a partir de maio 2011

terça-feira, 15 de outubro de 2013

ESPIRITISMO, O GRANDE DESCONHECIDO (DOS ESPÍRITAS)

Marcelo Henrique Pereira (*)
 
Herculano Pires foi, sem sombra de dúvida, o maior pensador espírita brasileiro e um dos maiores de todos os tempos neste mundo. Deixou mais de oitenta obras, perpassando diversas nuances da Filosofia Espírita, com maestria e extrema competência. Seu pensamento chega até nós num momento importante da trajetória do Espiritismo o qual, na visão de Kardec, se prepara para enfim superar o período religioso (depois de cumprir as etapas anteriores, o da curiosidade, o filosófico e o de lutas), ingressando no intermediário que levará ao de regeneração social, conforme bem detalhado na Revue Spirite de dezembro de 1863.
 
Em uma de suas mais oportunas obras, “Curso Dinâmico de Espiritismo: O grande desconhecido”, Herculano faz severas advertências aos espíritas (do seu tempo, até 1979, ano de seu desencarne, e dos futuros, alcançando nossa época), alertando-nos quanto ao modo de entender, praticar e divulgar a Doutrina dos Espíritos. Várias de suas observações e advertências – senão todas – conservam a perenidade da permanência e devem ser referenciais para quem, dentro e fora das instituições espíritas, entende o Espiritismo como uma proposta humanista e progressista de vida adequada a todas as situações existenciais e destinada a construir uma nova atmosfera social para um planeta permanentemente em mutação.
 
Este texto é o resumo de conferência que realizamos, em setembro de 2013, na abertura da programação comemorativa do Centenário do Professor Herculano (1914 – 2014), o Filósofo de Avaré, que irá se estender até o final do ano de 2014, com atividade em inúmeras instituições espíritas do Estado de Santa Catarina e algumas outras em cidades brasileiras com as quais temos contato e vínculo. Em cada uma das atividades, estaremos trabalhando uma obra específica do saudoso professor, revisitando conceitos e aproximando sua cátedra à atual situação vivenciada pelo movimento espírita e sua necessária interface com o meio social.
 
Sem a pretensão ilusória de esgotar o tema e, tampouco, enquadrar toda a obra em comento, pinçamos alguns elementos que julgamos oportunos e atualíssimos, sobretudo para aqueles que veem o Espiritismo como um conjunto de procedimentos perfeitamente direcionados à vida neste orbe, muito mais do que uma simples e limitada modalidade de religião, na constante busca de tornar os ensinamentos espíritas matéria de conhecimento comum na Sociedade porque entendem que o maior papel dos espíritas não é o de fazer prosélitos nem ensinar (ou debater, ainda que com restrições impostas pelas lideranças) espiritismo nos Centros Espíritas, mas atuar nas frentes sociais para alcançar um quantitativo de consciências e corações que já se encontrem despertos para novas verdades.
 
Refletindo com Herculano, podemos ver que o Espiritismo é mesmo o GRANDE DESCONHECIDO. Desconhecido fora das instituições espíritas ou do próprio movimento espírita e, também, pasmem, desconhecido dentro de tais ambiências. Isto porque há muitos, dentro e fora, que falam de Espiritismo, sem conhecê-lo em profundidade. Na cátedra do Professor, “O Espiritismo [...] é hoje o Grande Desconhecido dos que o aprovam e o louvam e dos que o atacam e criticam” (p. 1 da obra em comento), apresentando o cenário de que, estando DENTRO, os adeptos acabam sendo cegos, dogmáticos e proselitistas e, FORA, vociferam como inimigos e detratores da Filosofia Espiritista.
 
Vamos enfocar, primeiramente, os que estão FORA das instituições espíritas.
 
Aqueles que combatem por combater, pelo medo do novo e do desconhecido. Saliente-se que tudo que é novo e que nos retira da chamada “zona de conforto” é visto, a princípio, como algo a ser temido, repelido e evitado. Assim é que muitas pessoas que já têm suas formas consolidadas de pensar e encarar a vida, diante de explicações espíritas adotam a repulsa e o desmerecimento de tais ideias.
 
Ao lado desses, existem os que desqualificam o Espiritismo e seus princípios e interpretações justamente por não quererem “dividir rebanhos”, já que ocupam posição de liderança em seitas e religiões, as quais adotam verdades distintas das contidas na Filosofia Espiritista, tornando-se muito mais conveniente combater e desqualificar para que seus adeptos, fiéis e seguidores sequer se aproximem dos livros, das pessoas e das instituições espíritas com receio de que elas, passando a conhecer outras explicações para os fatos da vida, possam deixar igrejas e templos, passando a frequentar os centros.
 
Há os que, de outro lado, associam o Espiritismo aos chamados cultos afro-brasileiros, em especial a Umbanda e o Candomblé, afirmando que na Doutrina Espírita há os rituais, objetos e práticas destes, fazendo uma confusão (acidental ou proposital) entre o Espiritismo e estas doutrinas ou seitas. É muito comum, assim, ouvir-se dizer que nos centros temos batuques, oferendas, sacrifícios de animais e a sempre temida evocação de espíritos, inclusive para “fazer mal” ou obter, deles, vantagens pessoais, no amor, no trabalho e em busca de riquezas materiais. A ignorância generalizada, assim, não permite divisar a correta distinção entre a religiosidade existente naquelas manifestações e a presente nas comunidades espíritas e muitos deles, inclusive, se recusam a comparecer em sessões e atividades espiritistas para ver, com os próprios olhos, as diferenças, por “não dar o braço a torcer”.
 
