a partir de maio 2011

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A Sociedade Mítico-Religiosa

Contrariamente aos restantes animais, que apenas possuem um território, o homem vive aberto a um cosmos ilimitado, ecumenicamente organizado em sociedade, modo natural da convivência humana. Esta necessidade de viver em sociedade, prende-se com a fragilidade física do ser humano, frente aos animais que com ele coabitam o espaço terrestre, assim como para melhor poder enfrentar os fenómenos da natureza, que por vezes lhe são adversos.
Na pluralidade de formas da sociedade humana, no que respeita à vida social de cada indivíduo, correspondem vínculos sociais que têm a sua origem numa convivência direta, desde logo se destacando a família, integrada numa comunidade, a sociedade religiosa ou Igreja, a sociedade política ou Estado.
Começa, então, por haver uma ligação homem-mundo, que é uma relação constitutiva, porque o homem deve viver em contacto com o mundo, transformá-lo e humanizá-lo. O mundo sem o homem seria impensável, careceria de sentido, seria fechado em si mesmo, sem história, por isso, nesta relação, o primado vai para o homem, cujo sentido de vida não se esgota nesta relação com o mundo o qual, por sua vez, está perante o homem como realidade independente dele, possuindo um dinamismo formante.
Não se esgotando o sentido da vida do homem, na relação que tem com o mundo, a comunidade, na sua razão de ser, impõe aos seus membros certos deveres de colaboração na obra de todos, ou de abstenção de atos prejudiciais ao Bem-comum e, portanto, qualquer grupo social, consciente da sua existência como tal, tenderá a preservar, a aperfeiçoar e progredir em ordem à melhor estabilidade, desenvolvimento sócio-económico e político-cultural, procurando garantir a própria existência e atingir, eficazmente, os seus fins.
Tanto quanto permite a capacidade intelectiva de recordar no tempo, julga-se saber que o mito teria sido a primeira manifestação racional do homem, e que através desta mentalidade mítico-simbólica, o ser humano procurava uma explicação para tudo o que o rodeava, inclusive para a sua origem.
O homem vivia ligado aos deuses, e não era então possível cortar o cordão umbilical desta união e fazê-lo regressar à mãe natureza, e desta partir para a autocrítica desmitologizadora. O seu lugar era um ponto demiúrgico, a sua mentalidade fechada, redutora da realidade concreta, amedrontada pela omnipotência divina.
A realidade era o mito e fora deste esquema mental nada tinha significado nem justificação. Assim: «… o mito para o homem da mítica não é o mito mas a própria verdade pois ele está ligado ao conhecimento inicial que ele tem de si mesmo e do seu ambiente, é uma estrutura deste conhecimento.» (GUSDORF, s.d.:11). Fora do mito não existem, nessa época, outras verdades.
O mito foi tão necessário no tempo primordial como imprescindível se torna hoje a religião e, tal como esta, também o seu complexo estrutural se compunha de partes importantes, e decorria em tempos diferentes e distintos: «O tempo sagrado no qual se inscreviam as festas periódicas e que pela sua própria natureza era reversível, indefinidamente recuperável, repetível, tempo circular que o homem integra periodicamente pela linguagem dos ritos e dos símbolos; o tempo profano no qual decorrem os actos privados da sujeição religiosa, irreversível e suscetível de paragem pela inserção por meio dos ritos, é um tempo histórico.» (Cf. ELÍADE, s.d. 81-85). Pode-se inferir que o pensamento originário se compõe do mito, do rito e da magia.
Evidentemente que o mito é tanto mais profundo, quanto mais forte é o símbolo que o significa. Os símbolos são condição da nossa pertença ao mundo, à linguagem simbólica, como uma certa ingenuidade primeira, a partir da qual se parte para a explicação, desta para a ontologia e para a inserção no mundo. A mentalização e meditação sobre os símbolos sobrevêm a uma certa movimentação da reflexão, responde a uma certa situação da Filosofia e talvez da cultura moderna.
