a partir de maio 2011

domingo, 11 de maio de 2014

Fé ou Obras?

Há a necessidade de não somente crer, como também de agir.


 Ricardo dos Santos Malta
O Espiritismo ensina que se reconhece o verdadeiro cristão pelas suas obras (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap.18, item 16). Não adianta apenas adorar e idolatrar a imagem do excelso mensageiro Jesus. É necessário vivenciar a mensagem da qual Ele foi o portador e exemplificador. É o próprio nazareno que afirma: “E por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu digo?” (Lucas 6:46). Com essas palavras, dirigidas aos hipócritas e adoradores comodistas, Ele evidenciou a necessidade de vivenciar o evangelho sem as amarras da idolatria pueril.
Ao escrever em seu frontispício o lema “Fora da caridade não há salvação”, a Doutrina Espírita restaura a moral cristã em sua expressão mais pura. Não existem mais dogmas, rituais, cerimônias, sacerdócio, imagens, ou qualquer ação que evidencie a pratica do culto exterior e do formalismo institucional. Verificamos na questão 886 de O Livro dos Espíritos qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como entendia o próprio Jesus: “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas”.
Assim, a caridade não se limita ao plano da assistência social, como alguns falsamente interpretam. Os dogmas abafaram essa grande máxima do Cristianismo nascente. Os cristãos foram abandonando a essência do Evangelho, trocando-o pelo culto exterior que nada exige do homem, exceto a hipocrisia dos fariseus.
Entre os protestantes e católicos há o predomínio da teologia paulina da justificação pela fé. Afirmam que, segundo as palavras de Paulo de Tarso, a “salvação” viria pela fé e não pelas obras. Em síntese, afirma o apóstolo dos Gentios: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2:8-9).
Segundo os estudiosos, o irmão de Jesus, Tiago, foi o verdadeiro coordenador do Cristianismo nascente, sendo a sua epístola uma verdadeira contestação para com a doutrina da justificação pela fé supostamente ensinada pelo apóstolo dos Gentios.
Observe-se:
“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras.
“(...) Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé. E de igual modo Raabe, a meretriz, não foi também justificada pelas obras, quando recolheu os emissários, e os despediu por outro caminho? Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tiago 2:14-26).
A Sociedade Bíblica do Brasil comenta a epístola de Tiago da seguinte forma, in verbis:
“Ele põe acima de tudo a necessidade de não somente crer como também agir. Não adianta nada alguém dizer que tem fé se não provar por meio das suas ações que sua fé é viva e verdadeira (...). A verdadeira fé cristã se manifesta em ações cristãs.”(1)
Defende Hermínio C. Miranda(2) que o apóstolo Paulo “não prega a fé sem obras, como entendem muitos de seus intérpretes até hoje; ele não faz outra coisa senão ensinar que a fé, a nova concepção do relacionamento do homem com Deus, dispensa a ritualista da lei antiga, consubstanciada no velho testamento e na tradição” e que “jamais encontrou apoio no pensamento de Paulo de que a fé passiva e sem obras levar-nos-ia à salvação”.
Por sua vez, Severino Celestino aduz que o que “não podemos esquecer é que Paulo não é Jesus. Sua mensagem foi dirigida aos Gentios ou pagãos e ele facilitou muita coisa para conquistar aqueles a que dirigiu sua mensagem, em nome de Jesus”.(3)
Tal pensamento faz sentido. Recordemo-nos do capítulo 13 da primeira epístola de Paulo aos Coríntios, considerada um verdadeiro hino à caridade. Outras passagens também evidenciam que Paulo não pregava a fé sem as obras: 2 Coríntios 5:10; 2 Timóteo 4:14; 1 Coríntios 3:8; entre outras.
De fato, em diversos momentos o convertido de Damasco fala das obras da lei (Romanos 3:20; Romanos 3:28; Gálatas 2:16; Gálatas 3:1; Gálatas 3:2 etc.).
Diante da nova doutrina do Cristo, de nada mais servem os velhos e desgastados preceitos da lei antiga, que continha nada menos que 613 regrinhas, cuja observância era imprescindível àqueles que desejassem estar bem com Deus, isto é, sentirem-se virtuosos diante dele.(4)
Pode-se afirmar que Paulo era contra os rigores da lei (obras da lei), coisa completamente distinta das obras cristãs.
Todavia, independente da real intenção de Paulo de Tarso, a igreja fundamenta o dogma do salvacionismo gratuito em suas epístolas, donde podemos concluir que há mais paulinos do que verdadeiramente cristãos dentro dos templos de pedra.
A vida de Paulo é fascinante, uma verdadeira história de lutas e sacrifícios pela fé em Cristo. Suas epístolas são de valor inestimável. Entretanto, “embora nos mereçam grande respeito as epístolas de Paulo, assim como o Atos dos apóstolos, escrito por Lucas, seu discípulo, fixemo-nos totalmente no Evangelho de Jesus, adotando as lições do tarsense que não conflitem com a doutrina de amor, de misericórdia e de perdão”.(5)
Nas palavras de Jesus a teologia do salvacionismo gratuito jamais encontrou respaldo. Ele coloca como regra áurea a lei do amor (Mateus 22: 36-39). A síntese do Evangelho está toda contida no Sermão da Montanha, pois nele encontramos toda a pureza de uma verdadeira moral universal. A exortação é sempre em prol da benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros e o perdão das ofensas. Para Huberto Rohden, o Sermão da Montanha é a alma do Evangelho. O que também levou Gandhi a dizer que se por acaso se perdessem todos os livros sagrados do mundo e restasse apenas o Sermão da Montanha, nada estaria perdido.
Numa de suas belíssimas parábolas, com conteúdo extremamente significativo, “Jesus coloca o samaritano, considerado herético, mas que pratica o amor do próximo, acima do ortodoxo que falta com a caridade. Não considera, portanto, a caridade apenas como uma das condições para a salvação, mas como a condição única. Se outras houvesse a serem preenchidas, ele as teria declinado. Desde que coloca a caridade em primeiro lugar, é que ela implicitamente abrange todas as outras: a humildade, a brandura, a benevolência, a indulgência, a justiça etc.” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap.15, item 3).
Portanto, não nos esqueçamos, jamais, que o salvacionismo gratuito não existe e que Deus dará sempre “a cada um segundo as suas obras” (Mateus 16:27).

1. Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e atualizada no Brasil. 2.ed. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil. P. 1224.
2. MIRANDA, Hermínio C. As marcas do Cristo - Paulo, o apóstolo dos Gentios. FEB. 2010. P. 281 e 286.
3. CELESTINO, Severino. O Evangelho e o Cristianismo primitivo. Ideia. 2010. P. 136
4. MIRANDA, Hermínio C. As marcas do Cristo - Paulo, o apóstolo dos Gentios. FEB. 2010. P. 281.
5. FRANCO, Divaldo; TEIXEIRA, Raul. Os Evangelhos e o Espiritismo. Alvorada. 2010. P. 38.

http://www.oclarim.org/site/


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