a partir de maio 2011

terça-feira, 23 de setembro de 2014

A PARTICIPAÇÃO DO MÉDIUM NOS FENÔMENOS ESPIRITUAIS

Paulo da Silva Neto Sobrinho



O programa da Doutrina não será, pois, invariável senão sobre os princípios passados ao estado de verdades constatadas; para os outros, ela não os admitirá, como sempre o fez, senão a título de hipóteses até a confirmação. (KARDEC).

Este estudo deve ser considerado apenas um ensaio não é; portanto, para ser tomado como algo pronto e acabado. Nesse primeiro momento, a nossa intenção é levantar uma reflexão mais focada sobre o tema. No futuro, depois das prováveis contribuições de estudiosos, decidiremos qual direção haveremos de tomar com relação a torná-lo definitivo.

Levando em conta os seus efeitos Allan Kardec (1804-1869) explicou que “Os fenômenos espíritas são de duas espécies: os de efeitos físicos e os de efeitos inteligentes”. (LM, Cap. IV, item 37, p. 37).

Um pouco mais adiante ele dividiu os médiuns em duas grandes categorias (LM, Cap. XVI, item 187, p. 159):
  • Médiuns de efeitos físicos – Os que têm poder de provocar os efeitos materiais ou as manifestações ostensivas.
  • Médiuns de efeitos intelectuais – Os que são mais especialmente aptos a receber e a transmitir as comunicações inteligentes.
Kardec completa dizendo:
Todas as demais variedades se ligam mais ou menos diretamente a uma ou a outra dessas duas categorias, e algumas participam de ambas. Analisando os diversos fenômenos produzidos sob influência mediúnica vê-se que há em todos um efeito físico, e que aos efeitos físicos se junta quase sempre um efeito inteligente.

É às vezes difícil estabelecer o limite entre ambos, mas isso não acarreta nenhuma dificuldade. Incluímos na classificação de médiuns de efeitos intelectuais os que podem mais especialmente servir de instrumentos para comunicações regulares e contínuas. (LM, Cap. XVI, item 187, p. 159).
O nosso foco será a participação do médium que, conforme a linha do raciocínio aqui proposto, seria o do uso que os Espíritos fazem de seu patrimônio:
  • Mental
  • Corporal
  • Energético
No mental, temos o médium sendo transmissor do pensamento do Espírito, que lhe passa telepaticamente o que deseja transmitir; no corporal, o corpo do médium é utilizado pelo Espírito, podendo tanto ser de apenas um órgão, quanto de todo o seu complexo físico; no energético, o médium fornece, ainda que inconscientemente, a energia necessária para a produção dos fenômenos denominados de efeitos físicos, “energia” essa denominada de ectoplasma, termo cunhado por Charles Richet (1850-1935), fundador da Metapsíquica.

Por patrimônio energético queremos designar a força nervosa ou ectoplasma que é a “energia” emanada do médium para a produção dos fenômenos espirituais, classificados como de efeitos físicos. Aliás, sem ela não há como os Espíritos produzirem tais fenômenos, porquanto ele é imprescindível à sua produção.

Podemos representar os fenômenos espirituais, olhando-os pela ótica da participação dos envolvidos no processo, com o seguinte quadro:


A linha vermelha, que divide os dois campos, seria, didaticamente, a representação da participação dos envolvidos nos fenômenos espirituais. Inicia-se com a participação total do médium, faixa de 0 a 1, seguindo com uma graduação da participação de ambos, faixa de 1 a 3, até terminar com a participação somente do Espírito, faixa de 3 a 4.

Colocamos essa última faixa para manter a consequente simetria e, especialmente, em razão de existir a primeira, e por também pensarmos que se pode afirmar que existem fenômenos onde só há participação dos Espíritos sem concurso de alguma atividade mental, tipo transmissão de pensamento, do médium. Resumindo, então teríamos:

 
Faixa 0 a 1
Faixa 1 a 3
Faixa 3 a 4
 
 
Animismo
Mediúnico
Espirítico
 

Estamos conscientes de que, para nós, em muitos dos fenômenos espirituais, não é nada fácil identificar de forma precisa o grau de participação do médium e do Espírito; talvez isso nem mesmo seja possível de se fazer.
Animismo

De início, apresentaremos duas definições que são necessárias para bem nos situarmos. Nossa fonte será a obraDicionário de Filosofia Espírita, de autoria do estudioso Lamartine Palhano Júnior (1946-2000):
ANÍMICO. (Do latim: anima, -ae = sopro, emanação, ar; daí Alma como princípio vital, vida. Espírito que escapa do corpo após o passamento) Anímico é tudo aquilo que é relativo ao animismo.