Sabe-se que é extenuante a fuga atrás do pensamento, em busca da primeira verdade e, fundamentalmente, da procura de um ponto de partida radical. Uma meditação sobre os símbolos, parte de uma linguagem plena e do sentido desde sempre lá. «Os símbolos míticos são muito mais articulados, comportam a dimensão da narração com as personagens, dos lugares e dos tempos fabulosos e recontam o Começo e o Fim desta experiência.» (Cf. RICOEUR, s.d. 283-284).
Estes símbolos míticos distinguem-se dos símbolos primários, que constituem a linguagem elementar, que mostram claramente a estrutura intencional do símbolo, porque: «O símbolo é um signo, que como todo o signo visa para lá de qualquer coisa e quer por isso qualquer coisa. Mas nem todo o signo é símbolo; o símbolo encobre na sua mira uma intencionalidade dupla: (…) supõe o triunfo do signo convencional sobre o signo natural, constituindo a nódoa, o desvio; sobre esta intencionalidade primeira edifica-se uma segunda que através da nódoa material, da experiência da carga, visa uma certa situação do homem no sagrado.» (Cf. Ibid).
O sagrado é um fenómeno central da religião, qualquer que ela seja, uma categoria nuclear, objetivação primeira da vivência religiosa, da relação ao absoluto e tudo o que é sagrado fica separado do não-divino, do profano, por isso o homem sempre teve a religião como uma necessidade suprema, através da qual se liga a Deus e com Ele procura resolver diversas situações: sejam de natureza espiritual; sejam no contexto material, da vida concreta no mundo.
Obviamente que a origem da religião pode ser abordada sobre diversos prismas, fundamentos ou interpretações: desde a naturalista redutora, em termos antropomórficos, psicológicos e sociológicos, que é muito antiga; até uma outra mais recente, que põe em evidência o tempo, como sendo um fator essencial da racionalidade humana, porque é pela consciência do tempo que a humanidade se vai apetrechando, na luta pela existência.
Qualquer teoria sobre a origem da religião: seja a posição racionalista; seja a posição positivista; o evolucionismo materialista; a protestante liberal, etc., terá sempre de ser testada pelos testemunhos mais antigos, isto é: terá de ser confirmada pela tradição e pela arqueologia.
Poder-se-ia dizer que a religião se opõe à anarquia da magia, por uma atitude de dependência, que consiste num ato intencional, na medida em que pressupõe sempre uma certa conceção do seu objeto. No fenómeno da religião está sempre em jogo a conexão entre o homem e uma realidade superior ao mesmo, que escapa ao controle da vontade humana e a todas as forças da natureza, como igualmente está inacessível à ciência e à técnica.
A atitude mágica procura assenhorear-se do sagrado para usar o seu poder; pelo contrário, a religião admite a atração respeitosa pelo sagrado, sem nunca o manipular, aceitando a dependência.
A Igreja e os pensadores cristãos sempre consideraram a dimensão religiosa como conatural e essencial ao homem, vendo em todas as religiões, sobretudo nas menos deturpadas moralmente, uma revelação implícita de Deus e, não obstante o secularismo, existem sinais de retorno ao sagrado, há como que uma nova fome e sede de transcendência e do divino, por isso se deve abrir o caminho para a dimensão religiosa, do divino ou do místico e oferecer aos homens deste tempo, os preâmbulos da Fé, porque o homem é problema para si mesmo e só Deus pode dar-lhe a plena e última resposta, aliás, segundo uma certa mentalidade da cultura ocidental.
Esta componente da sociedade é extremamente importante e complexa, para ser ignorada numa reflexão sobre Violência e Autoridade, na medida em que o ser religioso é parte fundante do homem. 

Bibliografia

ELIADE, Mircea, (s.d.). O Sagrado e o Profano: A Essência das Religiões”, Trad. Rogério Fernandes, Lisboa: Edição Livros do Brasil.
GUSDORF, Georges, (s.d.). Mythe et MetaphisiqueParis: Flamarion
RICOEUR, Paul, (S.d.). Hermeneutique et Critique dês Ideologies – L’Ideologie et l’Utopie, s.l., s. Ed. 

Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo

Portugal: http://www.caminha2000.com  (Link’s Cidadania e Tribuna)

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