos ou, mesmo, a opção por palavras diferentes, DESDE QUE A COMPREENSÃO, O SENTIDO E O ALCANCE DO QUE SE DENOMINA PERMANEÇAM OS MESMOS, não deve justificar nossa atitude “pueril”, ou seja, infantil – o termo é de Kardec! – de criarmos trincheiras e nos hostilizarmos.
  Allan Kardec lança uma “pá de cal” na questão quando, na sequência das ponderações, aduz de forma cirúrgica:
  Compreende-se o ciúme entre pessoas que fazem concorrência umas às outras e podem ocasionar recíprocos prejuízos materiais. Não havendo, porém, especulação, o ciúme só traduz mesquinha rivalidade de amor-próprio. (OLM, item 329, 1º parágrafo)
  Será que há entre nós, os espíritas, qualquer tipo de concorrência, ou queremos todos “concorrer” para a divulgação e a propaganda da Doutrina que professamos e que baliza nossas existências? Qual o motivo, então, da existência de tantos “ciúmes” entre nós, de tanta rivalidade? A resposta é de Kardec: “mesquinha rivalidade de amor-próprio”!
  Lutemos, pois, contra a nossa pequenez – e aprendamos a respeitar os outros, apesar das divergências!


Pedro Camilo (Salvador/BA)

  Advogado. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Professor Auxiliar de Direito Penal e Processual Penal da Universidade do Estado do Bahia. Escritor e expositor espírita. Trabalhador do Núcleo Espírita Telles de Menezes, de Salvador, Bahia.
  Escreveu os livros "Yvonne Pereira: uma heroína silenciosa", "Devassando a mediunidade" e "Mediunidade: para entender e refletir"; organizou o livro "Pelos caminhos da mediunidade serena"; mediunicamente, o Espírito Bento José escreveu, por seu intermédio, "Mente Aberta”

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