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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

PARAPSICOLOGIA E INTERPRETAÇÕES PESSOAIS

José Herculano Pires
(Secretário-geral do Instituto Paulista de Parapsicologia)
Artigo extraído do Anuário Espírita de 1965
Instituto de Difusão Espírita Brasil – IDE
Araras – SP – Brasil

O problema das interpretações pessoais é comum a todas as atividades humanas. Por interpretações pessoais compreendem-se as deduções que certas pessoas tiram dos fatos e das experiências, à revelia do consenso geral. Em ciência, essa deplorável ocorrência produz confusões que, muitas vezes, retardam o avanço científico. No espiritismo, sabemos quanto essas interpretações tem desfigurado a doutrina no processo de sua divulgação. Kardec firmou, para prevenir os seus prejuízos, o princípio do consenso universal, como regra básica do desenvolvimento doutrinário. Na Parapsicologia vem se verificando o mesmo que acontece no Espiritismo. As de interesses sectários. Os principais responsáveis por essas interpretações tem sido o materialismo e o sectarismo religioso.
 
Um exemplo, que já se pode considerar clássico, é o de Robert Amadou. O conhecido parapsicólogo francês, ex-diretor da “Revue Métapsychique”, de Paris, publicou uma das obras mais importantes no campo da divulgação parapsicológica. Seu livro, intitulado “La Parapsychologie”, essai historique et critique”, foi traduzido para o castelhano e publicado na Argentina pela Editorial Paidós, de Buenos Aires, com o mesmo título:  “La Parapsicologia, historia e crítica”. Os tradutores argentinos, Lia G. Ratto e Carlos  A. Duval, suprimiram a palavra “essai”,  e fizeram bem, porque na verdade não se trata de um ensaio, mas de uma exposição do problema parapsicológico, em largos traços, com alguns condimentos de crítica.
 
O que caracteriza o livro de Amadou é, portanto, o seu objetivo de informar e divulgar a Parapsicologia. Mas, ao lado desse procedimento, verificamos também o interesse de dar à nova ciência uma interpretação pessoal, contrariando principalmente a escola de Rhine, em favor de posições nitidamente sectárias. Sua conclusão é clara:  “os fenômenos parapsicológicos pertencem ao mundo fenomênico ao corpo e a psique do homem”, escreve ele nas conclusões. Com isto, pretende negar às funções psi a sua natureza espiritual, sustentada por Rhine e sua escola. O objetivo dessa negação se torna transparente nesta explicação do próprio texto: “Segundo a terminologia hindu, esses fenômenos pertencem à categoria do mental, e segundo a terminologia escolástica, à categoria da sensibilidade ou do intelectus. Não tem o caracter transcendente do átma vedanta ou da mens tomista”.
 
Com esse golpe interpretativo, a Parapsicologia deixa de ser uma esperança de superação do materialismo científico. Aquilo que o professor Joseph Banks Rhine considera como a primeira incursão da ciência no plano do extrafísico, fica novamente reduzido a um esforço terra à terra dos cientistas, no campo da psicologia fisiológica. Amadou devolve a investigação parapsicológica do pavlovismo. Ou pelo menos ao mesmo plano de interpretação psíquica da escola russa dos reflexos e da escola norte americana, derivada da russa, que reduziu a psicologia ao estudo da conduta do animal e do homem no meio físico. E tudo isso porque? Apenas para salvar os mistérios teológicos da explicação científica inevitável. A posição de Amadou e católica e tomista.  A Parapsicologia o ameaça, e ele pretende transformá-la numa arma científica antiespírita.
 
SITUAÇÃO NO BRASIL
 
A situação da nova ciência no Brasil é a mesma que ressalta do livro de Amadou, mas naturalmente piorada. Os teóricos da Parapsicologia antiespírita, em nosso país, não possuem a cultura e a perspectiva intelectual de Amadou. Tomam, assim, posições menos teóricas do que práticas, e investem contra o Espiritismo através de publicações e organizações de pesquisas que são, de maneira evidente antiparapsicológicas. Um instituto de parapsicologia fundado no Rio, por exemplo, tendo à frente clérigos bastante conhecidos por seu antiespiritismo sistemático, apega-se ao hipnotismo e à técnica letárgica, arvorando a ambos – que pertencem ao campo bem conhecido da psicologia, - em pretensas zonas da área de investigação parapsicológicas. E assim fazendo, oferece ao público brasileiro, para combater o Espiritismo, uma visão deformada da Parapsicologia e do desenvolvimento de suas investigações.
 