Também são encontrados os que generalizam determinadas ações negativas ou até criminosas praticadas por dados indivíduos – entre os quais alguns que se dizem médiuns ou se encontram ligados ao Espiritismo – como sendo prática “comum” da Doutrina Espírita e utilizam esses infelizes exemplos para classificar ou qualificar os espíritas de modo generalizado. Vale dizer que o “ser espírita” não é credencial que coloca a criatura em posição superior aos demais habitantes deste orbe, justamente porque o que mais importa é a forma de proceder, independente de credo, fé, religião, filosofia ou adjetivação, em relação aos atos corriqueiros da vida. De outra sorte, existem muitas pessoas que “entram no Espiritismo”, participando de atividades e assumindo posições de referência nas instituições, mas o Espiritismo, infelizmente, ainda “não entrou” dentro delas, na forma de renovação de atitudes e melhoramento de condutas – a vivência plena espírita.
 
E o que dizer, ainda, dos céticos que não valorizam nada que tenha vindo de origem metafísica, afirmando que tudo é ilusório e que a religião é o ópio do povo, no sentido de não haver explicações razoáveis e racionais para as manifestações de cunho religioso ou para a fenomenologia transcendental. O ceticismo em si afasta qualquer perspectiva de exame das diversas situações em que eclode a mediunidade, porque o ser já é prevento e preconceituoso (no sentido de não admitir contestação às suas ideias solidificadas e não avaliar outras circunstâncias que não as que já são, por si mesmo, reconhecidas como válidas e inafastáveis).
 
Tem-se outros, os ateus que, por dizerem não acreditar em Deus, creditam tudo ao acaso, no antevir e no porvir, e sequer analisam racionalmente qualquer informação que tenha como origem o Plano Espiritual permanecendo fechados a qualquer perspectiva de conversação sob parâmetros espirituais, a partir da negativa de pronto e absoluta de tudo o que seja “espiritual”.
 
Todos esses, de algum modo, combatem o Espiritismo e os espíritas e muitos deles, infelizmente, adotam comportamentos violentos e ofensivos em relação à doutrina e seus adeptos ou expoentes, os quais são totalmente disformes e inadequados para o presente século, que deveria ser o da pluralidade, alteridade e respeito interpessoal quanto às diferenças de pensar e de ser, no vasto e multifacetado tecido social planetário.
 
Em nosso entendimento, apesar de situações pontuais aqui ou ali em que, inclusive, se torna necessária a intervenção judicial para salvaguardar a liberdade de convicção e de expressão e, em muitos casos, conforme a conceituação majoritária das instituições espiritistas como entidades religiosas, a liberdade religiosa, ou para reparar prejuízos (notadamente em sede de danos morais), cumpre dizer que estes não são os principais “opositores” ou “inimigos” do Espiritismo.
 
O maior problema é quanto os que estão DENTRO do próprio movimento espírita e desconhecem o que seja o ESPIRITISMO. São os que falam do Espiritismo por “ouvir dizer”. É o conhecido “Espiritismo de senso comum”, quando se adotam comportamentos e atitudes e se repetem declarações que nada tem a ver com a doutrina lógico-racional concebida pelo Professor Rivail. Diz-se, assim, que o Espiritismo em muitos casos e cenários se afigura completamente dissociado das orientações e das sugestões de Kardec (com substrato nas informações recebidas dos Espíritos Superiores por meio de variados médiuns), preferindo-se a adoção de ritos e posturas de uma verdadeira seita cristã com alto grau de organização e estrutura religiosa, quando Kardec foi peremptoriamente claro no sentido de que os Espíritos não vieram (e nem ele) fundar uma nova religião, assim como seria muito natural que seus adeptos conservassem suas crenças tradicionais e se interessassem pelos fundamentos espiritistas, sem a necessidade do abandono de suas práticas religiosas costumeiras.
 
Do contrário, principalmente no Brasil, a forte influência da porção majoritária católica, assim como as raízes de seitas afro-indígenas e suas manifestações gerou um substrato social altamente interessado em uma nova religião com bases cristãs, tendente, inclusive, a reformar o Catolicismo e o Protestantismo (o qual, por sua vez já historicamente concebido como movimento reformista cristão) para promover o resgate dos ensinamentos e práticas da “Casa do Caminho”, nome que se dá aos primeiros agrupamentos derivados das ideias de Jesus, disseminados por apóstolos e seguidores das ideias daquele Rabi.
 
Estes espíritas DESCONHECEDORES do Espiritismo podem ser agrupados em vários grupos:
 
Os que falam (até muito e insistentemente) apenas sobre a “pequena parte” que leram, o que lhes transforma em “papagaios de tribuna” porque repetem (quase sempre) as mesmas coisas e porque decoram itens de “O livro dos espíritos”, passagens de “O evangelho segundo o espiritismo” e, até, versículos bíblicos (seja os reproduzidos nas obras de Kardec seja outros que lhes sejam “apropriados” para a fala nas tribunas ou para as conversações em grupos de estudo). Assemelham-se ao conceito doutrinário de espíritos pseudossábios (vide o item 104 da obra inaugural de Kardec), já que em muitas situações apresentam-se com expressões de conhecimentos “bastante amplos, mas julgam saber mais do que realmente sabem”.
 
Os que insistem em dizer que é “muito difícil” ser espírita e que são apenas “aprendizes”, tendo em vista a chamada carga de responsabilidade que advém do conhecimento espírita e da dificuldade (maior ou menor) de empregar os conhecimentos espiritistas para a própria transformação moral e para o controle das más inclinações que todos possuímos. São os que adiam indefinidamente o início dos processos de transformação e despertamento, porque nunca se acham capazes de, conhecendo as Leis Espirituais, tentarem, a um passo por vez, colocá-los como regra usual de comportamento.
 
