a partir de maio 2011

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A LUTA DE HERCULANO



Lá pelos idos de 1970, em uma sossegada rua da Vila Clementino, em São Paulo, alguém preparou um explosivo e lançou-o corajosamente no meio espírita, para sacudir o marasmo da maioria diante de um tema vital. Esse alguém era a cabeça mais lúcida do Espiritismo brasileiro: José Herculano Pires. O explosivo era EDUCAÇÃO ESPÍRITA, uma revista editada pela EDICEL, que tratava dos mais simples aspectos da Educação no lar as mais altas teorias filosófico-pedagógicas. Com aquela objetividade cristalina, aquela cultura monumental e aquele idealismo avassalador e indomável que só Herculano possuía, EDUCAÇÃO ESPÍRITA era uma revista destinada a mudar os rumos do movimento espírita.

O tempo urgia, a História amadurecera e estava a exigir os alicerces de uma nova Educação. Assim raciocinava o filósofo de Avaré.

“A tarefa da Educação Espírita é a formação de um homem novo. A educação Clássica greco-romana formou o cidadão, o homem vinculado à cidade e suas leis, servidor do Império; a Educação Medieval formou o Cristão, o homem submisso a Cristo e sujeito à Igreja, à autoridade desta e aos regulamentos eclesiásticos; a Educação Renascentista formou o gentil-homem, sujeito às etiquetas e normas sociais, apegado à cultura mundana; a Educação Moderna formou o homem esclarecido, amante das Ciências e das Artes, cético em matéria religiosa, vagamente deísta em fase de transição para o materialismo; a Educação Nova formou o homem psicológico do nosso tempo, ansioso por se libertar das angústias e dos traumas psíquicos do passado, substituindo o confessionário pelo consultório psiquiátrico e psicanalítico, reduzindo a religião a mera convenção pragmática. (...) Não é mais possível educar as gerações novas segundo nenhum dos tipos anteriores de Educação. Dai a rebeldia que vemos nas escolas, a inquietação da juventude, insatisfeita com a ordem social e cultural, ambas absoletas, em que se encontram. A Educação Espírita se impõe com a exigência dos tempos. Só ela poderá orientar os espíritos para a formação do homem novo, consciente de sua natureza e de seu destino, bem como de pertencer à Humanidade Cósmica e não aos exíguos limites da humanidade terrena. Só ela pode nos dar, esse homem novo, a síntese de todas as fases da evolução anterior, numa formulação superior. Porque o homem espírita — ou o homem consciente — que essa nova Educação nos dará, será ao mesmo tempo o cidadão, o cristão, o gentil-homem, o homem esclarecido e o homem psicológico, mas na conjugação de todos esses elementos numa dimensão espiritual e cósmica.”

Distinguindo a Educação da Pedagogia, pois a primeira sempre precede a segunda, que é uma teorização daquela, Herculano Pires afirma que a Pedagogia Espírita está implícita na codificação de Kardec. A visão da infância, a reencarnação, a compreensão interexistencial da vida, tudo isso forma a base dessa Pedagogia. Entretanto, torna-se preciso uma ordenação teórica nesses dados esparsos, acompanhada de um método prático de aplicação. Pronta essa sistematização, haverá uma Pedagogia Espírita possível, baseada nos princípios gerais da Doutrina, mas também fruto de uma necessidade histórico-cultural do momento. Amanhã poderá haver outra Pedagogia tão espírita quanto a primeira, mas diferente, porque será produto de outras circunstâncias.

Ora, era justamente a intenção de Herculano suscitar debates, provocar reações entre intelectuais, professores ou simplesmente estudiosos espíritas, para que fosse elaborada uma Pedagogia Espírita. Pois dizia o saudoso professor que as escolas espíritas haviam surgido como uma necessidade natural e uma conseqüência óbvia do movimento. Mas essas escolas, em sua maioria, embora já representassem um passo, não haviam criado uma Pedagogia Espírita. limitando-se a adotar a leiga, inserindo aulas de Doutrina no currículo.

O apelo de EDUCAÇÃO ESPÍRITA tinha o ardor idealista e a lógica fulminante peculiares a Herculano. Apesar disso, o explosivo não atingiu o tímpano nem ofuscou os olhos dos que não querem nem ouvir nem ver. O professorado espírita não se interessou. Não apareceram colaboradores. Humberto Mariotti, o Herculano argentino, estendeu as mãos sobre a fronteira e participou do apelo. Deolindo Amorim e alguns raros articulistas trouxeram algo. Mas o segundo número demorou uma ano e meio a sair. O terceiro foi trimestral, o quarto e quinto foram semestrais e o sexto encerrou a série. No quinto volume, à guisa de editorial, há um melancólico e vibrante desabafo, intitulado CARTA ABERTA AOS PROFESSORES ESPÍRITAS, onde o incansável batalhador comenta não só o desinteresse da maioria, como a oposição  de alguns (espíritas !!!) à Educação Espírita, como se ela não existisse. É claro como o dia que qualquer sistema filosófico, qualquer cosmovisão se completa numa Pedagogia. Desde o tempo de Platão é assim. Apenas espíritos obscurantistas não vêem isso.

