a partir de maio 2011

sábado, 10 de janeiro de 2015

Os demônios se fazem passar por espíritos dos mortos?

Não tanto para os católicos; mas para a grande maioria dos evangélicos, nas reuniões
espíritas somente se manifestam os demônios, que se fazem passar por espíritos dos mortos,
que estão sendo evocados, sem ao menos apresentarem a base bíblica para o que dizem. Isso
merece algumas considerações.
Em todas as nossas reuniões seguimos as orientações de Kardec, especialmente estas:
[...] Contudo, a evocação deve sempre ser feita em nome de Deus.
Poder-se-á fazê-la nos termos seguintes, ou outros equivalentes: Rogo a Deus
todo-poderoso que permita venha um bom Espírito comunicar-se
comigo e fazer-me escrever; peço também ao meu anjo de guarda se
digne de me assistir e de afastar os maus Espíritos. Formulada a súplica, é
esperar que um Espírito se manifeste, fazendo escrever alguma coisa. […]
Quando queira chamar determinados Espíritos, é essencial que o médium
comece por se dirigir somente aos que ele sabe serem bons e simpáticos e que
podem ter motivo para acudir ao apelo, como parentes, ou amigos. Neste caso,
a evocação pode ser formulada assim: Em nome de Deus todo-poderoso
peço que tal Espírito se comunique comigo, ou então: Peço a Deus todopoderoso
permita que tal Espírito se comunique comigo; ou qualquer
outra fórmula que corresponda ao mesmo pensamento. […] (KARDEC, 2007a, p.
257-258)

Mais à frente Kardec reforça, dizendo: “Quando dizemos que se faça a evocação em
nome de Deus, queremos que a nossa recomendação seja tomada a sério e não levianamente”
(KARDEC, 2007a, p. 362).
E considerando que Jesus disse “E tudo o que pedirdes com fé, em oração, vós o
recebereis” (Mt 21,22), não vemos nenhum motivo dele enviar os demônios ao invés do
espírito de um amigo ou parente desencarnado; estaria Ele ludibriando-nos? Preferimos
acreditar que não.
Por outro lado, não seria atitude injusta a da divindade se somente permitisse virem a
nós os demônios, para atazanar nossas vidas, se também existem os Seus anjos (espíritos
puros) que poderiam, ao contrário, vir nos ajudar? Alguém poderia nos explicar por qual lógica
Deus deixa os demônios e não deixa os anjos virem, quando evocamos os “mortos”? Nesse
caso, Ele estaria de “marcação” com os espíritas, pois os católicos invocam os seus santos e
santas (estão mortos!), e até mesmo as almas do purgatório, quando estas nada podem fazer
por nós, por serem elas que precisam de ajuda; e ninguém diz que são os demônios que os
atendem. Falta coerência nisso tudo.
Ainda resta ser explicado como os anjos decaídos (os que viraram demônios) agem aqui
na Terra diante do teor desses dois passos:
2Pe 2,4: "De fato, Deus não poupou os anjos que haviam pecado, mas lançou-os nos
tenebrosos abismos do inferno, onde estão guardados, à espera do dia do
julgamento".
Jd 1,6: "Quero lembrar-lhes também que os anjos que não conservaram a sua
dignidade, mas abandonaram a própria moradia, o Senhor os mantém presos
eternamente nas trevas, para o julgamento do grande Dia".
Se estão presos eternamente nas trevas, ou seja, nos tenebrosos abismos do inferno,
como conseguiram sair de lá?
Nessas pouco mais de duas décadas que frequentamos a Doutrina Espírita, nunca vimos
os espíritos darem maus conselhos; ao contrário, sempre estão nos incitando a seguir essas
máximas: perdoar e amar ao próximo, fazer o bem sem ostentação, enfim, tudo quanto Jesus
nos ensinou. Aliás, é bom deixar bem claro, seguimos incondicionalmente a Ele, embora
muitos digam o contrário. Quem sabe se os demônios não estão sendo convertidos ao bem,
pelo contato com os espíritas?
Vimos, desses supostos demônios, centenas de orações belíssimas, como esta, por
exemplo, ditada pelo espírito Emmanuel, através de Chico Xavier:

ORAÇÃO NOSSA
Senhor, ensina-nos:
a orar sem esquecer o trabalho;
a dar sem olhar a quem;
a servir sem perguntar até quando;
a sofrer sem magoar seja a quem for;
a progredir sem perder a simplicidade;
a semear o bem sem pensar nos resultados;
a desculpar sem condições;
a marchar para frente sem contar os obstáculos;
a ver sem malícia;
a escutar sem corromper os assuntos;
a falar sem ferir;
a compreender o próximo sem exigir entendimento;
a respeitar os semelhantes, sem reclamar consideração;
a dar o melhor de nós, além da execução do próprio dever, sem cobrar taxa
de reconhecimento.
Senhor, fortalece em nós a paciência para com as dificuldades dos outros,
assim como precisamos da paciência dos outros para com as nossas próprias
dificuldades.
Ajuda-nos para que a ninguém façamos aquilo que não desejamos para nós.
Auxilia-nos, sobretudo, a reconhecer que a nossa felicidade mais alta será
invariavelmente, aquela de cumprir-te os desígnios onde e como queiras, hoje,
agora e sempre.


Não podemos deixar de também citar uma das mais belas preces que conhecemos,
ditada pelo Espírito Cáritas à médium Mme. W. Krill, em 25 de dezembro de 1873, em
Bordéus, França:
Prece de Cáritas
Deus, nosso Pai, que sois todo poder e bondade, dai força àquele que passa
pela provação, dai a luz àquele que procura a verdade, ponde no coração do
homem a compaixão e a caridade.
Deus! Dai ao viajor a estrela-guia, ao aflito a consolação, ao doente o repouso.
Pai! Dai ao culpado o arrependimento, ao Espírito a verdade, à criança o guia,
ao órfão o pai.
Senhor! Que a Vossa bondade se estenda sobre tudo que criastes.
Piedade, Senhor, para aqueles que vos não conhecem, esperança para
aqueles que sofrem.
Que a Vossa bondade permita aos Espíritos consoladores derramarem por
toda parte a paz, a esperança e a fé.
Deus! Um raio, uma faísca do vosso amor pode abrasar a Terra; deixai-nos
beber nas fontes dessa bondade fecunda e infinita, e todas as lágrimas secarão,
todas as dores se acalmarão.
Um só coração, um só pensamento subirá até Vós como um grito de
reconhecimento e amor.
Como Moisés sobre a montanha, nós Vos esperamos com os braços abertos,
oh! Bondade... oh! Beleza... oh! Perfeição, e queremos de alguma sorte alcançar
a Vossa misericórdia.
Deus! Dai-nos a força de ajudar o progresso a fim de subirmos até Vós; dainos
a caridade pura, dai-nos a fé e a razão; dai-nos a simplicidade que fará das
nossas almas o espelho onde se refletirá a Vossa Imagem.

