a partir de maio 2011

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A FALANGE DO CONSOLADOR

J. Herculano Pires
No livro O Espírito e o Tempo
II parte – Capítulo V

1.  AS MESAS GIRANTES
 
Das coisas aparentemente mais insignificantes, surgem as mais assombrosas.  Kardec lembra, na “Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita”, que as experiências de Galvani se iniciaram com a observação da dança das rãs. Hoje poderíamos lembrar que as maiores explosões do século foram produzidas pelo átomo, a partícula infinitesimal da matéria. Nada há de estranho, portanto, em que a “descoberta do espírito”, pelo método científico experimental, tenha por ponto de partida a observação da dança das mesas. Tudo quanto se tem dito e escrito, para ridicularizar o Espiritismo, a propósito da dança das mesas, pode ser refutado com esta simples observação de Kardec, no mesmo texto citado: “É provável que, se o fenômeno observado por Galvani, o tivesse sido por homens vulgares e caracterizado por um nome burlesco, estaria ainda relegado ao lado da varinha mágica. Qual, com efeito, o sábio que não se teria julgado diminuído ao ocupar-se da dança das rãs?”
 
O Prof. Hippolite Léon Denizart Rivail interessou-se pelas mesas girantes em 1854, quando um seu amigo, o Sr. Fortier, lhe falou a respeito. O Prof.  Rivail contava então cinquenta anos de idade. Era um conhecido autor de obras didáticas, adotadas nas escolas francesas, membro da Academia Real de Arras, discípulo de Pestalozzi e propagandista dos princípios pedagógicos do mestre, professor no Liceu Polimático, autor de uma gramática francesa e de um manual de preparação para os cursos científicos da Sorbonne. Homem de cultura ampla e sólida, dedicado aos estudos positivos, vos, e não, como querem fazer crer os adversários do Espiritismo, um místico de pretensões messiânicas. Muito longe estava disso o Prof. Rivail. E tanto assim que, quando o Sr. Fortier lhe afirmou que as mesas girantes “falavam”, sua resposta foi a seguinte: “Só acreditarei ao vê-lo, e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir, e que pode tornar-se sonâmbula. Até lá, permita-me não ver no caso mais do que uma história para nos fazer dormir em pé.”
 
A referência ao sonambulismo nos lembra que o Prof. Rivail, como o seu amigo Fortier, estudava o magnetismo, a cujos estudos dedicou, aliás, numerosos anos, sempre na mais rigorosa linha de observação científica. “Eu estava então na posição dos incrédulos de hoje — anotaria Kardec mais tarde — que negam, apenas por não ter visto, um fato que não compreendem.” Logo mais, anotaria ainda: “Achava-me diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às leis da natureza, e que a minha razão repelia. Ainda nada vira, nem observara. As experiências realizadas na presença de pessoas honradas, dignas de fé, confirmavam a minha opinião, quanto à possibilidade de um efeito pura mente material. A ideia, porém, de uma mesa-falante, ainda não me entrara na mente.”
 
Como se vê, os materialistas que hoje negam os fenômenos espíritas, sem estudá-los, e querem tudo atribuir a efeitos materiais, nada fazem de novo. O próprio Kardec procedeu assim, quando esses mesmos fenômenos exigiram a sua atenção. No ano seguinte, em 1855, o Sr. Carlotti falou ao Prof. Rivail dos mesmos fenômenos, com grande entusiasmo. Kardec anota, a respeito: “Ele era corso, de temperamento ardoroso e enérgico, e eu sempre lhe apreciara as qualidades que distinguem uma grande e bela alma, porém, desconfiava da sua exaltação. Foi o primeiro a me falar da intervenção do s espíritos, e me contou tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer, aumentou-me as dúvidas. Um dia o senhor será dos nossos, concluiu. Não direi que não, respondi-lhe: veremos isso mais tarde.”
 