Neste ano que está findando, de 1964, tivemos a realização de um Curso de Parapsicologia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santos, instituto da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O curso foi ministrado pelo professor Cesário Morey Hossri, que anteriormente lecionava no instituto congênere de Campinas. O resumo das aulas, feito pelo próprio lente, e publicado pelo “Diário de São Paulo”, revela o mesmo interesse de transformar a Parapsicologia em arma de combate ao Espiritismo. Para tanto, o professor Hossri não se apoia na interpretação pessoal de Amadou, mas na sua própria, que é muito mais curiosa e muito menos filosófica. O professor Hossri é mais prático, e portanto menos teórico do que o notável parapsicólogo francês. E pretende demonstrar, através de pesquisas, - que ele mesmo teria realizado,  - que as funções psi se reduzem a uma questão de manuseio!
 
O professor Hossri é o co-autor, com o médico Rui Mello, de Campinas, de uma série de artigos publicados em nossa imprensa diária, com grande estardalhaço, sobre o caso Arigó, interpretando o médium, “cientificamente”, como simples charlatão. Tivemos ocasião de refutar essa série, mostrando a sua irremediável fragilidade e sua natureza pseudocientífica, através de outra série de artigos e reportagens publicadas nos “Diários Associados”, de São Paulo e posteriormente incluídos no livro de nossa autoria, “Arigó, um caso de fenomenologia paranormal”,  lançado pela Livraria Francisco Alves. A mesma precipitação, a mesma falta de observação e de pesquisa, de isenção de ânimo e de fidelidade às normas científicas, que caracterizaram a aludida série de artigos do professor Hossri e do médico Rui Mello, caracterizam o seu curso sobre Parapsicologia.
 
Dos três Institutos de Parapsicologia existentes no Brasil: o Brasileiro, o do Rio de Janeiro e o Paulista, apenas este último se mantém completamente desligado de tendências religiosas, e consequentemente dentro de rigorosa orientação científica. Quanto ao primeiro, já nos referimos acima. O  segundo não tem uma posição antiespírita, pelo menos definida, como o outro, mas sua orientação, pelo pouco de que se tem notícia, é protestante. O Instituto Paulista de Parapsicologia tem alguns espíritas na sua diretoria e no seu quadro associativo, mas seus estatutos, e sua orientação, firmada numa declaração de princípios e confirmada pela suas atividades, são rigorosamente científicos. Aliás, os espíritas não têm nenhum interesse na desfiguração científica, pois a simples pesquisa dos fenômenos paranormais é de interesse imediato do Espiritismo, que não se constituiu em religião organizada e se conserva como movimento doutrinário livre, com uma filosofia, como acentuava Kardec: “Livre dos prejuízos do espírito de sistema”.  Os principais cargos da diretoria do IPP são ocupados por professores não espíritas: o psiquiatra e lente da Universidade de São Paulo, professor Anibal Silveira; o psiquiatra Alberto Lira, e o sociólogo, também da USP, professor Cândido Procópio Ferreira de Camargo, respectivamente como presidente, primeiro e segundo vice presidente.
 
As atividades do IPP foram ainda poucas, neste ano que passou, mas serão intensificadas no correr do novo ano. Os trabalhos de organização do Instituto não permitiram maior margem para as atividades científicas, e mesmo para as de divulgação. Apesar disso, foram constituídos os Departamentos Teórico e Prático, realizadas reuniões mensais de palestras na sede da União Brasileira de Escritores, e organizado um curso de parapsicologia. O primeiro vice presidente, Dr. Alberto Lira, deu também um curso geral da matéria no clube dos Jornalistas Espíritas, em prosseguimento ao curso de Introdução do ano anterior. Todos esses cursos, e as palestras pronunciadas, confirmaram a orientação científica do Instituto. Quanto às pesquisas, somente neste novo ano será possível o início das mesmas.
 
A TEORIA DO AMBIDESTRISMO
 
A teoria do prof. Cesário Morey Hossri constitui a “novidade parapsicológica” do ano. Infelizmente, uma novidade inconsistente, que parece feita a propósito para servir à campanha antiespírita. Na verdade, não se trata propriamente de uma teoria, mas de uma simples hipótese. Não obstante esse caráter precário, não foi ela apresentada a nenhum dos Institutos, mas formulada através de aulas de um curso regular de Parapsicologia, dada numa Faculdade de Filosofia, como vimos acima. Nada mais impróprio, pois um curso da matéria não deve exorbitar daquilo que realmente a constitui. Uma hipótese eventual e pessoal não pode ser incluída num programa de curso regular. Mas o foi, de maneira que o curso ofereceu aos inscritos, ao lado de algumas informações legítimas sobre Parapsicologia, outras tantas aulas de informação duvidosa.
 