Aí nos lembramos de Jesus, que disse algo mais ou menos assim: “Se o demônio está
dividido contra si mesmo. Como, então, o seu reino poderá sobreviver?” (Mt 12,26). E se até
Ele foi acusado de ter parte com o demônio, imagine, então, nós outros...
É fato, e não se poderia negar, que, excepcionalmente, aparece um ou outro querendo
nos desviar do caminho do bem; mas são prontamente identificados, e, muitas das vezes, são
eles que acabam mudando de comportamento, após ouvir os nossos conselhos, embora isso
pareça ironia. E, de mais a mais, só “lobos caem em armadilha de lobos”.
Assim, deve ficar bem claro que não somos tão idiotas a ponto de considerar
indiscriminadamente todos “os desencarnados como mensageiros de Deus”, como já vimos se
afirmando por aí. Isso demonstra o que sempre acontece: fala-se mal do Espiritismo, no
intuito de denegri-lo, até mesmo os que não lhe conhecem em profundidade necessária para
lhe identificar todos os pontos importantes.
Kardec também não deixou de tecer seus comentários, quando, em O Livro dos
Médiuns, trata dos Sistemas; vejamos o item que se aplica a caso:
46. Sistema pessimista, diabólico ou demoníaco. — Entramos aqui numa
outra ordem de ideias. Comprovada a intervenção de uma inteligência estranha,
tratava-se de saber de que natureza era essa inteligência. Sem dúvida que o
meio mais simples consistia em lhe perguntar isso. Algumas pessoas, contudo,
entenderam que esse processo não oferecia garantias bastantes e assentaram
de ver em todas as manifestações, unicamente, uma obra diabólica. Segundo
essas pessoas, só o diabo, ou os demônios, podem comunicar-se.
Conquanto fraco eco encontre hoje este sistema, é inegável que gozou, por
algum tempo, de certo crédito, devido mesmo ao caráter dos que tentaram fazer
que ele prevalecesse. Faremos, entretanto, notar que os partidários do sistema
demoníaco não devem ser classificados entre os adversários do Espiritismo: ao
contrário. Sejam demônios ou anjos, os seres que se comunicam são
sempre seres incorpóreos. Ora, admitir a manifestação dos demônios é
admitir a possibilidade da comunicação do mundo visível com o mundo
invisível, ou, pelo menos, com uma parte deste último.
Compreende-se que a crença na comunicação exclusiva dos demônios, por
muito irracional que seja, não houvesse parecido impossível, quando se
consideravam os Espíritos como seres criados fora da humanidade. Mas, desde
que se sabe que os Espíritos são simplesmente as almas dos que hão vivido, ela
perdeu todo o seu prestígio e pode-se dizer que toda a verossimilhança,
porquanto, admitida, o que se seguiria é que todas essas almas eram demônios,
embora fossem as de um pai, de um filho, ou de um amigo e que nós mesmos,
morrendo, nos tornaríamos demônios, doutrina pouco lisonjeira e nada
consoladora para muita gente. Bem difícil será persuadir a uma mãe de que o
filho querido, que ela perdeu e que lhe vem dar, depois da morte, provas de sua
afeição e de sua identidade, é um suposto satanás. Sem dúvida, entre os
Espíritos, há os muito maus e que não valem mais do que os chamados
demônios, por uma razão bem simples: a de que há homens muito maus
que, pelo fato de morrerem, não se tornam bons. A questão está em saber
se só eles podem comunicar-se conosco. Aos que assim pensem, dirigimos as
seguintes perguntas:
1º Há ou não Espíritos bons e maus?
2º Deus é ou não mais poderoso do que os maus Espíritos, ou do que os
demônios, se assim lhes quiserdes chamar?
3º Afirmar que só os maus se comunicam é dizer que os bons não o podem
fazer. Sendo assim, uma de duas: ou isto se dá pela vontade, ou contra a
vontade de Deus. Se contra a Sua vontade, é que os maus Espíritos podem mais
do que Ele; se, por vontade Sua, por que, em Sua bondade, não permitiria Ele
que os bons fizessem o mesmo, para contrabalançar a influência dos outros?
4º Que provas podeis apresentar da impossibilidade em que estão os bons
Espíritos de se comunicarem?
5º Quando se vos opõe a sabedoria de certas comunicações, respondeis que
o demônio usa de todas as máscaras para melhor seduzir. Sabemos, com efeito,
haver Espíritos hipócritas, que dão à sua linguagem um verniz de sabedoria;
mas, admitis que a ignorância pode falsificar o verdadeiro saber e uma natureza
má imitar a verdadeira virtude, sem deixar vestígio que denuncie a fraude?
6º Se só o demônio se comunica, sendo ele o inimigo de Deus e dos homens,
por que recomenda que se ore a Deus, que nos submetamos à vontade de Deus,
que suportemos sem queixas as tribulações da vida, que não ambicionemos as
honras, nem as riquezas, que pratiquemos a caridade e todas as máximas do
Cristo, numa palavra: que façamos tudo o que é preciso para lhe destruir o
império, dele, demônio? Se tais conselhos o demônio é quem os dá, forçoso será
convir em que, por muito manhoso que seja, bastante inábil é ele, fornecendo
armas contra si mesmo(4).
7º Pois que os Espíritos se comunicam, é que Deus o permite. Em presença
das boas e das más comunicações, não será mais lógico admitir-se que umas
Deus as permite para nos experimentar e as outras para nos aconselhar ao
bem?
8º Que direis de um pai que deixasse o filho à mercê dos exemplos e dos
conselhos perniciosos, e que o afastasse de si; que o privasse do contacto com
as pessoas que o pudessem desviar do mal? Ser-nos-á lícito supor que Deus
procede como um bom pai não procederia, e que, sendo ele a bondade por
excelência, faça menos do que faria um homem?
9º A Igreja reconhece como autênticas certas manifestações da Virgem e de
outros santos, em aparições, visões, comunicações orais, etc. Essa crença não
está em contradição com a doutrina da comunicação exclusiva dos demônios?
Acreditamos que algumas pessoas hajam professado de boa-fé essa teoria;
mas, também cremos que muitas a adotaram unicamente com o fito de fazer
que outras fugissem de ocupar-se com tais coisas, pelo temor das comunicações
más, a cujo recebimento todos estão sujeitos. Dizendo que só o diabo se
manifesta, quiseram aterrorizar, quase como se faz com uma criança a
quem se diz: não toques nisto, porque queima. A intenção pode ter sido
louvável; porém, o objetivo falhou, porquanto a só proibição basta para excitar a
curiosidade e bem poucos são aqueles a quem o medo do diabo tolhe a
iniciativa. Todos querem vê-lo, quando mais não seja para saber como é feito e
muito espantados ficam por não o acharem tão feio como o imaginavam.
E não se poderia achar também outro motivo para essa teoria exclusiva do
diabo? Gente há, para quem todos os que não lhe são do mesmo parecer
estão em erro. Ora, os que pretendem que todas as comunicações provêm do
demônio não serão a isso induzidos pelo receio de que os Espíritos não estejam
de acordo com eles sobre todos os pontos, mais ainda sobre os que se referem
aos interesses deste mundo, do que sobre os que concernem aos do outro? Não
podendo negar os fatos, entenderam de apresentá-los sob forma apavorante.
Esse meio, entretanto, não produziu melhor resultado do que os outros. Onde o
temor do ridículo se mostre impotente, forçoso é se deixem passar as coisas.
O muçulmano, que ouvisse um Espírito falar contra certas leis do Alcorão,
certamente acreditaria tratar-se de um mau Espírito. O mesmo se daria com um
judeu, pelo que toca a certas práticas da lei de Moisés. Quanto aos católicos, de
um ouvimos que o Espírito que se comunica não podia deixar de ser o diabo,
porque se permitira a liberdade de pensar de modo diverso do dele, acerca do
poder temporal, se bem que, em suma, o Espírito não houvesse pregado senão
a caridade, a tolerância, o amor do próximo e a abnegação das coisas deste
mundo, preceitos todos ensinados pelo Cristo.
Não sendo os Espíritos mais do que as almas dos homens e não sendo
estes perfeitos, o que se segue é que há Espíritos igualmente
imperfeitos, cujos caracteres se refletem nas suas comunicações. É fato
incontestável haver, entre eles, maus, astuciosos, profundamente hipócritas,
contra os quais preciso se faz que estejamos em guarda. Mas, porque se
encontram no mundo homens perversos, é isto motivo para nos afastarmos de
toda a sociedade? Deus nos outorgou a razão e o discernimento para
apreciarmos, assim os Espíritos, como os homens. O melhor meio de se obviar
aos inconvenientes da prática do Espiritismo não consiste em proibi-la, mas em
fazê-lo compreendido. Um receio imaginário apenas por um instante
impressiona e não atinge a todos. A realidade claramente demonstrada, todos a
compreendem.
______
4. Esta questão foi tratada em O Livro dos Espíritos (números 128 e seguintes); mas, com
relação a este assunto, como acerca de tudo o que respeita à parte religiosa,
recomendamos a brochura intitulada: Carta de um católico sobre o Espiritismo, do Dr.
Grand, ex-cônsul da França (à venda na Livraria Ledoyen, in-18; preço 1 franco), bem
como a que vamos publicar sob o título: Os contraditores do Espiritismo, do ponto de vista
da religião, da ciência e do materialismo.
(KARDEC, 2007a, p. 64-68)

