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sábado, 24 de agosto de 2013

A proibição de Moisés


ROGÉRIO COELHO
rcoelho47@yahoo.com.br
Muriaé, MG (Brasil)

Ao tempo de Moisés a evocação dos mortos não
se respaldava nossentimentos de respeito,
afeição, ou piedade para com eles
 

(Parte 1)

“(...) E entre vós ninguém haja que consulte os que têm o Espírito de
Píton e se propõem adivinhar, interrogando os mortos para
saber da verdade.”
 - Moisés (Deuteronômio, 13:9 a 12.)

 
Além de proibir o intercâmbio indiscriminado com os Espíritos, Moisés manda, também, apedrejar a mulher adúltera; matar e enterrar o boi que machucou alguém... Será que nos dias de hoje essas leis ainda são obedecidas?
Allan Kardec ensina o seguinte[1]:
“Se a lei de Moisés deve ser tão rigorosamente observada num ponto, força é que o seja igualmente em todos os outros. Por que seria ela boa no tocante às evocações e má em outras partes? É preciso ser consequente. Desde que se reconhece que a lei mosaica não está mais de acordo com a nossa época e costumes em dados casos, a mesma razão procede para a proibição de que tratamos. Demais, é preciso expender os motivos que justificavam essa proibição e que hoje se anularam completamente: O legislador hebreu queria que o seu povo abandonasse todos os costumes adquiridos no Egito, onde as evocações estavam em uso e facilitavam abusos, como se infere destas palavras de Isaías: “O Espírito do Egito se aniquilará a si mesmo e eu precipitarei seu conselho; eles consultarão seus ídolos, seus adivinhos e seus pítons”.
Os israelitas não deviam contratar alianças com as nações estrangeiras, e sabido era que naquelas nações que iam combater encontrariam as mesmas práticas. Moisés devia, pois, por política, inspirar aos hebreus aversão a todos os costumes que pudessem ter semelhanças e pontos de contacto com o inimigo.   Para justificar essa aversão, preciso era que apresentasse tais práticas como reprovadas pelo próprio Deus, e daí estas palavras: “O Senhor abomina todas essas coisas e destruirá, à vossa chegada, as nações que cometem tais crimes”. 
Existem duas partes distintas na lei de Moisés – A proibição de Moisés era assaz justa, porque a evocação dos mortos não se originava nos sentimentos de respeito, afeição, ou piedade para com eles, sendo antes um recurso para adivinhações, tal como nos augúrios e presságios explorados pelo charlatanismo e pela superstição. Essas práticas, ao que parece, também eram objeto de negócios, e Moisés, por mais que fizesse, não conseguiu desentranhá-las dos costumes populares.
Essas práticas supersticiosas perpetuaram-se até a Idade Média, mas hoje a razão predomina ao mesmo tempo em que o Espiritismo veio mostrar o fim exclusivamente moral, consolador e religioso das relações de além-túmulo.
Há duas partes distintas na lei de Moisés: a Lei de Deus propriamente dita, promulgada sobre o Sinai, e a lei civil ou disciplinar, apropriada aos costumes e ao caráter do povo. Uma dessas leis é invariável, ao passo que a outra se modifica com tempo, e a ninguém ocorre que possamos ser governados pelos mesmos meios por que o eram os judeus no deserto.
Quem pensaria hoje, por exemplo, reviver este artigo da lei mosaica[2]: “Se um boi escornar um homem ou mulher, que disso morram, seja o boi apedrejado e ninguém coma da sua carne; mas o dono do boi será julgado inocente”.
Este artigo nos parece absurdo, não tinha, no entanto, outro objetivo senão o de punir o boi e inocentar o dono, equivalendo simplesmente à confiscação do animal, causa do acidente, para obrigar o proprietário a maior vigilância. A perda do boi era a punição que devia ser bem sensível para um povo de pastores, a ponto de dispensar outra qualquer; entretanto, essa perda a ninguém aproveitava por ser proibido comer a carne. 
Haveria Jesus modificado a lei mosaica? – Tudo tinha razão de ser na legislação de Moisés, vez que ela tudo prevê em seus mínimos detalhes, mas a forma, bem como o fundo, adaptava-se às circunstâncias ocasionais. Se Moisés voltasse em nossos dias para legislar sobre uma nação civilizada, decerto não lhe daria um código igual ao dos hebreus.