ANIMISMO. Neologismo para significar que a alma do médium pode comunicar-se como a de qualquer outro, pois, se há certo grau de liberdade, recobra suas qualidades de espírito. Na prática espírita, trata-se de um estado de transe, no qual quem opera, produzindo fenômenos psíquicos e mesmo de efeitos físicos, é o espírito do próprio encarnado e não um espírito desencarnado, pois neste caso seria mediunismo e não animismo. Desde que há dissociação psíquica e o espírito de uma pessoa emancipa-se, mesmo que seja parcialmente, ele pode produzir os mesmos fenômenos produzidos pelos espíritos que se comunicam através de médiuns. Os fenômenos espíritas são de duas naturezas: anímicos e mediúnicos. (PALHANO JR, 2004, p. 31).
Acreditamos que, no meio espírita, muitos de nós estamos utilizando as palavras anímico e animismo indiscriminadamente e isso, a nosso ver, provoca alguns equívocos, especialmente ao se tomar qualquer tipo de participação do médium no fenômeno espiritual como anímico, incluindo os casos em que ele fornece o ectoplasma ou nos que empresta o corpo físico. Ora, se anímico, como se vê nas definições acima, leva-nos ao conceito de animismo, então não seria o caso de sua aplicação generalizada como estamos fazendo.

De acordo com o que conseguimos entender das definições de Palhano Júnior, a participação ou o papel do médium no fenômeno espiritual não deveria ser qualificada como anímica, pois esta designação é dada à manifestação do próprio Espírito do médium, e não a de Espíritos desencarnados em que o médium coloca algo de “tempero” pessoal.

Há um curioso fenômeno espiritual pelo qual o Espírito de uma pessoa viva pode se manifestar em um local onde o seu corpo físico não se encontra:
[…] O espírito de uma pessoa viva, afastado do corpo, pode aparecer como o de um morto, com todas as aparências da realidade. Além disso, pelos motivos que já explicamos, pode adquirir tangibilidade momentânea. Foi esse fenômeno, designado por bicorporeidade, que deu lugar às estórias de homens duplos, indivíduos cuja presença simultânea se constatou em dois lugares diversos. (LM, Cap. VII, item 119, p. 107).
Kardec menciona da História Eclesiástica os nomes dos santos Afonso de Liguori e Antônio de Pádua, como dois bons exemplos de bicorporeidade.

Vejamos esta explicação, constante de O Livro dos Médiuns (LM):
O médium vidente acredita ver pelos olhos, como os que têm a dupla vista, mas na realidade é a alma que vê, e por essa razão eles tanto veem com os olhos abertos ou fechados. Dessa maneira, um cego pode ver os Espíritos como os que têm visão normal. (LM, Cap. XIV, item 167, p. 145).
J. Herculano Pires (1914-1979), explica que “A vidência propriamente dita independe dos olhos materiais, porque é uma visão anímica, a alma vê fora do corpo” (KARDEC, 2006, p. 145), ou seja, é o Espírito do médium que vê as coisas do plano espiritual, o que por si só não faz do fato uma ocorrência mediúnica, passando a sê-la quando o médium estabelece contato com algum Espírito.

Ainda em O Livro dos Médiuns, no tópico em que são mencionados os médiuns sonâmbulos, encontramos:
172. O sonambulismo pode ser considerado como uma variedade da faculdade mediúnica, ou melhor, trata-se de duas ordens de fenômenos que se encontram frequentemente reunidos. O sonâmbulo age por influência do seu próprio Espírito. É a sua alma que, nos momentos de emancipação, vê, ouve e percebe além dos limites dos sentidos. O que ele diz procede dele mesmo. Em geral, suas ideias são mais justas do que no estado normal, seus conhecimentos são mais amplos porque está livre. Numa palavra, ele vive por antecipação a vida dos Espíritos. (LM, Cap. XIV, item 172, p. 148).
Se “o sonâmbulo age por influência do seu próprio Espírito”, não há como não vermos aqui o animismo.