Essas considerações de Kardec são irretorquíveis, portanto, nada a comentar. Apenas
pedimos-lhe, caro leitor, maior atenção naquilo que grifamos.
Em O Céu e o Inferno, cap. X, Kardec aborda a questão da intervenção dos demônios
nas modernas manifestações:
1. Os modernos fenômenos do Espiritismo têm atraído a atenção sobre fatos
análogos de todos os tempos, e nunca a História foi tão compulsada neste
sentido como ultimamente. Pela semelhança dos efeitos, inferiu-se a unidade da
causa. Como sempre acontece relativamente a fatos extraordinários que
o senso comum desconhece, o vulgo viu nos fenômenos espíritas uma
causa sobrenatural, e a superstição completou o erro ajuntando-lhes
absurdas crendices. Provém daí uma multidão de lendas que, pela maior
parte, são um amálgama de poucas verdades e muitas mentiras.
2. As doutrinas sobre o demônio, prevalecendo por tanto tempo,
haviam de tal maneira exagerado o seu poder, que fizeram, por assim
dizer, esquecer Deus; por toda parte surgia o dedo de Satanás, bastando para
tanto que o fato observado ultrapassasse os limites do poder humano. Até as
coisas melhores, as descobertas mais úteis, sobretudo as que podiam
abalar a ignorância e alargar o círculo das ideias — foram tidas muita
vez por obras diabólicas. Os fenômenos espíritas de nossos dias, mais
generalizados e mais bem observados à luz da razão e com o auxílio da Ciência,
confirmaram, é certo, a intervenção de inteligências ocultas, porém agindo
dentro de leis naturais e revelando por sua ação uma nova força e leis até então
desconhecidas.
A questão reduz-se, portanto, a saber de que ordem são essas inteligências.
Enquanto se não possuía do mundo espiritual noções mais que incertas e
sistemáticas, a verdade podia ser desviada; mas hoje que observações rigorosas
e estudos experimentais esclareceram a natureza, origem e destino dos
Espíritos, bem como o seu modo de ação e papel no Universo — hoje, dizemos,
a questão se resolve por fatos. Sabemos, agora, que essas inteligências ocultas
são as almas dos que viveram na Terra. Sabemos também que as diversas
categorias de bons e maus Espíritos não são seres de espécies diferentes, porém
que apenas representam graus diversos de adiantamento. Segundo a posição
que ocupam em virtude do desenvolvimento intelectual e moral, os seres que se
manifestam apresentam os mais fundos contrastes, sem que por isso possamos
supor não tenham saído todos da grande família humana, do mesmo modo que
o selvagem, o bárbaro e o homem civilizado.
3. Sobre este ponto, como sobre muitos outros, a Igreja mantém as
velhas crenças a respeito dos demônios. Diz ela: “Há princípios que não
variam há dezoito séculos, porque são imutáveis.” O seu erro é precisamente
esse de não levar em conta o progresso das ideias; é supor Deus
insuficientemente sábio para não proporcionar a revelação ao desenvolvimento
das inteligências; é, em suma, falar aos contemporâneos a mesma linguagem do
passado. Ora, progredindo a Humanidade enquanto a Igreja se abroquela em
velhos erros sistematicamente, tanto em matéria espiritual como na científica,
cedo virá a incredulidade, avassalando a própria Igreja.
4. Eis como esta explica a intervenção exclusiva dos demônios nas
manifestações espíritas (1):
“Nas suas intervenções exteriores os demônios procuram dissimular a sua
presença, a fim de afastar suspeitas. Sempre astutos e pérfidos, seduzem o
homem com ciladas antes de algemá-lo na opressão e no servilismo. “Aqui lhe
aguçam a curiosidade com fenômenos e partidas pueris; além, despertam-lhe a
admiração e subjugam-no pelo encanto do maravilhoso.
“Se o sobrenatural aparece e os desmascara, então, acalmam-se, extinguem
quaisquer apreensões, solicitam confiança e provocam familiaridade.
“Ora se apresentam como divindades e bons gênios, ora assimilam nomes e
mesmo traços de memorados mortos. Com o auxílio de tais fraudes dignas da
antiga serpente, falam e são ouvidos; dogmatizam e são acreditados; misturam
com suas mentiras algumas verdades e inculcam o erro debaixo de todas as
formas. Eis o que significam as pretensas revelações de além-túmulo. E é para
tal resultado que a madeira e a pedra, as florestas e as fontes, o santuário dos
ídolos e os pés das mesas e as mãos das crianças se tornam oráculos: é por isso
que a pitonisa profetiza em delírio; que o ignorante se torna cientista num sono
misterioso. Enganar e perverter, tal é, em toda parte e de todos os tempos, o
supremo objetivo dessas manifestações.
“Os resultados surpreendentes dessas práticas ou atos ordinariamente
fantásticos e ridículos, não podendo provir da sua virtude intrínseca, nem da
ordem estabelecida por Deus, só podem ser atribuídos ao concurso das
potências ocultas. Tais são, notadamente, os fenômenos extraordinários obtidos
em nossos dias pelos processos aparentemente inofensivos do magnetismo,
como os das mesas falantes. Por meio das operações da moderna magia, vemos
reproduzirem-se no presente as evocações, as consultas, as curas e sortilégios
que ilustraram os templos dos ídolos e os antros das sibilas. Como outrora,
interroga-se a madeira e esta responde; manda-se e ela obedece; isto em todas
as línguas e sobre todos os assuntos; acha-se a gente em presença de seres
invisíveis a usurparem nomes de mortos, e cujas pretensas revelações têm o
cunho da contradição e da mentira; formas inconsistentes e leves aparecem
rápidas e repentinas, patenteando-se dotadas de força sobre-humana.
“Quais são os agentes secretos desses fenômenos, os verdadeiros atores
dessas cenas inexplicáveis? Os anjos, esses não aceitariam tais papéis indignos,
como também não se prestariam a todos os caprichos da curiosidade.
“As almas dos mortos, que Deus proíbe evocar, essas demoram no lugar que
lhes designa a sua justiça, e não podem, sem sua permissão, colocar-se às
ordens dos vivos. Assim, os seres misteriosos que acodem ao primeiro apelo do
herege, do ímpio ou do crente — o que importa dizer da inocência ou do crime
— não são nem enviados de Deus, nem apóstolos da verdade e da salvação,
porém fatores do erro e agentes do inferno. Apesar do cuidado com que se
ocultam sob os mais veneráveis nomes, eles traem-se pela nulidade das suas
doutrinas, pela baixeza dos atos e incoerência das palavras.
“Procuram apagar do símbolo religioso os dogmas do pecado original, da
ressurreição do corpo, da eternidade das penas, como de toda a revelação
divina, para subtrair às leis a sua verdadeira sanção e abrir ao vício todas as
barreiras. Se as suas sugestões pudessem prevalecer, acabariam por formar
uma religião cômoda para uso do socialismo e de todos a quem importuna a
noção do dever e da consciência.
“A incredulidade do nosso século facilitou-lhes o caminho. Assim possam as
sociedades cristãs, por uma sincera dedicação à fé católica, escapar ao perigo
desta nova e terrível invasão!”
5. Toda esta teoria deriva do princípio de que os anjos e os demônios são
seres distintos das almas humanas, sendo estas antes o produto de uma criação
especial, aliás inferiores aos demônios em inteligência, em conhecimento e em
toda espécie de faculdade. E é assim que opina pela exclusiva intervenção dos
maus anjos, nas antigas como nas modernas manifestações dos Espíritos.
A possibilidade da comunicação dos mortos é uma questão de fato, é
o resultado de observações e experiências que não vêm ao caso discutir
aqui. Admitamos, porém, como hipótese, a doutrina acima citada, e vejamos se
ela não se destrói por si mesma com os seus próprios argumentos.
6. Das três categorias de anjos segundo a Igreja, a primeira ocupa-se
exclusivamente do céu; a segunda do governo do Universo, e a terceira, da
Terra. É nesta última que se encontram os anjos de guarda encarregados da
proteção de cada indivíduo. Somente uma parte dos anjos, desta última
categoria, é que compartilhou da revolta e foi transformada em demônios. Ora,
desde que Deus lhes permitira com tanta liberdade, já por sugestões ocultas, já
por ostensivas manifestações, induzir os homens em erro, e porque esse Deus é
soberanamente justo e bom, devia ao menos, para atenuar os males de tão
odiosa concessão, permitir também a manifestação dos bons anjos. Ao menos,
assim, os homens teriam a liberdade e o recurso da escolha. Dar, porém, aos
anjos maus o monopólio da tentação, com poderes amplos de simular o bem
para melhor seduzir; e vedando ao mesmo tempo toda e qualquer intervenção
dos bons, é atribuir a Deus o intuito inconcebível de agravar a fraqueza, a
inexperiência e a boa-fé dos homens.
É mais ainda: é supor da parte de Deus um abuso de confiança, pela fé que
nos merece. A razão recusa admitir tanta parcialidade em proveito do mal.
Vejamos os fatos.
7. Aos demônios concedem-se faculdades transcendentes: nada perderam da
natureza angélica; possuem o saber, a perspicácia, a previdência e a penetração
dos anjos, tendo ainda, a mais, astúcia, ardil e artifício, tudo em grau mais
elevado. O objetivo que os move é desviar os homens do bem, afastá-los de
Deus e arrastá-los ao inferno, do qual são provedores e recrutadores. Assim,
compreende-se que se dirijam de preferência aos que estão no bom caminho e
nele persistem; compreende-se o emprego das seduções e simulacros do bem
para atraí-los e perdê-los; mas o que se não compreende é que se dirijam
aos que já lhes pertencem de corpo e alma, procurando reconduzi-los a
Deus e ao bem.
Quem mais estará nas garras do demônio do que aquele que de Deus
blasfema, atido ao vício e à desordem das paixões? Esse não estará no caminho
do inferno? Mas então como compreender que a uma tal presa esse demônio
exorte a rogar a Deus, a submeter-se à sua vontade, a renunciar ao mal?
Como se compreende que exalte aos seus olhos a vida deliciosa dos bons
Espíritos e lhe pinte a horrorosa posição dos maus? Jamais se viu negociante
realçar aos seus fregueses a mercadoria do vizinho em detrimento da sua,
aconselhando-os a ir à casa dele. Nunca se viu um arrebanhador de soldados
depreciar a vida militar, decantando o repouso da vida doméstica! Poderá ele
dizer aos recrutas que terão vida de trabalhos e privações com dez
probabilidades contra uma de morrerem ou, pelo menos, de ficarem sem braços
nem pernas? É este, no entanto, o papel estúpido do demônio, pois é notório —
e é um fato — que as instruções emanadas do mundo invisível têm regenerado
incrédulos e ateus, insuflando-lhes n'alma fervor e crenças nunca havidos.
Ainda por influência dessas manifestações têm-se visto — e veem-se
diariamente — regenerarem-se viciosos contumazes, procurando melhorarem-se
a si mesmos. Ora, atribuir ao demônio tão benéfica propaganda e salutar
resultado, é conferir-lhe diploma de tolo.
E como não se trata de simples suposição, mas de fato experimental contra o
qual não há argumento, havemos de concluir, ou que o demônio é um
desazado de primeira ordem, ou que não é tão astuto e mau como se
pretende, e, conseguintemente, tão temível quanto dizem; ou, então,
que todas as manifestações não partem dele.
8. “Eles inculcam o erro sob todas as formas, e é para obter esse resultado
que a madeira, a pedra, as florestas, as fontes, os santuários dos ídolos, os pés
das mesas e as mãos dos meninos se tornam oráculos.”
Mas, se assim é, qual o sentido e valor destas palavras do Evangelho: — “Eu
repartirei meu Espírito por toda a carne: — vossos filhos e filhas profetizarão; os
jovens terão visões e os velhos terão sonhos. Nesses dias repartirei meu Espírito
por todos os meus servidores e servidoras, e eles profetizarão.” (Atos dos
Apóstolos, 2:17 e 18.)
Não estará nessas palavras a predição tácita da mediunidade dos nossos dias
a todos concedida, mesmo às crianças? E essa faculdade foi anatematizada
pelos apóstolos? Não; eles a apregoam como graça divina e não como
obra do demônio.
Terão os teólogos de hoje mais autoridade que os apóstolos? Por que não ver
antes o dedo de Deus na realização daquelas palavras?
9. “Por meio das operações da moderna magia vemos reproduzirem-se no
presente as evocações, as consultas, as curas e os sortilégios que ilustraram os
templos dos ídolos e os antros das sibilas.”
Nós perguntamos: que há de comum entre as operações da magia e as
evocações espíritas?
Houve tempo em que tais operações faziam fé e acreditava-se na sua
eficácia, mas hoje são simplesmente ridículas. Ninguém as toma a sério, e o
Espiritismo condena-as. Na época em que florescera a magia, era imperfeita a
noção sobre a natureza dos Espíritos, geralmente havidos por seres dotados de
poder sobre-humano.
[...]
11. Ampliamos estas citações para mostrar que os princípios do
Espiritismo não têm relação alguma com os da magia. Assim, nem
Espíritos às ordens dos homens; nem meios de os constranger; nem sinais ou
fórmulas cabalísticas; nem descobertas de tesouros; nem processos para
enriquecer, e tampouco milagres ou prodígios, adivinhações e aparições
fantásticas: nada, enfim, do que constitui o fim e os elementos essenciais da
magia. O Espiritismo não só reprova tais coisas como demonstra a
impossibilidade e ineficácia delas. Não há, afirmamo-lo ainda uma vez, analogia
alguma entre os processos e fins da magia e os do Espiritismo; só a ignorância e
a má-fé poderão confundi-los. Dessa forma, tal erro não pode prevalecer, uma
vez que os princípios espíritas não se furtam ao exame, e aí estão formulados
inequívoca e claramente para todos.
[...]
14. “As almas dos mortos, que Deus proíbe evocar, essas demoram no lugar
que lhes designa a sua justiça, e não podem, sem sua permissão, colocar-se à
disposição dos vivos.”
O Espiritismo vai além, é mais rigoroso: não admite manifestação de
quaisquer Espíritos, bons ou maus, sem a permissão de Deus, ao passo
que a Igreja de tal não cogita relativamente aos demônios, os quais,
segundo a sua teoria, se dispensam de tal permissão
O Espiritismo diz mais que, mediante tal permissão e correspondendo ao
apelo dos vivos, os Espíritos não se põem à disposição destes.
O Espírito evocado vem voluntariamente, ou é constrangido a manifestar-se?
Obedecendo à vontade de Deus, isto é, à lei que rege o Universo, ele julga da
utilidade ou inutilidade da sua manifestação, o que constitui uma prerrogativa do
seu livre-arbítrio.
O Espírito superior não deixa de vir sempre que é evocado para um fim útil,
só se recusando a responder quando em reunião de pessoas pouco sérias que
levem a coisa em ar de gracejo. (O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. XXV.)
— Pode o Espírito evocado recusar-se a vir pela evocação que lhe fazem?
Perfeitamente, visto como tem o seu livre-arbítrio. Podeis acaso acreditar que
todos os seres do Universo estejam à vossa disposição? E vós mesmos vos
julgais obrigados a responder a todos quantos pronunciam o vosso nome? Mas
quando digo que o Espírito pode recusar-se, subordino essa negativa ao pedido
do evocador, por isso que um Espírito inferior pode ser constrangido por um
superior a manifestar-se. (O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. XXV.)
Tanto os espíritas estão convencidos de que nada podem sobre os Espíritos
diretamente, sem a permissão de Deus, que dizem, quando evocam: “Rogamos
a Deus todo-poderoso permitir que um bom Espírito se comunique
conosco, bem como aos nossos anjos de guarda assistir-nos e afastarem
os maus Espíritos.” E em se tratando de evocação de um Espírito determinado:
— “Rogamos a Deus todo-poderoso permitir que tal Espírito se comunique conosco”, etc. (O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, cap. XVII, nº 203.)
15. As acusações formuladas pela Igreja, contra as evocações, não
atingem, portanto, o Espiritismo, porém as práticas da magia, com a
qual este nada tem de comum. O Espiritismo condena tanto quanto a Igreja
as referidas práticas, ao mesmo tempo que não confere aos Espíritos superiores
um papel indigno deles, nem algo pergunta ou pretende obter sem a permissão
de Deus.
Certo, pode haver quem abuse das evocações, quem delas faça um jogo,
quem lhes desnature o caráter providencial em proveito de interesses pessoais,
ou ainda quem por ignorância, leviandade, orgulho ou ambição se afaste dos
verdadeiros princípios da Doutrina; o verdadeiro Espiritismo, o Espiritismo
sério os condena porém, tanto quanto a verdadeira religião condena os
crentes hipócritas e os fanáticos. Portanto, não é lógico nem razoável imputar ao
Espiritismo abusos que ele é o primeiro a condenar, e os erros daqueles que o
não compreendem. Antes de formular qualquer acusação, convém saber se é
justa. Assim, diremos: A censura da Igreja recai nos charlatães, nos
especuladores, nos praticantes de magia e sortilégio, e com razão. Quando a
crítica religiosa ou céptica, dissecando abusos, profliga o charlatanismo, não faz
mais que realçar a pureza da sã doutrina, auxiliando-a no expurgo de maus
elementos e facilitando-nos a tarefa. O erro da crítica está no confundir o bom e
o mau, o que muitas vezes sucede pela má-fé de alguns e pela ignorância do
maior número. Mas a distinção que uma tal crítica não faz, outros a fazem.
Finalmente, a censura aplicada ao mal e à qual todo espírita sincero e reto se
associa, essa nem prejudica nem afeta a Doutrina.
______
1. As citações deste capítulo são extraídas da mesma pastoral indicada no precedente, e
da qual são corolários. É a mesma fonte e, por conseguinte, a mesma autoridade.
(KARDEC, 2007b, p. 145-161)