Em princípios de maio de 1855, em companhia do magnetizador Fortier, o Prof. Rivail dirigiu - se a casa da sonâmbula Madame Roger, onde foi convidado pelo Sr. Fortier para assistir as reuniões que se realizavam na residência da Sra. Plainemaison, à rua Grange Batelière.  Numa terça-feira de maio, às 20 horas (infelizmente o lugar do dia ficou em branco nas anotações), teve oportunidade de assistir “a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta.” É o antigo processo da “cesta de bico”, ou seja, uma cestinha com um lápis amarrado ao lado, pendurada sobre a mesa, e em cujas bordas os médiuns colocavam as mãos, produzindo a escrita.  Viu também, pela primeira vez, a dança das mesas, que descreveu nestes termos: “Presenciei o fenômeno das mesas, que giravam, saltavam e corriam, em condições tais que não havia lugar para qualquer dúvida.”
 
 Acentuemos que esta expressão de Kardec: “não havia lugar para qualquer dúvida” é de grande importância, dado o seu rigoroso critério de observação.  Algumas pessoas contrárias ao Espiritismo, entre as quais se destacam vários sacerdotes hipnotizadores, esforçam-se até hoje para demonstrar que a dança das mesas é produto de fraude ou mistificação.  Quem tiver a oportunidade de assistir a uma experiência desse tipo, numa s ala, com pessoas amigas ou insuspeitas — e elas podem ser feitas em qualquer lugar, desde que em ambiente tranquilo e sadio — verificará sem dificuldades que a fraude é impossível.  A mesa se move por si, muitas vezes com violência, chegando mesmo a levitar, erguer-se no espaço, sem contato ou apenas com um leve contato das mãos. Basta que exista um médium de efeitos físicos, e que se observem as condições necessárias, deixando-se a mesa o mais livre possível do contato das pessoas, em plena luz, para que a suspeita de fraude se torne até mesmo ridícula, diante da evidência do fenômeno.  As experiências malfeitas, por pessoas de boa-fé, que não tomam as devidas cautelas, é que dão motivo às suspeitas, de que se servem os adversários do Espiritismo.
 
Na casa da Sra. Plainemaison o Prof. Rivail travou conhecimento com a família Baudin, e passou a frequentar as sessões semanais que o Sr. Baudin realizava em sua residência, à rua Rochechouart. As médiuns eram duas meninas, filhas do dono da casa, Julie e Caroline Baudin, de 14 e 16 anos, respectivamente. As reuniões eram frívolas, e Kardec as define assim: “A curiosidade e o divertimento eram os objetivos capitais de todos.” O espírito que presidia os trabalhos dava o nome simbólico de Zéfiro,“nome perfeitamente de acordo com o seu caráter e o da reunião”, dizem as notas. Não obstante, mostrava-se bondoso e dizia -se protetor da família. Kardec acrescenta: “Se, com frequência, fazia rir, também sabia, quando necessário, dar conselhos ponderados e utilizar, quando havia ensejo, o epigrama, espirituoso e mordaz.”
 
O Prof. Rivail não comparecia às reuniões com o objetivo frívolo de divertir-se. Queria observar os fenômenos e tirar as suas deduções.  Bastou a sua presença, para que o teor das reuniões se modificasse. Submetido a perguntas sérias, Zéfiro mostrou-se capaz de respondê-las, senão por si mesmo, pelo menos assessorado por outras entidades. Vejamos, pelas suas próprias anotações, como Kardec conseguiu fazer que a dança das mesas e a própria dança da cesta se transformassem, de coisas aparentemente insignificantes, nos instrumentos de transmissão da poderosa mensagem espiritual que o mundo recebeu, no cumprimento da promessa messiânica do Cristo: “Foi nessas reuniões — dizem as notas — que comecei os meus estudos sérios de Espiritismo, menos por meio de revelações, do que de observações. Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método experimental. Observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências; dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão. Foi assim que procedi sempre, em meus trabalhos anteriores, desde a idade entre 15 e 16 anos.”
 
2.  A MENSAGEM DA CESTA
 
A revelação mosaica, lendariamente ou não, nasceu de uma cesta — a cestinha de vime em que a princesa egípcia encontrou Moisés nas águas do Nilo — e a revelação cristã, das palhas de uma manje doura.  Da mesma maneira, podemos dizer que a revelação espírita nasceu da cesta-de-bico ou cesta-escrevente. Se nos dois primeiros casos a distância não nos permite afirmar a realidade ou o sentido puramente alegórico da cesta e da manjedoura, no caso da revelação espírita não há dúvida possível. Assim, de certa maneira, a origem simbólica das revelações anteriores se confirma no simbolismo real da revelação moderna.
 
