a partir de maio 2011

domingo, 14 de setembro de 2014

Você vai morrer!!! E agora?

por Liszt Rangel
A reflexão acerca da própria finitude remete o indivíduo ao desespero e ao mesmo tempo ao manejo de todos os recursos disponíveis para tentar evitar o inevitável, que a grande mensageira da verdade está galopando velozmente em sua direção. Sabe-se quando ela chegará? Não! Ou ao menos, sabe-se por que você, entre tantas pessoas, foi escolhido para morrer? Também não se sabe esta resposta. Porém, a única certeza que qualquer o Homem tem, é a de que vai morrer. Aliás, já passou a morrer desde o instante que começou a viver.

Entretanto, saber que a morte está mais próxima do que se pensava e esperava, é algo por demais chocante. Segundo Kübler-Ross (1996), o paciente quando recebe a notícia de que o término de sua existência está próximo, geralmente, ele atravessa algumas fases no contato com o morrer e com a sua morte. Porém, ela adverte que nem todos passam pela mesma ordem sequenciada, e há outros pacientes que estacionam em algumas das fases do morrer.  

Ao saber que se encontra vítima de uma doença fatal, como certos tipos de câncer, por exemplo, naturalmente a primeira reação do paciente é Negar . Frases do tipo, "quem tem câncer é sua mãe, doutor!!!" Ou, "Eu??? Com câncer? Que brincadeira é esta?" E se dirige aos familiares, dizendo: "Ele está louco, me dizendo que tenho "aquela" doença. A negativa e o medo da doença são tão intensos que muitas pessoas nem falam o nome câncer, chamando a doença de "aquela" ou simplesmente, "aquela que começa com C". 

Já pude presenciar uma mulher, 56, vítima de uma câncer no aparelho reprodutor, que nunca chamava a doença pelo nome. Ela apenas dublava a palavra, sem emitir o som. E assim ela contava as pessoas como estava o tratamento, mas na hora de falar a palavra câncer, ela apenas movimentava a boca, como se fosse uma mímica labial. Quando questionei o porquê dela nunca emitir o som da palavra, ela me disse que era porque no hospital não tinha madeira para bater três vezes, pois falando a doença, a mesma não a deixaria e tocando na madeira, ela seria isolada da doença.

Ao lado desta negativa do paciente terminal, também aparece a negativa da família. Posturas como, "Não, isto só pode ser um erro médico", ou, a mudança de médicos e toda uma bateria de exames sendo repetida diversas vezes denotam a fuga para diminuir o choque da doença. Entrar em contato com morte do outro também nos apavora, porque nos mostra o quanto somos frágeis. 

Do ponto de vista psicológico, a negação é uma tentativa do psiquismo do paciente de diminuir os danos emocionais e psíquicos ao receber a notícia de que seu fim está perto. E o pior de tudo, é que ele não se preparou para ele.

Mas antes dele pensar que é hora de ir embora deste mundo, a Dra. Kübler-Ross percebeu que muitos são tomados pelo segundo nível do morrer, o daRevolta. Geralmente, o paciente que foi cristão a vida toda, usa como principal alvo de sua indignação, Deus. Sim, até porque o Deus dos cristãos é o Deus das lacunas, ora ele está presente, preferencialmente, quando tudo está bem, ora ele não está, quando tudo vai mal. Sendo assim, ninguém melhor do que Deus para ser o culpado de nossa dor e morte. Frases do tipo, "os desgraçados deste mundo que vivem aprontando na vida, vão viver, e eu vou morrer?" Por que eu, Deus?", "Por que o senhor fez isto comigo?" "Por que me escolheu?" "Com tanto bandido por aí, logo eu?" 

Esta postura revela traços egoístas do paciente, e não apenas o desejo de continuar a viver. Ele está revoltado não é porque ele vai morrer, mas porque outros que na visão dele, não merecem viver, vão continuar gozando. Isto é muito observado por profissionais da saúde, bem como por psicólogos que atuam em hospitais. O paciente mal trata os auxiliares, grita com os colegas de quarto, joga o alimento no chão, nega-se a dialogar educadamente com o médico, usa de ironia, enfim... até que um dia ele desperta pela manhã e algo nele começa a mudar.