Mais à frente, quando se fala do papel do médium nas comunicações, Kardec, volta ao assunto:
2. As comunicações escritas ou verbais podem ser também do próprio Espírito do médium?
— A alma do médium pode comunicar-se como qualquer outra. Se ela goza de um certo grau de liberdade, recobra então as suas qualidades de Espírito. Tens a prova na visita das almas de pessoas vivas que se comunicam contigo, muitas vezes sem serem chamadas. Porque é bom saberes que entre os Espíritos que evocas há os que estão encarnados na Terra. Nesses casos eles te falam como Espíritos e não como homens. Por que o médium não poderia fazer o mesmo? (LM, Cap. XVIII, item 223, p. 187).
Nas reuniões mediúnicas, todo cuidado devemos empregar para não tratar uma manifestação do Espírito do médium como se ele fosse de um desencarnado; seria muito gozado ver o Espírito do médium manifestando-se e o dialogador dizer-lhe: “Você já desencarnou, meu irmão, acompanhe estes Espíritos de luz que estão aí a seu lado.”

Mediúnico

Em janeiro de 1859, Kardec responde às perguntas do Príncipe G., em carta dirigida a ele e transcrita na Revista Espírita. Tomemos esses dois parágrafos:
Os homens podem entrar em relação com os Espíritos e deles receberem comunicações diretas pela escrita, pela palavra e por outros meios. Os Espíritos, estando ao nosso lado e podendo virem ao nosso chamado, pode-se, por certos intermediários, estabelecer com eles comunicações seguidas, como um cego pode fazê-lo com as pessoas que ele não vê.

Certas pessoas são dotadas, mais do que outras, de uma aptidão especial para transmitirem as comunicações dos Espíritos: são os médiuns. O papel do médium é o de um intérprete; é um instrumento do qual se servem os Espíritos: esse instrumento pode ser mais ou menos perfeito, e daí as comunicações mais ou menos fáceis. (Revista Espírita 1859, p. 2).
A transmissão dos pensamentos dos Espíritos, mais comumente se dá pela fala e pela escrita, onde o médium reproduz aquilo que lhe transmitem os Espíritos. Kardec denominou os primeiros de médiuns falantes, mais conhecidos como médiuns psicofônicos, e os segundos de médiuns escreventes ou psicógrafos. Classificando estes últimos em várias modalidades, das quais ressaltamos essas três:
Médiuns escreventes ou psicógrafos: Os que têm a faculdade de escrever por si mesmos, sob influência dos Espíritos.

Médiuns escreventes mecânicos: Os que escrevem recebendo um impulso involuntário na mão, sem ter nenhuma consciência do que escrevem. Muito raros.

Médiuns semimecânicos: Os que escrevem por impulso involuntário na mão, têm consciência imediata das palavras e das frases que vai escrevendo. Os mais comuns. (LM, Cap. XVI, item 191, p. 163).
Acreditamos que, em algumas situações, os médiuns psicofônicos e os psicográficos, podem estar agindo, não como intérpretes, mas, temporariamente, “cedendo” seus corpos físicos aos Espíritos para que, eles mesmos, deem suas mensagens, sem interferência mental dos médiuns, caracterizada com o médium recebendo e transmitindo a mensagem do Espírito. Julgamos que, dos citados acima, os médiuns escreventes mecânicos têm tudo para agirem dessa forma. No próximo tópico esperamos explicar com mais detalhes.

Provavelmente os médiuns pintores ou desenhistas denominados, na atualidade, de médiuns de psicopictografia, que produzem as deslumbrantes “pinturas mediúnicas”, também trabalham incorporados.

Espirítico

Aqui incluímos a possessão/incorporação, que é a posse do corpo físico por parte de um Espírito. Aliás, esse ensaio surgiu da reflexão sobre esse fenômeno.

Devemos esclarecer que até a publicação de O Livro dos Médiuns, ocorrida em 15 de janeiro de 1861, Kardec ainda não admitia posse física como algo possível. Mas todos sabemos que ele mudou de ideia, diante de um caso que lhe foi apresentado e que fez constar da Revista Espírita 1863; trata-se do “Caso de possessão – Senhorita Julie”.

Em 6 de janeiro de 1868, data da publicação de A Gênese, Kardec volta ao assunto, colocando, em termos bem claros, a realidade da possessão física. Em razão disso, nas palavras de Kardec, em O Livro dos Médiuns, sobre a participação do médium, não devem ser consideradas as possessões/incorporações, já que nessa época ele ainda não admitia tal possibilidade: “O Espírito comunicante não substitui a Alma do médium, porque não poderia deslocá-la do corpo: domina-a, sem que isso dependa da vontade dela, e lhe imprime a sua vontade própria”. (LM, Cap. XV, item 180, p. 153).