O vime e a palha são produtos da terra, mas a cesta e a manjedoura são manufaturas. A natureza leve desses produtos vegetais dá-lhes a aparência de uma emanação: a vida que rompe a densidade material do solo, buscando a fluidez atmosférica. O trabalho de modelagem do homem é um socorro do espírito a essa matéria em ascensão. A cesta ou a manjedoura, concluídas, consubstanciam o impulso de transcendência da vida e a resposta da consciência humana a esse impulso. Estamos diante de um fetiche, de uma obra de magia, de um artefato em que se misturam as forças da terra e os poderes da mente. A impregnação espiritual da matéria pelo espírito, através do trabalho, resultando na síntese dialética do instrumento, permite a integração deste num plano superior da vida, que é o plano social. O Messias, que revela novas dimensões do processo vital, pode então apoiar-se nesse instrumento dúctil e vibrátil, para ofertar aos homens a messe de uma nova revelação.
 
A cesta-escrevente é a mais aprimorada forma desse símbolo da transcendência. Quando as meninas Baudin punham as mãos angélicas nas suas bordas, — mãos de criança, impregnadas mediunicamente pelo magnetismo espiritual — a cesta-escrevente ascendia ao plano da inteligência, inserindo-se na fronteira do visível com o invisível. Então, rompia-se docemente a grande barreira, para que a mensagem do Espírito fluísse sobre a Matéria, e as Inteligências libertas pudessem confabular com as inteligências escravizadas no cérebro humano. Foi esse o mistério que o Prof. Rivail soube ver, com intuição plena de suas consequências, ao interpelar os Espíritos nas sessões da casa do Sr. Baudin, e mais tarde na casa do Sr. Roustan, com a médium Srta. Japhet.
 
Ninguém poderia dizer melhor, de maneira mais sintética e mais profunda, o que foi esse momento, do que o próprio Kardec, neste breve trecho de suas anotações particulares: “Compreendi, antes de tu do, a gravidade da exploração que ia empreender. Percebi, naqueles fenômenos, a chave do problema tão obscuro e controvertido, do passado e do futuro da humanidade, a solução que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução nas ideias e nas crenças. Fazia-se necessário, portanto, andar com maior circunspecção, e não levianamente; ser positivista e não idealista, para não me deixar iludir.” Como se vê, a cautela do homem maduro, experiente, culto, acostumado a tratar os problemas humanos com os pés bem firmados na terra, mas de olhos atentos ao brilho do céu.
 
Moisés havia enfrentado, na antiguidade bíblica, os problemas da mediunidade, a partir dos “Mistérios” egípcios, levando consigo pelo deserto um grupo de médiuns, à frente dos quais se mantinha, nas ligações com o mundo espiritual.  Jesus fizera o mesmo, com o seu grupo de apóstolos, chegando ao episódio das materializações do Tabor, e mais tarde das suas próprias manifestações nas reuniões apostólicas. Mas, para ambos, faltara a condição ambiente, a receptividade da mente humana para a compreensão exata do processo mediúnico. Moisés e Jesus haviam trabalhado o barro místico do mundo antigo, modelando-o, com dificuldade, na possível vasilha destinada a receber, mais tarde, o conteúdo do espírito. O Prof. Rivail surgia muito depois da Idade Média e da Renascença, depois do Mundo Moderno, no li miar do Mundo Contemporâneo. Tinha diante dos olhos a vasilha preparada, e ao alcance das mãos o conteúdo que a ela se destinava. Estava livre das injunções do misticismo, em plena era da razão, e podia não somente encarar, mas também e principalmente apresentar ao mundo o problema, em sua verdadeira natureza.
 