Aqueles que alegam que os textos de Kardec são de difícil entendimento(tanto pela linguagem utilizada quanto pela extensão do conteúdo) e “esquecem” das obras que ele escreveu, preferindo a leitura de obras “simplificadas” ou o colorido das “historinhas” contidas nos romances que proliferam dia a dia. Nada contra a literatura do gênero romântico, com seus cenários e personagens, mas temos verdadeiros especialistas em romances espíritas no movimento, ávidos por comprar e ler os novos lançamentos deste ou daquele autor, havendo os que já leram TODOS os livros deste ou daquele escritor-médium. E o que é muito pior, tomam os relatos dos romances como regra e realidade no Plano Espiritual, adotando tais informações como verídicas, sem qualquer exame crítico-lógico-racional.
 
Também há os que se entusiasmam e se empolgam com as “novidades”, informações novas ou “revelações” que aparecem por via de determinados médiuns e passam a considerar tais como incorporadas automaticamente ao edifício kardeciano, porque, afinal, este ou aquele médium é “confiável” e os espíritos continuam a nos dar informações de como é o “lado de lá”. Ou, então, são interessadíssimos em teorias que aparecem fora do Espiritismo e não se contentam enquanto não trazem as mesmas para o ambiente espiritista, passando a considerar que, como “o vento sopra onde quer”, devemos nós estar atentos para o que é produzido “fora” do movimento espírita para agregar estes conceitos à doutrina. Não se tratam, todavia, de “revelações” mediúnicas nem de pesquisas sérias, científicas, com embasamento e comprovação, mas meras teorias, egressas da criatividade que é comum aos Espíritos e aos próprios homens, cuja adoção e aceitação pode significar e tem significado, em muitas situações, verdadeiras agressões aos princípios e à metodologia espírita. Os prejuízos são vários e em elevado montante, muitas das vezes. Ressalve-se que não estamos dizendo que a obra espiritista deve ser limitada ao conjunto de informações apresentadas por Kardec, tendo em vista que ele, prudente e oportunamente, prescreveu a necessidade da continuidade dos estudos, das comunicações (e da seleção destas), o que poderia desembocar, inclusive, no estabelecimento de novos princípios ao corpo doutrinário.
 
Os que, curiosamente, deixam de estudar com mais afinco e assim se pronunciam, dizendo “já ter lido toda a Codificação”, com a ilusão de “já saberem tudo”, assumindo uma postura curiosa já que o conhecimento é infindo e a interpretação dos conceitos espíritas também é variável e progressiva em função do próprio desenvolvimento e maturação do ser espiritual em caminhada. Nunca se sabe tudo (o velho sábio grego já nos teria dito que nada sabia) e mesmo no contexto das obras de Kardec (todas e não somente as consideradas pelo movimento como “básicas”) há um repositório de informações que precisa ser constantemente lida, relida e estudada, com reflexões tanto para a vida pessoal, individual e coletiva, quanto na própria organização das instituições e do chamado “movimento espírita”. Herculano resgata, neste particular, a própria orientação do Codificador quanto à ordem “ideal” e sequencial do estudo das primeiras obras espíritas: 1º) “O que é o espiritismo”; 2º) “O livro dos espíritos”; 3º) “O livro dos médiuns”; e, 4º) A coleção completa da Revue Spirite. E, depois, os demais livros de Kardec. Quem segue ou seguiu esta orientação? Quem a informa aos neófitos que começam a frequentar as instituições?
 
As pessoas que adotam no Espiritismo as chamadas posturas tradicionais e milenares de idolatria, endeusamento e santificação de Espíritos e médiuns, irritando-se quando alguém que está estudando a doutrina interessadamente afirma que as informações contidas em dadas obras são “opinião pessoal” de dado espírito e que as mesmas não foram submetidas a um critério validador como o utilizado por Kardec, o chamado Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE) ou outro que lhe pudesse ser tomado como substituto. Olvidam o próprio ensinamento básico espírita sobre as mistificações, as pseudoverdades e a autenticidade da identidade dos espíritos comunicantes para preferir “aceitar” o que venha da “assinatura” de dados Espíritos ou da autoria mediúnica daqueles que “já são conhecidos” e “referendados” pelo movimento. Sobre o CUEE, assim se posiciona o Codificador: “Não será pela opinião de um homem que se produzirá a união, mas pela unanimidade da voz dos Espíritos. Não será um homem, e muito menos nós que qualquer outro, que fundará aortodoxia espírita. Nem será, tampouco, um Espírito, vindo impor-se a quem quer que seja. É a universalidade dos Espíritos, comunicando-se sobre toda a Terra, por ordem de Deus. Este é o caráter essencial da Doutrina Espírita, nisto está a sua força e a sua autoridade. Deus quis que a sua lei fosse assentada sobre uma base inabalável, e foi por isso que não a fez repousar sobre a cabeça frágil de um só” (“O Evangelho segundo o Espiritismo”, Autoridade da Doutrina Espírita, Controle Universal do Ensino dos Espíritos, nossas as marcações).
 
Os que criam rotinas e roteiros pessoais e os introduzem em atividades, grupos ou centros espíritas, como se fossem, tais, decorrentes das orientações de Kardec ou dos Espíritos Superiores, os quais são seguidos sem contestação pelos integrantes de dada associação e não são contestados, diante da autoridade (pretensa) dos dirigentes. Ou, até, quando contestam são ridicularizados, combatidos e expulsos ou afastados das atividades, tidos como obsidiados ou fascinados. Nada há que justifique a inserção de rituais ou práticas esdrúxulas, desprovidas de qualquer ligação com os princípios e orientações de ordem superior – vale dizer que Kardec já tratou da organização das instituições e dos trabalhos espíritas – as quais, em muitos casos, podem ser motivo de ridicularização e desqualificação da instituição ou de suas atividades, pela enxertia de modismos ou invencionices, nada racionais e preocupantes.
 