Tivessem estudado Kardec, teriam informações suficientes para evitar que ficassem
falando bobagens sobre o Espiritismo, atribuindo-lhe coisas que não são suas práticas.
Léon Denis (1846-1927), também, não deixou de falar sobre esse falacioso argumento:
As manifestações espíritas, dizem cotidianamente certas revistas
católicas (260), quando não provêm consciente ou inconscientemente do
médium ou dos assistentes, são obra do demônio.
Encontramos aí o argumento habitual da Igreja, o principal
instrumento de sua dominação, que lhe permite resistir a todas as
inovações, mantendo sob o terror o rebanho dos fiéis e assegurando o
seu império através dos séculos.
Mesmo quando os Espíritos nos falam de Deus, de prece, de virtude e
sacrifício, cumpre ver nisso a intervenção do demônio - dizem os
teólogos -, porque Satanás, o pai da mentira, sabe revestir todas as formas,
empregar todas as linguagens, fornecer todas as provas; e quando acreditamos
estar em presença das almas de nossos parentes e amigos, de uma esposa ou
de um filho falecidos, é ainda o grande impostor que se disfarça para nos
enganar.
Tem-se visto - afirmam eles - o Espírito do mal revestir as mais dolorosas
aparências, mesmo a da Virgem e dos santos, para melhor lograr os crentes. É o
que assevera o Cônego Brettes na "Revue du Monde Invisible", de 15 de
fevereiro de 1902, após um estudo de Monsenhor Méric acerca das
materializações de fantasmas:
"Os resultados - diz ele - me parece concluírem a favor da opinião que
sustenta ser tudo diabólico nas aparições de Tilly. Se são verdadeiras estas
deduções, é o diabo que ali se apresenta sob a forma aparente da santa Virgem,
e recebe as homenagens dirigidas à mãe de Deus".
Objetam outros críticos que em suas relações com o mundo invisível o
homem não comunica somente com as almas dos mortos, mas também com
ilusórias aparências.
______
(260) Ver, entre outras, a "Revue du Monde Invisíble", de Monsenhor Mérlc, e "L'Echo du
Mervellleux", do Sr. Gastão Méry, e a recente brochura de um doutor em letras, de Lião,
sobre o "Espiritismo", aprovada pelo cardeal-arcebispo de Lião. Livraria Católica, 14, rua
da Abadia, Paris, 1911.
(DENIS, 1987b, p. 360)