Armado dos instrumentos culturais da época, e da intuição necessária a superá-los, quando preciso, o Prof. Rivail soube tirar da cesta-escrevente, para o novo mundo em que se encontrava, as mesmas consequências, já agora com maiores possibilidades de desenvolvimento e aproveitamento, que a antiguidade bíblica e a antiguidade clássica ha viam tirado da cesta-flutuante do Nilo e da cesta-resplendente de Belém.  Se Moisés e Jesus ouviam o Mundo Espiritual e ofereciam aos homens a orientação para a transcendência, o Prof. Rivail viu-se em condições de interpelar esse mundo, penetrar nos seus segredos, dialogar com ele e convidar os homens a acompanhá-lo nesse diálogo. A cesta-escrevente foi apenas o ponto de partida de um imenso diálogo, no plano da inteligência, da razão, e da própria experimentação científica, entre o Visível e o Invisível, que se prolongaria pelo futuro.
 
A natureza desse diálogo não é mística, não é messiânica, porque os tempos são outros, e as portas do antigo mistério se abriram ao impacto do raciocínio e da linguagem dos homens.  Vejamos ainda as anotações íntimas de Rivail: “Um dos primeiros resultados que colhidas minhas observações, foi que os Espíritos, não sendo mais do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral. Que o saber de que dispunham se reduzia ao grau de adiantamento que haviam atingido, e que suas opiniões só tinham o valor das opiniões pessoais. Reconhecida esta verdade, desde o princípio, ela me preservou do grave escolho de acreditar na infalibilidade dos Espíritos, e me impediu ao mesmo tempo de formular teorias prematuras, com base no que fosse dito por um ou por alguns deles.” Esta posição de Kardec é de importância fundamental para a compreensão do Espiritismo.  Por não a conhecerem, ou por terem propositalmente fechado os olhos e os ouvidos diante dela, espíritas, não-espíritas e antiespíritas, têm cometido as mais graves in justiças ao codificador da doutrina e a sua obra.
 
Partindo da constatação de um fato: a existência de um mundo invisível que circundava o visível, o Prof. Rivail iniciou a exploração desse mundo. A mensagem da cesta-escrevente lhe abrira as portas desse aspecto desconhecido da natureza, que uns fantasiavam e outros negavam, em virtude mesmo da impossibilidade de conhecê-lo. Dali por diante, a alma não seria mais do “outro mundo”, mas deste mundo, e os mistérios do além-túmulo estariam abertos à investigação positiva. Pouco importa que os céticos tenham acusado Kardec de precipitação, enquanto os místicos o acusavam de andar demasiado lento. O próprio tempo se incumbiu de mostrar com quem estava a razão.  Das investigações espíritas do Prof. Rivail surgiram as experiências da Metapsíquica, as Sociedades de Pesquisa Psíquica, e em nossos dias as investigações da Parapsicologia, em pleno campo universitário, todas elas confirmando — esta última pelos métodos mais modernos e rigorosos — aquilo que podemos chamar “a mensagem da cesta”.
 
3.  O ESPÍRITO VERDADE
 
A mensagem da cesta-escrevente, como podemos ver no estudo da obra de Kardec, é a •da natureza positiva da alma, da sobrevivência do homem, não como fantasma, mas na plenitude de sua personalidade.  Ela tornou possível a investigação do mundo espiritual, através dos próprios métodos da ciência experimental.  Mas a ciência nada mais é que uma forma de relação, pela qual o sujeito conhece o objeto.  Se a mensagem da cesta-escrevente não fosse além disso, estaríamos tão-somente em face de um novo capítulo do desenvolvimento científico — exatamente o capítulo que coube a Richet, no século passa do, e a Rhine, neste século, desenvolverem, c om a elaboração sucessiva da Metapsíquica e da Parapsicologia.  Em outras palavras: o Espiritismo não seria mais do que um capítulo da Ciência.
 
Muito mais profunda, porém, se apresenta a mensagem da cesta-escrevente, quando o Prof. Rivail, na sessão de 25 de março de 1856, em casa do Sr. Baudin, pergunta ao Espírito que o orienta qual é a sua identidade. A resposta foi registrada nas anotações particulares de Kardec, e hoje podemos lê-la em “Obras Póstumas”.  Foi a seguinte:“Para ti, chamar-me-ei Verdade.” No momento, certamente, ninguém percebeu o sentido dessa resposta. O próprio Kardec anotará, mais tarde: “A proteção dêsse Espírito, cuja superioridade eu estava, então, longe de imaginar, jamais, de fato, me faltou.” Kardec acentua ainda, nas anotações sobre a sessão de 8 de abril do mesmo ano, que o Espírito Verdade lhe prometera ajuda, para a realização da sua obra, inclusive no tocante à vida material. A resposta do Espírito, nesse ponto, encerra uma lição de amor: “Nesse mundo, a vida material tem d e ser levada em conta, e não te ajudar a viver seria não te amar.”
 