Quando ele começa a viajar pelo mundo, tentando tratamento em tudo que é país, gastando o dinheiro da família, ou quando se põe a pedir em preces pela sua cura, a voltar o olhar para Deus, buscando fazer as pazes e bater na porta de terreiros, centros espíritas, ou regressa para o Catolicismo, religião tradicional, a qual pertenceram seus pais, ou chega até mesmo a apelar para a Igreja Universal, ele está entrando na terceira fase, a Barganha

Ele agora usa a caridade, "é bonzinho", pensa nos meninos da creche, nos velhinhos do abrigo, tenta fazer o bem até à sogra. Outros buscam terapias alternativas com luzes, cristais, energizações, banhos de lama, fazem penitências, ou seja, o desespero os toma, e nesta hora vale tudo! Se por um lado, este é um mecanismo de defesa usado pelo paciente contra a dor psíquica, por outro, ele está adiando o que terá que enfrentar em breve, a sua morte. Mesmo ignorando, não é a morte a sua única acompanhante nesta hora, mas a vida está operando em transformação em seu íntimo e não apenas em seu corpo.

E pensar na morte, após ter recorrido a tudo para escapar dela, leva-o ao quarto estágio do morrer, a Depressão. Deprimido, o paciente, não deseja ver ninguém, não quer visitas, manda dizer que não está em casa, se isola no quarto, também não se alimenta... porém, não se deve pensar que ele está se entregando. Não, não é isso! Ele agora começou a refletir sobre sua doença e está revendo sua vida, como se estivesse arrumando a mala para viajar. Ele abre o guarda-roupas e diz para si: "Por que guardei esta peça por tanto tempo dentro de mim?", Será que foi isso que me adoeceu?", "Por que não me desfiz das mágoas?", "Por que não vivi aquele grande amor e fugi covardemente?", "O tempo passou tão rápido para mim e não tive as oportunidades que queria, mas também as que tive nãos as aproveitei." 

Após este período, quando ele pedir para comer ou para abrir a janela, quem sabe pedir que alguém o ajude a organizar o testamento, ou simplesmente, pedir para que lhe tragam o álbum da família, é porque ele está pronto! Entrou na quinta fase, a da Aceitação. O que não quer dizer resignação. O paciente, diz para si, "bem, como não tem outro jeito, eu vou!"

Lembro de Jussara, 42, também com câncer, mas distribuído em três partes do corpo. Dois filhos, um menino e uma menina, cinco e oito, respectivamente. Vieram buscá-la na casa da prima, a pedido de Jussara que desejava morrer ao lado do marido que havia ficado no interior, enquanto ela se tratava na capital. Ela me disse na saída, "Não nos veremos mais, nem nos falaremos, Liszt. Agora devo voltar, enquanto ainda há tempo para pedir perdão àqueles a quem fiz mal." E se foi. Se foi primeiro para o interior. Se reconciliou com seus desafetos, depois, ela se foi para outra realidade, haja vista, tudo que nos cerca tratar-se de uma grande ilusão. E ela só foi, porque as malas estavam prontas. E que bom quando dá tempo de arrumar as malas. 

Por isso, como nunca sabemos quando a dama da mortea grande mensageira da verdade nos visitará, é sempre bom deixar algumas peças já arrumadas na mala, porque quando o trem chegar na sua estação, você não esqueça de estar de posse de seu bilhete. Também é bom, evitar aqueles shows e  espetáculos de certos familiares, que mais atrapalham o moribundo do que o ajudam em sua libertação. O doente terminal que estacionou em uma das fases, também não ajuda, dando vexames, do tipo, "eu não quero ir, eu ainda tenho tanto o que fazer por aqui... e começa a chamar pleo nome dos parentes, e grita e chora. 

Ora essa, você em vida foi um vitorioso, chegou chorando quando nasceu, é verdade, mas por que justo na hora de partir, não sai de cena sorrindo? Na verdade, somente sabe, portanto, bem morrer, quem soube bem viver! 

O problema não é a morte apenas, é o morrer que torna-se inaceitável. Então, como terapia pessoal, é bom de vez em quando, se perguntar, "Eu vou morrer, e agora?" Ou então, usar outra sugestão, "eu morri! Como me sinto agora?" Geralmente dá uma angústia. Pode ter como causa os preconceitos sobre o assunto, ou pode ser a sensação de finitude, ou quem sabe o pior, a prova que temos muitas coisas para fazer e que deveríamos tê-las feito. Então, façamos, enquanto ela não nos surpreende.

Tenhamos todos uma boa morte!

 BIBLIOGRAFIA
KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  
http://lisztrangel.blogspot.com.br/2014/09/voce-vai-morrer-e-agora.html

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