Um outro grupo preocupante é o formado pelos que se deixam dirigir pela opinião de Espíritos, como se estes fossem os legítimos coordenadores e dirigentes das atividades, transferindo responsabilidades (sem saber, efetivamente, para quem, já que não se adota qualquer aferição da autenticidade e legitimidade da comunicação psicofônica ou psicográfica). Também é delicado constatar que alguns dirigentes-médiuns assumem uma espécie de dupla personalidade anímica, apresentando-se ou dizendo-se “incorporados” para “dar lições de moral” ou repreender os participantes ou frequentadores das instituições e para manter os frequentadores e trabalhadores sob sua tutela e ordens.
 
Curioso segmento, muito atual nos dias hodiernos é aquele constituído dos que, versados em práticas não espíritas, de variados matizes, naturezas ou conformações, as trazem para dentro dos centros e as incorporam nas rotinas semanais da instituição. Nada temos contra as chamadas “terapias alternativas” ou “vivências de grupo”, muitas delas baseadas no empirismo ou na adoção de experimentos vivenciais, individuais ou grupais de dados ramos do conhecimento humano. Contudo, a simples absorção das mesmas pelas atividades espíritas pode representar perigoso “enxerto” que nada tem a ver com a teoria e a práxis espírita, porque não estão associadas aos princípios nem se ocupam com os temas de caráter espírita-espiritual. Nada impede que o interessado em se submeter a ditas terapias ou participar de dadas atividades, assim proceda em outros ambientes, mas é temerário incluir as mesmas nas rotinas de trabalho da instituição espírita, tanto pela dissociação de objetivos quanto pela possível vinculação na visão dos frequentadores comuns da casa, de que tais estejam “compreendidas” no rol das atividades ditas espíritas.
 
Assaz preocupante é o grupo formado por indivíduos que querem uma “explicação espírita” para tudo, no sentido de que cada situação da vida tenha ligação direta com atos pretéritos e que aquilo que vivenciamos hoje, em sua maioria, sejam resgates de outras vidas. O “senso comum espírita”, assim, adota para as situações difíceis do hoje uma vinculação “necessária” com situações do pretérito, a partir da discutível teoria de que o mal sofrido hoje é a reparação direta do mal infligido a outrem em vidas passadas, pagos “na mesma moeda”, como em rituais de “vingança” instrumentais do “planejamento encarnatório”. O cúmulo é tanto que se chega a afirmar em “ligações psíquicas ou mentais” entre vítima e algoz que, no hoje, trocam de lugar e se “acertam”.
 
E há muitos outros mais, que podem ser acrescidos aos tipos elencados neste ensaio... Basta observar ao derredor, nas instituições que você frequenta e eles irão aparecer, sozinhos ou mesclados aos destacados anteriormente. Tudo em função do pouco estudo e aprofundamento nas questões e temáticas espiritistas e da comodidade que é verificada nos comportamentos daqueles que “não querer criar discórdia”, “não desejam entrar em contendas” ou os que creem (!) que o ambiente de uma atividade espírita não deve ser espaço para discussões ou debates mais acalorados.
 
Herculano, portanto, na obra em comento, faz várias críticas pontuais aos espíritas de todos os tempos, alertando-os para a necessária atenção a Kardec e ao Estudo Constante do Espiritismo. Vejamos algumas delas:
1) Quem escreve sobre Espiritismo não escreve, faz psicografia” (p. 2).
Esta curiosa “constatação” precipitada faz com que se dê IMENSO VALOR ao que seja obtido pela via mediúnica, seja pela “estatura” de confiabilidade que determinados médiuns já ostentam, pelos anos de vinculação ao Espiritismo, seja porque se presume que os Espíritos comunicantes sejam, todos, de gabarito evolutivo superior. Recorde-se a advertência de Kardec de que todo e qualquer médium poderia estar sujeito a influenciações de espíritos de variados níveis evolutivos. 
2) “[...] ninguém acredita que se precisa estudá-lo, pensam quase todos que se aprende a doutrina ouvindo espíritos” (p. 2).
Por não terem acuidade no interesse do estudo, muitos espíritas preferem as reuniões em que os Espíritos se manifestam (vulgas “reuniões mediúnicas”) aguardando ansiosamente pela “fala do mentor” não só na doutrinação de outros espíritos que nelas se manifestam como na prescrição de “orientações” para situações gerais da vida e para o modus operandi das casas espiritistas. Daí, passam a repetir algumas frases, com ênfase: “o mentor disse”, “conforme orientou o protetor espiritual” e assim vai. 
3) A atualização [do Espiritismo] [...] é do método expositivo, que revela a plena atualidade da Doutrina e desenvolve alguns temas kardecianos em forma de exposição mais minuciosa, para melhor compreensão dos leitores. [...] Uma doutrina se atualiza na proporção em que evolui com acréscimos reais de conhecimentos no desenvolvimento de seus princípios” (p. 4).
Há muitos espíritas que se “arrepiam” diante da afirmação da progressividade dos conceitos espiritistas. Quando se menciona, então, a atualização da doutrina, são os primeiros a se posicionar dizendo que, quando hipoteticamente ela, a atualização, for ocorrer, serão os Espíritos Superiores que assim “irão determinar” e que precisará haver alguém da estatura de Kardec para, novamente, coordenar tal processo. Quanta falta de estudo e conhecimento da obra kardeciana! Foi o Codificador quem afirmou peremptoriamente a necessidade do Espiritismo acompanhar os progressos científicos, sob pena de se dogmatizar e se tornar obsoleto, diante de novas “descobertas” da Ciência humana. Todos os dias, deveríamos nós, espíritas, estarmos “atualizando” a obra original, seja pelos renovados colóquios com Espíritos e a resposta deles a novas indagações nossas, seja pelos resultados dos estudos realizados por indivíduos e grupos, à luz do conhecimento espírita e em multidisciplinaridade, consideradas as distintas e diversificadas áreas do conhecimento humano-espiritual. Como não nos habituamos a isso e relegamos a cátedra kardeciana que nos havia prelecionado isso, somos reféns da “crença” de só acatar os livros e as páginas recebidas por “médiuns oficiais” ou por espíritos “credenciados”.
4) Um espírita que se sujeita às lições de um mestre pessoal não é espírita; é um beato seguindo Antônio Conselheiro” (p. 35) e “Kardec estruturou a Ciência do Espírito e instituiu a pesquisa mediúnica, porque a mediunidade é a janela aberta no paredão dos fenômenos materiais para mostrar uma nesga do Infinito [...]. Mas os próprios espíritas, em geral, ao tentarem compreendê-lo, retornam às fontes mágicas do beatismo religioso, esquecidos de que religião sem ciência é superstição e ciência sem religião é loucura” (p. 81).
A beatitude a que Herculano menciona é a condição justamente daqueles que se vinculam ao Espiritismo atraídos pelas “revelações” espirituais, mas não se dedicam adequadamente ao estudo progressivo da doutrina e ficam, assim, à mercê de dirigentes, médiuns ou mesmo Espíritos, obedecendo-lhes as ordens sem qualquer exercício de racionalidade. Servem, portanto, de instrumento a qualquer mistificador, encarnado ou não, que se apresenta como missionário, mas que, na verdade, é um pseudossábio que ilude e impõe suas verdades por sobre as afirmações da Espiritualidade Superior.
 