A análise destes fatos é suficiente para destruir algumas tentativas de confusão sobre a obra de Kardec, lançadas no meio espírita, e segundo as quais o Espírito Verdade só o teria auxiliado na elaboração de “O Livro dos Espíritos”. Veja-se a anotação do próprio Kardec, de que a proteção desse Espírito jamais lhe faltou. E veja-se a declaração do próprio Espírito, de que o protegeria até mesmo no tocante aos problemas da vida material, para que ele pudesse desincumbir-se da missão que lhe era confiada. O Espírito Verdade não era apenas um símbolo, mas o Guia Espiritual de toda uma falange de Espíritos Superiores, incumbida de dar cumprimento à promessa do Cristo sobre o advento do Consolador.  Essa falange, por sua vez, não se restringe ao plano espiritual, mas se projeta na vida material, através da encarnação dos seus elementos, incumbidos de atuarem neste plano. Daí a referência do Espírito Verdade ao amor que o ligava a Kardec e lhe impunha a necessidade de assisti-lo ao longo de sua vida.
 
Na sessão de 30 de abril de 1856, em casa do Sr. Roustan, através da mediunidade da Srta.  Japhet, o Prof. Rivail tem, como ele mesmo anotou, a primeira revelação da sua missão.  Conversava-se, numa reunião “muito íntima”, sobre as transformações sociais em perspectiva, quando a médium, tocando na cesta, escreveu espontaneamente uma bela mensagem, em que anunciava uma fase de destruição, seguida de outra para reconstrução.  A interpretação dos presentes, inclusive a do Prof. Rivail, como se vê pelas suas notas, foi imediatista.  As coisas anunciadas, entretanto, deviam realizar-se em plano mais amplo.  Vejamos este trecho: “Deixará de haver religião; uma, entretanto, se fará necessária, mas verdadeira, grande, bela e digna do Criador. Seus primeiros alicerces já foram colocados. Quanto a ti, Rivail, tua missão se refere a esse ponto.”
 
Participava da reunião um moço que Kardec designa apenas pela inicial M., explicando que era dotado “de opiniões radicalíssimas, envolvido nos negócios políticos e obrigado a não se colocar muito em evidência.” Um revolucionário, por tanto.  O Espírito toma esse moço como símbolo da primeira fase, a de destruição, e aponta para ele o lápis da cesta, afirmando: “A ti, M., a espada que não fere, mas que mata; és tu que virás primeiro. Ele, Rivail, virá a seguir; é o obreiro que reconstrói o que foi demolido.” Ao dirigir-se a Kardec, a cesta apontou para ele o lápis, novamente, “como o teria feito uma pessoa que me apontasse com o dedo”, segundo a anotação.  Kardec informa que M., “acreditando tratar-se de uma próxima subversão, aprestou-se a tomar parte nela e a combinar planos de reforma”. A mensagem, porém, tinha sentido mais amplo e mais profundo, e suas profecias ainda se realizam, ainda se processam aos nossos olhos.
 
André Moreil, em seu livro recente sôbre a vida e a obra de Allan Kardec (Editions Sperar, Paris, 1961 — “La Vie et L’Oeuvre d’Allan Kardec”), acentua que o obreiro escolhido para a reconstrução se pôs a trabalhar, mas era “um obreiro que tinha atrás de si uma longa experiência pedagógica, que sabia tratar do problema, realizar as experiências necessárias, enquadrá-lo num conjunto harmonioso e arquitetural”. Conclui afirmando: “Esse pensador laborioso é um arquiteto, e o edifício por ele construído não poderá jamais ser destruído pela crítica ou o assalto dos adversários.” Essa proclamação de Moreil, feita com pleno conhecimento da causa espírita, nas letras francesas de hoje, reafirma a perenidade da obra de Kardec e a sua vitalidade na França, de onde os adversários querem nos convencer que ela foi excluída. A obra de Moreil tem ainda outro sentido, ou seja, o de mostrar que a interpretação do Espiritismo em seu tríplice aspecto, segundo o apresentaram Kardec, Sausse, Denis e outros, — como ciência, filosofia e religião — conserva sua plena e vigorosa validade no moderno pensamento espírita da França.
 