A esta objeção opõe a afirmativa de que todas as leis de Moisés foram ditadas em nome de Deus, assim como as do Sinai. Mas julgando-as todas de fonte divina, por que ao Decálogo limitam os mandamentos? Qual a razão de ser da diferença? Pois não é certo que se todas as leis emanam de Deus devem ser igualmente obrigatórias? E por que não conservam a circuncisão, à qual Jesus se submeteu e não aboliu? Ah! Esquecem que, para dar autoridade às suas leis, todos os legisladores antigos lhes atribuíram uma origem divina. Pois bem: Moisés, mais do que nenhum outro, tinha necessidade desse recurso, atento ao caráter de seu povo; e se, a despeito disso, ele teve dificuldades em se fazer obedecer, que não sucederia se as leis fossem promulgadas em seu próprio nome? Não veio Jesus modificar a lei mosaica, fazendo da Sua Lei o código dos cristãos? Não disse Ele: “Vós sabeis o que foi dito aos antigos, tal e tal coisa, e eu vos digo tal outra coisa?” Entretanto, Jesus não proscreveu, antes sancionou a Lei do Sinai, da qual toda a Sua Doutrina moral é um desdobramento.
Ora, Jesus nunca aludiu em parte alguma à proibição de evocar os mortos, quando este era um assunto bastante grave para ser omitido nas Suas prédicas, mormente tendo Ele tratado de outros assuntos secundários.
Terão os diversos cultos receio das manifestações? – Se Moisés proibiu evocar os mortos, é que estes podiam vir, pois do contrário inútil fora a proibição. Ora, se os mortos podiam vir naqueles tempos, também o podem hoje. Se os Espíritos se perturbassem ou se agastassem com os nossos chamados, certo o diriam e não retornariam; porém, nas evocações, livres como são, se se manifestam é porque lhes convém.
Todas as razões alegadas para condenar as relações com os Espíritos não resistem a um exame sério. Pelo ardor com que se combate nesse sentido é fácil deduzir o grande interesse ligado ao assunto. Daí a insistência. Em vendo esta cruzada de todos os cultos contra as manifestações, dir-se-ia que delas se atemorizam.
O verdadeiro motivo poderia bem ser o receio de que os Espíritos, muito mais esclarecidos, viessem instruir os homens sobre os pontos que se pretende obscurecer, dando-lhes conhecimento, ao mesmo tempo, da certeza de um ou outro mundo, a par das verdadeiras condições para nele serem felizes ou desgraçados. A razão deve ser a mesma por que se diz à criança: Não vá lá, que há lobisomem”.  Ao homem dizem: “Não chameis os Espíritos: são o diabo”. Não importa, porém: impedem os homens de os evocar, mas não poderão impedi-los de vir aos homens para levantar a lâmpada de sob o alqueire.
O culto que estiver com a verdade absoluta nada terá que temer a luz, pois a luz faz brilhar a verdade e o demônio (que, aliás, nem existe) nada pode contra ela.
Repelir as comunicações de além-túmulo é repudiar o meio mais poderoso de instruir-se, já pela iniciação nos conhecimentos da Vida Futura, já pelos exemplos que tais comunicações nos fornecem.  
Será benéfico aos Espíritos interdizer as comunicações? – A experiência nos ensina, além disso, o bem que podemos fazer, desviando do mal os Espíritos imperfeitos, ajudando os que sofrem a desprenderem-se da matéria e a se aperfeiçoarem. Interdizer as comunicações é, portanto, privar as Almas sofredoras da assistência que lhes podemos e devemos dispensar.
As seguintes palavras de um Espírito resumem admiravelmente as consequências da evocação, quando praticadas com fim caritativo:
“Todo Espírito sofredor e desolado vos contará a causa da sua queda. Os desvarios que o perderam. Esperanças, combates e terrores; remorsos, desesperos e dores, tudo vos dirá, mostrando Deus justamente irritado a punir o culpado com toda a severidade. Ao ouvi-lo, dois sentimentos vos acometerão: o da compaixão e o do temor! Compaixão por ele, temor por vós mesmos. E se o seguirdes nos queixumes, vereis, então, que Deus jamais o perde de vista, esperando o pecador arrependido e estendendo-lhe os braços compassivos logo que procure regenerar-se. Do culpado vereis, enfim, os progressos benéficos para os quais tereis a felicidade e a glória de contribuir, com a solicitude e o carinho do cirurgião acompanhando a cicatrização da ferida que pensa diariamente”.
Muitas criaturas que já frequentam as reuniões mediúnicas, quando perguntadas por que o fazem, respondem equivocadamente: “é para fazer a caridade”. Só que se esquecem de falar que a caridade é para com elas mesmas, porque vendo o que acontece com os Espíritos calcetas e entendendo por que eles caíram na situação infeliz, na certa não vão fazer o mesmo que eles, aprendendo, assim, com a situação dos infelizes.


[1] - KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 51. ed. Rio: FEB, 2003, 1ª parte, cap. XI, itens 3 a 15.
[2] - Êxodo, cap. XXI, versículos 28 e seguintes. 
 

http://www.oconsolador.com.br/ano7/326/especial.html  

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