Continua, um pouco mais à frente, Denis:
Voltemos à teoria do demônio e consideremos uma coisa. Se o Espírito
maligno, como pretendem os teólogos, tem a facilidade de reproduzir todas as
formas, todas as figuras, revelar as coisas ocultas, proferir as mais sublimes
alocuções: se nos ensina o bem, a caridade, o amor, pode-se igualmente
atribuir-lhe as aparições mencionadas nos livros santos, acreditar que
foi ele quem falou a Moisés, aos outros profetas e ao próprio Cristo, e
que toda ação espiritual oculta é obra sua.
O diabo, tudo sabendo e podendo, até mesmo fazer sábio e virtuoso o
Espírito, pode muito bem ter assumido o papel de guia religioso e, sob o
pálio da Igreja, nos conduzir à perdição. A História, com efeito, nos
demonstra com irrefragável lógica que nem sempre a Igreja foi inspirada por
Deus. Em muitas circunstâncias, os seus atos têm estado em absoluta
contradição com os atributos de que nos apraz revestir a divindade. A Igreja é
uma árvore colossal, cujos frutos nem sempre foram os melhores, e o diabo -
pois que é tão hábil - pode muito bem ter-se abrigado à sua sombra.
Se devemos admitir, com os teólogos, que em todos os tempos e lugares
tenha Deus permitido as mais odiosas fraudes, o mundo se nos apresentará
como imensa impostura, e nenhuma segurança teremos de não ser enganados:
assim pela Igreja como pelo Espiritismo. A Igreja - ela própria o reconhece -
apenas possui, relativamente ao que denomina "sobrenatural diabólico ou
divino", um critério de certeza puramente moral (261). E daí, com tão restritas
bases de apreciação, dado o talento de imitação que atribui ao inimigo do
gênero humano, que crédito a ela própria podemos conceder em todas as
matérias? E assim que o argumento do demônio, como arma de dois gumes, se
pode voltar contra aqueles que o forjaram.
Cabe, entretanto, perguntar se de fato haveria tamanha habilidade da
parte do diabo em proceder como os nossos contraditores o pretendem.
Nas sessões espíritas, vê-lo-íamos convencer da sobrevivência da alma e da
responsabilidade dos atos a indivíduos materialistas; libertar da dúvida os
cépticos, e da negação e de todas as suas consequências, dizer às vezes duras
verdades a pessoas desregradas e obrigá-las a cair em si e orientar-se no
sentido do bem. Onde estaria, pois, em tudo isso a vantagem para Satanás? Não
deveria, ao contrário, o papel do Espírito das trevas consistir em acoroçoar em
suas tendências os materialistas, os ateus, os cépticos e os indivíduos sensuais?
É verdadeiramente pueril atribuir ao demônio o ensino moral que nos
prodigalizam os Espíritos elevados. Acreditar que Satanás se esforce por
desviar os homens do mal, ao passo que, deixando-os resvalar pelo declive das
paixões, tornar-se-iam fatalmente presa sua; crer que pode ensiná-los a amar, a
orar, a servir a Deus, ao ponto de lhes ditar preces, é atribuir-lhe um
procedimento ridículo extremamente inepto.
Se o diabo é hábil, podem imputar-lhe as respostas ingênuas, grosseiras,
ininteligentes, obtidas nos círculos onde se experimenta sem critério? E as
manifestações obscenas! Não são antes próprias a nos afastar do Espiritismo do
que a nos atrair para ele? Ao passo que, admitindo a intervenção de Espíritos de
todas as ordens, desde a mais baixa à mais elevada, tudo se explica
racionalmente. Os Espíritos malfazejos não são de natureza diabólica, mas de
natureza simplesmente humana.
Não há na Terra, encarnadas entre nós, almas perversas, que se poderiam
considerar demônios? Voltando ao Espaço, essas almas continuam a proceder do
mesmo modo, até que venham a ser regeneradas pelas provações, subjugadas
pelos sofrimentos. Aos investigadores prudentes compete pôr-se em guarda
contra esses entes funestos e reagir contra sua influência.
Na maior parte dos círculos de experimentação, em lugar de proceder com
cautela e respeito, desprezam-se os conselhos dos que nos precederam no
caminho das investigações. Com intempestivas exigências e modos
inconvenientes, repelem-se as influências harmônicas e atraem-se
individualidades perversas e Espíritos atrasados. Daí tantas decepções,
incoerências, obsessões, que têm feito acreditar na existência dos demônios e
lançado sobre certo espiritismo de baixa classe o ridículo e o descrédito.
*
A teoria do demônio, em resumo, nem é positiva nem científica. É um
argumento cômodo, que se presta às explorações, permite rejeitar todas
as provas, todos os casos de identidade e fazer tábua rasa dos mais
autorizados testemunhos; pouco concludente, porém, e absolutamente
em contradição com a natureza dos fatos.
A crença no demônio e no inferno tem sido combatida com argumentos de tal
modo peremptórios que causa admiração ver inteligências esclarecidas ainda
hoje a adotarem. Como se não compreende que opondo incessantemente
Satanás a Deus, atribuindo-se-lhe sobre o mundo e sobre as almas um poder
que, dia a dia, aumenta, diminui-se paralelamente o império de Deus,
amesquinha-se o seu poder, aniquila-se a sua autoridade, põe-se em dúvida a
sabedoria, a bondade, a previdência do Criador?
Deus, sendo justo e bom, como o declara o ensino católico, não pode ter
criado um ser dotado de toda a ciência do mal, de toda sorte de sedução, e lhe
haver concedido poder absoluto sobre o homem inerme e fraco.
Ou Satanás é eterno, ou não o é. Se o é, Deus não é único; há dois deuses -
o do bem e o do mal. Ou então Satanás é uma criatura de Deus, e logo a Deus
cabe a responsabilidade de todo o mal por ele praticado; porque, ao criá-lo,
conheceu, viu todas as consequências de sua obra. E o inferno povoado da
imensa maioria das almas, votadas por sua fraqueza original ao pecado e à
condenação, é a obra de Deus, produto de sua vontade e por ele prevista!
Tais são as consequências da teoria de Satanás e do inferno. É de admirar
que tenha produzido tantos materialistas e ateus? E é em nome do Cristo, de
seus ensinos de amor, de caridade e de perdão que se preconizam tais
doutrinas!
Mais conforme ao verdadeiro espírito das Escrituras não será essa revelação
espírita, que nos apresenta, após o resgate e a reparação de suas culpas, em
existências de provações, as almas a prosseguirem sua ascensão às regiões da
luz? Assim o disse o apóstolo: "Deus não quer que homem algum pereça, mas
que todos se convertam à penitência." (262)
O que se chama demônios, como vimos, são simplesmente Espíritos
inferiores, ainda propensos ao mal, submetidos, porém, como todas as
almas à lei do progresso. Não há diversas categorias de almas, destinadas
umas à felicidade e outras à desgraça eterna. Todas se elevam pelo trabalho,
pelo estudo e pelo sofrimento. A unidade perfeita e a harmonia reinam no
Universo.
Cessemos, pois, de profanar a ideia de Deus com essas concepções indignas
da grandeza e da bondade infinitas; saibamos despojá-la das desgraçadas
paixões humanas que se lhe atribuem. Com isso a Religião ganhará prestígio.
Pondo-a em harmonia com os progressos do espírito humano, dar-se-lhe-á
maior vitalidade.
Acenar com o espectro de Satanás e toda a fantasmagoria do inferno, numa
época em que a Humanidade já não crê nos mitos com que a embalaram na
infância, é perpetrar um anacronismo, é expor-se a provocar o riso. Satanás não
assusta mais ninguém. E os que mais dele falam, são talvez os que nele
menos creem (263). Pode-se explorar o esvaecimento de uma quimera
rendosa, de que por muito tempo se abusou, e soltar aos quatro ventos os ecos
de sua queixa. Diante, porém, de tais recriminações, próprias de uma outra
idade, o pensador desinteressado sorri e passa adiante.
Já não acreditamos num Deus colérico e Vingativo, mas em um Deus de
justiça e de infinita misericórdia. O Jeová sanguinário e terrível fez sua época. O
inferno implacável fechou-se para sempre. Do Céu à Terra desce agora, com a
nova revelação, o lenitivo para todas as dores, o perdão para todas as
fraquezas, o resgate para todos os crimes, mediante o arrependimento e a
expiação.
_______
(261) Ver os manuais de Teologia. por exemplo: Bonal. "Institut. Theol. ". tomo I. pág. 94;
"Tract. de Revelatione". em que são expostos os principais caracteres do sobrenatural
diabólico.
(262) II Pedro, 3:9.
(263) No próprio seio das Igrejas o Espiritismo tem seus adeptos. O P. Lacordaire, o P.
Lebrun, do Oratório, os abades Poussin, Lecanu, Marouzeau, o venerando abade Grimaud,
o P. Marchal, e com eles grande número de pastores (ver "cristianismo e Espiritismo", cap.
VII, enxergaram nas manifestações dos Espíritos um ato da vontade divina, exercendo-se
por uma nova forma, para elevar o pensamento humano acima das regiões materiais.
(DENIS, 1987b, p. 363-367)
As acusações de que são os demônios que operam no meio Espírita, através das
manifestações dos espíritos, caem pela força dos argumentos lógicos; entretanto, não nos
iludamos que os dogmáticos assim pensarão, uma vez que eles nunca mudam de opinião.
Aliás, não seria de todo impróprio saber quem, na realidade, são os demônios; embora
oportunamente pretendamos fazer um estudo mais aprofundado do assunto, não podemos
deixar de falar aqui alguma coisa sobre isso.