Com respeito ao Espírito Verdade, Moreil sustenta a reivindicação kardeciana: “A obra espírita de Allan Kardec, no seu aspecto religioso, aparece como um ditado do Espírito da Verdade, que é justamente o Consolador. O Espiritismo é, portanto, a religião fundada na promessa do Cristo: é o Terceiro Testamento anunciado aos homens.” E esclarece, a seguir: “O que é novo, portanto, no Espiritismo, em relação à religião cristã, é a explanação mais lógica e mais profundamente moral dos Evangelhos, no que eles possuem desde há dois mil anos.” E a propósito da incompreensão da natureza tríplice do Espiritismo, particular mente dos seus aspectos científico e religioso, Moreil formula a observação aguda e oportuna de que, para os sábios e para os teólogos, a religião espírita é um absurdo.  “Uns e outros — acentua ele — acham bons pretextos para menosprezar a religiosidade do Espiritismo, como se a verdade fosse dogmática ou ateísta.”
 
4.  A FALANGE DO CONSOLADOR
 
Desde a promessa de Jesus, no Evangelho de João, até a vinda do Consolador, podemos ver, através da História, o trabalho bimilenar de preparação que se realizou, para o seu cumprimento. Bastaria isso para nos mostrar a importância daquele momento em que o Espírito da Verdade se identificou para o Prof. Rivail. Após dois mil anos de fermentação histórica, de dolo roso amadurecimento do homem, de criminosas deformações da mensagem cristã, afinal se tornava possível o restabeleci mento dos ensinos fundamentais em sua pureza primitiva.  De um lado, o Espírito da Verdade se apresentava aos homens, à frente de elevadas entidades espirituais, que voltavam à terra para completar a obra do Cristo; de outro lado, Allan Kardec se colocava a postos, à frente de criaturas espiritualizadas, dispostas a colaborarem na imensa tarefa. O Céu e a Terra se encontravam e se davam as mãos. A Falange do Consolador não era apenas uma graça que descia do alto, mas também uma equipe de trabalhadores humanos, que se elevava para recebê-la.
 
A própria intimidade, logo estabelecida entre o Espírito da Verdade e Allan Kardec, as relações afetivas que se desenvolveram entre ambos, prolongando-se na consolidação de uma profunda confiança espiritual, através de quinze anos de intensa atividade, é suficiente para mostrar-nos quanto se achavam integrados no mesmo esforço, para a consecução do mesmo objetivo. Se o Espírito da Verdade comandava, por assim dizer, as atividades no plano espiritual, Allan Kardec fazia o mesmo no plano material. A Falange do Consolador se apresentava, portanto, como aquele grande exército espiritual, de que nos fala Conan Doyle, que tinha à frente uma turma de batedores. Desta vez, porém, os batedores estavam encarnados, constituíam a ponta-de-lança, a vanguarda terrena. E seu chefe, seu comandante, seu orientador, era o Prof. Rivail, um homem de cinquenta anos de idade, largamente experimentado, duramente provado, intensamente preparado para a grande missão. Somente ele, com o discernimento, a serenidade, a acuidade espiritual, o desprendi mento, a isenção de ânimo, a coragem e a profunda cultura que o caracterizavam, podia colocar-se à frente da equipe que enfrentaria o “velho mundo”, eriçado de preconceitos e ambições, para fazer nascer entre os homens a alvorada de um mundo novo”, irradiante de compreensão e de amor.
 