Vejamos algumas explicações em O Livro dos Médiuns.
A escrita é tão fluente, rápida e fácil como a manual, mas reconheceu-se mais tarde que todos esses objetos serviram apenas de apêndices da mão, verdadeiros porta-lápis, que podiam ser dispensados. De fato, a própria mão do médium, impulsionada de maneira involuntária, escrevia sob a influência do Espírito, sem o concurso da vontade ou do pensamento daquele. […]. (LM, Cap. III, item 71, p. 60).
A afirmativa de que o médium “escrevia sob a influência do Espírito, sem o concurso da vontade ou do pensamento daquele” nos leva a concluir que, em algumas situações, é importante frisar, o Espírito está mesmo utilizando-se de algum órgão do médium, para, diretamente, ou seja, sem nenhuma interferência mental dele, passar o seu pensamento.
8. Como um Espírito pode mover um corpo sólido?
– Combinando uma porção de fluido universal com o fluido que se desprende do médium apropriado a esses efeitos. (LM, Cap. IV, item 74, p. 62).

14. Qual o papel do médium nesse fenômeno?
– Eu já disse que o fluido próprio do médium se combina com o fluido universal do Espírito. É necessária a união de ambos, do fluido animalizado e do fluido universal, para dar vida à mesa. Mas não se deve esquecer que essa vida é apenas momentânea, extinguindo-se com a mesma ação, e muitas vezes antes que a ação termine, quando a quantidade de fluido já não é mais suficiente para animar a mesa. (LM, Cap. IV, item 74, p. 64).

18. Qual o papel da vontade do médium?
– Chamar os Espíritos e ajudá-los a impulsionar os fluidos.

18 a. É indispensável a vontade do médium?
– Ela aumenta a potência, mas nem sempre é necessária, desde que pode haver o movimento, malgrado ou contra a vontade do médium, o que é uma prova da existência de uma causa independente. (LM, Cap. IV, item 74, p. 65).

[…] O fluido condensado constitui o perispírito ou invólucro semimaterial do Espírito. Na encarnação, o perispírito está ligado à matéria do corpo; na erraticidade está livre. Quando o Espírito está encarnado, a substância do perispírito está mais ou menos fundida com a matéria corpórea, mais ou menos colada a ela, se assim podemos dizer. Em algumas pessoas há uma espécie de emanação desse fluido, em consequência de condições especiais de sua organização, e é disso, propriamente falando, que resultam os médiuns de efeitos físicos. […]. (LM, Cap. IV, item 75, p. 67).
No caso de movimentação de objetos, os Espíritos utilizam-se da energia – ectoplasma – do médium para realizar os fenômenos. Também aqui não vemos nenhuma utilização da mente do medianeiro para transmitir sua mensagem.

Falando sobre a tiptologia, Kardec disse: “Achamos que a independência do médium é perfeitamente provada pelos golpes internos e mais ainda pelo imprevisto das respostas do que todos os meios materiais. […]”. (LM, Cap. XI, item 143, p. 128). Claro fica que o médium não age mentalmente; apenas contribui como doador do ectoplasma.

Sobre a escrita direta, temos: “A Pneumatografia é a escrita produzida diretamente pelo Espírito, sem nenhum intermediário. Difere da psicografia porque esta é a transmissão do pensamento do Espírito pela mão do médium”. (LM, Cap. XII, item 146, p. 130). Mais uma situação em que, em nossa opinião, não há interferência mental do médium.

Falando da utilização das cestas e das pranchetas, Kardec explica:
157. À escrita assim obtida chamamos psicografia indireta, em contraste com a psicografia direta ou manual feita pelo próprio médium. Para compreender este sistema é necessário saber como se verifica a operação. O Espírito comunicante age sobre o médium; este, assim influenciado, move maquinalmente obraço e a mão para escrever, não tendo (pelo menos no comum dos casos) a menor consciência do que escreve; a mão age sobre a cesta e esta movimenta o lápis. Assim, não é a cesta que se torna inteligente,mas apenas serve de instrumento a uma inteligência. A cesta nada mais é, praticamente, do que um porta-lápis, um apêndice da mão, um intermediário entre a mão e o lápis. Suprimindo o intermediário e pondo o lápis na mão, temos o mesmo resultado com um mecanismo muito mais simples, desde que o médium passa a escrever como se o fizesse em condições normais. (LM, Cap. XIII, item 157).
Como dito, “o Espírito comunicante age sobre o médium” e não, como muitas vezes se crê, transmite seu pensamento ao médium, que, por sua vez, o escreve.
166. Os médiuns audientes, que apenas transmitem o que ouvem, não são propriamente médiuns falantes. Estes, na maioria das vezes, não ouvem nada. Ao servir-se deles, os Espíritos agem sobre os órgãos vocais, como agem sobre as mãos nos médiuns escreventes. O Espírito se serve para a comunicação dos órgãos mais flexíveis que encontra no médium. De um empresta as mãos, de outro, as cordas vocais e de um terceiro os ouvidos. O médium falante em geral se exprime sem ter consciência do que diz e quase sempre tratando de assuntos estranhos às suas preocupações habituais, fora de seus conhecimentos e mesmo do alcance de sua inteligência.