Quem são os demônios citados na Bíblia?
O que sempre nos chamou a atenção, especialmente, em se tratando de Bíblias
católicas, é que o termo demônio pouco aparece no Antigo Testamento, ficando, quase que
restrito ao Novo Testamento. Os protestantes como veem demônio em tudo, têm mais citações
dele em suas Bíblias; isso, a nosso ver, se explica porque são os líderes deles que mais
utilizam do “terrorismo religioso”, visando amedrontar os seus fiéis, para tê-los sob controle,
ao invés de moralizá-los, no sentido pleno do termo, como se era de esperar.
Geralmente, nos explicam que o demônio é um anjo decaído, citando, para justificaremse,
uma passagem bíblica de Isaías (14,11-15). Ótimo; porém, perguntamos: o que é anjo?
Como resposta invariavelmente obtemos: um ser perfeito. Continuamos: poderia nos informar,
como um ser perfeito pode decair?! Sem resposta; apenas um sorriso amarelo. Assim, a lógica
nos diz que um ser perfeito não decai; se decaiu, então não era perfeito, essa é a primeira
contradição. A segunda fica por conta do texto citado em apoio, que não se refere a anjo
decaído, coisa alguma; mas ao rei da Babilônia, ao qual Isaías foi instruído de lhe fazer uma
sátira (Is 14,3-23), que é exatamente a passagem que tomam emprestada para se
justificarem.
Russell Norman Champlin, teólogo protestante, explica-nos:
A palavra demônio não tinha mau sentido nos textos do grego
clássico, segundo veio assumir mais tarde, quando surgiu o grego “”koiné”,
do qual o nosso N. T, é um dos grandes exemplos. Um demônio, no grego
clássico, era simplesmente uma divindade inferior, secundária, embora não
necessariamente emersa no reino das trevas. ((CHAMPLIN, 2005a, p. 338)

Assim, não devemos tomar essa palavra como se existisse um ser, ou melhor, uma
potência do mal em luta constante com Deus, a potência do bem.
Num outro ponto, Champlin informa que demônios e espíritos são a mesma coisa; é, ao
menos em parte, o que ele admite, quando de seus comentários sobre Marcos 5:2, referindose
à palavra “demônio”; diz ele:
[...] Esse termo também tem sido usado para referir-se às almas dos homens
que, por ocasião da morte, são elevados a determinados privilégios, e,
posteriormente, passou a indicar os espíritos humanos em geral, partidos
deste mundo. Gradualmente esse vocábulo foi-se limitando aos espíritos
malignos em geral, exclusivamente, sem qualquer definição sobre a origem ou
natureza desses espíritos.
[...]
Nada de realmente certo se encontra sobre a origem dos demônios, nas
páginas da Bíblia, ainda que muitos creiam que sejam os anjos caídos que
seguiram a Satanás (Ver Apo 12:7-9 com Apo 12:3,4). Mas outros estudiosos
acreditam (conforme criam muitos dos antigos) que são espíritos dos
mortos que ainda não entraram em qualquer estado bem determinado de
transição. Outros ainda, sustentam que os demônios pertencem a ambas essas
ordens de seres. Muitos psicólogos modernos duvidam que exista realmente a
possessão por meio de espíritos, mas a experiência universal com tais espíritos
desaprova essas dúvidas. Alguns daqueles que se ocupam de pesquisas
psíquicas, nestes últimos anos, estão convencidos da realidade do mundo dos
espíritos, tanto bons como maus. É uma completa tolice pensar que
simplesmente porque não podemos ver os espíritos eles não existem –
todavia, alguns sensíveis (pessoas psiquicamente dotadas) asseveram que
podem ver ocasionalmente aos espíritos, e alguns deles veem-nos regularmente.
É fato sobejamente conhecido que os sentidos humanos são extremamente
limitados, não percebendo muitas coisas que sabemos que realmente existem,
como por exemplo, a força chamada lei da gravidade; e assim, a maior parte
deste mundo totalmente físico continua imperceptível para os nossos sentidos (e
quanto menos o mundo espiritual)! Assim, pois, afirmar alguém que algo não
existe simplesmente porque os seus sentidos não são aptos a captá-lo, mostra
que esse alguém se deixa levar por preconceitos. Mas uma coisa que sabemos
bem é que não sabemos praticamente coisa alguma acerca do universo em que
vivemos. Não obstante, existem muitas evidências inequívocas, perceptíveis até
mesmo para os sentidos humanos, que confirmam a existência de um mundo
dos espíritos ao nosso redor.
Era ponto teológico comum, entre os judeus (sendo ensinado nas
escolas teológicas judaicas dos fariseus e de outros), que os demônios,
capazes de possuir e de controlar um corpo vivo, são espíritos de
mortos partidos deste mundo, especialmente aqueles de caráter vil e de
natureza perversa. (Ver Josefo, de Bello Jud. VII. 6.3). Os gregos, os romanos e
outros povos antigos compartilhavam dessa crença. Alguns dos pais da igreja
também aceitaram essa ideia, tais como Justino Mártir (150 D.C.) e Atenágoras.
Tertuliano (150 D.C.) foi o primeiro pai da igreja a começar a
modificar essa ideia, e deu origem à crença de que os demônios fazem
exclusivamente parte de uma ordem de anjos decaídos. Finalmente, tendo
aparecido o grande comentador Crisóstomo (407 D.C.), obteve aceitação geral a
ideia de que os demônios não são espíritos humanos caídos, e, sim, pertencem à
ordem de anjos caídos juntamente com Satanás. Essa ideia também prevalece
na teologia moderna, apesar de ainda existirem alguns que se apegam à ideia
mais antiga, como Lange (do Comentário de Lange), o qual acredita que aquilo
que conhecemos pelo título de demônio pertence tanto à ordem de espíritos
humanos que daqui partiram e que se tornaram parte de um nível mais baixo
dos espíritos como à ordem de seres angelicais caídos. Lange, portanto, aceita
ambos os pontos de vista. As próprias Escrituras nada nos informam
acerca da origem dos demônios, pelo menos em termos bem definidos;
por isso mesmo, a sua identificação com os anjos caídos pode
representar ou não a verdade. Se isso representa a verdade, mesmo assim
pode não representar a verdade inteira sobre a questão. Muitos casos de
possessão demoníaca parecem demonstrar que alguns demônios, pelo
menos, são de fato entidades que antes eram seres humanos comuns.
Pois é possível que por enquanto, pelo menos parcialmente, estejamos dentro
de um intervalo de tempo, antes do julgamento, e que os espíritos não foram
ainda para o seu destino final; embora seja possível que exista alguma forma de
comunicação entre certas dimensões espirituais (que podem até mesmo ser
chamadas de hades) e os homens. Diversos exemplos bíblicos mostram que a
comunicação com os mortos é algo que ocorre ocasionalmente. Nas Escrituras
somos advertidos contra essa prática, mas não nos é dito ali que tal
comunicação seja impossível. Existem evidências que parecem indicar que a
posição assumida por Lange, de que os demônios pertencem a ambas as
ordens: tanto espíritos humanos de mortos como seres pertencentes à ordem de
anjos caídos – é a mais correta, embora nos faltem provas inequívocas quanto a
isso. (CHAMPLIN, 2005b, p. 694-695)