As pessoas que, dotadas de uma certa cultura, entusiasmam-se hoje com as possibilidade s da época, e pretendem reformar a obra de Kardec, refundi-la, ou mesmo substituí-la por suas elucubrações pessoais ou por instruções particulares que recebem de espíritos pseudossábios, deviam meditar um pouco sobre a grandeza daquele momento em que o Espírito da Verdade se revelou ao Prof. Rivail. O que então se cumpria era uma promessa do Cristo, através de todo um imenso processo de amadurecimento espiritual do homem terreno. Kardec era apenas o instrumento necessário à elaboração do Terceiro Testamento, da codificação da Terceira Revelação, e nunca, jamais, como ele mesmo acentuou, um Revelador, um Profeta, um Messias, ou ainda um Filósofo, que por si mesmo elaborasse um novo sistema de pensamento. De outro lado, o Espírito da Verdade não se dizia o detentor exclusivo da Verdade, nem o Revelador Espiritual, mas o orientador dos trabalhos de toda a Falange do Consolador.
 
Ao lado do Espírito da Verdade encontramos toda a plêiade de entidades espirituais que subscrevem a mensagem publicada nos “Prolegômenos” de “O Livro dos Espíritos”, e as demais, que aparecem como autoras das numerosas mensagens transcritas nesse livro, bem como no “Evangelho Segundo o Espiritismo” e nas outras obras da codificação. Além dessas entidades, as que não transmitiram mensagens diretas, mas auxiliaram o advento do Espiritismo, em todo o mundo, através de operações invisíveis, mas tão importantes, ou mais ainda, do que as visíveis e ostensivas. Ao lado de Allan Kardec, encontramos os seus colaboradores, desde os que foram incumbidos de despertar-lhe a atenção para os fenômenos, e a que já aludimos várias vezes, até os médiuns que mais diretamente o serviram, como as meninas Baudin, a Srta. Japhet, a Srta. Ermance Dufaux, Camille Flamarion, Víctorien Sardou, Tjedeman-Manthêse, Henri Sausse, o editor Didier, Gabriel Delanne, os companheiros da Sociedade Espírita de Paris, aquela que foi sua companheira de vida e de lutas, Amèlie Boudet, e tantos outros, inclusive os que, fora de França, em todas as partes do mundo, se dispuseram a auxiliá-lo na grande batalha.
 
Nem todos os componentes da Falange do Consolador, na sua vanguarda encarnada, exerceram funções de destaque. Entretanto, quantos trabalhadores humildes, que passaram despercebidos aos olhos humanos, brilham felizes na s constelações espirituais. À maneira do que se deu com a divulgação do Cristianismo, conhecemos um grupo de espíritos que desempenharam atividades evidentes e ocuparam posições de grande responsabilidade no trabalho missionário, mas desconhecemos milhares de criaturas que, por toda parte, executaram tarefas de importância fundamental, na obscuridade e na humildade. Da mesma maneira, não conhecemos a extensão dos trabalhos espirituais, desenvolvidos no espaço, e ignoramos os nomes, até mesmo, dos principais Espíritos a serviço da causa. Mas que importam os nomes, se cada qual, no espaço e na terra, teve a sua recompensa na própria oportunidade de trabalho?
 
O importante é procurarmos compreender o que foi esse momento histórico e espiritual do advento do Consolador. A publicação de “O Livro dos Espíritos”, em primeira edição, a 18 de abril de 1857, em Paris, marca o primeiro impacto da Doutrina Espírita no século. Não é ainda o livro definitivo, em sua forma acabada, que só virá a tomar com a segunda edição. Mas é o primeiro clarão da grande alvorada. Depois, virão “O Livro dos Médiuns”, em 1861, desenvolvendo e completando o livrinho “Instruções Práticas”“O Evangelho Segundo o Espiritismo”, em 1864, tendo nessa primeira edição o título de “Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo”“O Céu e o Inferno”, em 1865; “A Gênese, Milagres e as Predições, Segundo o Espiritismo”, em 1888. Com esse livro, concluía a Codificação. No ano seguinte, a 31 de março, Allan Kardec deixaria o mundo, encerrando sua missão. Mas encerrando-a apenas no tocante àquela existência, pois o seu trabalho se prolongaria pelos séculos, e os próprios Espíritos o advertiram da necessidade de uma nova encarnação, para prosseguimento da obra iniciada.
 
 
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