E, ao falar de religião em interface permanente com a ciência, o professor toma o termo como “em caráter filosófico” exatamente como predisse Kardec no célebre discurso proferido por ocasião da celebração do dia dos mortos, e incluso na Revue Spirite (dezembro de 1868), texto que deveria servir de parâmetro para o entendimento do caráter “religioso” da doutrina (MORALIDADE), como o de natureza conclusiva do processo espírita, da filosofia com base científica e consequências morais.
5) Os sábios são dignos de admiração e respeito, quando se pronunciam sobre o que sabem. Mas quando opinam sobre o que não sabem igualam-se ao vulgo, dando simples opiniões desprovidas de valor. [...] Por isso o Espiritismo exigia atitude científica no seu estudo, pesquisas objetivas na comprovação das leis naturais que regem as suas relações com o mundo sensível e com os homens encarnados” (p. 74-75).
Novamente Herculano pontua a necessidade do exame sistemático e constante de qualquer produção mediúnica, considerando que aqui e acolá despontam indivíduos que passam a se pronunciar (mediunicamente ou não) sobre todo e qualquer assunto, dentro do rol de especialidades do conhecimento humano, passando a ditar verdades ou “sábias” orientações, inclusive as de procedimento, dentro do espectro das situações pessoais e familiares. Os consultórios sentimentais espíritas (!) são, destarte, o maior exemplo destas aberrações, porquanto alguns mal-intencionados se aproveitam dessas situações para a obtenção de vantagens ou favores pessoais ou para a exploração da ingenuidade e das necessidades alheias. 
6) Como no Cristianismo Primitivo, o Espiritismo foi acolhido com ansiedade pelas camadas pobres da população, que o converteram por toda parte numa nova seita cristã. [...] Contra essa avalancha de crentes humildes, predispostos ao beatismo, surgiram pequenos grupos de pessoas cultas, que lutaram muitas vezes com entusiasmo, mas acabaram cedendo à pressão dos preconceitos. Esses grupos se fecharam em sociedades de elite, desligados do povo, ou simplesmente desapareceram por falta de elementos dispostos ao trabalho árduo e à luta constante em defesa da doutrina” (p. 79).
Aqui temos um recorte histórico muito importante apresentado pelo professor. A presença nos dias iniciais de divulgação do Espiritismo em nosso país, das camadas pobres da população que foram atraídas para os grupos familiares de espiritismo (sessões realizadas nas residências dos primeiros espíritas) ou para os centros que iam sendo formados. Tal condição sócio-econômico-cultural permitiu às pessoas a adoção da doutrina como uma nova religião ou seita cristã, substitutiva, em muitos casos, da crença familiar de tais pessoas. Todos os que não o consideravam assim acabaram fundando novos grupos ou centros ou passaram a organizar reuniões fechadas, com a participação de pessoas com maior cultura e escolaridade, constituindo grupos específicos. Até hoje este segmento procura as instituições espiritistas e as tem como igrejas ou templos – alguns centros mesmo parecem verdadeiramente como tal, na arquitetura e na ambiência interna – e os mesmos grupos “eruditos” se apresentam hoje como espíritas laicos, gerando uma distinção marcante, apesar da condição majoritária dos primeiros em relação aos últimos.
 
