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sexta-feira, 24 de maio de 2013

O Cristo mitológico e as contradições paulinas


DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Caetano do Sul, SP (Brasil)


Teólogos veem em Jesus Cristo uma deidade pré-existente que se tornou mortal, e não como um mortal transformado em deidade conforme a Doutrina de Ário (280/336). O apóstolo Paulo teria sustentado a primeira ideia, ou seja, a da deidade pré-existente e mortal.
Segundo pensam alguns historiadores, Paulo, com o propósito de que Roma mais facilmente aceitasse os ensinamentos de Jesus, nivelou-o às divindades de lá. Dizem que o Apóstolo dos Gentios endeusou e mitificou o Mestre Nazareno para satisfazer interesses do patriciado, sendo ele, Paulo, cidadão romano.
Paulo o colocou na mesma altura de outros deuses das crenças bem mais antigas, além de igualar Mestre Jesus aos deuses romanos e àqueles cheios de mistérios e de cultos secretos, pertencentes ao Egito, Índia, Pérsia, Grécia e outros. Tal parecer vem dos que admitem apenas o Jesus histórico, como o historiador especulativo Michael Baigent, o contista Richard Leigh e o escritor-jornalista Henry Lincoln, autores da obra O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, livro best-seller com 17 edições na Inglaterra.  
Conceito de divindade através dos tempos 
Havia uma tendência de se considerar “deus” qualquer pessoa notável no mundo antigo. Orientais, gregos e romanos endeusavam seus vultos. Por causa dessa tradição, conceberam Jesus como o próprio Deus. O conceito de divindade, ao longo dos séculos, evoluiu desde as formas mais primitivas, oriundas das tribos de longínquo período histórico até as dogmáticas definições religiosas.
Historicamente, não se sabe quando os primeiros grupos primitivos conceberam e passaram a render culto a esses símbolos plenos de poderes especiais, concebidos à imagem e semelhança do homem.
Não se sabe em que época surgiu a ideia. As primeiras concepções teriam aparecido nos períodos Paleolítico e Neolítico, manifestadas pelo sentimento humano de um vínculo com a Terra, com a Natureza, com os ciclos e a fertilidade. A ideia mais moderna de deuses, dizem provir das religiões suméria, védica e egípcia, existentes por volta de 3.600 a.C. 
Era comum terem por filhos de alguma divindade certos homens. Aquele que se destacasse dos demais por sua sabedoria e primazia moral era, portanto, considerado uma dessas divindades, segundo se pensava, consequência da união delas com criaturas humanas do sexo feminino. O conjunto de mitos greco-romanos refertos de sentimento do extraordinário e magnitude de seus políticos, guerreiros e filósofos apresenta como filhos de deuses tais personalidades conscientes, de intelecto, desejos e emoções bastante humanas; não raro, detentores do poder, reputavam-se autoridades supremas e faziam-se obedecidos, impondo suas leis. 
Refutações e ressalvas 
O Cristo não se fundamenta na lógica nem em bases científicas, dizem. No caso do Cristianismo dos teólogos, o Cristo mitificado por Paulo não tem lógica pela incoerência da afirmativa segundo a qual ele e o Pai seriam uma só pessoa, haja vista a Doutrina ou Mistério da Santíssima Trindade copiada do Budismo, do Hinduísmo, do Druidismo, do Caldeísmo, da mitologia escandinava e da egípcia; sem embasamento científico, por motivo da suposta origem sem o ato sexual seguido da gravidez, sua fase ovular, embrionária e fetal até o nascimento. 
Paulo teria sido o grande responsável pelo endeusamento de Jesus de Nazaré em cartas e pregações, dizem. Estudiosos de textos evangélicos acreditam que Paulo incluiu Jesus no número das divindades de personificação masculina superiores aos homens. Há uma passagem que parece aludir a isto em Romanos, capítulo 9, versículo 5, no qual Paulo chama Jesus de “Deus bendito para sempre”; ainda assim, não se pode categoricamente afirmar que o apóstolo tenha querido dizer que Jesus seria o próprio Deus, segundo pensamos.
Em nosso entendimento, Paulo jamais afirmou que Jesus fosse Deus, como também sugere esta outra passagem igual àquela: “Deus bendito para todo o sempre” (1.a Coríntios, 8, 5). Essa suposta apoteose do Mestre procederia bem mais de João Evangelista que de Paulo (João, um dos principais líderes do Cristianismo Primitivo, junto com Tiago, irmão de Jesus). Quem mais deu força a essa ideia foi de fato o Evangelista, quando do “eu e o Pai somos um” (Jo., 10, 30), e no capítulo 14, versículo 9, há o “quem me vê a mim vê o Pai”.  