Na verdade, a indiferença que a revista encontrou (e diga-se de passagem que muitos intelectuais não espíritas ficaram entusiasmados) está ligada a um menosprezo generalizado que os espíritas votam à Cultura. Estão sempre prontos a apoiar obras criativas — o que é muito louvável — mas quando se trata de qualquer empreendimento cultural, torcem o nariz e fogem. Herculano alertava:

“Espiritismo é cultura em marcha, civilização nova em perspectiva. Temos de criar condições para acordar os preguiçosos, sacudir os sonolentos, desmascarar os analfabetos ilustres, os demagogos que só sabem pavonear-se nas tribunas e nas publicações reacionárias. Temos de acabar com a praga da preguiça mental, hipocritamente disfarçada em modéstia, falta de recursos e outras desculpas descabidas. Precisamos estudar, queimar as pestanas, pesquisar, construir a Cultura Espírita em nossa terra. Ou faremos isso ou nada mais seremos do que beatos de um novo tipo, esperando de joelhos que o Céu faça por nós o que temos de fazer por nós mesmos.”

Sem encontrar o apoio e a ressonância, com os quais contava para a elaboração coletiva de uma Pedagogia Espírita, Herculano Pires se atira então sozinho à tarefa, para a qual possuía mais competência do que muitos espíritas reunidos. No último número da revista, publica os primeiros capítulos de um COMPÊNDIO DE PEDAGOGIA ESPÍRITA, lançando os pontos-chaves para um desenvolvimento posterior. Vejamos como explica ai, de maneira brilhante as relações do Espiritismo com a Pedagogia:

“Ensino, processo de informação e instrução, e Educação, processo de formação moral e espiritual, constituem as coordenadas da Doutrina Espírita e balizam a prática doutrinária em todos os seus aspectos. Bastaria isso para nos mostrar que o Espiritismo ocupa, no próprio campo do Conhecimento, uma posição de síntese. Seus aspectos fundamentais de Ciência, Filosofia e Religião se encontram e se fundem no delta da Pedagogia, para o qual confluem todas as águas da Cultura. Examinemos melhor esta questão. No campo do Conhecimento, a Ciência nasce da prática, do fazer do homem no mundo; a Filosofia brota da razão, do pensar do homem sobre o mundo; a Religião surge da afetividade, do sentir do homem no seu viver no mundo. Essas três províncias do Conhecimento formam a unidade do conhecer e por isso não podem estar em conflito, pois as suas antinomias quebram a unidade do Espírito confundem a Cultura e tornam conflitiva a Civilização. Conseqüência inevitável é o conflito no campo educacional. A unidade conceptual e estrutural do Espiritismo devolve a unidade do conhecer ao homem ao homem e restabelece a harmonia no campo da Educação.”

Passados 37 anos dessa heróica tentativa, continuamos no mesmo pé. Nada se modificou em nosso cenário mormacento. José Herculano Pires acendeu as primeiras luzes em torno do assunto. Revolveu a terra e fincou alguns andaimes. Partindo de seus pressupostos rigorosamente espíritas, chegaremos sem muitos percalços a realizar a tarefa que a consciência exige de nós. O inesquecível filósofo de Avaré fez sua parte. Nem sequer tentaremos cumprir a nossa?
 
Obs: Esta matéria foi extraída de uma xerox e na mesma não continha a autoria, portanto se alguém souber o nome do autor e puder me passar esta informação neste endereço eletrônico aeradoespírito@uol.com.br,  ficarei muito grato.
 
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383. Qual é, para o Espírito, a utilidade de passar pela infância?
R. — Encarnando-se com o fim de se aperfeiçoar, o Espírito é mais acessível, durante esse tempo, às impressões que recebe e que podem ajudar o seu adiantamento, para o qual devem contribuir os que estão encarregados da sua educação. ([1])
 
Trecho extraído de “O Livro dos Espíritos - q. 383” - obra codificada por Allan Kardec

 ENSINO ESPÍRITA 
 
Um curso regular de Espiritismo seria dado com o fim de desenvolver os princípios da Ciência espírita e propagar o gosto pelos estudos sérios. Esse curso terá a vantagem de criar a unidade dos princípios, de obter adeptos esclarecidos, capazes de difundir as idéias espíritas e de desenvolver grande números de médiuns. Encaro este curso como capaz de exercer influência capital no futuro do Espiritismo e em suas conseqüências.(2)

Allan Kardec no livro “Obras Póstumas

 NOTAS:
 
([1]) Os pais e os professores espíritas devem ponderar sobre este item e os que se lhe seguem. O Espiritismo vem abrir um novo capítulo da Psicologia infantil e da Pedagogia, mostrando a importância da educação da criança não apenas para esta vida mas para a sua própria evoloção espiritual. (Nota de J. Herculano Pires)
 
(2) Veja-se o projeto de criação das Escolas de Espiritismo, organismos de ensino de tipo universitário, aprovado pelo IV Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas realizando em Curitiba, Paraná, em 1968, e publicado pela revista Educação Espírita, n.o 1,  de dezembro de 1970. (Nota de J. Herculano Pires)

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