A grande busca do hoje é a aproximação e o diálogo entre tais segmentos espíritas, buscando-se um “caminho do meio” que resolva as “diferenças” ou que invista nas semelhanças, com respeito mútuo e atividades em comum. Este processo que estamos perpassando, a partir do início da superação da visão religiosista da doutrina, permite divisar adiante a perspectiva de um movimento menos dogmático e mais aberto para a interconexão com outros saberes e organizações, convergentes à construção de uma nova Sociedade.  
7) Os instrumentos da pesquisa espírita, como dizia Kardec, são os médiuns, instrumentos de extrema sensibilidade e complexidade. Todos os médiuns estão sujeitos a interferências anímicas nas comunicações que transmitem. [...] Por isso Kardec sempre aconselhou o exame atento das comunicações recebidas, com sujeição de todas as que pudessem ser consideradas suspeitas. [...] Muitas comunicações que Kardec considerava como válidas, do seu ponto de vista pessoal, ele as divulgou sob reserva, por falta de comprovações objetivas. Essa cautela ele a transformou em regra doutrinária” (p. 87-88).
Na observação que fazemos das instituições espiritistas em geral, constatamos que a pesquisa desapareceu, a evocação de Espíritos minguou e o exercício da análise das comunicações recebidas nos centros inexiste. Não fazemos ciência nas instituições porque afirmamos não termos “especialistas” para tal mister, julgando que o trabalho de avaliação e seleção seja destinado a espíritos muito elevados em intelectualidade e moralidade. E, também, não ousamos aferir a fidedignidade das mensagens apresentadas porque estaríamos questionando moralmente o médium que serviu de instrumento ou duvidando da assinatura mediúnica dos “mentores”. O resultado disso é apresentado pelo Filósofo de Avaré neste trecho, demonstrando seja a dúvida pertinente em relação à identidade do Espírito comunicante como a forte incidência do componente anímico (vivência e bagagem espiritual do próprio médium, que pode ser útil e importante em dados contextos) no resultado comunicativo (psicográfico ou psicofônico). As reuniões mediúnicas, infelizmente, passaram a se constituir em espaço para “esclarecimento de espíritos inferiores ou sofredores” (não que estejamos defendendo o abandono desta prática) e não para a apresentação, nos moldes kardecianos, de novos questionamentos a serem respondidos pelos espíritos presentes. Neste particular, com a repetição da “fórmula de Kardec” e a observação de sua criteriosa metodologia de avaliação e seleção das comunicações, estaríamos nos prevenindo da perniciosa influência de espíritos zombeteiros e pseudossábios e garantindo a presença de mentores elevados para os propósitos de esclarecimento à luz do conhecimento espiritista. Vale dizer que eles mesmos, os Espíritos da Codificação teriam alertado que os desencarnados mais evoluídos se interessam pelas sessões em que os objetivos e práticas sejam verdadeiramente superiores e se afastam daquelas em que a ignorância impera (veja-se, a propósito, o capítulo XXVI de “O Livro dos Médiuns”).
8)  Três são os elementos fundamentais de que o Espiritismo se serve para transformar o nosso mundo num mundo melhor e mais belo: amor, trabalho e solidariedade” (p. 139).
Estas divisas foram, desde meados do século passado, tomadas como importante referência para o trabalho desenvolvido pela Federação Espírita Brasileira (FEB), após o chamado “Pacto Áureo” (1949), circunstância que uniu grande parte das instituições espiritistas brasileiras. Durante anos a Revista Reformador, da FEB, as utilizou logo abaixo do logotipo da revista – também valendo-se de outro, “Deus, Cristo e Caridade”, ambos dentro de uma simbologia numérica (três, tríade, trindade, o qual tem, segundo a numerologia, a seguinte tradução: o princípio manifestado, o Espírito, a Trindade de todas as tradições, o triângulo equilátero, o equilíbrio universal, a palavra pensada, dita), consolidando esses conceitos genuinamente espíritas. O primeiro representa o conjunto de virtudes necessárias ao progresso e à convivência social, amando, trabalhando e sendo solidário aos semelhantes. O segundo porque simboliza as “três revelações”, compreendidas as duas primeiras que tiveram personalização (Moisés e Jesus) e a terceira, sendo o Espiritismo que tem por divisa a caridade.
9) Gerações e gerações de espíritas passaram pela Terra, de Kardec até hoje, sem terem obtido sequer um laivo de educação espírita, de formação doutrinária sistemática. Aprenderam alguns hábitos espíritas, ouviram aulas inócuas de catecismo igrejeiro, tornaram-se, às vezes, ardorosos na adolescência e na juventude (porque o Espiritismo é oposição a tudo quanto de envelhecido existe no mundo), mas ao se defrontarem com a cultura universitária incluíram a doutrina no rol das coisas peremptas por não terem a menor visão da sua grandeza” (p. 141-142).
Aqui Herculano inicialmente faz uma severa crítica aos espíritas que não investem em programas regulares de ensino do espiritismo. É bem verdade que, a partir da década de 80, foram desenvolvidos programas específicos, por instituições sérias, que ganharam o país, como o programa básico da doutrina desenvolvido pelo Centro Espírita Luz Eterna, do Paraná e o estudo sistematizado que teve os gaúchos da federativa local como pioneiros, há 27 anos, depois sendo adotada a campanha pela Federação Espírita Brasileira (FEB). Contudo, esses planos de estudo não alcançam a totalidade dos frequentadores – sequer a parte majoritária – o que impede que a doutrina seja realmente conhecida em plenitude.
 