É nessas duas referidas passagens de João que os literalistas alegam a divindade de Jesus. O curioso é que eles não consideram este trecho em que João diz mais adiante: “Pai Santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós”. Note, nesta passagem, que o Mestre deifica os apóstolos (Jo., 17, 11, 21). Jesus nunca afirmara ser Deus. O título a que Ele reiteradas vezes se atribuía era o de Filho do Homem. Consta este dito 80 vezes nos evangelhos: 30 vezes no de Mateus; 14 vezes no de Marcos; 26 vezes no de Lucas; 10 no de João. Poucas vezes Jesus autodenominou-se “Filho de Deus”. Os discípulos e outros assim o chamavam. “Filho de Deus”, necessariamente, não significa o próprio Deus como se infere do Evangelista, cap. 1º, vers. 2: “A todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus”.
A propósito, Krishna era igualmente chamado “Filho de Deus”. Essa figura central do Hinduísmo, considerada a Segunda Pessoa da Trindade, consoante escrituras hindus, como Cristo, é o “único salvador do mundo”, “o verbo criador”. De acordo com o Bhagavata Purana, Krishna nasceu miraculosamente de um parto virginal, do ventre de Devaki, sua mãe terrena, como aconteceu à mãe de Jesus, Maria de Nazaré, ambas “concebidas sem pecado”. Krishna transfigurou-se, e era visto ainda como o Messias e a “palavra de Deus”; autor de muitas curas milagrosas, a declarar-se “caminho, verdade e vida”: Eu sou o caminho [...]; eu sou a vida [...]; sou eu mesmo a luz da Verdade [...]”.
Jesus foi um ser humano como outro qualquer deste planeta. Ele, consoante a Doutrina Espírita, representa o ser mais puro visto neste mundo, o tipo mais perfeito para servir de guia e modelo aos Espíritos encarnados e desencarnados pegados à Terra. No conceito do mestre Allan Kardec, ele é o tipo da pureza moral a que pode aspirar a Humanidade, e a doutrina ensinada por ele é a mais pura expressão da lei divina. De fato, outros ensinaram o que Jesus ensinou; mas os sentimentos demasiadamente terrenos, sendo dominantes, fizeram-nos confundir leis divinas com leis humanas. Só que um Espírito do valor de um Jesus de Nazaré, que não reencarnou, e sim encarnou na Terra, veio aqui e ensinou como se faz o bem, exemplificando-o; eis a diferença.
Conclusão
Por endeusarem pessoas julgadas especiais no mundo antigo, como vimos, os apóstolos assim foram vistos pelo povo, e pelo próprio Mestre de Nazaré (ou de Belém, e há controvérsia!). Provavelmente, Paulo e João desejaram projetar o Mestre como divindade, no meio de outras tantas. O Cristo do Cristianismo dos teólogos, concordamos com os ilustres citados autores, não passa mesmo de figura utópica.
Nem Paulo, nem João, segundo nosso ponto de vista, têm responsabilidade pelo endeusamento de Jesus de Nazaré. Responsabilidade têm os teólogos antigos e modernos: os antigos, por se aproveitarem daquele ambíguo pensamento a respeito de Jesus; os modernos, pela defesa dos colegas antigos sobre esse pensamento que convém ao dogma daquela famigerada trilogia a que se apegam e similares.
O Cristo, em verdade, é o Homem de Nazaré. Os espíritas, longe de verem em Jesus uma ama-seca, um camicase, veem nele o Mestre amigo e inteligente, amoroso, o Irmão mais perfeito em virtudes, um Espírito de alta hierarquia espiritual, vindo ao mundo para nos ensinar, sobretudo, como se ama a Deus, e não como temê-Lo.
Jesus é um Deus... E por que não?! É claro! Ele o é conforme o que pensava João, Paulo, Tomé (João, 20, 28) e os Espíritos superiores, porque ninguém melhor que Jesus merece esse título, com todo o respeito aos demais objetos de culto das antigas civilizações.
E fazendo nossas as palavras de um ex-pastor protestante, o digníssimo Jayme de Andrade, acerca de Jesus: Ele foi, com efeito, a mais perfeita das criaturas que jamais pisaram neste planeta; nele se manifestou corporalmente toda a plenitude da divindade (Paulo aos Colossenses, 2, 9), pois em nenhum outro homem se apresentaram mais excelsas a sabedoria e a virtude.
É assim que os espíritas sinceros, de verdade, pensam e seguem a Jesus, tomando-o como exemplo nas ações do dia-a-dia, principalmente, respeitando todas as religiões, sem ofender, dizer calúnias e condenação a quem quer que seja. Os que assim procedem certamente que estão na contramão dos ensinamentos de Jesus. Não passam de cristãos de boca.
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