Embora esteja perfeitamente desperto e em condições normais, raramente se lembra do que disse. Numa palavra, a voz do médium é apenas um instrumento de que o Espírito se serve e com o qual outra pessoa pode conversar com este, como o faz no caso de médium audiente.

Mas nem sempre a passividade do médium falante é assim completa. Há os que têm intuição do que estão dizendo, no momento em que pronunciam as palavras. Voltaremos a tratar desta variedade quando nos referirmos aos médiuns intuitivos. (LM, Cap. XIV, item 166, p. 144).
Completa o que já dissemos antes.

Em O Livro dos Médiuns, Cap. XV – Médiuns escreventes ou psicógrafos, encontramos nas explicações sobre os médiuns mecânicos:
179. Se examinarmos certos efeitos que se manifestam nos movimentos da mesa, da cesta ou da prancheta, não podemos duvidar de que o Espírito exerce uma ação direta sobre esses objetos.

[…].

[…] O Espírito pode, pois, exprimir diretamente o seu pensamento, seja pelo movimento de um objeto a que a mão do médium serve apenas de apoio, seja pela sua ação sobre a própria mão do médium.

Quando o Espírito age diretamente sobre a mão, dá-lhe uma impulsão completamente independente da vontade do médium. Ela avança sem interrupção e contra a vontade do médium, enquanto o Espírito tiver alguma coisa a dizer, e para quando ele o disser.

O que caracteriza o fenômeno, nesta circunstância, é que o médium não tem a menor consciência do que escreve. A inconsciência absoluta, nesse caso, caracteriza os que chamamos de médiuns passivos oumecânicos. Esta faculdade é tanto mais valiosa quanto não pode deixar a menor dúvida sobre a independência do pensamento daquele que escreve. (LM, Cap. XV, item 179, p. 152-153).
Se “o Espírito exerce ação direta sobre esses objetos” e com isso consegue “exprimir diretamente o seu pensamento”; então, não há interferência mental do médium do fenômeno: “[…] os médiuns mecânicos, podem ser instrumentos absolutamente passivos e gozarem da mais completa independência de pensamentos. No médium mecânico, o Espírito atua sobre a mão, que recebe um impulso inteiramente involuntário”. (Revista Espírita 1859, outubro, p. 264). Ademais, se “pela sua ação sobre a própria mão do médium” o Espírito também pode exprimir diretamente o seu pensamento, mais uma vez, confirma a não interferência mental do médium.

Está afirmado de forma categórica que “O papel do médium mecânico é o de uma máquina” (LM, Cap. XV, item 180, p. 153); ora, se age como “uma máquina” ele, o médium, obviamente nada acrescenta de si.

Deparamos com situações que contradizem tudo quanto foi dito; isso na mesma obra O Livro dos Médiuns. Vejamos que também é afirmado que os Espíritos não transmitem diretamente seu pensamento:
6. O Espírito comunicante transmite diretamente o seu pensamento ou tem como intermediário o Espírito do médium?
– O Espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo que serve para a comunicação e porque é necessária essa cadeia entre vós e os Espíritos comunicantes, como é necessário um fio elétrico para transmitir uma notícia à distância, e na ponta do fio uma pessoa inteligente que a receba e comunique.
 Faça-se uma analogia do médium com um provedor de Internet que exerce a função do veículo de transmissão do e-mail, mas não toma conhecimento do seu conteúdo.