O prof. Hossri afirma, pura e simplesmente, como podemos ver pelo resumo publicado de sua 12ª. Aula, que a principal característica da personalidade paranormal é o ambidestrismo. O indivíduo que possui igual destreza nas duas mãos é o que ele chama de “canhoto corrigido”. Pois bem, esse individuo é também o que ele chama de “personalidade paranormal”. Um trecho do seu resumo da aula citada é significativo. Diz o prof. Hossri: “Aproximadamente dez por cento dos indivíduos nascem canhotos, e, devido à aversão do meio social contra o canhotismo, cerca de noventa por cento são corrigidos; supomos que esta agressão à personalidade ocasiona uma “defasagem” nas conexões nervosas dos hemisférios cerebrais direito e esquerdo, vindo isto a provocar, posteriormente, o aparecimento do fenômeno alucinatório de “ver” e “ouvir” fantasmas (alucinações visuais ou auditivas, ou ambas ao mesmo tempo)”.
 
Não se precisaria de mais nada para compreender o absurdo da teoria ambidestra do prof. Hossri. Os médiuns canhotos, que são numerosos, constituem, logo de entrada, a sua primeira pedra de tropeço. Além disso, asuposição do ilustre professor (veja-se, no seu próprio texto, que se trata apenas de suposição) de que a correção forçada do canhoto perturbaria a conexão dos hemisférios cerebrais, provocando a mediunidade de vidência e audiência, é uma temeridade científica. Mas Hosrri vai ainda mais longe, chegando a afirmar que, sob hipnose, alguns desses “canhotos corrigidos” chegam a produzir fenômenos do tipo “psikapa”, ou seja, de efeitos físicos, o que mostra que para esse ilustre professor o céu é o limite do critério científico.
 
Por outro lado, devemos acentuar que o prof. Hossri volta às antigas hipóteses da captação mediúnica no subconsciente alheio, esquecido de que a atual concepção parapsicológica de telepatia superou há muito a antiga “explicação” de transmissão e recepção telepática, segundo os modelos telegráficos e radiofônicos. Fazendo uma tremenda baralhada de suas opiniões com as do jesuíta O. G. Quevedo, conclui o prof. Hossri que as comunicações mediúnicas nada mais seriam do que simples captações telepáticas. Um doloroso exemplo, portanto, da maneira por que a Parapsicologia vem sendo tratada entre nós, em plano universitário. Mas nem por isso devemos ser pessimistas. No ano novo em que entramos, podemos esperar uma intensificação das atividades parapsicológicas entre nós, de maneira que problemas tão sérios deverão ser colocados em melhor posição. Em vez de reduzir as funções psi a uma questão de manuseio, e de considerar o canhoto como a fonte risível do paranormal, os pesquisadores brasileiros hão de compreender, como o compreendem os norte-americanos e europeus, que a percepção extrassensorial e a ação da mente sobre a matéria nada têm a ver com a destreza manual.
 
Tudo isso demonstra que, entre nós, o que mais falta é a leitura e o estudo das obras fundamentais da Metapsíquica. O próprio Rhine, fundador da Parapsicologia moderna, não desprezou aquele acervo, bem com o das pesquisas espíritas. Antes de formular hipóteses sem sentido sobre as comunicações mediúnicas, nossos noviços da Parapsicologia devam conhecer as hipóteses antigas e a maneira por que foram refutadas. Bastaria, por exemplo, ao prof. Hossri, uma boa e atenta leitura da obra de Ernesto Bozzano,“Animismo ou Espiritismo”, para ver que a sua teoria do ambidestro conta com antecedentes menos grosseiros, muito mais bem formulados, e não obstante inteira e irremediavelmente refutados pelo grande metapsiquista italiano.
 
Nem a “defasagem” dos hemisférios cerebrais, nem a captação telepática, nem qualquer outra suposição dessa natureza, podem jamais explicar os casos extraordinários de identificação espirítica que o prof. Hossri desconhece. Por outro lado, como afirma Bozzano, se a mente humana pode superar o condicionamento material, não é isso suficiente para mostrar a realidade extrafísica do homem? São pequenos problemas em que os nossos grandes parapsicólogos ainda não pensaram, mas que já foram pensados e meditados pelos antigos metapsiquista e pelos espiritistas. Sim, pois os que admitem a sobrevivência, e entre eles o próprio Rhine, Harry Price e Carrignton, também sabe pensar e podem formular hipóteses!
 
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Marcelo Henrique Pereira
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