Depois, o professor diagnostica o tradicional desinteresse dos jovens que alcançam certa idade (universitária), pós 20 anos e acabam se desligando das juventudes ou mocidades espíritas, em grande número, ocupando-se de outros interesses (a partir da busca por sua qualificação profissional e formação educacional e pelo mercado de trabalho, assim como formam suas “turmas” baseadas em interesses mais materiais, relativos à música, artes, esportes, passeios, confraternizações, etc.).
10) O problema das mistificações é permanente nos mundos inferiores como o nosso. As criaturas incultas e grosseiras formam a maioria da população desses mundos. É evidente que a população desencarnada, espiritual, que sobrevive nas esferas circundantes do planeta é da mesma natureza. Lá, como cá, enxameiam os espíritos vaidosos, sistemáticos (como advertiu Kardec), empenhados a transmitir suas ideias aos homens. As ligações por afinidade formam os complôs de homens e espíritos que se julgam capazes de ensinar verdades absolutas. Basta a arrogância visível, embora disfarçada, às vezes, em falsa humildade, para mostrar aos observadores sensatos a que ordem e grau da escala espírita, pertencem essas criaturas em conluio” (p. 161-162).
Dizendo, adiante, que as mistificações estão presentes em todas as culturas e religiões humanas, Herculano assinala: “[...] Mas os mistificadores se servem da vaidade humana para infiltrar-se nas instituições doutrinárias, onde sempre encontramos criaturas ansiosas por novidades que superem a obra do mestre. [...] Precisamos manter constante vigilância em nossos estudos para não cairmos nas mistificações que nos levam a deturpar e aviltar a doutrina” (p. 169).
 