Como algo específico, tudo bem; mas de forma genérica, como acreditamos ser afirmado, contradiz as várias afirmações anteriores de que, em algumas situações, os Espíritos comunicam-se diretamente.
9. Concebe-se que seja assim para os médiuns intuitivos, mas não quando se trata de médiuns mecânicos.
– Não compreendeste bem a função do médium. Há uma lei que ainda te escapa. Lembra-te de que, para produzir o movimento de um corpo inerte o Espírito necessita do fluido animalizado do médium, de que se serve, por exemplo, para animar momentaneamente a mesa, fazendo a obedecer à sua vontade. Pois bem, para uma comunicação inteligente ele necessita também de um intermediário inteligente, e esse intermediário é o Espírito do médium.

9.a. Isto não parece aplicar-se às mesas falantes, pois quando estas e outros objetos inertes, como as pranchetas e as cestas, respondem de maneira inteligente, parece que o Espírito do médium não tem nenhuma participação.
– É um engano. O Espírito pode dar uma vida factícia momentânea a um corpo inerte, mas não à inteligência. Jamais um corpo inerte teve inteligência. É pois o Espírito do médium que recebe o pensamento sem o perceber e o transmite pouco a pouco, com a ajuda de diversos intermediários.
Aqui, mais que em qualquer outro lugar, nos parece que joga por terra tudo quanto foi dito a respeito de comunicação direta dos Espíritos. No caso das manifestações físicas, onde julgamos que o Espírito não age senão se utilizando do ectoplasma, aqui está dito que ele “recebe o pensamento sem o perceber e o transmite pouco a pouco”; muito estranho, diante das outras afirmações.
10. Parece resultar dessas explicações que o Espírito do médium não é jamais completamente passivo?
– Ele é passivo quando não mistura suas próprias ideias com as do Espírito comunicante, mas nunca se anula por completo. Seu concurso é indispensável como intermediário, mesmo quando se trata dos chamados médiuns mecânicos.
Isoladas as explicações parecem dúbias, mas levando-se em conta o dito nas questões anteriores, está se afirmando que, em todos os tipos de mediunidade, o médium participa mentalmente, o que nos parece não condizente com o que já foi dito e, para falar bem a verdade, nem muito lógico. Nos casos, por exemplo, da voz direta, da escrita direta e dos fenômenos de transporte, como conciliar com alguma participação mental do médium?

Voltemos à questão da possessão/incorporação, pois há mais coisas a serem colocadas.

Na Revista Espírita, mês de fevereiro 1869, Kardec narra o caso de um Espírito que não acreditava estar morto, mas sonhando:
Na sessão da Sociedade de Paris, de 8 de janeiro, o mesmo Espírito veio se manifestar de novo, não pela escrita, mas pela palavra, em se servindo do corpo do Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo. Ele falou durante uma hora, e isso foi uma cena das mais curiosas, porque o médium tomou a sua pose, seus gestos, sua voz, sua linguagem ao ponto que aqueles que o tinham visto o reconheceram sem dificuldade. […].

Numa outra reunião, um Espírito deu sobre este fenômeno a comunicação seguinte:

Há aqui, uma substituição de pessoa, uma simulação. O Espírito encarnado recebe a liberdade ou cai na inação. Digo inércia, quer dizer, a contemplação daquilo que se passa. Ele está na posição de um homem que empresta momentaneamente a sua habitação, e que assiste às diferentes cenas que se realizam com a ajuda de seus móveis. Se gosta mais de gozar da sua liberdade, ele o pode, a menos que não haja para ele utilidade em permanecer espectador.

Não é raro que um Espírito atue e fale com o corpo de um outro; deveis compreender a possibilidade deste fenômeno, então que sabeis que o Espírito pode se retirar com o seu perispírito mais ou menos longe de seu envoltório corpóreo. Quando esse fato ocorre sem que nenhum Espírito disto se aproveite para ocupar o lugar, há a catalepsia. Quando um Espírito deseja para ali se colocar para agir, toma um instante a sua parte na encarnação, une o seu perispírito ao corpo adormecido, desperta-o por esse contato e restitui o movimento à máquina; mas os movimentos, a voz não são mais os mesmos, porque os fluidos perispirituais não afetam mais o sistema nervoso do mesmo modo que o verdadeiro ocupante.