Champlin, mencionando os cristãos primitivos ao explicar Atos 12,15, observa:
Aqueles primitivos crentes devem ter crido que os mortos podem
voltar a fim de se manifestarem aos vivos, através da agência da alma.
Observemos que a segunda alternativa, por eles sugerida, sobre como Pedro
poderia estar no portão, era que ele teria sido morto e que o seu "anjo" ou
"espírito" havia retornado. Portanto, aprendemos que aquilo que é
ordinariamente classificado como doutrina "espírita" era crido por alguns
membros da igreja cristã de Jerusalém. Isso não significa, naturalmente, que
eles pensassem que tal fosse a regra nos casos de morte; porém, aceitaram a
possibilidade da comunicação dos espíritos, que a atual igreja
evangélica, especialmente em alguns círculos protestantes dogmáticos,
nega com tanta veemência.
O famoso escritor evangélico C.S. Lewis apareceu a J.B. Philips,
tradutor de bem conhecida tradução do Novo Testamento para o inglês,
por duas vezes, após a sua morte, e se assentou naturalmente em sua sala
de estar, tendo conversado com ele como se nada tivesse acontecido que
pudesse ser classificado como falecimento. Porém, por toda a parte abundam
histórias de fantasmas, e muitos céticos negam tudo. Todavia, há muitos
desses fenômenos, sob tão grande variedade, e cruzam todas as
fronteiras religiosas, para que se possa duvidar dos mesmos como
fatos. Algumas vezes os mortos voltam, e entram em comunicação com os
vivos. Os teólogos judeus aceitavam isso como um fato, havendo entre
eles a crença comum de que os "demônios" são espíritos humanos
maus, desencarnados.
Essa ideia era forte na igreja cristã, até o século V d.C., tendo sido
apresentada por pais da igreja como Clemente de Alexandria, Justino Mártir e
Orígenes, os quais também acreditavam na possibilidade do retorno e até
mesmo da reencarnação de alguns espíritos, com o propósito de realizarem ou
continuarem suas missões. (ver esta doutrina em Mat. 16:14). Os essênios, dos
quais João Batista parece ter sido membro, também mantinham crenças
idênticas. É um equívoco cercarmos as doutrinas de muralhas, supondo em vão
que somente nós, da moderna igreja cristã do século XX, temos as corretas
interpretações das verdades bíblicas. Ainda temos muito a aprender, sobre
muitas questões, e convém que guardemos nossas mentes abertas, pelo menos
o suficiente para permitirmos a entrada de uma réstia de luz. Sabemos
pouquíssimo sobre o mundo intermediário dos espíritos e supomos que o
estado "eterno" já existe, o que todas as evidências mostram não ser ainda
assim.
[...]
Naturalmente, sem importar o que os judeus criam a respeito dessas coisas,
isso não prova nada neste caso. Porém, a experiência humana parece ser
capaz de ilustrar amplamente que, algumas vezes, os espíritos dos
mortos voltam a este mundo e entram em contato (pela permissão
divina) com os homens. E com base nisso ficamos sabendo, pelo menos, que
tais espíritos podem vir a fim de realizar determinadas missões, como também
depreendemos que nossos conhecimentos sobre o mundo intermediário dos
espíritos é extremamente limitado, porquanto muito nos resta ainda a apreender
acerca do mundo dos espíritos, bem como sobre as capacidades e atividades dos
espíritos. (CHAMPLIN, 2005b, p. 250)

Portanto, temos aí que os demônios são espíritos humanos desencarnados que se
comprazem no mal, e neste sentido, eles, sim, se manifestam nas casas espíritas; entretanto,
não se deve agir com parcialidade dizendo que são só eles, pois, os bons também o fazem;
sobejamente disso temos provas. Além disso, temos condições de separar uns dos outros.
Poderiam ser anjos decaídos, como, muitas vezes, se afirma? Vejamos o seguinte
argumento do Cardeal Lépicier, já mencionado por nós:
Com os anjos, porém, não sucede assim. Tendo sido criados num estado
de plena perfeição da sua natureza, a mente angélica nem se desenvolve
por um crescimento sucessivo, nem está sujeita a qualquer
enfraquecimento. Está sempre na posse completa de sua própria luz e
do seu próprio conhecimento, sem que tal conhecimento tenha que passar por
evoluções sucessivas, desde a neblina da manhã até ao esplendor de um meiodia
deslumbrante, e sem que essa luz desapareça com as trevas da noite ou
esteja mesmo sujeita ao esmorecimento do crepúsculo. (LÉPICIER, 1960, p. 34)

Então, a teoria dos anjos decaídos, simplesmente, sem trocadilho, cai por terra, pois
quem foi criado em plena perfeição e não está sujeito a qualquer enfraquecimento, não pode
ter paixões humanas, para querer ser igual a Deus, como se diz deles.
Champlin e Bentes questionam: “os mortos, as vezes, voltam? Seus argumentos:

A médium de En-Dor realmente fez subir o espírito de Samuel? (Ver I Samuel
28). Vamos expressar a questão com maior precisão. Samuel realmente
apareceu (inteiramente à parte do alegado poder da médium), ou aquilo foi
apenas uma representação demoníaca? Quando examinamos os comentários,
vemos que alguns autores respondem na afirmativa, e que outros o fazem na
negativa. Por igual modo, se falarmos com pregadores e eruditos, veremos que
alguns respondem com um "sim", e que outros respondem com um "não", John
Gill é daqueles que negam um aparecimento real; mas Adam Clarke afirma:
"Que Samuel apareceu nessa ocasião é evidentíssimo através do texto, e isso
não pode ser negado mediante qualquer modo legítimo de interpretação". No
entanto, ele passa a dizer que o poder da médium de En-Dor nada teve a ver
com o aparecimento de Samuel. Ela ficou mais assustada e surpresa do que
qualquer outra pessoa, quando Samuel subitamente apareceu.
Porém, mesmo que alguém queira negar que Samuel voltou a este
mundo naquela ocasião, ainda assim terá de explicar o caso de Moisés e
de Elias, que apareceram ao lado de Jesus, no monte da Transfiguração.
Adam Clarke foi o principal comentador metodista, altamente recomendado por
Spurgeon e amigo pessoal dos irmãos Wesley. Comentando sobre o trecho de
Mateus 14:26, ele afirma vigorosamente:
"Que os espíritos dos mortos podiam e realmente apareciam - tem sido uma
doutrina defendida pelos maiores e mais santos homens que já existiram, e é
uma doutrina que os caviladores, os livres pensadores e os bitolados de
diferentes épocas nunca conseguiram mostrar como falsa".
A doutrina comum sobre os demônios, no judaísmo e no antigo cristianismo,
era que espíritos humanos desencarnados, sendo manipulados
enganadoramente por Satanás, tornam-se demônios. Somente nos dias de
Crisóstomo foi que, na Igreja cristã, ganhou ascendência a ideia de que
somente os anjos caídos são demônios. Lange oferece uma longa discussão
sobre a questão, chegando à conclusão de que há vários níveis de espíritos
demoníacos. A moderna pesquisa psíquica lhe dá apoio quanto a esse particular.
Parece, portanto, que o mundo intermediário do hades não está completamente
incapacitado de entrar em contacto com a terra, podendo acontecer algumas
coisas bem interessantes. Devemos reconhecer, entretanto, que essa
possibilidade não pode servir de base a práticas religiosas - conforme o faz, por
exemplo, o espiritismo. Rejeito o espiritismo decididamente como uma
religião, embora não me atreva a afirmar categoricamente que um
autêntico espírito humano nunca entra em contato com os médiuns
espíritas.

píritas.
Eu poderia citar o nome de um dos mais poderosos líderes do movimento
fundamentalista que, segundo ele mesmo afirmou, cinco dias depois do
falecimento de sua esposa, ela lhe apareceu e lhe entregou uma mensagem. Um
dos professores da primeira escola teológica que frequentei, de acordo com a
sua esposa (que era amiga chegada de minha mãe), visitou-a não somente por
uma vez, mas por nada menos de três vezes. Não sei dizer quão
frequentemente essas manifestações podem ocorrer, e nem com que frequência
elas são genuínas. Por igual maneira, sob nenhuma circunstância eu
transformaria isso em uma religião, ou buscaria tais coisas como parte de minha
inquirição espiritual. Porém, tanto as evidências bíblicas quanto a
experiência humana parecem ensinar-nos que há alguns casos de
aparecimentos autênticos de espíritos humanos desencarnados. Essa
questão é crida por muitos evangélicos, e não considero que seja uma doutrina
não ortodoxa. O trecho de Atos 12:15 quase certamente mostra que os crentes
de Jerusalém pensaram que o espírito de Pedro havia aparecido, quando, na
realidade, ele estava fisicamente em pé, diante da entrada da casa onde aqueles
crentes estavam reunidos, a orar. (CHAMPLIN, e BENTES, 1995a, p. 371-372)