O alerta providencial de Herculano direciona-se aos encarnados espíritas para que estes assumam a direção efetiva das atividades realizadas nas instituições e grupos ou em nome do Espiritismo, evitando-se serem “guiados” pelos desencarnados. As mistificações que ele aponta tanto são dos Espíritos comunicantes (que, pela falta de estudo e vigilância, assim como pela não adoção dos critérios kardecianos de aferição da identidade espiritual, acabam sendo “reverenciados” e não contestados) como pelos médiuns e dirigentes que, “mediunizados” ou não apontam regras de conduta e prescrições, muitas delas totalmente contestáveis e discutíveis, que não sobrevivem ao cotejo com o edifício kardeciano.
11)  A luta contra o Cristianismo só se tornou eficaz quando os adeptos se deixaram fascinar pelo já agonizante Império Romano. Graças a essa fascinação o Império conseguiu submeter o Cristianismo ao seu serviço e o desfigurou em pouco tempo. No Espiritismo temos agora a técnica semelhante do Império das Trevas, organizado nas regiões inferiores do mundo espiritual, onde os espíritos apegados à matéria, revestidos de corpo espiritual em que os elementos materiais predominam, continuam a viver em condições terrenas. [...] essas entidades disputam as almas ignorantes e vaidosas das fileiras espíritas e as utilizam como instrumentos de confusão no meio doutrinário. As mistificações mais grosseiras são aceitas por esses adeptos vaidosos, que chegam à extrema audácia de aviltar os textos da Codificação Kardeciana e tentar substitui-los por obras eivadas de contradições e absurdos de toda a espécie” (p. 190).
Veja que curiosa comparação o professor faz entre o atual momento espiritista e o vivenciado, séculos antes, pelos cristãos primitivos. A fascinação, o desejo pela glória, o encanto pelo “reconhecimento” público encaminha muitos espíritas para a derrocada da proposta da doutrina, desviando-se dos propósitos ou substituindo-os por outros interesses, inclusive com alcances materiais (econômico-financeiros). De outra sorte, devemos ponderar que no Plano Espiritual se situam inúmeras criaturas que possuem as mesmas limitações, vícios e perturbações, assim como interesses nada nobres, e o consórcio destes com os encarnados projeta sobre o movimento espírita as situações que são verificadas hoje, com as deturpações e as enxertias nas casas. Outro ponto a evidenciar é a condição de desencarnados que se perfilaram em religiões e seitas e que não desejam o progresso e o conhecimento social das ideias espiritistas, infiltrando-se como “mentores” nos trabalhos e atividades para emplacar suas pseudoverdades e alterar o conteúdo espírita, permitindo-se que se tenha uma nova seita cristã com dogmas e rituais, bem distantes do projeto kardeciano de uma doutrina livrepensadora e humanista, sem qualquer espectro de organização religiosa.
12) “[...] Este é o momento grave da evolução terrena em que não podemos esquecer a advertência de Jesus: Seja o teu falar sim, sim; não, não. Multidões de criaturas foram sacrificadas no passado para que a Humanidade se libertasse de seus enganos e pudesse encontrar os caminhos limpos da verdade, ou seja, das coisas reais, verdadeiras, que nos conduzem ao saber e à liberdade” (p. 191, grifos do original).
Herculano em uma de suas obras qualifica e substantiva o atual momento vivido pelos espíritas: a Hora do Testemunho, simbolizando a imperiosa tarefa de lutarmos contra as tentativas (nem sempre mal intencionadas) de adulteração do Espiritismo, com as introduções de conceitos, teorias e práticas pessoais ou de outras correntes e setores do conhecimento humano. Sim, sim, então, para a manutenção das regras metodológicas e principiológicas espiritistas e não, não para os novidadeiros e suas fórmulas ou soluções mágicas para os problemas humanos.
13) Trocar o ensino puro do Mestre pelas bugigangas de camelôs vaidosos é fazer o papel dos porcos da parábola, que rejeitam as pérolas e avançam raivosos contra quem as oferece. [...] É essa a maneira mais eficaz de se combater o Espiritismo na atualidade: cruzar os braços, sorrir amarelo, concordar para não contrariar, porque, nesse caso, o combate à doutrina não vem de fora, mas de dentro do movimento doutrinário” (p. 191-192).
Singular analogia com a parábola dos porcos e pérolas, já que muitos espíritas, por não terem a formação desejável e a acuidade para perceber as tentativas de adulteração, são atraídos pelo canto da sereia das novidades. E alguns que até percebem as infiltrações, ao invés de se posicionarem (educada, mas firmemente) contrários a isso, passam a “sorrir amarelo”, concordam para “não contrariar”, para não turbar o ambiente, para não serem “mal vistos” e por aí vai... Este comodismo também é altamente pernicioso e é comum se ouvir a expressão “mas que mal tem isso?” em relação ao que se “insere” nas atividades espíritas. Nós responderíamos MUITO MAL, porquanto afora as questões relacionadas à continuidade (progressividade) dos conceitos e dos ensinos espíritas, pela continuidade do intercâmbio medianímico, qualquer outra prática ou teoria presente nesta ou naquela corrente de pensamento ou atividade humana nada tem de proveito para o Espiritismo enquanto doutrina. O que não significa que a pessoa, interessada em ampliar seus próprios conhecimentos e experiências, tenha contato, pratique e adote outras situações em sua rotina de vida. O problema real é colocar para dentro das portas das instituições e as tomar como “espíritas” como se, tais, fossem.
14) Bastam esses fatos para nos mostrar que o Espiritismo é o Grande Desconhecido dos próprios espíritas. E é por isso, por causa dessa negligência imperdoável no estudo da doutrina, que os próprios adeptos se transformam em eficientes instrumentos de combate ao Espiritismo. As pessoas de bom senso e cultura se afastam horrorizadas de um meio em que só poderiam permanecer em ritmos de retrocesso ao condicionamento das crendices e do fanatismo. No campo científico o nada não existe nem pode existir. E como a base da doutrina é a Ciência, a sólida base dos fatos, a verdade incontestável é que o nosso movimento espírita não tem base. Se os espíritas conscientes não se dispuserem a uma tentativa de reconstrução, de reerguimento desse edifício em perigo, ficaremos na condição de nababos que desprezam as suas riquezas por incompetência para geri-las. Temos nas mãos a Ciência Admirável que o Espírito da Verdade propôs a Descartes e mais tarde confiou a Kardec. Mas do que vale a ciência e o poder, a fortuna e a glória, se não formos capazes de zelar por tudo isso e nem mesmo de compreender o que possuímos? Nós mesmos abrimos o portal da muralha e recolhemos, alegres e estultos, o Cavalo de Tróia em nossa fortaleza inexpugnável” (p. 193-194, marcação do autor).
Negligentes! É isso que somos, muitas vezes ou sempre. Não temos, em regra, grande atração pelo aprofundamento dos estudos e pela guarda dos princípios logicamente instituídos pelo Codificador, em consórcio com os Espíritos Superiores que trouxeram tantas e oportunas verdades. Há, ainda, certo menosprezo pela Ciência Espírita (que muitos chamam de aspecto científico da doutrina), porque muitos têm dificuldades em realizar pesquisas científicas, dentro do chamado rigor metodológico e não procuram nem participam de atividades com esse cunho. Quando a instituição, ainda, promove algum evento com predominância do caráter científico, muitos sequer se interessam e outra parte, mesmo comparecendo, por falta de estudo e dedicação específica, pouco assimila ou compreende. Se é em outro local, instituição espírita ou não, tampouco comparecem, alegando “n” desculpas. Sem ciência não se terá a disseminação das ideias espíritas na Sociedade, visto que todos os progressos humano-sociais são capitaneados pelas descobertas científicas e suas aplicações à vida em geral das individualidades e coletividades.
15) Kardec estabeleceu a linha epistemológica da doutrina na sequência lógica: Ciência, Filosofia e Religião, admitindo essa última como Moralidade, segundo a concepção de Pestalozzi, rejeitando a sua comparação com as religiões formalistas e dogmáticas. A Religião Espírita é livre e aberta, sem sacerdócio nem sacramentos, apoiada nas conquistas científicas e nos desenvolvimentos da Filosofia, buscando a verdade que só pode ser obtida pela adequação do pensamento à realidade comprovada pelos fatos cientificamente provados” (p. 199-200).
Herculano reproduz a concepção genuinamente kardeciana para a Doutrina Espírita composta como filosofia espiritualista de bases científicas e consequências morais, afastando de plano a sua caracterização como religião e seita e valorizando, ao contrário, a porção de religiosidade de cada ser em marcha possui, pelas vivências e pela relação individual que tenha com o Criador. O problema é que, mesmo conhecendo este contexto, muitos espíritas acabam privilegiando a questão “religiosa” do Espiritismo e, embora negando os componentes das religiões tradicionais (descritos por Herculano como sacerdócio, sacramentos, além de dogmas, ritos, rituais e hierarquia), se visualiza estas situações em muitos centros e atividades espiritistas. Situação, assim, bastante contraditória porque afirma não ser religião, mas possuir um caráter religioso e também por negar as características essenciais da religião e, na prática, se perceber que a rotina e a conduta se assemelham fortemente a estas. Como explicar isso?
Este, muito rapidamente, é um retrato da obra em comento e da temática escolhida pelo saudoso professor para tratar do Espiritismo como o “grande desconhecido” e oferecer-nos a profilaxia para este mal (o desconhecimento proposital ou desidioso). Recomendamos sua atenta leitura e, até, o estudo em grupo da mesma em ambiência espírita, para que possamos, urgente e celeremente, trabalharmos pela desmistificação do Espiritismo e pela retomada das prescrições kardecianas para grupos de estudo e trabalho e para as instituições espiritistas, longe do pieguismo, da carolice e da simplificação em nome das novidades e das enxertias.
 
Kardec, por certo, e o próprio Herculano estarão sorrindo quando isso se efetivar!
 
(*) Marcelo Henrique Pereira, Doutorando em Direito, Assessor Administrativo da ABRADE, Assistente da Vice-Presidência de Cultura e Ciência da Federação Espírita de Santa Catarina.
 
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