Essa ocupação jamais pode ser definitiva; seria preciso, para isso, a desagregação absoluta do primeiro perispírito, o que levaria forçosamente à morte. Ela não pode mesmo ser de longa duração, pela razão de que o novo perispírito, não tendo sido unido a esse corpo desde a sua formação, não tem nele raízes, não estando modelado sobre esse corpo, não está apropriado ao desempenho dos órgãos; o Espírito intruso não está numa posição normal; ele é embaraçado em seus movimentos e é porque deixa essa veste emprestada desde que dela não tenha mais necessidade. (KARDEC, 2001b, p. 48-49)
A descrição do comportamento do Sr. Morin, é bem interessante: “Ele falou durante uma hora, e isso foi uma cena das mais curiosas, porque o médium tomou a sua pose, seus gestos, sua voz, sua linguagem ao ponto que aqueles que o tinham visto o reconheceram sem dificuldade”. Não temos dúvida de que acontecer esse tipo de comportamento, o Espírito manifestante não sofria nenhuma interferência mental do médium, o que se pode comprovar diante da explicação que um outro Espírito deu ao fenômeno.

Vejamos quais tipos de mediunidade o Dr. Hernani Guimarães Andrade (1913-2003) admite a possibilidade de também ocorrer por incorporação:
A “incorporação mediúnica” pode, também, distinguir-se por diversas modalidades de comunicação: psicofonia, psicografia, possessão parcial ou total das manifestações de habilidades não aprendidas tais como nos casos de psicopictografia, psicocirurgia, psicoescultura, psicomúsica, escrita automática incontrolável com xenografia, xenoglossia, múltipla personalidade, transfiguração (esta última pertencendo também ao capítulo das ectoplasmias), etc. (ANDRADE, 2002, p. 122).
São outras situações em que a interferência mental do médium é, segundo a nossa maneira de perceber, nula.
Léon Denis (1846-1927) é um estudioso que não podemos deixar de citá-lo. De seu livro No Invisível, capítulo XIX, intitulado Transe e incorporações; transcrevemos:
Indagam certos experimentadores: o Espírito do manifestante se incorpora efetivamente no organismo do médium? ou opera ele antes, a distância, pela sugestão mental e pela transmissão de pensamento, como o pode fazer um espírito exteriorizado do sensitivo?

Um exame atento dos fatos nos leva a crer que essas duas explicações são igualmente admissíveis, conforme os casos. As citações que acabamos de fazer provam que a incorporação pode ser real e completa. É mesmo algumas vezes inconsciente, quando, por exemplo, certos Espíritos pouco adiantados são conduzidos por uma vontade superior ao corpo de um médium e postos em comunicação conosco, a fim de serem esclarecidos sobre sua verdadeira situação. Esses Espíritos, perturbados pela morte, acreditam ainda, muito tempo depois, pertencerem à vida terrestre. Não lhes permitindo seus fluidos grosseiros entrarem em relação com Espíritos mais adiantados, são levados aos grupos de estudo, para serem instruídos acerca de sua nova condição. É difícil às vezes fazer-lhes compreender que abandonaram a vida carnal e sua estupefação atinge o cômico, quando, convidados a comparar o organismo que momentaneamente animam com o que possuíam na Terra, são obrigados a reconhecer o seu engano. Não se poderia duvidar, em tal caso, na incorporação completa do Espírito.

Noutras circunstâncias, a teoria da transmissão à distância parece melhor explicar os fatos. As impressões oriundas de fora são mais ou menos fielmente percebidas e transmitidas pelos órgãos. Ao lado de provas de identidade, que nenhuma hesitação permitem sobre a autenticidade do fenômeno e intervenção dos Espíritos, verificam-se, na linguagem do sensitivo em transe, expressões, construções de frases, um modo de pronunciar que lhe são habituais. O Espírito parece projetar o pensamento no cérebro do médium, onde adquire, de passagem, formas de linguagem familiares a este. A transmissão se efetua, em tal caso, no limite dos conhecimentos e aptidões do sensitivo, em termos vulgares ou escolhidos, conforme o seu grau de instrução. Daí também certas incoerências que se devem atribuir à imperfeição do instrumento.

Ao despertar, o Espírito do médium perde toda consciência das impressões recebidas no sentido de liberdade, do mesmo modo que não guardará o menor conhecimento do papel que seu corpo tenha desempenhado durante o transe. Os sentidos psíquicos, de que por um momento havia readquirido a posse, se extinguem de novo; a matéria estende o seu manto; a noite se produz; toda recordação se desvanece. O médium desperta num estado de perturbação, que lentamente se dissipa. (DENIS, 1987, p. 252-254, grifo nosso).
A opinião de Léon Denis é clara quanto à questão de existirem, além da incorporação, com o desencarnado assumindo o corpo físico do encarnado, os casos de transmissão de pensamento. Sim; compreendemos haver situação que a transmissão “mente a mente” rege o fenômeno; entretanto, isso não significa dizer que em todos os fenômenos espirituais o fato também acontece.