Ressaltar a sua conclusão final é o que nos basta fazer: “Porém, tanto as evidências
bíblicas quanto a experiência humana parecem ensinar-nos que há alguns casos de
aparecimento autênticos de espíritos humanos desencarnados”. Negar esse fato é querer tapar
o sol com a peneira, para não ter que mudar de opinião e admitir o que, muitas vezes, disse
que isso não ocorria.
Num outro ponto de sua obra Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, explicam-nos
Champlin e Bentes)

E acerca da feiticeira de En-Dor? Sobre o que objetam os críticos? Ê que
alguns declaram que, em face de certas proibições bíblicas, o contato de vivos
com os mortos não pode ter acontecido. Teria sido tudo apenas um fenômeno
psicológico, talvez fruto da condição perturbada de Saul. Um ponto de vista mais
conservador admite que Deus permitiu que Saul visse uma forma semelhante a
Samuel, embora tudo não passasse de uma visão, e não do corpo ou do espírito
real daquele profeta. Entretanto, a explicação mais certa e óbvia é aquela
que reconhece que Samuel realmente apareceu a Saul em forma visível,
e que o profeta já morto realmente comunicou-se com Saul. O relato
aparece no capítulo vinte e oito de I Samuel. A médium de En-Dor, diante da
pergunta de Saul: "Não temas; que vês?", replicou: "Vejo um deus que sobe da
terra". (vs. 13). Sabemos que os médiuns espíritas e outros realmente se
comunicam com espíritos dos lugares tenebrosos. Isso é ensinado desde o
livro de Gênesis, no caso dos magos do Egito. Porém, esses médiuns não têm,
normalmente, contato com espíritos remidos. Portanto, Deus deve ter feito
intervenção, permitindo o aparecimento de Samuel à vidente de En-Dor.
Isso surpreendeu à mulher, que gritou.
Que os mortos podem aparecer aos vivos vê-se no caso de Moisés e
Elias, os quais apareceram juntamente com o Senhor Jesus, quando de
sua transfiguração, diante de três de seus discípulos Pedro, Tiago e João. Ver
Mat. 17:1-8; Mar. 9:14-29 e Luc. 9:37-43. Esse episódio, juntamente com o do
aparecimento de Samuel, após a sua morte, por intermediação da médium de
En-Dor, incidentalmente prova a existência consciente dos espíritos humanos
que daqui partiram, por força da morte biológica, além de ser um fortíssimo
apoio à doutrina da imortalidade da alma! Por conseguinte, toda essa
objeção à aparição de Samuel à feiticeira de En-Dor, e ao recado que ele
deu a Saul, baseia-se sobre aquela razão que foi dada pelo Senhor Jesus
aos saduceus: - Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de
Deus. (Mat. 22:29). (CHAMPLIN e BENTES, 1995b, p. 97)

Também aqui basta a afirmação: “Por conseguinte, toda essa objeção à aparição de
Samuel à feiticeira de En-Dor, e ao recado que ele deu a Saul, baseia-se sobre aquela razão
que foi dada pelo Senhor Jesus aos saduceus: - Errais, não conhecendo as Escrituras nem o
poder de Deus. (Mat. 22:29)". Eles enxergaram o óbvio que se pode ver nas Escrituras, que o
fanatismo, infelizmente, não permite que muitos o vejam.
Resta-nos agora colocar a visão espírita sobre os demônios, tomando-se o que consta
no livro O Céu e o Inferno, Cap. IX, intitulado Os demônios:

OS DEMÔNIOS SEGUNDO O ESPIRITISMO
20. Segundo o Espiritismo, nem anjos nem demônios são entidades
distintas, por isso que a criação de seres inteligentes é uma só. Unidos a
corpos materiais, esses seres constituem a Humanidade que povoa a
Terra e as outras esferas habitadas; uma vez libertos do corpo material,
constituem o mundo espiritual ou dos Espíritos, que povoam os Espaços.
Deus criou-os perfectíveis e deu-lhes por escopo a perfeição, com a felicidade
que dela decorre. Não lhes deu, contudo, a perfeição, pois quis que a
obtivessem por seu próprio esforço, a fim de que também e realmente lhes
pertencesse o mérito. Desde o momento da sua criação que os seres progridem,
quer encarnados, quer no estado espiritual. Atingido o apogeu, tornam-se puros
espíritos ou anjos segundo a expressão vulgar, de sorte que, a partir do embrião
do ser inteligente até ao anjo, há uma cadeia na qual cada um dos elos assinala
um grau de progresso.
Do expresso resulta que há Espíritos em todos os graus de adiantamento,
moral e intelectual, conforme a posição em que se acham, na imensa escala do
progresso.
Em todos os graus existe, portanto, ignorância e saber, bondade e maldade.
Nas classes inferiores destacam-se Espíritos ainda profundamente
propensos ao mal e comprazendo-se com o mal. A estes pode-se
denominar demônios, pois são capazes de todos os malefícios aos ditos
atribuídos. O Espiritismo não lhes dá tal nome por se prender ele à ideia
de uma criação distinta do gênero humano, como seres de natureza
essencialmente perversa, votados ao mal eternamente e incapazes de
qualquer progresso para o bem.

21. Segundo a doutrina da Igreja os demônios foram criados bons e
tornaram-se maus por sua desobediência: são anjos colocados primitivamente
por Deus no ápice da escala, tendo dela decaído. Segundo o Espiritismo os
demônios são Espíritos imperfeitos, suscetíveis de regeneração e que,
colocados na base da escala, hão de nela graduar-se. Os que por apatia,
negligência, obstinação ou má vontade persistem em ficar, por mais tempo, nas
classes inferiores, sofrem as consequências dessa atitude, e o hábito do mal
dificulta-lhes a regeneração. Chega-lhes, porém, um dia a fadiga dessa vida
penosa e das suas respectivas consequências; eles comparam a sua situação à
dos bons Espíritos e compreendem que o seu interesse está no bem, procurando
então melhorarem-se, mas por ato de espontânea vontade, sem que haja nisso
o mínimo constrangimento. “Submetidos à lei geral do progresso, em virtude da
sua aptidão para o mesmo, não progridem, ainda assim, contra a vontade.”
Deus fornece-lhes constantemente os meios, porém, com a faculdade de aceitá-
los ou recusá-los. Se o progresso fosse obrigatório não haveria mérito, e Deus
quer que todos tenhamos o mérito de nossas obras. Ninguém é colocado em
primeiro lugar por privilégio; mas o primeiro lugar a todos é franqueado à custa
do esforço próprio.
Os anjos mais elevados conquistaram a sua graduação, passando, como os
demais, pela rota comum.

22. Chegados a certo grau de pureza, os Espíritos têm missões adequadas ao
seu progresso; preenchem assim todas as funções atribuídas aos anjos de
diferentes categorias.
E como Deus criou de toda a eternidade, segue-se que de toda a eternidade
houve número suficiente para satisfazer às necessidades do governo universal.
Deste modo uma só espécie de seres inteligentes, submetida à lei de progresso,
satisfaz todos os fins da Criação.
Por fim, a unidade da Criação, aliada à ideia de uma origem comum, tendo o
mesmo ponto de partida e trajetória, elevando-se pelo próprio mérito,
corresponde melhor à justiça de Deus do que a criação de espécies diferentes,
mais ou menos favorecidas de dotes naturais, que seriam outros tantos
privilégios.
23. A doutrina vulgar sobre a natureza dos anjos, dos demônios e das almas,
não admitindo a lei do progresso, mas vendo todavia seres de diversos graus,
concluiu que seriam produto de outras tantas criações especiais. E assim foi que
chegou a fazer de Deus um pai parcial, tudo concedendo a alguns de seus filhos,
e a outros impondo o mais rude trabalho. Não admira que por muito tempo os
homens achassem justificação para tais preferências, quando eles próprios delas
usavam em relação aos filhos, estabelecendo direitos de primogenitura e outros
privilégios de nascimento. Podiam tais homens acreditar que andavam mais
errados que Deus?
Hoje, porém, alargou-se o círculo das ideias: o homem vê mais claro e tem
noções mais precisas de justiça; desejando-a para si e nem sempre
encontrando-a na Terra, ele quer pelo menos encontrá-la mais perfeita no Céu.
E aqui está por que lhe repugna à razão toda e qualquer doutrina, na qual
não resplenda a Justiça Divina na plenitude integral da sua pureza. (KARDEC,
2007b, p. 141-144)

Então, para o Espiritismo, os demônios nada mais são que espíritos humanos
desencarnados, que ainda persistem no mal; porém, com o passar dos tempos haverão de
progredir, até chegarem ao topo da evolução possível ao ser humano; não são, portanto, seres
decaídos e muito menos uma absurda potência do mal a lutar contra Deus, a potência do bem.

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