Mais à frente, Denis explicita:
No transe, a entidade psíquica, a alma, se revela por distinta atividade do funcionamento orgânico, por particular acuidade das faculdades. Quando é completa a exteriorização, o Espírito do médium pode agir sobre o corpo adormecido com mais eficácia que no estado de vigília e do mesmo modo que um Espírito estranho. O cérebro não é então, como no estado normal, um instrumento movido diretamente pela alma, mas um receptor que ela aciona de fora. (DENIS, 1987, p. 272).
Entendemos que o Espírito apropriando-se do cérebro, assume o comando do corpo físico do médium, manipulando-o à sua vontade. Acreditamos que é em razão disso que alguns médiuns reproduzem fielmente tanto a voz quanto a caligrafia do Espírito comunicante, indo até mesmo manifestar todas as particularidades deste, como no caso do Sr. Morin, mencionado um pouco atrás.

Do Cap. XXII – Da mediunidade nos animais, de O Livro dos Médiuns, transcrevemos este trecho que consta da comunicação de Erasto a respeito do tema:
Costuma-se dizer: os Espíritos mediunizam e fazem mover a matéria inerte, as cadeiras, as mesas, os pianos. Fazem mover, sim, mas mediunizam, não! Porque, ainda uma vez: sem médium, nenhum desses fenômenos se produz. Que há de extraordinário em fazermos que se mova, com a ajuda de um ou de muitos médiuns, a matéria inerte, passiva, que justamente em razão de sua passividade, de sua inércia, está em condições de receber os movimentos e os impulsos que lhe desejamos dar? Para isso necessitamos de médiuns, é claro, mas não é necessário que o médium esteja presente ou consciente, porque podemos agir com os elementos que ele nos fornece, sem que ele o saiba e longe dele, sobretudo nos fenômenos de tangibilidade e de transportes. Nosso envoltório fluídico, mais imponderável e mais sutil que o mais sutil e imponderável de vossos gases, unindo-se, casando-se, combinando-se com o envoltório fluídico mais animalizado do médium, e cuja propriedade de expansão e de penetrabilidade escapa aos vossos sentidos grosseiros e é quase inexplicável para vós, permite-nos movimentar os móveis e até mesmo quebrá-los em aposentos vazios. (LM, Cap. XXII, item 236, p. 213-214).
Certamente que o que o médium fornece é o ectoplasma, energia necessária para que os Espíritos possam combinar seu próprio envoltório (perispírito) com o do médium para a movimentação da matéria inerte, mesmo que o médium não esteja presente e nem consciente disso. Não podemos deixar de lembrar que, quando se fala em Espírito, na situação de desencarnado, devemos entendê-lo como um ser duplo, conforme afirma Kardec: “a alma e o perispírito separados do corpo constituem o ser chamado Espírito” (O que é o Espiritismo, Cap. II, item 14, p. 155). Considerando que o encarnado é um ser triplo, basta somar a esse ser duplo o corpo físico teremos o seu conjunto. Nos casos de possessão/incorporação a alma do médium, acompanhada do perispírito, afasta-se do corpo físico, sem, entretanto, desligar-se dele, já que isso só ocorre com a morte, o que nos autoriza supor que, de alguma sorte, o médium poderá controlar o uso que o Espírito faz de seu corpo.

O que estamos aqui colocando é fruto de um bom tempo de reflexão. Esperamos não estar indo além do limite, e nem querendo impor nossa maneira de ver e, menos ainda, contrariar os postulados basilares do Espiritismo. 

Paulo da Silva Neto Sobrinho
Set/2014. 

Referências bibliográficas:
ANDRADE, H.G. Espírito, Perispírito e Alma. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2002.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. São Paulo: Lake, 2006.
KARDEC, A. O que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2001.
KARDEC, A. Revista Espírita 1859. Araras, SP: IDE, 1993e.
KARDEC, A. Revista Espírita 1863, Araras – SP: IDE, 2000b.
KARDEC, A. Revista Espírita 1868. Araras, SP: IDE, 1993j.
KARDEC, A. Revista Espírita 1869, Araras – SP: IDE, 2001b.
DENIS, L. No Invisível, Rio de Janeiro: FEB, 1987.
PALHANO JR, L. Dicionário de Filosofia Espírita. Rio de Janeiro: Edições Léon Denis, 2004.


http://www.aeradoespirito.net/ArtigosPN/A_PARTICIP_DO_MEDIUM_NOS_FENOM_ESPIR.html

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